segunda-feira, 21 de março de 2016

Anita

 Anita






            Anita levou o balde até a pia da cozinha. Realmente não fizera boa escolha. Achara certo ganhar o seu próprio sustento, mas sete anos se passaram e ali estava ela. Belo restaurante o seu, se é que podia chamar aquela espelunca de restaurante.
            _ O que trouxe da feira? _Perguntou a velha babá.
            _ Nada de muito bom. _ Respondeu desanimada.
            _ Mas, pelo menos, estava barato?
            _ Sempre está.
            Sorriu, meio amuada. Queria ter sempre ingredientes de primeira para fazer as refeições, mas a freguesia só podia pagar pouco e tudo o que ela poderia oferecer era aquilo.
            _ Devia me deixar ajudá-la com as compras. É muito peso para você.
            _Pra você mais ainda, Bá. E o sol está muito quente.
            _Não sou de luxo.
            _ Nem eu.
            _ Pois devia. Assim não arranja casamento.
            _ Que casamento, Bá? E eu estou ligando pra isso?
            _ Pois devia. Também, fica desperdiçando casamentos.
            Não desperdiçou tantos assim. Apenas três. Eusébio, o primeiro. Jovem da roça, bronco. Não servia para ela. Júlio, o Almofadinha de Dona Noca, seu último namorado. O que a fizera fechar as portas para o casamento de vez. Bonito, refinado e totalmente insípido. E finalmente Eustáquio, que lhe salvara de uma decepção, mas para quem Anita não tivera coragem de abrir as portas para o amor. Era tão jovem ainda.
            _ Onde está mamãe, Bá?
            _ Está costurando no quarto.
            _ Acha que fiz mal, Bá?
            _ Com o quê?
       _ Mamãe não devia estar costurando. Deveria ter uma vida melhor. Eu sou culpada, Bá?
            ­_ Não sei do que você está falando.
            _  Deveria ter me casado com o Janotinha da Dona Noca?
            _ Isso já faz tanto tempo.
            _ Passei por ele na feira, hoje.
            _ Falou com ele?
           _ Não falo com ele, Bá. Não gosto do moço. Como poderia colocar minha vida, a de mamãe e a sua nas mãos de alguém com tão pouca vontade?
            _ Fez o certo. Não gostava dele mesmo.
            _ Não mesmo.
            _ Fez o que tinha de ser feito.
            _ Fiz.
            _ Poderia ter casado com o Eusébio. É homem forte e trabalhador.
            _ É, podia, mas não casei.
            _ Gostava mais dele do que o Almofadinha, não é?
            _ Gostava.
            Anita sorriu enquanto começava a colocar o caldo para ferver. Ela e Eusébio tinham sido namorados desde crianças. Mas namoro de criança não vinga. As meninas sempre amadurecem mais cedo e Eusébio ficara para trás. Logo que chegou a mocidade, a coisa pareceu desandar.
            Talvez com Eusébio tivesse dado certo. Fora ele quem sempre lhe falara em casamento, mesmo depois de terem desmanchado há muito. Mas tão logo cresceram, Anita percebeu que não havia lugar em sua vida para ele. Era o tipo de moço que não fazia bonito diante da sociedade. Queria mais da vida e esse fora seu maior erro. Talvez tivesse sido este o seu castigo.
             Encontrara Júlio na feira. Passara por ele e desviara o olhar. Tinha-lhe antipatia. Pobre moço, que não lhe fizera nada. Não suportava nem mesmo olhar para sua cara.

            Talvez tivesse vergonha porque não conseguira se apaixonar por ele. Tentara, mas não conseguira. Talvez já estivesse casada e com filhos. Filhos de Júlio? Nunca!
              Ele não servia mesmo. Era melhor cuidar da vida. Não se pode chorar pelo leite derramado.


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