A Princesinha da Torre
Acordou e
olhou pela janela. O sol já ia alto. Por que Nane ainda não viera com sua
bandeja cheia de comida e mandando que se levantasse?
Resolveu
dormir mais um pouquinho. Não conseguiu. Preocupou-se com a falta da Nane. Por
que não viera?
Ouviu uma
batida na porta.
_
Finalmente veio, Nane. Por que demorou tanto?
Nane não
respondeu e ela olhou para a porta. Um rapazinho de olhar intrigado estava
parado na porta, sem decidir se entrava ou não.
_ Trouxe o
café da senhora.
_ João, é
você? Por que está me chamando de senhora?
_ João é o
papai. _ Disse o rapaz enquanto colocava a bandeja na mesa. _Eu me chamo André.
_ Você é
filho do João?. _ Perguntou a princesinha espantada.
_
Exatamente.
Ele olhou
para ela. Era muito estranho vê-la finalmente. Nem conseguia acreditar que
estava diante dela. Era mesmo bonita como disseram.
_ Nane me
falou alguma coisa sobre isso. Se é neto dela, deve saber que é de poucas
palavras. Ainda é o jardineiro, suponho. Foi uma pena a mudança do jardim para
a ala oeste. Gostava tanto de olhar o jardim pela janela. E era reconfortante
ver o João trabalhando. Era alguém conhecido, mesmo que fosse tão de longe. O
que houve com Nane?
_ Está com
muita dor. O reumatismo piorou. Pediu que trouxesse o seu desjejum.
_ E quem
vai me ajudar a me lavar e vestir? Não posso ser cuidada por um rapaz.
_ Já trouxe
um balde com a água. Deixei ali fora.
_ Apenas um
balde? _ Ela se espantou. _ Não é o suficiente. E quem vai me ajudar a me
lavar?
O que podia
fazer? Não era uma criada. Não sabia e nem queria tratar de uma princesa. Era
um homem! Isso não era serviço para ele. Sabia tratar de cavalos. Não de uma
mulher.
_ Penso que
terá que se lavar sozinha.
_ Me lavar
sozinha?! _ Indignou-se a princesa. _ Que atrevimento! Por que não mandaram
nenhuma criada?
_ Sem a
vovó, as coisas não parecem funcionar muito bem. Todos estavam com medo de vir
aqui. Todo mundo sabe que só a vovó vem à torre.
Mas ele não
tinha. Era corajoso. E sempre tivera vontade de conhecê-la. Quando ninguém quis
vir, prontamente se ofereceu para trazer o seu café. Era a grande oportunidade
que tinha.
_ Papai e
mamãe também vem, às vezes._ Disse a princesinha um pouco tristonha. _
Ultimamente bem poucas vezes. Já estão velhos para subirem tantos degraus.
_ Quanto
mais a vovó que é mais velha que eles.
Ela não
tinha mesmo coração. Não tinha pena de sua avó, sempre sofrendo com aquele
reumatismo e tendo que subir tantos degraus todos os dias.
_ Mas ela
vem todos os dias. Já está acostumada.
O garoto
não falou nada, mas algo em seu olhar fez com que a Princesinha se sentisse um
pouco constrangida. Não gostou meso daquele rapaz.
_ Aguarde
um pouco lá fora para servir meu desjejum. Quero me lavar primeiro. A água pode
acabar esfriando.
_ Mas a água
já está fria.
_ Trouxe
água para eu me lavar?! Nane sempre trás água quente.
Ele não
falou nada, mas estava prestes a dizer algo que ela achava que não queria
ouvir.
_ Alguém já
disse que você é um rapaz muito insolente? Qual é a sua ocupação? Também é
jardineiro como seu pai?
_ Não
senhora. Trabalho no estábulo.
_ Bem se
vê._ Disse ela lhe lançando um olhar gelado. _ Sirva logo o meu desjejum.
_ Como quiser, senhora. _ Disse
ele destampando a bandeja, enquanto ela se aproximava da mesa.
_ Apenas uma caneca de leite e um
pedaço de pão com manteiga?!
Como ela era arrogante! Sabia que
ela era geniosa, mas ninguém tinha lhe preparado para aquilo. Como sua avó
agüentava tudo isso?
_ O pão está fresquinho. Saiu do
forno ainda agora.
_ Onde estão as frutas, o presunto
e o queijo? E minha geléia favorita? Por que não trouxe nenhum suco?
_ Vovó disse que a senhora pouco
come na parte da manhã e a bandeja sempre volta cheia. É ela quem insiste para
que a senhora coma um pouco.
_ Isso não te dá o direito de decidir
o que eu vou ou não comer. Gosto de ter escolhas.
Estava perdendo sua paciência.
Ela agia feito uma criança.
_ Resolvi tornar a escolha mais
fácil para a senhora.
Que rapaz mal criado! Como ousava
tratá-la daquela maneira?
_ È mesmo um insolente! Pode se
retirar. Não tenho fome. Vou me lavar. Nane estará boa até a hora do almoço.
_ Acredito que não, senhora.
_ Quem vai me ajudar a me vestir?
Chame uma criada.
_ Sim, senhora.
O rapaz saiu e voltou com um
balde nas mãos.
_ Aqui está a água, senhora. _ Disse
enquanto colocava o balde no chão.
_ E quem vai me ajudar a me
vestir?
_ Verei o que posso fazer.
Ele se retirou do quarto e a
princesinha esperou em vão. Ninguém apareceu para ajudá-la a banhar-se.
Resolveu tomar banho sozinha.
Como pesava aquele balde. Como Nane agüentava? E geralmente subia com dois ou
três.
Tomar banho foi fácil. O difícil
foi vestir-se e pentear os cabelos. Nunca fizera aquilo sozinha antes. Como era
mesmo que se fazia uma trança?
Lembrava-se de ter feito uma por
curiosidade. Mas depois não interessara-se mais pela brincadeira. E já fazia
tanto tempo. O caso era que não mais sabia fazer uma trança. Pouco importava.
Atou os cabelos com uma fita e achou até que não estava mal. Pediria a Nane que
castigasse o insolente neto. Não deixaria barato.
Sentiu fome e aproximou-se da
bandeja. O leite já esfriara, mas tomou assim mesmo. O pão estava bom, mas o
rapaz poderia ter caprichado mais. Será que ele mesmo preparara seu desjejum?
Que nojo! Um rapaz que cuida de cavalos mexendo em sua comida! Por que Nane
resolvera ficar doente agora? Ela nunca ficara doente antes. Comeu apenas um
pouco e foi esperar na janela.
O sol já estava a pino. Era hora
do almoço e estava com fome. Ouviu dois toques na porta. Era o rapaz que
voltara.
_ Você de novo?! Por que não
mandou nenhuma criada para me ajudar com o banho?
_ Sou muito jovem para ser
obedecido por qualquer das criadas, senhora. Se não trabalhasse com os cavalos
seria um simples garoto de recados.
_ Tem razão. Por que não veio me
avisar que ninguém viria? Aquelas insolentes devem ser castigadas.
_ Não pude. Tive que ir correndo
ao estábulo. Estrela estava em trabalho de parto.
_ Fez o parto de uma égua e
colocou a mão em minha comida?!
_ Não fiz o parto, senhora.
Fiquei apenas tomando conta da égua, enquanto seu Bigode voltava. E não
coloquei as mãos em sua comida. Tenho educação. Apenas peguei a bandeja na
cozinha, que já estava pronta e tampada.
Não tinha que agüentar tudo
aquilo. Como ela era difícil! Nada estava bom. Reclamava de tudo.
_ Menos mal. O que tem para o
almoço? Estou faminta. Pouco comi do horrível desjejum que me trouxe.
O rapaz destampou a bandeja e ela
se aproximou da mesa. Ele ia se retirando enquanto pegava a bandeja do
desjejum.
_ Onde você vai? _ Ela perguntou.
_ Levar a bandeja do desjejum.
_ Mas eu não comi ainda.
_ E?
Será que ela era sempre assim?
Era um pouco difícil de entender.
_ Nane sempre espera enquanto
como. Não gosto de comer sozinha.
_ Então por que não desce para
comer com seus pais? Acho que eles também não gostam de comer sozinhos.
_ Não perguntei sua opinião. Sabe
que não posso sair da torre.
Sabia de toda história. Ouvira
tantas vezes, desde de menino. Era muito estranho estar com ela agora.
_ Tem alguma doença contagiosa?
_ Não seja ridículo! Sabe muito
bem que estou esperando pelo Príncipe.
_ Mas não poderia esperar nas
outras dependências do castelo? No jardim? Poderia até dar um passeio. E a
senhora espera a tanto tempo por ele, que não fazia mal ele esperar apenas um
pouquinho pela senhora.
Ela pareceu considerar o que ele
falou por alguns segundos. Mas logo voltou ao habitual mau humor.
_ É claro que não! O que sabe
sobre príncipes e princesas? As princesas esperam nas torres. Ele disse para
que eu ficasse na janela.
_ Não sente falta de caminhar ao
ar livre? Ver os pássaros e as flores?
_ Vejo tudo daqui de minha
janela.
_ Não sente falta das pessoas?
Sua vida devia ser muito
solitária. Como conseguia ficar tato tempo ali?
_ Nane vem todos os dias. Papai e
mamãe algumas vezes. Estão um pouco velhos e já não sobem com tanta freqüência
as escadas. Nos primeiros aos recebia muitas visitas, mas ninguém vem mais.
_ A senhora se afastou das
pessoas.
_ Não me afastei de ninguém. Não
posso sair da torre. E se o príncipe voltar?
