Anita
Anita levou
o balde até a pia da cozinha. Realmente não fizera boa escolha. Achara certo
ganhar o seu próprio sustento, mas sete anos se passaram e ali estava ela. Belo
restaurante o seu, se é que podia chamar aquela espelunca de restaurante.
_ O que
trouxe da feira? _Perguntou a velha babá.
_ Nada de
muito bom. _ Respondeu desanimada.
_ Mas, pelo
menos, estava barato?
_ Sempre
está.
Sorriu, meio
amuada. Queria ter sempre ingredientes de primeira para fazer as refeições, mas
a freguesia só podia pagar pouco e tudo o que ela poderia oferecer era aquilo.
_ Devia me
deixar ajudá-la com as compras. É muito peso para você.
_Pra você
mais ainda, Bá. E o sol está muito quente.
_Não sou de
luxo.
_ Nem eu.
_ Pois
devia. Assim não arranja casamento.
_ Que
casamento, Bá? E eu estou ligando pra isso?
_ Pois
devia. Também, fica desperdiçando casamentos.
Não
desperdiçou tantos assim. Apenas três. Eusébio, o primeiro. Jovem da roça,
bronco. Não servia para ela. Júlio, o Almofadinha de Dona Noca, seu último
namorado. O que a fizera fechar as portas para o casamento de vez. Bonito,
refinado e totalmente insípido. E finalmente Eustáquio, que lhe salvara de uma
decepção, mas para quem Anita não tivera coragem de abrir as portas para o
amor. Era tão jovem ainda.
_ Onde está
mamãe, Bá?
_ Está
costurando no quarto.
_ Acha que
fiz mal, Bá?
_ Com o quê?
_ Mamãe não
devia estar costurando. Deveria ter uma vida melhor. Eu sou culpada, Bá?
_ Não sei
do que você está falando.
_ Deveria ter me casado com o Janotinha da Dona
Noca?
_ Isso já faz
tanto tempo.
_ Passei por
ele na feira, hoje.
_ Falou com
ele?
_ Não falo
com ele, Bá. Não gosto do moço. Como poderia colocar minha vida, a de mamãe e a
sua nas mãos de alguém com tão pouca vontade?
_ Fez o
certo. Não gostava dele mesmo.
_ Não mesmo.
_ Fez o que
tinha de ser feito.
_ Fiz.
_ Poderia
ter casado com o Eusébio. É homem forte e trabalhador.
_ É, podia,
mas não casei.
_ Gostava
mais dele do que o Almofadinha, não é?
_ Gostava.
Anita sorriu
enquanto começava a colocar o caldo para ferver. Ela e Eusébio tinham sido
namorados desde crianças. Mas namoro de criança não vinga. As meninas sempre
amadurecem mais cedo e Eusébio ficara para trás. Logo que chegou a mocidade, a
coisa pareceu desandar.
Talvez com
Eusébio tivesse dado certo. Fora ele quem sempre lhe falara em casamento, mesmo
depois de terem desmanchado há muito. Mas tão logo cresceram, Anita percebeu
que não havia lugar em sua vida para ele. Era o tipo de moço que não fazia
bonito diante da sociedade. Queria mais da vida e esse fora seu maior erro.
Talvez tivesse sido este o seu castigo.
Encontrara Júlio na feira.
Passara por ele e desviara o olhar. Tinha-lhe antipatia. Pobre moço, que não
lhe fizera nada. Não suportava nem mesmo olhar para sua cara.
Talvez
tivesse vergonha porque não conseguira se apaixonar por ele. Tentara, mas não
conseguira. Talvez já estivesse casada e com filhos. Filhos de Júlio? Nunca!
Ele não servia mesmo. Era melhor cuidar da vida. Não se pode chorar pelo leite derramado.