terça-feira, 4 de setembro de 2012

A Coelhinha Samira



A Coelhinha Samira




Numa floresta, num lugar bem distante daqui, existia uma grande e linda família de coelhinhos. Todos muito brancos, fofos e educados. Papai Coelho saía todos os dias para o trabalho, bem cedinho. Voltava na boquinha da noite, trazendo sempre nos braços, algo para encher a pancinha dos bonitos coelhinhos. Um dia era alface, outro cenouras fresquinhas. Os filhotes batiam palmas, quando Papai Coelho chegava.
Sentavam em volta da mesa, enquanto Mamãe Coelha preparava o delicioso jantar. E ouviam do papai as grandes aventuras para conseguir a cenoura nossa de cada dia.
No final do jantar, os filhotes ficavam mais um pouco perto do papai e da mamãe, ouvindo as histórias dos antigos bichos da florestas. Então, os olhinhos começavam a pesar e Mamãe Coelha pedia que fossem escovar os dentes e dormir.
Os filhotes se despediam dos pais e iam pras suas caminhas, uma coladinha na outra. No outro dia, quando acordavam, Papai Coelho já havia saído para mais um dia de trabalho.
_ Hora de levantar. _ Chamava a mamãe_ Não vão querer chegar mais uma vez atrasados na escola, não é? Não quero ouvir outra reclamação da Dona Coruja Professora.
_ Está bem, mamãe. Já estamos indo.
Respondia Serena, a gêmea mais velha da cria de seis filhotes: Serena, Celeste, Solano, Soró Sereno, Celinha,  e Samira.
  Depois de tomarem banho, café, digo, suco de cenoura com sanduíche de alface e escovarem bem os dentes, partiam para a escola, alegres e saltitantes.
A escola em que estudavam os irmãos coelhinhos, ficava debaixo de uma jaqueira, bem no meio da floresta. Dona Coruja Professora da Silva era uma mestra muito severa e não admitia atrasos. Daquela vez, os coelhinhos conseguiram chegar bem a tempo. E se sentaram perto da Ursinha Fafá e da Girafinha Bebel.
_ Lá vem essas meninas fofocarem de novo. Vamos sentar perto do Lobinho Teteu e o Ursinho Kuka, meninos.
_ Ninguém vai sentar perto do meu irmão. _ Reclamou a Ursinha Fafá.
_ Vamos sim.
_ E lá se foram os meninos, que diziam não agüentar o falatório das meninas.
Logo depois se juntou ao grupo o Macaquinho Leléu e o Leãozinho Gerinho. Logo, logo, o falatório era geral, cada um queria contar a novidade.
_ Silêncio. _ Falou a Dona Coruja Professora_ É hora de começar a lição. _ Atrasada de novo, Tartaruguinha Felícia, da próxima volta pra casa.
_ Desculpe, querida professora, saí de casa logo que o sol nasceu, mas só consegui chegar aqui agora.
_ Da próxima vez, saia antes do sol raiar.
_ Sim senhora, querida professora.
E assim passou toda a manhã, com os bichinhos atentos às lições de Dona Coruja Professora.
Na hora do recreio, cada um pegava seu lanchinho, que traziam de suas casas. Já fora discutido, numa das assembléias da bicharada, que a escola deveria fornecer o lanche dos alunos. O Papai Rei Leão disse que por ele a verba já estava liberada, já que era um bom governante e que já no outro dia mandaria uma bonita gazela para o lanche das crianças. Mamãe Gazela, que nunca comparecia às reuniões, por medo do Papai Rei Leão, mas que acompanhava tudo pela Internet, por  e-mail  ou no Chat da Bicharada, logo ´da seu voto contra.

Mamãe Gazela fala para todos: Não aceito este cardápio. Vou tirar minha filha da escola. 
 
Dona Coruja Professora, com medo de perder uma de suas mais brilhantes alunas, nas costas do Papai Rei Leão, responde logo:

Dona Coruja Professora fala reservadamente para Mamãe Gazela: Calma, querida amiga, daremos um jeito nisto.