_ Já disse que ele pode esperar
pela senhora.
_ Deixe de dar palpites em minha
vida. Leve esta comida, que eu não quero mais comer. Onde já se viu um príncipe
voltar e não encontrar a princesinha na torre? Saia já daqui. Tenho que voltar
para a janela.
Ele se retirou com a bandeja. Não
insistiu para que comesse, como Nane fazia. O que queria? Era pouco mais que
uma criança. Seu pai em era casado quando subira de vez para a torre.
Foi para a janela. Lembrava-se
como se fosse hoje o dia em que ele partira. Precisava viajar, ele lhe dissera.
Tinha que conhecer o mundo. Matar dragões. \um príncipe não era príncipe se não
matasse pelo menos um dragão.
Eles se despediram e ela correu
para a torre, para poder vê-lo quando passasse pelo jardim. Era a janela mais
alta de todo o castelo.
Ele olhou para o alto e acenou.
Desceu do cavalo e pegou uma rosa e lhe atirou. Mas a torre era muito alta. A
rosa jamais alcançaria a janela. A rosa caiu no chão provavelmente
despetalou-se. Não dava para ver de tão longe.
_
Espere-me aí que voltarei. _ Ele gritou lá de baixo.
Então ele jogou um beijo e
partiu. Ela pegou o beijo e o guardou no coração. E continuou na janela, até
que ele desapareceu. A noite chegou e ela continuou esperando. Entrou a
madrugada e sua mãe a procurou.
_ Vamos dormir. Já está muito
tarde. _ Disse-lhe.
_ Quero ficar aqui.
_ Por que não vai para sua cama?
_ Ele disse para esperá-lo aqui.
_ Ainda é muito cedo para que ele
volte.
_ Talvez mude de idéia.
_ Você é quem sabe.
De manhã Nane chegou com o
desjejum.
_ Não quero comer, Nane.
_ Saco vazio não para em pé. _
Ela disse. _ Não quer que o príncipe volte e encontre você um graveto, quer?
Coma um pouco.
_ Você acha que ele demora?
Nane não respondeu. Era de poucas
palavras.
A princesinha sentou-se um pouco.
Suas pernas doíam. Passara a noite toda na janela. Sentou-se um pouco. A
cadeira era tão dura. Comeu um pouco do que nane trouxera. Então ela se retirou
com a bandeja e a princesinha voltou para a janela.
Nane trouxe seu almoço, lanche e
jantar.
_ Já anoiteceu. _ O pai disse. _
Não vai para a cama?
_ Não! E se ele voltar? Mande que
tragam a cama para cá. Vou esperar aqui.
Então trouxeram a cama e depois
seus vestidos e outros pertences. E ela continuou esperado na janela. Sempre
aberta, para que ele soubesse que ela o esperava. No verão ou inverno, de noite
ou de dia. Ela nunca deixava que a fechassem.
Mexeu na janela. Não abria mais.
Tinha emperrado. Continuaria esperando como sempre esperara nestes últimos
vinte anos.
Nane não voltou nos outros dias.
O rapaz disse-lhe que piorara do reumatismo. Em vão pedira por outra criada.
Ninguém vinha a não ser André. Nem mesmo seus pais.
Acabou lembrando-se como se fazia
uma trança. Já conseguia banhar-se e vestir-se com desenvoltura. Apenas André
vinha. Trazia-lhe comida. Levava as roupas sujas e as trazia limpas e passadas.
_ Não vê que isto está um nojo? _
Perguntou certa manhã.
_ O que disse?_ Perguntou o
rapaz.
_ Minha cama não é arrumada há
dias. O chão não é varrido. Qualquer dia você não me encontra debaixo de tanto
pó.
_ A vassoura e o espanador estão
ali. Por que a senhora não arruma?
Era só o que faltava! Como ele
ousava lhe dizer uma coisa daquelas?
_ Seu insolente! Onde já se viu
uma princesa fazer o serviço de uma criada?
_ Não posso ficar aqui por muito
tempo. Tenho que cuidar dos meus cavalos.
_ Os cavalos não são seus.
_ Mas estão sob os meus cuidados.
_ Vá, vá. Traga-me um balde
d’água antes. Não suporto olhar para esta cara insolente.
Então ela trocou seus lençóis.
Varreu o chão. Passou pano molhado. Suou. Até gostou daquele serviço. Ficou tão
entretida naquilo que até esqueceu-se de esperar na janela.
Quando André voltou com o almoço,
olhou tudo e sorriu, mas não disse nada.
_ Não vai falar nada? Não vai dar
nenhum palpite, seu intrometido?
_ Não. Está tudo muito bom._
Disse ele na sua espontaneidade de quase menino._ É uma arrumação real.
Ela sorriu por dentro,
envaidecida, mas não disse nada para o rapaz. Já era confiado demais para o seu
gosto.
Pegou a bandeja e comeu sozinha.
Sentia falta de Nane. Era um pouco calada, mas era sua única companhia.
Passaram-se semanas e um dia ele
lhe trouxe muitas flores.
_ Por que trouxe estas flores? _
Ela perguntou espantada.
Cheirou-as. Fazia tanto tempo que
não sentia o perfume das flores. Como ela as amava. Era pena que João tivesse
mudado o jardim de ala. Nane nunca dissera o porque.
_ Foi seu pai quem mandou pra
mim? _ Ela perguntou a André.
_ Não. Sabe que papai, nem
ninguém, pode mandar flores para a senhora. Eu as peguei escondido.
Ela espantou-se. Não sabia por
que não podia receber flores de ninguém.
_ Não. Eu não sabia. _ Ela disse.
_ Por que não posso receber flores?
_ Então não sabe?
_ Não, eu não sei. Gosto tanto de
flores. Gostava de ver o jardim do qual João cuidava. Mas não sei por que João
mudou o jardim de ala e deixou que todas as flores deste jardim morressem.
Ele percebeu que falara demais.
Era melhor mudar o rumo da conversa.
_ Não se lembra?
_ De quê?
_ Hoje é o seu aniversário.
_ Nane sempre traz um pequeno
bolo no café. Mas nunca mais me trouxe flores. Mesmo sabendo que eu gosto tanto
delas.
_ Ela não podia trazer. _ Ele
resolveu contar a verdade.
_ Por quê?
_ Seus pais achavam que se a
senhora sentisse bastante saudade das flores talvez deixasse a torre para poder
vê-las.
_ Eu nunca deixarei a torre. _
Disse a princesinha em tom triste. _ Só quando ele voltar, é claro. _
Emedou-se._ Diga-me uma coisa, rapaz. Sabe se meus pais virão até aqui? Eles
sempre vem no meu aniversário.
_ Disseram que vem para o almoço.
_ Que bom! Quero deixar tudo bem
arrumado para recebê-los. Como pude esquecer do meu próprio aniversário?
_ Tenho que cuidar dos meus
cavalos. _ Disse o rapaz. _ Até a hora do almoço. E felicidades.
_ Obrigada pelas flores.
_ Não tem de que.
Os pais vieram para o almoço.
Pareciam pálidos, ofegantes. Era mesmo penoso para eles subirem aquelas escadas.
Se pudesse fazer alguma coisa por eles. Como? Não podia mesmo sair da torre. E
se ele voltasse?
Por que demorava tanto aquela
viagem? Vinte anos! Quantos dragões já deveria ter matado? Era um príncipe.
Precisava provar sua bravura. Ela bem sabia. Mas queria que ele tivesse
voltado.
Poderia ter seu próprio castelo.
Poderia ter seus próprios filhos. O filho de João já era um rapaz e quando ela
subira para a torre, seus pais nem eram casados.
João era diferente do filho.
Sempre tão dócil. Sempre pronto a obedecê-la. Brincavam juntos e ele lhe
obedecia em tudo.
Não tivera sequer uma queixa de
João até que ele mudou o jardim de ala. Mas o menino disse que não era culpa de
João. Foram seus pais quem ordernaram. Por que fizeram isso?
_ Por que vocês mandaram João
mudar o jardim de ala? _ Ela perguntou de repente.
A mãe pareceu desconsertada. O
pai ficou inquieto, mas nenhum dos dois deu qualquer justificativa.
_ Era minha única alegria. _
Disse a Princesinha magoada.
_ Achamos que era o único jeito
de fazer você sair daqui. _ Disse o pai.
_ Foi triste ver o jardim morrer
dia a dia e finalmente transformar-se neste triste matagal.
_ Você poderia ter descido. _
Disse a mãe.
_ Tinha que esperá-lo.
_ Não precisava conviver com este
triste matagal. Você sabia que existia outro jardim. _ Disse a mãe. _ Bastava
que você saísse daqui.
_ Fui acostumando aos poucos. No
início era tudo flores e então elas foram morrendo. No final já estava
acostumada com ele. É mais triste, mas não tem mais importância.
O almoço prosseguiu triste. Os
pais saíram e ela foi para a janela esperá-lo. Quando havia o jardim, era
embalada pelo canto dos passarinhos. Mas quando o jardim se foi, foram também
os pássaros.
Pensava que os pássaros estavam
ali por ela. Tantos pousavam em sua janela. Eram seus únicos amigos. Pensando
bem agora talvez estivessem ali, ao por ela mas pelo jardim. Mas é muito
difícil manter uma amizade quando se tem pouco ou nada a oferecer. De agora em
diante não confiaria mais em passarinhos.
Na hora do lanche, o menino
voltou com refrescos e bolos.
“Bom rapaz”, ela pensou. Não era
como seu pai João. Sempre pronto a lhe obedecer e fazer suas mínimas vontades.
Mas algo da fidelidade de João passara para o filho. Ele também gostava de
agradá-la, ainda que não da maneira servil de seu pai.
Ele colocou os bolos na mesa.
Havia doces também. A Princesinha bateu palmas.
_ Mas não é só isso. _ Disse
André, fazendo cara de mistério. _ Tenho uma surpresa para a senhora. _ Disse,
abrindo um largo sorriso.
_ Diga logo o que é. _ Disse a
Princesinha animada, como nunca estivera desde que se mudara para a torre.
_ A senhora tem uma visita. _
Disse André apontado para a porta.
A Princesinha olhou para a porta
e viu uma mulher loura que não lhe era estranha. Ela sorria e segurava um
grande pacote embrulhado com uma linda fita de cetim.
_ Princesinha, quanto tempo! _
Disse a mulher entrando e a estreitando num forte abraço. _ Senti tanto a sua
falta! De todas as princesas, você era a mais doce e mais linda.
_ Desculpe. _ Disse a Princesinha
sem jeito. _ Você não me é estranha, mas não consigo me lembrar de você.
_ Princesinha. _ Disse a outra
sorrindo. _ Sou eu, Cachinhos Dourados.
_ Cachinhos Dourados?! _ Disse a
Princesinha espantada. _ Como você cresceu! Está mais alta do que eu. E onde
foram parar os seus cachinhos?
_ Dão muito trabalho. _ Disse a
loura balançando os cabelos lisos e cortados na altura dos cabelos da Branca de
Neve. Além do que, a moda agora é fazer chapinha. Que peã podia ter trazido a
minha. Ia ser legal mudar o seu visual no dia do seu aniversário. Mas conte-me
tudo. Não posso me demorar. Deixei as crianças com a babá. As escadas da torre
são muito altas para elas.
_ De que crianças você está
falando?
_ Meus filhos, é claro!
_ Você se casou?
_ Faço dez anos de casada no mês
que vem. Tenho dois filhos. Alice de oito e Luiz de seis. São umas gracinhas!
A Princesinha se espantou. Então
Cachinhos Dourados estava casada há quase dez anos e tinha filhos?!
_ Estou muito espantada com tudo
isso. Casou-se! Como foi seu casamento?
_ Foi tão lindo! Meu esposo é um
homem muito bom. Você devia conhecê-lo. Por que não vai me visitar? André pode
levá-la. Ele cuida dos cavalos do meu marido. Foi André quem me lembrou que
hoje era o seu aniversário. Prometa que irá me visitar, Princesinha.
_ Não posso, Cachinhos Dourados.
Tenho que esperá-lo.
_ Esperar quem? _ Perguntou a
outra espantada.
_ O Príncipe, é claro!
_ Não acha que deveria desistir,
depois de vinte anos?
_ Ele disse que voltava. Mas me
diga uma coisa. _ Disse a Princesinha, mudando de assunto. _ Como vão todos?
Venha sentar-se em minha cama. Ficaremos mais confortáveis. _ Falou enquanto
puxava a outra. _ Sente-se.
_ Está bem.
_ Lembra-se que ia ser minha dama
de honra?
_ Claro!
_ Agora está um pouco crescida,
mas quero que sua filha Alice te substitua como minha daminha. Tem cachinhos
dourados como você tinha?
_ Tal e qual. _ Disse a mãe
orgulhosa.
_ Lembra de quando você e
Chapeuzinho Vermelho me visitavam? Vocês provavam todos os meus vestidos. Então
ficávamos falando de como seriam os vestidos de vocês no dia do meu casamento.
Ela também ia ser minha dama. Deve estar crescida também. Como vai a
Chapeuzinho Vermelho? Também se casou?
_ Não a tenho visto ultimamente _
Disse a outra com uma cara desconcertada. _ O castelo é longe.
_ Castelo? Então casou-se com um
príncipe? Que maravilha! Como foi?
_ Bonito. _ Disse a outra sem
entrar em muitos detalhes.
_ Chapeuzinho Vermelho uma
princesa! Isso é maravilhoso! Cote-me como foi. Ele matou o Lobo Mau? Mas isso não
seria trabalho para o caçador? Como ela e o príncipe se conheceram?
_ Faz tanto tempo.
Cachinhos Dourados estava
visivelmente sem graça e queria sair correndo dali.
_ Tanto tempo quanto? Vamos
lá,diga logo. Faz tanto tempo que não saio daqui. Quanto tempo? Diga!
_ Sei lá! _ Disse a outra
exasperada._ Foi logo depois que ele voltou.
_ Ele quem? O Príncipe da Chapeuzinho?
_ É.
Cachinhos de Ouro estava
cabisbaixa. Errara em dar conversa para André. Antes nunca tivesse voltado ali.
_ Por que você está assim? _ A
Princesinha perguntou._ Não ficou contente com o casamento da Chapeuzinho com
um príncipe? Tem inveja porque ela se tornou uma princesa e você não?
_ Não é nada disso! – Cachinhos
de Ouro estava ofendida._ Estou muito satisfeita com o meu casamento.
_ Então por que tanta tristeza?
_ Não é nada. Já é tarde e tenho
que ir.
_ Mas ainda não lanchamos.
Venha._ A Princesinha puxou Cachinhos de Ouro até a mesa. _ Olha quanta coisa
André nos trouxe. É um bom rapaz. Um tanto insolente, mas é bom menino. Quer um
pedaço de bolo?
Cachinhos de Ouro comeu um pedaço
de bolo. E por mais que empurrasse com o refresco, ele teimava em não descer.
Fora mesmo um grande erro ter vindo.
_ Tenho mesmo que partir. _ Disse
por fim.
_ Mas você mal tocou no bolo.
_ Volto qualquer hora, com mais
calma._ Ela deu um beijo na Princezinha. – que você tenha muitos anos de vida.
_ Obrigada! Apareça. Mas não vá
demorar mais vinte anos.
_ Por que você não me visita?
André pode levá-la. Você vai adorar as crianças.
_ Sabe que não posso sair daqui._
Disse a Princesinha com olhos tristes.
_ Você pode. Basta sair.
Os olhos de Cachinhos de Ouro
encheram-se de lágrimas.
_ Volte quando quiser. _ Disse a
Princesinha enquanto a abraçava.
Cachinhos de Ouro saiu e a
Princesinha da Torre ficou pensando quanto tempo demoraria até que a visse de
novo.
_ Ela já se foi? _ Perguntou
André, que entrava com uma bandeja. _ Trouxe doce de maçã. Sei que Cachinhos de
Ouro adora.
_ Estava meio tristonha. Parecia
querer me dizer alguma coisa, mas não disse.
_ Todos querem poupar a senhora.
_ Disse André com olhar sério.
_Poupar de quê?
_ Acho que está mais do que na
hora da senhora saber?
_ Do quê?
_ Ele já voltou.
_ Quem?
_ O
Príncipe por quem a senhora espera.
_ Quando
foi? Ontem? Por que ainda não veio me ver?
_ Não foi
ontem que ele chegou.
_ Quando
foi?
_ Não me
lembro bem. Eu era muito criança.
_Muito
criança?! O que quer dizer com isso? Saia já daqui! Você é um mentiroso! Como
pude dar ouvidos a um vassalo mentiroso como você? Não importa que seja filho
de João. Você em nada se parece com ele. Quero você fora daqui e já. Nunca mais
quero vê-lo em minha frente.
Ele se foi
assustado. A Princesinha foi para a cama e chorou o resto da tarde. E toda a
noite e também toda a madrugada. Ele estragou o seu aniversário.
Acordou com
o sol já alto. Chegou até o espelho. Os olhos estavam inchados. Não quis se
arrumar. Nem mesmo sair da cama. Não tinha fome e nem vontade de fazer coisa
alguma.
André não apareceu e mais
ninguém. No meio da tarde sentiu fome. Esperou. A noite chegou. Gritou em vão.
Ninguém apareceu.
Abriu a porta do quarto.
Encontrou um balde com água. Uma bandeja com uma caneca de leite frio e um
pedaço de pão com manteiga. Havia também uma maçã. Em outra bandeja havia uma
sopa já fria e um pedaço de doce. Havia ainda outras duas bandejas, uma com
frutas e a última com apenas uma flor.
Tomou a sopa fria. Que importava?
Comeu o doce e a maçã. Guardou o pão e o leite para mais tarde, caso sentisse
mais fome. Não poderia comer flores.
Acordou com uma batidinha fraca
na porta.
Uma menina muito magra e de olhos
baixos estava na porta. Ela parecia tremer.
Deixou a bandeja na mesa e o
balde com água ao lado da porta. Saiu
sem dizer nada. Não tinha lhe desejado bom-dia
e não havia perguntado nada. Nem tampouco a Princesinha perguntou alguma
coisa.
Ela voltou na hora do almoço.
_ Quem é você? _ Perguntou a
Princesinha.
_Sou Felícia, a filha da
cozinheira.
_ Qual é o nome da sua mãe?
_ Adelaide.
_ Lembro-me dela. Como
está sua avó?
_ Ela morreu pouco antes de eu
nascer.
_ Sinto muito.
_ Mamãe também sente.
Ela deixou a bandeja na mesa e
saiu sem se despedir.
A Princesinha não perguntou por
André. E não perguntaria.
A menina continuou voltando nos
próximos dias. Não agüentava mais tanto silêncio.
_ Onde está André?_ Perguntou
finalmente.
_ Na cavalaria.
_ Vocês são amigos?
_ É como um irmão par mim. Foi
ele quem me convenceu a tomar o seu lugar. Ninguém queria vir. Todos tinham
medo.