Dona Coruja, que não era boba nem nada, com muito jeitinho, pois sabe-se lá que leões também gostavam de carne de coruja, resolveu dar uma ajuda para Mamãe Gazela.
_ Será, Vossa Majestade Papai Rei Leão, que não seria melhor fazermos uma votação para saber qual a melhor merenda para os nossos alunos?
_ Sou um monarca muito democrático. _ Falou orgulhosamente o rei _ Vamos votar logo.
_ Precisamos ouvir as propostas. _ Disse o Papai Urso. _ Penso que um pote de mel seria o ideal.
_ Mel não. _ Gritou A Macaca Chiquita Bacana. _ O bom seria um grande cacho de bananas.
_ Melhor seria sanduíche de alface com suco de cenoura. _ Optou o Papai Coelho.
Papai Canarinho, lá de cima de um galho disse que o melhor seria sanduíche de minhoca. A Mamãe Onça e o Papai Tigre disseram que estavam junto com o Papai Rei Leão. A Mamãe Minhoca disse que não gostou da proposta do Papai  Canarinho. A Mamãe Abelha Rainha disse que era uma exploração do Papai Tigre, que assim, com tanta encomenda, suas abelhinhas nem teriam tempo de estudar.
O Papai Rei Leão disse que em seu reino não poderia haver exploração do trabalho infantil. Brigam de cá, brigam de lá. Acabou que ficou decidido que cada um traria seu lanche de casa.
_ E tenho dito. _ Encerrou a assembléia o Papai Rei Leão.
E foram todos para suas casas. Por isto, neste dia. Cada aluno comia quieto o seu próprio lanchinho.
Dona Coruja bateu o sino para voltarem para classe, bem na hora do mais gostoso da brincadeira. Todos sentaram de novo em seus lugares e mais uma vez ficaram atentos à lição.
Na hora de ir para casa, os bichinhos saíram na maior algazarra.
_ Celeste. _ Gritou o Macaco Leléu para Samira. _ Vamos brincar hoje a tarde?
_ Não sou Celeste, sou a Samira.
_ Desculpe, vocês são todas iguais.
_ Não posso, tenho lição de casa.
Samira estava zangada. No outro dia foi a professora quem a chamou de Serena. Na semana passada a havia chamado de Celinha. Todos os seus amigos as confundiam. O pior mesmo acontecia quando a chamavam de Solano ou Soró Sereno. Aí Samira não perdoava mesmo. Precisava dar um jeito naquilo.
Passou a tarde inteira pensando. Chegou a noite e ainda não achara uma solução. Até que teve uma grande idéia. Na classe falaria com o Macaco Leléu. Samira achara a solução.
_ Olá, Leléu. _ Disse Samira para o amigo com o mais belo de seus sorrisos. _ Vamos brincar a tarde?
_ Não está mais zangada comigo?
_ Claro que não.
_ Irei na sua casa, então.
_ Não, Leléu, deixe que eu vou na sua. Ou melhor, te encontro na farmácia do seu pai.
_ Está bem.
Samira mal prestou atenção na lição aquele dia. Não via a hora de botar seu plano em prática.
Na hora o almoço, mal engoliu a sopa de cenoura e bateu em retirada ao encontro de Leléu.
_ Leléu, vamos lá dentro, cumprimentar o seu pai, mamãe diz que devemos ser educados.
Na farmacia, o Macaco Tião da Farmácia foi logo saudando Samira.
_ Olha, Serena.
_ Sou a Samira, Seu Macaco Tião da Farmácia. Como tem passado?
_ Eu estou bem. E o que foi desta vez? Ralou o joelho?
_ Não, só vim cumprimentar o senhor.
_ Que menina educada.
_ Seu Macaco Tião da Farmácia...
_ Sim?
_ Por acaso o senhor não teria um remédio para eu mudar de cor?
_ Um remédio para mudar de cor, menina?
_ Sim. Isto mesmo.
_ Está maluca? Não existe remédio para mudar de cor. Essas crianças tem cada uma.
_ Papai. _ Intrometeu-se o Macaco Leléu. _ Algumas pessoas mudam de cor sim, ou pelo menos parte do pelo. Ouvi a Ursinha Fafá comentar com a Girafinha Bebel que o Rei Leão pinta a juba de louro. Diz que isto ajuda a dar mais realeza.
_ Cuidado com o que diz, mocinho. Isto é um segredo de estado.
_ Papai, você podia dar uma tinta para a Samira.
_ Crianças não pintam o pêlo. Ora, deixem-me trabalhar. Saiam já daqui.
Samira saiu cabisbaixa, o seu plano não havia dado certo.
_ Não fique triste, Samira. _ Disse o amiguinho. _ Nós daremos um jeito. Já sei. Tive uma grande idéia. Vou pegar o estojo de tinta guache que ganhei no Natal. Você pode pintar seu pelo com ele.
_ Boa idéia, Leléu.
_ Espere aí que eu vou buscar.
Leléu trouxe  o estojo, que para a alegria de Samira, possuía muitas cores.
_ Que tal o verde? _ Escolheu Leléu.
_ Claro que não. Vou ficar com cara de capim.
_ Que tal esta? _ E apresentou um pote de tinta vermelha.
_ Não quero ficar com cara de tomate.