_ Medo de quê?
_Dizem que a senhora é muito
difícil. Contam muitas coisas. André disse que a maioria delas é invenção do
povo.
_Diga a André que pode voltar. Eu
o perdoo.
_Pode deixar que eu digo.
Mas ele não voltou. A menina
continuava vindo em seu lugar. Era mais calada do que Nane.
_Onde está André? _ Perguntou a
Princesinha afinal.
_ Na cavalaria.
_Peça a ele que volte. Diga que
lhe peço perdão.
No outro dia ele voltou. Trouxe
leite quente e pão saído do forno. Queijo, doces e bolos. Também geléias e
muito mais coisas.
A Princesinha sorriu e sentou-se.
_Sente-se comigo._ Ela chamou
pela primeira vez. _ É comida suficiente par um batalhão.
Ele se sentou e os dois comeram
em silêncio. Ela comeu de tudo e como nunca tivera comido antes.
_ Quando ele voltou? _ Ela
finalmente perguntou.
_ Mamãe disse que fazem dez anos.
_ Sabe por que ele não veio aqui?
_ Ninguém sabe ao certo. Há muito
que não contavam que ele voltasse.
_ Matou muitos dragões? Na certa
se apaixonou por alguma princesa. Não foi isso?
_ Não. Ele não matou nenhum
dragão e nem salvou princesa alguma.
_ E por que ele não veio aqui?
_ Não sei. Já tinham se passado
muitos anos. Talvez tivesse vergonha.
_ De quê?
_ De tê-la feito esperar por
tantos anos. Talvez achasse que a senhora não o quisesse mais.
_ Eu ainda o espero.
_ É melhor não esperar mais.
_ Por quê?
_ Ele está casado.
_ Casado?! Disse que ele não se
apaixonou por nenhuma princesa. Com quem se casou afinal?
_ Com Chapeuzinho Vermelho.
_ Chapeuzinho Vermelho?! Era
apenas uma criança quando ele partiu.
_ Não era mais quando ele voltou.
_ Chapeuzinho Vermelho! Ia ser minha
dama de honra, junto com Cachinhos de Ouro. Aquela traidora. Sabia que não
podia confiar numa menina que desobedecia às ordens de sua mãe e dava conversa
para lobo mau.
_ É verdade. Era um tanto
desobediente e meio desmiolada. Dar conversa para lobo mau é perigoso. Mas a
senhora há de convir que não era ela que tinha um compromisso com a senhora,não
é mesmo?
_ É verdade.
_ Se ele não deu nenhum crédito
para seu compromisso e a senhora ainda o espera, por que acha que a Chapeuzinho
Vermelho é a culpada? E como disse, era apenas uma criança quando ele partiu.
_ Tem razão.
_ É certo que já estava crescida
quando ele voltou. Mas algumas pessoas, mesmo quando crescem, continuam a
guardar a ingenuidade que tinham quando eram crianças. Era mesmo desobediente e
metia-se com quem não devia, mas será que fazia intencionalmente? Será que não
caiu na conversa dele como caiu na conversa do Lobo Mau? Dê um voto de
confiança para a Chapeuzinho. Até porque, o Príncipe não é bem um troféu dado a
quem conseguiu vencer. Pode apostar que a senhora está bem melhor sem ele.
_ Talvez tenha razão.
_ Completamente. E agora que não
espera mais por ele, por que continua aqui?
É mesmo. Ela não tinha pensado
nisso. Talvez fosse por costume. O rapaz tinha razão. Precisava também conhecer
o mundo. Passara muito tempo naquela torre. Tinha que recuperar o tempo
perdido. Quem sabe poderia matar um dragão ou salvar um príncipe. Príncipe não
precisam ser salvo. Apenas as princesas. Poderia tentar achar princesas que
estivessem em suas torres e avisá-las que se elas não quisessem perder tempo,
que saíssem elas mesmas, por conta própria. Quem sabe não fundaria um movimento
em defesa de todas as princesinhas das torres, florestas e madrastas.
Ela mesma não tinha madrasta.
Fora pra lá por conta própria. Por que fizera isso? Por que não ouvira o
conselho de seus pais?
_ O que acha de sairmos pelo
mundo em busca de aventura? _ Perguntou a Princesinha para André.
_ Aventuras? _ Sorriu o rapaz. _
Seria ótimo.
_ Podemos matar dragões salvar
princesas. O que acha?
_ Maravilhoso!
André parecia encantado.
_ E você será meu escudeiro.
_ Eu, um escudeiro?
_ Exato! Vai ser muito divertido.
_ Quando partiremos.
_ Logo, logo.
_ Já falou com seus pais?
_ Ainda não. Isso só me ocorreu
agora.
_ Talvez não gostem da idéia. Eu
nunca vi uma princesa sair pelo mundo em busca de aventuras.
_ Serei a primeira. E o que é que
tem?
_ Nada! Sempre quis sair pelo
mundo em busca de aventuras. Imagine quanta glória teremos se conseguirmos
matar um dragão!
_ Será que conseguiremos?
_ Mas é claro! Sou muito
corajoso! Galoparemos sem parar! Temos cavalos muito bons, sabia?
_ Sei.
_ Vai ser muito divertido.
Podemos levar muitas provisões. Faremos nossa própria comida...
_ Mas eu não sei cozinhar.
_ Mas eu sei. Posso ensiná-la
também. Não vai ser bom?
_ Talvez.
_ E já que mamãe ou vovó não
estarão por perto, poderemos comer o que quiser. Só doces e coisas gostosas.
_ Nane vivia me empurrando coisas
para comer.
_ E o dia em que não quisermos
comer nada, não comeremos.
_ Isso está me parecendo bem
divertido.
_ Vai ser maravilhoso. Poderemos
dormir olhando para a lua e as estrelas. Vai ser tão bom. Dá uma sensação de
liberdade.
_ Liberdade! _ Disse a
Princesinha batendo palmas de alegria. _ É isso mesmo o que eu quero. Fiquei
muito tempo nesta torre.
_ Vai gostar muito da liberdade.
Não vejo a hora de partir. Será que papai vai deixar?
_ Claro que sim! Seu pai nunca me
negou nada.
_ Ele não vai!_ Disse João com
uma veemência que ela jamais havia visto.
_ Mas por quê?_ Perguntou a
Princesinha.
_ Tem apenas quinze anos. Não
está preparado para enfrentar todas as atrocidades deste mundo.
_ É mais corajoso do que qualquer
pessoa que eu conheça.
_ Coragem não é o suficiente.
_ Para mim é o que basta. Ele me
disse que gostaria muito de ir. Já está decidido.
_ Não está, não. Eu não autorizo.
_ Mas eu sou a princesa. Já
autorizei.
_ Sou o pai dele. Já disse que
não vai.
Ele estava muito alterado. Nunca
em toda a sua vida o tinha visto assim.
_Você nunca falou comigo assim. _
Falou ela com um muxoxo. _Por que está deste jeito?
_ Por que agora sou pai._ Ele
disse, suavizando um pouco mais a voz.
_ Não vai acontecer nada. Eu
prometo.
_ Não pode prometer uma coisa
desta.
_ Sou uma princesa. Posso
prometer o que quiser._ Disse a Princesinha recobrando o seu jeito
voluntarioso.
_ Não o leve. Eu lhe imploro. A
mãe dele não suportaria e nem eu. _ Ele se ajoelhou e beijou sua mão. _ Por
quem sois, majestade, peço que poupe a vida de meu filho. Leve-me no lugar
dele.
Seu coração apertou. Nunca o vira
daquele jeito. Era verdade que André tinha um espírito mais empreendedor e
altivo que o pai. Mas João era mais velho. Podia mesmo ser mais útil do que um
rapaz imberbe. Talvez tivesse mesmo razão.
_ Está bem._ Ela concordou. _ Você pode ir em seu lugar. Arrume suas coisas
rápido. Partiremos antes do sol nascer.
Eles partiram antes que o sol
nascesse. A mulher de João veio se despedir do marido com os filhos mais
jovens. André não viera.
_ Cuide-se, querido. _ Disse
enquanto beijava o marido. _ Volte logo.
_ Até qualquer dia, esposa
querida. Se algo me acontecer, saiba que amo você.
Ela tocou no colar em seu
pescoço. O mesmo colar que André tinha.
_ Todos os corações sempre
juntos, você não disse? Nada vai acontecer a você.
Eles se abraçaram mais uma vez e
então os dois partiram. Sentia-se triste com a tristeza de João e de sua
família. Por outro lado, sentia-se muito feliz por finalmente estar partindo.
Sentia-se livre pela primeira vez em sua vida. Era bom ter João ao seu lado.
Amigo todas as suas aventuras de criança. Logo ele se esqueceria de toda essa
tristeza e voltaria a sorrir. Acabaria lhe agradecendo pela grande oportunidade
de sair daquela vidinha pacata e sem graça de jardineiro.
Avistaram uma caverna. Não via a
hora de matar um dragão.
_ Veja, João. _ Disse a
Princesinha apontando para a caverna.
_ O quê?
_ É uma caverna, não é?
_ Sim, é uma caverna.
_ Isso não te diz alguma coisa?
_ O quê?
_ Uma caverna, João. Certamente
tem um dragão aí dentro. Pegue sua espada.
_ Mas por que temos que matar um
dragão? _ Ele perguntou.
_ Príncipes matam dragões para
salvarem princesas.
_ Mas eu não sou um príncipe e
você me parece a salvo.
_ Não é você quem irá matar o
dragão. Sou eu! Você será apenas meu escudeiro.
_ Está certo. Tome a espada,
então. _ Ele lhe estendeu a espada e ela quase deixou cair. Era muito pesada.
_ Por que não trouxe uma espada
mais leve?
_ As espadas em geral são bem
pesadas. Tem certeza que sabe usar uma
espada?
_ Claro que sim. Sempre vencia
você nas lutas de espadachim, não se lembra?
_ Claro que me lembro! Você e
Ítalo sempre me venciam. Mas se bem me lembro, usávamos espadas de madeira.
_ Que diferença faz?
_ Não pode comparar espadas de
brinquedo com espadas de verdade.
_ É tudo a mesma coisa. Ajude-me
logo a descer desse cavalo e vamos matar este dragão.
_ Está certo.
João desceu do cavalo e ajudou a
Princesinha a descer do seu.
_ Vá na frente, João. _ Disse a
Princesinha, já sem muita coragem. _
Afinal de contas, você é o meu escudeiro.
_ Está bem. _ Disse João tomando
a sua frente. _ Neste caso, não é melhor que eu segure a espada?
_ Está certo. _ Disse a
Princesinha entregado a espada para João.
_ Como sabe que tem um dragão
aqui dentro?
_ Por que os dragões costumam se
esconder em cavernas.
_ Espero que não seja um dos
grandes. Eu nunca matei um dragão.
_ Muito menos eu. _ Disse a
Princesinha, já um tanto amedrontada.
_ E por que tem que matar um?
_ Não sei. Faz parte das
aventuras.
_ Mas por que temos que matá-lo?
_ Para salvar uma princesa,
talvez.
_ Mas você já está a salvo. Saiu
sozinha da torre.
_ Não sou a única princesa que
existe.
A medida que iam entrando na
caverna, ficava mais escuro.
_ Não seria melhor acendermos uma
tocha? Quase não enxergo nada. _ Disse a Princesinha.
Já começava a ficar apavorada. E
se o dragão fosse um dos grandes?
_ Melhor não. _ Disse João. _ Ele
facilmente nos avistaria. Vamos contar com o elemento surpresa. Tem certeza de
que existe um dragão aqui dentro?
_ Como vou saber? É a primeira
caverna em que entramos. Não está com medo. Está?
_ Claro que estou. Na verdade
estou apavorado. Tem filhos para criar.
_ Não vai acontecer nada! Deixe
de bobagens. Deixe que vou na frente. _ Disse a Princesinha antecedendo João.
_ Nesse caso é melhor que você
segure a espada.
_ Não. Fique com ela. É muito
pesada.
_ E se o dragão atacar?
_ Começo a me arrepender de ter
deixado você vir no lugar de André. _ Disse a Princesinha já impacientando-se.
_ Aposto que ele estaria com mais coragem que você.
_ Ah! Com certeza. _ Disse João.
_ Ele tem muito mais coragem e juízo de menos também. Não tem esposa e filhos.
É apenas um menino.
_ Pare de ficar falando o tempo
todo em esposa e filhos, foi você quem se ofereceu para vir. Eu não te chamei.
_ Mas chamou meu filho. O que
queria que eu fizesse?
_ Já que veio, comporte-se como um verdadeiro
escudeiro.
_ Mas não sou um escudeiro. Sou
um simples jardineiro. Não mato dragões. Planto rosas.
_ Pare de reclamar ou vai acordar
o dragão. _ Disse a Princesinha num sussurro.
_ Avistou o dragão? _ Sussurrou
João também.
_ Claro que não! O que posso ver
nesta escuridão? Você e esse tal de elemento surpresa. Daqui a pouco nós é que
seremos surpreendidos.
_ Não diz o ditado: “Quem faz
surpresa acaba surpreendido”?
_ Deixe esses ditados populares
pra lá. Quer saber de uma coisa? Cansei-me desta história de matar dragões. Não
quero salvar nenhuma princesa mesmo. Vamos embora desse lugar escuro e abafado.
Como está quente aqui!
_ É melhor irmos embora mesmo._
Concordou João.
Deram meia volta e saíram da
caverna. Começaram a cavalgar. O dia estava lindo! As árvores eram belas.
Quantas flores pelo caminho.
_ Estou vendo essas flores e me
lembrei da Chapeuzinho Vermelho._ Disse a Princesinha. _ Ela adorava flores.
_ É verdade. _ Disse João. _
Sempre que ia ao palácio, pedia-me que lhe desse flores do jardim para levar
para a mãe ou a avó. Era uma menina muito carinhosa, não era?
_ Sim, era. _ Disse a Princesinha
fazendo um muxoxo. _ Mas um tanto dissimulada também.
_ Era uma menina muito ingênua.
Sempre foi. _ Defendeu João. _ É certo que não vamos eximi-la de toda culpa.
Sempre foi uma inconsequente, mas assim como caiu na conversa do Lobo, deve ter
caído na conversa dele também.
_ Mas penso que ele não deve ter
tido muito trabalho para convencê-la.
_ É certo que não! A primeira
vantagem que lhe tenha oferecido, ela deve ter aceitado. Deveria ter aprendido
com o Lobo que nem sempre os atalhos são a melhor solução para nossos caminhos.
_ Você a viu depois de casada?
_ Sim, algumas vezes?
_ É bonita?
_ Sim, bastante.
_ Mas do que eu?
_ Vaidade feminina. _ Disse João
ates de dar uma gargalhada. _ Nenhuma mulher é mais bonita que você.
_ Mesmo? _ Ela perguntou
envaidecida. _ Nem mesmo Maria?
_ Maria é apenas uma mulher
humilde como eu e não é mais bonita que você. Nunca vi nem mesmo uma princesa
que fosse mais bonita que você. Mas não se trata disso.
_ Do que se trata então?
_ Do amor!
_ O que tem o amor?
_ Ficou numa torre vinte anos por
causa dele. É impossível que não saiba.
_ Não. Eu não sei.
_
Será que o amou realmente?
_ Claro que amei.
_ Então deveria saber. Quando vi
Maria pela primeira vez, sabia que ela era a única. Amei-a desde então. E ver o
seu rosto é uma coisa muito especial. Não conseguia parar de olhá-la e mesmo
depois de tantos anos, ainda não consigo. Conheço mulheres mais bonitas do que
ela, mas nenhuma mulher é igual. Seu rosto ficou gravado em meu coração e não
se apagará enquanto eu viver. Quando fecho os meus olhos, vejo o seu rosto e
pra mim é uma visão sem igual. É o amor que sinto por Maria que faz com que ela
seja a única mulher que amarei na terra.
Ficaram em silêncio por algum
tempo. Se o que João descrevia era verdade, talvez não tivesse mesmo amado o
príncipe. Mas quem era João para dizer se ela tinha amado ou não. Passara vinte
anos em uma torre esperando por ele. Aquilo não era uma grande prova de amor?
_ Ela sente o mesmo que você? _
Perguntou a Princesinha quebrando o silêncio.
_ Acredito que sim. _ Disse João.
_ Então não tem certeza?
_ Só podemos ter certeza de
nossos próprios sentimentos. Mas Maria tem me dado prova de seu amor durante
todos esses anos.
_ Como foi que vocês se
conheceram?
_ Um ou dois anos depois que você
foi para a torre, ela mudou-se com a avó para o arraial.
_ E seus pais?
_ Faleceram.
_ Pobre Maria.
_ Ela trabalhava na mercearia.
Foi lá que a conheci. Mamãe me mandou fazer compras. Quando veio me atender, me
enrolei. Não sabia o que dizer. Fiquei com um
frio no estômago. Nunca tinha visto uma moça tão linda!
_ Você disse que sou mais bonita
do que ela.
_ Mas é diferente. Está bem.
Nunca tinha visto uma moça que tivesse me causado aquele tipo de sensação!
_ E ela?
_ Sorriu para mim. E que sorriso
lindo!
_ Mais que o meu.
_ Sim. _ Ele riu com gosto. _
Nenhuma mulher tem o sorriso mais bonito que o de Maria.
_ Ela também se apaixonou no mesmo
estante que você?
_ Sim. Mas eu não sabia. Fiquei
sem coragem de dizer para ninguém. Tinha medo que ela visse Ítalo e se
apaixonasse por ele.
_ Por que ela se apaixonaria por
seu irmão?
_ Todos preferem Ítalo, até mesmo
eu.
_ Eu não prefiro.
_ Realmente a despeito de tudo e
de todos, você sempre preferiu a mim. Acho que você e Maria são as únicas que
não preferem Ítalo.
_ Somos mulheres de bom gosto!
_ Sim, são. _ Ele riu.
Lembrou-se da infância e da
verdadeira adoração que todas as pessoas pareciam ter por Ítalo. E João era tão
mais doce, mais amável. Nunca reclamava de nada. Amava o irmão e nunca lhe
lançava palavras ásperas. O Pai de João parecia ignorá-lo. Todo amor era
devotado a Ítalo e nada sobrava para João.
Ítalo era rebelde e não fazia
nada que ela ordenasse. Não que o odiasse. Até brincavam juntos, mas nunca sem
João. João era o elo entre eles. Com João tido era mais fácil. Ela mandava e
ele obedecia. Como alguém podia amar Ítalo, se amar João era tão mais fácil.
_ Fico feliz por você ter encontrado
Maria, João. Você sempre mereceu que alguém o amasse assim. É uma pena que as
coisas não tenham dado certo pra mim.
_ Não pense assim. Você ainda tem
muito o que viver.
_ Perdi os melhores anos de minha
vida, João. Agora é tarde.
_ Nunca é tarde para amar.