_ Está é linda. _ Encantou-se Leléu por um pote de tinta amarela.
_ De jeito nenhum. Você só pensa em bananas. Nunca vou usar esta tinta amarela.
Bem no fundo do estojo, Samira encontrou um pote de tinta rosa. Era uma cor linda, maravilhosa. Samira nunca tinha visto nenhum bicho daquela cor. Estava novinha. Leléu nunca a havia usado.
_ Veja, Leléu. Que lindo. É esta tinha que eu quero.
_ Tinta rosa, cor de coisa nenhuma, cor de mulherzinha. Pode ficar com ela.
_ Muito obrigada, Leléu. E, a propósito, eu sou uma mulherzinha. Até mais ver. Vou logo experimentar minha tinta. Amanhã você verá a minha nova cor.
Mas Samira não experimentou logo. Queria fazer uma bela surpresa.
No outro dia, foi a última a entrar no banheiro. Enquanto todos tomavam um mingau de cenoura, Samira enchia a banheira de tinta rosa.
Serena bateu na porta, gritou e esperneou. Disse que não levaria outra bronca da professora por causa de Samira. Que ela ficasse pra trás. E saiu com os outros irmãos para a escola.
Mamãe Coelha, que lavava roupas, nem deu conta do acontecido.
Quando Samira saiu do banho e se olhou no espelho, ficou radiante. Era a coelha mais rosa que já tinha visto nada vida. Aliás, nunca tinha visto uma coelha rosa, nem animal algum. Não pelo menos naquela floresta em que vivia. Pela primeira vez na vida, Samira havia se sentido única.       
Caminhou bem apressada para a escola. Estava muito atrasada. Nem mesmo tivera tempo de se despedir da Mamãe Coelha.
Pelo caminho, Samira percebeu o grande sucesso que fazia. Todos os bichos da floresta vieram ver que novidade era aquela, de uma coelha rosinha.
Quando chegou na classe, a aula já havia começado. A professora já preparava um sermão. Mas ao ver a nova cor de Samira, ficou bastante espantada.
_ O que aconteceu, menina? Caiu num balde de tinta? _ Perguntou a professora que estava de boca aberta, digo, o bico aberto de espanto.
_ Está é a minha nova cor, professora. _ Disse Samira, bastante orgulhosa._ A senhor gostou?
_ Bem... _ Disse a  professora, ainda confusa._ Parece um tanto diferente. Eu...
_ Isto mesmo. Agora eu sou diferente. _ Disse Samira triunfante. _ Ninguém vai mais me confundir com nenhum de meus irmãos.
Todos na classe ficaram encantados com a nova cor de Samira.
_ Como isto aconteceu? _ Perguntou Serena, muito espantada. _ Hoje mesmo, quando acordei, você estava branquinha. Como ficou rosa?
_ Isto é um segredo meu. _ Disse Samira, piscando para Leléu.
_ Como você está linda, Samira. _ Disse a sua amiguinha Ursinha Fafá. _ Está rosa, rosinha. Minha cabeça parece um doce quebrado.
Para quem não entendeu nada, é preciso explicar que quando a ursinha Fafá estava diante de algo que ela achava muito lindo, soltava umas frases assim, meio sem pé nem cabeça. A turma já estava acostumada e algumas dessas frases acabavam pegando. De modo que “Minha cabeça parece um doce quebrado” podia ser traduzida como “Estou encantada com tanta beleza”. Coisas de Fafá.
_ Quero ficar rosinha, também. _ Disse a Girafinha Bebel, que adorava cor de rosa. _ Quero sentar com a Samira, pra combinar.
Tudo da Bebel era cor de rosa. O sapato, a meia, a mochila, o caderno, o lápis. Até o lanche que ela trazia era cor de rosa, balas, pirulitos, iogurtes, sorvetes. Pensam que a Bebel só gostava de morango? Que nada. Gostava era do rosinha. Quando iam tomar um sorvete, a Bebel logo dizia:” Quero um  rosinha”. E  nada melhor do que uma amiga cor de rosa, para combinar com tudo.
Naquele dia, Samira foi a atração da classe. Na hora do recreio, todos quiseram brincar com Samira. Na saída, todos quiseram marcar de brincar de tarde com ela. E foi um puxa pra cá, um puxa prá lá, que a turma resolveu fazer um piquenique.
Quando chegou em casa, Mamãe Coelha quase caiu pra trás, com o susto que levou com Samira cor de rosa.
_ Celeste, o que você fez? _ perguntou a mamãe espantada.
_ Sou a Samira, mamãe. E foi por causa disto mesmo que resolvi tomar uma providência. Já estou cansada de ser confundida com os meus irmãos.
A mamãe ficou zangada, mas acabou dando razão para Samira, afinal, quando era pequena, também vivia sendo confundida com seus irmãos gêmeos e detestava isso.
_ Está bem, mas da próxima vez, me consulte antes de fazer uma coisa desta.
_ Sim, mamãe. Me desculpe?
_ Desculpo, mas só desta vez.