Talvez ele tivesse razão. Talvez
tivesse falado aquilo apenas para consolá-la. João era a pessoa mais gentil que
conhecia. Para ele tudo estava bom e por mais que as coisas estivessem escuras,
sempre parecia enxergar uma luz no fim do túnel.
_ Estou um pouco cansada. _ Disse a
Princesinha, após caminharem por um bom tempo. _ Que tal pararmos um pouco?
_ Já está bem tarde. _ Disse
João. _ è melhor procurarmos uma estalagem para descansarmos um pouco.
_ É uma boa idéia.
Cavalgaram ainda por um tempo, até
que avistaram uma estalagem.
_ Não conhecia esta estalagem. _
Disse João. _ É nova.
Entraram na estalagem. Era
grande, nova, mas não tinha vida. Uma menina chorava sentada em um banco.
_ Por que ela chora? _ Perguntou
a Princesinha, para uma mulher que estava ao seu lado.
_ Ela não quer dormir aqui. _
Disse a mulher.
A Princesinha também não queria.
Não sabia por que não gostara daquele lugar, tal qual a menina. Sabia que nem
todas as estalagens eram grandes e novas como aquela, mas não gostara de lá. Queria
sair correndo dali.
_ Não gostou do lugar? _
Perguntou João com cara preocupada. _ Podemos procurar outro se quiser.
Ela realmente queria. Era tão
diferente do palácio. Até mesmo a torre era bem melhor do que aquele lugar. Mas
não teve coragem de falar nada para João.
A menininha saiu correndo. Os
pais acompanharam. Era pequena, mas tinha coragem de dizer o que realmente
queria. Que vontade teve de acompanhar a menininha.
_ Vamos. _ Disse João. _ Havemos
de encontrar outro lugar.
Caminharam mais um pouco. O sol
estava muito quente. Teve vontade de estar em casa. Por que saíra da torre?
Avistaram outra estalagem. Era
feia, escura. Não queria mesmo dormir naquele lugar. Tinha vontade de sair
correndo! A dona da estalagem era muito simpática. Em tudo queria agradar, mas
a Princesinha não se sentia bem naquele lugar. Mas sabia que não podia forçar
mais os cavalos. João também estava muito cansado. Se ele aceitasse ficar
naquele lugar, ficaria.
_ E então? _ João perguntou.
_ Tudo bem.
Mas algo no seu olhar disse para
João que estava com vontade de sair correndo de lá. Arrependera-se de ter
vindo. Tinha vontade de estar em casa.
_ Podemos procurar outra. _ Disse
João resignado.
_ Não precisa. _ Disse com um
sorriso amarelo. _ Aqui está bom.
_ Não. _ Ele disse. _ Nenhuma
estalagem estará a altura de uma princesa.
_ Está bom sim.
_ Vamos._ Ele colocou um ponto
final a conversa. _ Ainda é cedo. Acharemos outra.
Caminharam mais um tempo. O Sol
focou mais forte e via a hora dos animais caírem de cansaço.
_ Veja! _ Disse João._ Tem uma
estalagem ali.
_ Estive uma vez aqui! _ Disse a
Princesinha criando alma nova.
_ Mesmo?
_ Foi pouco antes de ficar na
torre. Foi uma bela viagem que fiz com papai e mamãe. A dona era tão boa.
_ Vamos ver se é boa.
_ Tem que ser! Estou muito
cansada.
O lugar já não era tão bonito
como se lembrava. A mulher estava bem mais velha, mas o sorriso ainda era o
mesmo. Sentiu-se praticamente em casa. Tomou um banho. Sentiu-se revigorada.
Pelo menos podia descansar em paz.
Que bom que João resolvera
continuar a caminhada. Era bom estar ali. O lugar era claro, arejado. Poderia
dormir em paz.
Quando estamos longe, é bom
procuramos algo que nos aproxime de casa. O quarto em que estava agora, não
tinha luxo, mas lhe fez lembrar da última vez em que estivera ali.
Tinha sede de aventuras. Ficara
presa durante muito tempo. Precisava viver. Mas não contava com os dissabores
de uma longa viagem.
_ Estou cansada, João. Não é tão
divertido como seu filho me fez parecer.
_ Ele é apenas uma criança, majestade.
_ Mas parecia tão seguro de si.
_ Nós também éramos, a idade
dele. Não se lembra?
_ Como me lembro, João.
Parecíamos tão donos da verdade. O engraçado é que me sinto menos segura agora
do que me sentia naquele tempo. Isso não é estranho?
_ Não. Quando somos jovens, somos
cheios de coragem e com tão pouca experiência. A medida que vamos mantemos
contato com este mundo, percebemos que os nossos grandes desafios, não passam
de coisas pequenas e que o que realmente importa é aquilo que realmente somos e
aqueles a quem amamos. Não queria que nada de mal acontecesse a meu filho. Eu
amo muito a minha família.
_ E eu a separei de você, não é
João?
_ Não vou negar que sinta falta
deles. Não vou negar que preferiria não ter vindo. Mas também não queria que você
estivesse só. Se trancou naquela torre com pouco mais idade que André. Também
não conhece nada da vida.
_ Eu tinha dezessete anos quando
fui pra lá. Eu tinha tantos planos. E agora todos foram por água abaixo. Vamos
voltar para casa, João. Não tenho nada que fazer aqui. Volto para a torre. Peça
que André me visite mais vezes. Não como servo, mas como amigo. Você pode vir
também, João. Será bem vindo.
_ Não precisa mais voltar para
torre.
_ É o meu mundo, João. Não sei
viver de outro jeito.
_ Pode fazer tantas coisas.
_ André também me disse a mesma
coisa. E o que consegui fazer. Volto para casa envergonhada. Não salvei
ninguém. Não tão matei um dragão.
_ Não são grandes feitos que
fazem uma vida. A vida é feita de grandes sentimentos.
_ Que grandes sentimentos eu
tenho, João. Ele nem ao menos voltou.
_ Tem o amor de seus pais. Seus
amigos. Tem tanta gente que ama você.
_ Ainda me ama, João?
_ Eu nunca deixei de amá-la em
todos anos de minha vida.
_ Nem mesmo depois de tanto
afastados?
_ Nem mesmo assim.
_ Nem mesmo quando o separei de
sua esposa e filho?
_ Aí eu fiquei com um pouquinho
de raiva. _ Ele riu. _ Mais ainda assim não deixei de amá-la.
Lágrimas brotaram de seus olhos.
_ Desculpe-me por ter perdido os
melhores anos de sua vida, João. Gostaria de ter comparecido ao teu casamento.
De ter segurado teus filhos. Você me foi melhor do que cem irmãos, João. E eu
nunca te retribuí por isso.
_ Não tem importância. Agora
vamos dormir. Amanhã bem cedo voltaremos para casa. Mas você nunca mais voltará
para a torre. Ainda podemos fazer muitas coisas nessa vida.
_ O que ainda posso fazer, João?
Fiquei presa por tanto tempo. Que utilidade posso ter agora?
_ É uma princesa e pode fazer
muitas coisas. Ia te dar apenas quando voltássemos, ou quando estivéssemos em
grande perigo. Não queria morrer, sem que você soubesse.
_ O que deveria saber.
_ Que nunca deixei de me
preocupar com você.
Ele tirou do bolso, algo
embrulhado em um pano.
_ É para você. _ Disse-lhe
enquanto estendi-lhe o objeto.
Ela abriu e espantou-se.
_ Todos os corações sempre
juntos.
_ Trouxe um para mim, outro para
minha esposa e um para cada um de meus filhos. Não podia esquecer o da minha
irmã.
_ Obrigada, João. Não sabe como é
importante para mim. Por que saiu numa grande aventura, tendo seus filhos tão
pequenos? Conseguiu salvar alguma princesa?
_ Tentei, mas não consegui.
_ Ela continuou trancada na
torre?
_ Sim.
_ Podemos tentar salvá-la, agora,
João. Não quer tentar mais uma vez?
_ Não será mais preciso. O que
não consegui fazer, meu filho fez.
_ André salvou uma princesa?
_ Sim.
_ Mas você me disse que ele era
jovem demais. Que não tinha experiência. E no entanto já havia salvado uma
princesa. Por que mentiu para mim, João?
_ Eu não menti para você. Ele não
tem experiência. Nunca saiu de nossas vistas. Mas grandes feitos podem ser
realizados ainda em tenra juventude, sem que para isso seja preciso matar um
dragão ou sair de casa.
_ Mas eu sou a única princesa de
nosso reino.
_ Não consegue ver, Laura? André
salvou você. Jamais alguém conseguiu tirar você da torre. Foi André quem
conseguiu isso. De nada adiantou suspenderem as visitas ou mudar o jardim de
lugar. Nem mesmo trazê-lo de volta...
_ O que você disse?
_ Como?
_ Você disse trazê-lo de volta.
Quem o trouxe de volta?
_ Eu o trouxe de volta.
_ Você o trouxe de volta.
_ A viagem longa que fiz, da qual
trouxe os corações não foi por uma grande aventura, Laura. Eu saí para
procurá-lo. Queria trazê-lo de volta para você. Não que eu achasse que ele era
o melhor para você. Mas se era o único modo de fazê-la voltar à vida. Que
fosse.
_ Como o achou?
_ Divertindo-se com amigos, sem
nada o que pensar na vida. Não foi muito custoso convencê-lo a voltar. Disse
que estava entediado e que talvez até fosse bom rever os pais.
_ E por que ele não voltou para
mim?
_ Disse que queria ver os pais
primeiro. Tornar-se apresentável. Ele se demorou tanto tempo que fui perguntar
por que não vinha.
_ O que ele disse?
_ Que já conhecia a sua fama e
que jamais se casaria com uma doida de pedra.
_ Talvez ele tivesse razão, não é
João?
_ Talvez ele não tivesse
sentimentos, não é, Laura?
_ Talvez você tenha razão, não é,
João? Penso que perdi muito tempo dedicando sentimentos a uma pessoa errada.
_ Agora você disse a verdade,
Laura.
Ela colocou o cordão no pescoço e
disse para João:
_ Vamos dormir, agora. Temos uma
grande viagem pela frente. Estou com saudades de meus pais, de Nane e André.
Você também deve estar com saudades de Maria e das crianças.
_ Estou mesmo.
Acordaram antes que o sol
nascesse e partiram para casa.
_ Já está quase na hora do
jantar. Que tal um prato de sopa quentinha?
_ Ainda falta muito para chegar
em casa. Penso que se tivermos sorte, chegaremos ante da madrugada. Não quero
passar mais nem um dia fora do castelo.
_ Cavalgamos durante todo o dia.
Estamos cansados. Não está com fome?
_ Estou, mas podemos comer pão.
_ Chega de pão, Princesinha. Que
diferença faz mais um dia? Chegaremos lá ainda pela manhã.
_ Não está com saudades de seus
filhos e esposa?
_ Muita! Mas também estou com
saudade de outra pessoa.
_ Quem?
_ Você saberá quando chegarmos.
_ Está bem. Que diferença faz
mais uma noite?
Entraram por uma estradinha e
logo chegaram ao que parecia ser uma fazenda. Cavalgaram um pouco até chegar em
umas uma casa com flores por todos os lados.
_ Que lugar aconchegante!_ Disse
a Princesinha. _ Quem mora aqui, João?
_ Você já vai saber. _ Disse João
com um sorriso maroto. _ Nisso gritou enquanto batia palmas._ O de casa!
_ Ora, ora! _ Disse um homem todo
sorrisos, que saía de dentro de casa. _ A que devo a honra da visita de tão
ilustre jardineiro?
Mas estacou quando deu com a
Princesinha.
_ Então é verdade. _ Disse de
boca aberta. _ Ela saiu mesmo de lá.
_ Quem é este homem, João? _
Perguntou a princesinha já antipatizando com ele.
_ Então não se lembra? _
Perguntou João. _ Este é Ítalo, o meu irmão.
_ Ítalo, o insolente e
antipático.
_ Este mesmo, majestade. _ Disse
o outro, fazendo uma mesura. _ Ao seu inteiro dispor.
_ Agora vejo a quem saiu André
com tanta insolência, João. Não devia ter deixado o menino perto de tão má
influência.
_ Não influenciei ninguém, embora
ache que André seja um ótimo rapaz.
_ Melhor do que você é mesmo! Mas
seria melhor se também tivesse herdado a docilidade de João.
_ João trabalha com as flores,
André com cavalos.
_ Que seja. Vamos embora, João.
Não posso comer ou dormir na casa deste homem.
_ Como queira. Pode ir embora
sozinha se quiser. O João vai ficar aqui.
_ Não sejam crianças, vocês dois.
Estou morrendo de fome. Ajude Laura a descer do cavalo, Ítalo.
_ Não preciso da ajuda deste aí.
Além do mais, não pretendo descer.
_ Vamos, Ítalo, peça desculpas a
Princesinha. Ela é filha de nosso rei.
_ Foi ela quem começou.
_ Vocês dois sempre começam.
_ Me desculpe, majestade.
Gostaria imensamente de recebê-la em minha humilde residência.
_ Insolente! Já está tão tarde,
que aceitarei a hospedagem. Mas pretendo pagar por tudo. A minha parte e a de
João.
_ Receber pela hospedagem do meu
próprio irmão?! Você só pode estar brincando!
_ Pago pela minha parte então.
_ Não estamos tão pobres assim.
_ Eu insisto.
_ Deixe para descontar dos
impostos que já pago ao seu pai.
_ Deixe de bobagem vocês dois.
Vamos logo entrar! Que cheiro maravilhoso! O que temos para o jantar?
_ Anita está preparando um
cordeiro assado. Parece que já estava adivinhando que você viria.
Eles entraram e uma senhora levou
a Princesinha até um dos quartos. Ela lhe deu água para se lavar e ela pareceu
criar alma nova. Tão velha a esposa de Ítalo. Isso era bem feito para ele.
Quando chegou na mesa, João,
Ítalo e uma jovem que não lhe era estranha já estavam sentados à mesa.
Todos se levantaram e lhe fizeram
uma reverência.
_ Podem sentar-se. _ Disse a
princesinha.
_ Mal posso esperar para provar
este cordeiro, Anita.
_ Esta é Anita?!_ Perguntou a
princesinha escandalizada.
_ Sim _ Disse Ítalo estranhando a
pergunta.
_ É pouco mais velha do que
André.
_ Na verdade tem a mesma idade. _
Ele disse.
_ Não tem vergonha?
_ Vergonha de que?
_ De se casar com alguém tão
jovem?! Isto é nojento!
Todos riram.
_ Do que estão rindo? Não admitam
que riam de mim!
_ Me desculpe, majestade. _ Disse
Anita. _ Ele não é meu marido. É meu pai.
_ Sinto muito pela confusão. _
Disse a Princesinha com o rosto em chamas.
_ Tudo bem. Podemos servir o jantar?
_ Perguntou a moça.
_ Não vamos esperar por sua mãe?
Não a vejo desde que me levou água até o quarto.
_ Aquela não é minha mãe. É minha
ama. Minha mãe faleceu quando eu era criança. Bila costuma comer conosco, mas
está com vergonha de comer com uma princesa. Podemos comer?
_ Claro.
_ Espero que a mulher do vaqueiro
não traga ovos para Bila como disse que viria. Laura não vai sossegar enquanto
não me arranjar uma esposa.
_ Cale a boca e coma, Ítalo. Sua
voz me irrita. _ Disse a Princesinha.
_ Por que vocês sempre fazem
isso? _ Perguntou João.
_ Ele é um insolente.
_ Ela é uma mimada.
Disseram os dois quase ao mesmo
tempo.
Gostou do quarto que Ítalo tinha
dispensado para ela. Sem nenhum tipo de luxo, mas bastante limpo e
aconchegante. Tinha apenas uma cama de casal, uma pequena mesa e cadeira. Um
velho tapete de lã de carneiro e nada mais. Nenhum quadro na parede, nem mesmo
uma cortina na janela. Algo naquele quarto lhe lembrou o seu quarto na torre.
Pela primeira vez depois que saíra da torre, sentiu-se realmente à vontade.
Ouviu duas batidas suaves na
porta.
_ Quem é? _ Perguntou a
Princesinha.
_ Sou eu, Anita.
_ Pode entrar.
A mocinha entrou no quarto
segurando um cobertor e um travesseiro.
_Não é preciso. _ Disse a
Princesinha. _ Bila já trouxe cobertas e travesseiros o suficiente.
_ Não é para a senhora. _ Disse a
moça _ É para mim. Vim dormir com a senhora.
Dormir com ela?
_ Desculpe. _ Disse a Princesinha
, meio sem jeito. _ Este quarto é seu?
_ Não _ Explicou-se Anita. _ É um
quarto de hóspede. Vim para lhe fazer companhia.
A Princesinha achou aquilo muito
estranho. Dormir com uma pessoa que mal conhecia. Nunca precisara dividir a
cama com ninguém. Nunca tivera uma irmã e mesmo que tivesse, certamente não
teriam de dividir o mesmo quarto.
_ Quer que deixe uma vela acesa?
_ Perguntou Anita.
_ Prefiro tudo escuro. Não tem medo de escuro, tem?
_ Não. Mas minha prima Salma tem.
Sempre que vem aqui, tenho que deixar uma vela acesa.
_Não será necessário. _ Disse a
Princesinha.
_ Salma ficará encantada quando
lhe disser que hospedamos uma princesa.
As duas deitaram-se e Anita
apagou a vela.
_ Sempre tive vontade de
conhecê-la. Alguns diziam que a senhora não existia de verdade, mas vovó
garantia que sim.
A Princesinha não queria tocar
aquele assunto, ainda era muito doloroso para ela. Ficaram em silêncio por
algum tempo. Quem sabe Anita não dormiria?
Escutaram batidas na porta.
_ Quem é? _ Perguntaram as duas
ao mesmo tempo.
_ Então está aí, Anita. _ Disse
Ítalo._ Por que não está em seu quarto?
_ Vim fazer companhia para a
Princesinha.
_ Deixe de bobagens, Anita. Não
vá enfadar Laura. Volte para seu quarto.
_ Não tem problema, Ítalo._
Respondeu a Princesinha. _ Pode deixar Anita aqui.
_ Incomoda-se se eu entrar? Está
coberta?
_ Por que quer entrar? _
Espantou-se a Princesinha.
_ Sempre dou um beijo de boa
noite em Anita.
_ Pode entrar. _ Disse a
Princesinha. _ Estou coberta.
Ítalo entrou suavemente com uma
vela acesa na mão. Sentou-se na beirada da cama ao lado de Anita e ajeitou suas
cobertas.
_ Está com frio? _ Perguntou para
a filha. _ Quer mais uma coberta?
_ Estou bem, papai.
Estava ali um Ítalo totalmente
desconhecido. A Princesinha nunca vira
tanta doçura em seu olhar. Lembrou-se de quando era pequena e seu pai vinha lhe
dar boa noite. Sentiu saudades daquele tempo.