Chegou a hora do piquenique e todos estavam lá. Samira, mais uma vez, foi o centro das atenções. Todos queriam ser o par de Samira em todas as brincadeiras.
Como era verão, depois de tanto pular e correr, os bichinhos ficaram muito suados.
_ Estou morrendo de calor. _ Disse o Ursinho Kuka. _ Quero ir embora, Fafá.
Os outros bichinhos também estavam morrendo de calor. Mas ninguém queria largar a brincadeira.
_Podemos mergulhar no rio. _ Disse o Macaco Leléu.
_ Papai disse que é perigoso mergulhar no rio sem um adulto por perto. _ Disse o Leãozinho Gerinho. _ Ele me disse que se eu mergulhasse sem ele saber, me deixaria de castigo um ano inteirinho. E vocês sabem que palavra de rei não volta atrás.
_ Podemos ir pra piscina do clube da  Dona Coruja Dona da Piscina, irmã de nossa professora. _ O Lobinho Teteu deu a idéia.
Todos os bichinhos aplaudiram a idéia e partiram em retirada, numa correria só, para a piscina.
Todos foram entrando, mas Samira foi barrada pela Dona Coruja Dona da Piscina:
_ Você não, Serena. Vai sujar a minha piscina.
_Sou a Samira,. Dona Coruja Dona da Piscina. Me deixe entrar por favor.
_Ah, deixa. _ Disseram os bichinhos, que não queriam largar Samira.
E tanto pediram, tanto insistiram que Dona Coruja Dona da Piscina acabou concordando.
_ Pode entrar, amanhã é dia de limpar a piscina mesmo. Mas, só por hoje. Viu, Samira?
_ Tá vendo? Agora a senhora não confundiu.
E foi a maior animação. Todos pulavam, nadavam. Era uma alegria só.
O que eles não perceberam foi a  tinta da Samira foi saindo e passando para a água da piscina. E todos os bichinhos acabaram todos rosados.
As meninas adoraram, mas os meninos detestaram.
No outro dia, na escola, nenhum garoto falou com a Samira.
_ Todos rosados. _ Espantou-se a professora. _ Isto está virando moda?
Começou a lição e os bichinhos pareceram esquecer daquela novidade, até que a professora chamou por Samira.
_ Vá ao quadro, Celinha.
                        _ Sou a Samira, professora.
Não podia acreditar. Tinha começado tudo de novo. E agora para piorar, todos os bichinhos estavam rosados, a professora confundia todos.
Como queria voltar ao normal. Pensava Samira.
Vou procurar o Macaco Tião da Farmácia. E logo depois do almoço, partiu Samira para farmácia.
                        _ Seu Macaco Tião da Farmácia, o senhor tem um remédio pra eu voltar a ser branquinha?
                _ Não, Samira. Soube o que você e o Leléu aprontaram. Deixei ele ir para a escola rosinha, só para aprender. Mas acho que vocês aprenderam a lição. Vou receitar pra você o mesmo que recitei pro Leléu: sabão de coco.
        _ Argh. Vou ter que tomar chá de sabão de coco?
        _ Claro que não, Samira. É para tomar banho. Tome e leve para os seus irmãos também. O Leléu teve como castigo levar sabão na casa dos outros amiguinhos. E dá próxima vez não apronte.
        _ Obrigada, Seu Macaco Tião da Farmácia. E me desculpe.
        _ Está desculpada.
        Samira levou o sabão para casa e tomou banho. Esfregando bastante. Logo ficou branquinha de novo. Ela e todos os seus irmãos.
        No outro dia, tudo tinha voltado ao normal. A professora ficou feliz de ver todos bichinhos com sua cor normal. Todos, menos uma: a Girafinha Bebel. Estava um pouco mais desbotadinha, é verdade, mas continuava rosinha.
        _ Recebi o sabão do Leléu, sim._ Ela disse. _ Mas preferi continuar tomando banho com o sabonete comum. Estou adorando ser rosinha.
        Coisas de Bebel. Ninguém consegue mudar. Todos riram e começaram a estudar a lição. Samira entendeu que cada um é como é e que não adianta querer ficar mudando. Todos eram especiais, mesmo que fossem bem parecidos com outros. Estava feliz por ser uma coelhinha branquinha igualzinha aos seus cinco irmãos gêmeos, pensou Samira enquanto ajeitava o laço de fita amarela que colocaram de manhã na cabeça. Para diferenciar um pouco das outras. Pensou aquela manhã, enquanto fazia o laço. Coisas de Samira. E não se pode mudar.





FIM




                                                                                                    Austin, 02/ll/05

                                                                                                     Rose Costa do Amaral   

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