Ítalo beijou a testa da filha.
_ Durma bem, meu amor.
_ Sua bênção, meu pai.
_ Deus te abençoe, minha filha.
Ele olhou para Laura e perguntou:
_ Precisa de alguma coisa?
_ Não, obrigada.
_ Boa noite, Majestade.
Sentiu-se mal com aquilo. Ítalo
só a chamava de majestade quando estava irritado com ela.
_ Boa noite. Agora vá logo que
quero dormir. _ Disse a Princesinha com o habitual mau humor com que costuma
tratar Ítalo.
_ Estava demorando. _ Disse Ítalo
resmungando enquanto saía do quarto.
_ Por que não gosta do papai? _ Perguntou
Anita com os olhos bem abertos o escuro.
_ Quem disse que não gosto de seu
pai?
_ Vocês brigam o tempo todo.
_ Porque não concordamos em quase
nada. Ítalo é muito mandão. Sempre foi.
_ A senhora também é.
_ Mas eu sou uma Princesa.
_ Mas por que as princesas tem
que ser mandonas?
_ Não sei. João sempre me
obedeceu.
_ Em tudo? Nunca discordaram de
alguma coisa?
_ Só uma vez.
_ Quando era criança?
_ Não. Foi pouco antes de
viajarmos. Eu queria ir com André. Mas seu tio não deixou.
_ E foi a primeira vez que
brigaram?
_ Não chegou bem a ser uma briga.
Mas foi a primeira vez, de que eu me lembre, que João me negou alguma coisa.
_ Antes não haviam brigado nem
mesmo uma vez?
_ Não.
_ E com papai?
_ Quase todas as vezes em que
estávamos juntos. Nunca concordávamos com nada. Ele queria sempre mandar nas
brincadeiras. Queria decidir tudo. Eu não suportava. Já João, concordava com
tudo sempre. É por isso que sempre gostei mais dele.
_ Todos sempre gostavam mais de
titio. Pobre papai.
_ Pobre João. Todos sempre
gostaram mais de Ítalo.
_ Por quê?
_ Não sei dizer. Ítalo era muito
bonito...
_ Acha o papai bonito?
_ Sim e muito mais agora. Ficou
mais forte. Os anos fizeram muito bem ao seu pai.
_ Quando perguntava sobre a
senhora para papai, ele me dizia que a senhora era a princesa mais bonita que
já se viu.
_ Ele disse que eu era bonita?
Nunca me disse antes.
_ Talvez nunca diga. Papai é
muito cabeça dura.
_ Nisso você tem razão.
_ Mas por que disse que todos
gostavam mais de papai?
_ Porque ele sempre foi muito
corajoso, falante. Não tinha medo de nada. Seu avô tinha uma verdadeira
adoração por Ítalo, mas nem ligava para João.
_ O titio reclamava com a
senhora?
_ Ele parece nunca ter percebido.
Também tinha verdadeira adoração por seu pai. Seguia Ítalo para todos os
lugares. Então eu passei a me afeiçoar mais por João. Se pudesse escolher um
irmão no mundo, ele certamente seria o seu tio.
_ Por que titio não tirou a
senhora da torre?
_ Ele tentou algumas vezes, mas
nunca gostou de me contrariar em nada. Até que parou de ir à torre. Foi logo
depois de Nane lhe falar que não voltasse mais lá porque era muito feio um
rapaz ir ao aposento de uma jovem. Então passei a vê-lo apenas no jardim,
quando ia cuidar de suas flores. Até que ele sumiu e os matos e espinhos sufocaram
as rosas. Então eu já não amava mais João, porque ele tinha abandonado o jardim
e a mim.
_ Foi seu pai quem mudou o jardim
de ala. Um dia titio me disse.
_ Mas eu não sabia. Achei que era
João que não mais queria. Achei que ele tinha me deixado.
_ Por que não esclareceu as
coisas com a vovó? A senhora não a via todos os dias.
_ Nane sempre foi de poucas
palavras e eu também era orgulhosa demais para perguntar alguma coisa.
_ Sentia-se muito sozinha?
_ No princípio sim, mas depois
acabei me acostumando.
_ Por que não saiu de lá?
_ Estava esperando por ele.
_ O Príncipe?
_ Sim.
_ Ele era bonito?
_ Muito.
_ Mais que o papai?
_ Ele era o homem mais bonito que
já vi em minha vida.
_ Como se conheceram? Adoro
histórias de amor.
_ Eu tinha quinze para dezesseis
anos. Foi no baile de casamento da Bela Adormecida.
_ Como foi o baile?
_ Tão lindo! A Branca de Neve
compareceu ao seu primeiro baile depois do nascimento do seu bebê e estava com
um vestido tão lindo.
_ A Cinderela estava lá?
_ Quem é Cinderela?
_ Não a conhece? A do sapatinho
de cristal.
_ Não mesmo.
_ Ela tinha uma madrasta muito má
com duas filhas que chamavam Cinderela de Gata Borralheira.
_ A Gata Borralheira se casou com
um príncipe.? Mas andava tão mal vestida!
_ Conheceu a Gata Borralheira?
Papai também. Ele entregava ovos em sua casa e me disse que era apaixonado por
ela.
_ Era mesmo. Agora me lembro.
Ítalo sempre disse que ia ser um fazendeiro e tinha um galinheiro só dele. Um
dia Nane disse que ia matar um de seus frangos e nós choramos tanto. João era o
mais desconsolado. Ítalo disse para Nane que seria um vendedor de ovos e nenhum
animal daquele galinheiro poderia ser abatido, para que nascessem muitos
pintinhos que mais tarde produziriam muitos ovos.
_ O que fez vovó?
_ Deixou seu pai em paz por uns
tempos. Mas quando a quantidade de aves passou a ser insuportável, seu pai teve
que passar a se desfazer dos ovos. Ele dava mais do que vendia, no princípio,
mas logo achou bem vantajoso o fato de ganhar seu próprio dinheiro. Passou a
fazer entregas em várias casas. Muitas vezes, eu e João íamos com ele. Foi
assim que conhecemos a Gata Borralheira.
_ Ela era bonita?
_ Bonita era, mas sempre tão suja
de carvão. Só vestia pobres trapos. As irmãs delas andavam tão bem vestidas.
Era sempre a Gata Borralheira quem recebia os ovos e Ítalo ficava encabulado
quando a via. Foi assim que eu e João descobrimos. Então, sempre que
brigávamos, eu falava da Gata Borralheira.
_ E o que papai fazia?
_ Ficava mais irritado e saía
pisando duro. Até que ele me proibiu de entregar ovos com ele e eu nunca mais
vi a Gata Borralheira. É uma pena. Deve ter se casado enquanto eu estava na
torre. Muitas coisas aconteceram enquanto estive lá.
_ Mas me conte como foi o baile
em que conheceu o Príncipe.
_ Foi lindo! Eu estava com
Rapunzel ajudando a arrumar suas tranças quando ele chegou em um lindo cavalo
branco.
_ Ele viu a senhora e se
apaixonou na mesma hora?
_ Não, estava muito escuro no
jardim. Mas a Rapunzel me deu um cutucão e disse: “Corra para o salão, antes
que outra princesa o fisgue! Não sabe quanto tempo fiquei presa na torre até
que o meu príncipe aparecesse. A Bela Adormecida dormiu por tanto tempo que
acordou com os olhos inchados. E a pobre Branca de Neve? Não faz idéia do que
ela passou com aquela maçã. Se quer um príncipe, corra para aquele salão, que o
mar não está pra peixe.”
_ O que fez a senhora?
_ Corri logo pra lá e fui
apresentada ao Príncipe pelo Gato de Botas.
_ Então conheceu o Gato de Botas?
_ E não? Era um casamenteiro de
marca maior.
_ E que o Príncipe disse para a
senhora?
_ Que eu era a princesa mais
linda que ele havia visto. Então passou a me visitar e logo estávamos namorando.
Mas ao passo que os outros príncipes se casavam logo e viviam felizes para
sempre este parecia não se decidir nunca. Quando eu tinha dezessete anos, ele
me disse que era muito jovem para se amarrar. Que me amava sim, mas que
precisava viver muitas aventuras para ser um príncipe de verdade. Que nunca
tinha matado um dragão, nem salvado ninguém.
Um belo dia ele me disse que partiria,
mas que esperasse por ele porque voltaria logo. Então ele se foi e com ele
vinte anos de minha vida.
_ È uma história muito triste a
sua.
_ Mas não pense mais nisso.
Passou. E você, já se apaixonou?
_ Ainda não! Tio João disse que
para se casar com a sobrinha dele vai ter que pedir consentimento a um tio
muito bravo.
_ E desde quando João é bravo? É
a pessoa mais doce que conheço.
_ Não é João o irmão de papai , é
o tio João irmão de mamãe.
_ Quem era sua mãe?
_ Maria.
_ Maria, dos Meninos Perdidos?
_ Ela mesma.
_ Então Ítalo se casou com a
menina que achou a Casa de Doce? Como se conheceram? Achei que eles não
existiam de verdade e que era apenas uma lenda. Procuramos aquela casa por
tanto tempo e nunca a encontramos. Uma dia já estava quase escuro e acabamos
nos perdendo na floresta. Fiquei com tanto medo de encontrar o Lobo Mau. Só
achamos o caminho porque Ítalo subiu numa árvore. Ficamos de castigo por muitos
dias.
_ Como seus pais se conheceram?
_
Papai era amigo do tio João e ele os apresentou.
_ Ítalo não teve que salvá-la de
nada?
_ Mamãe sempre foi muito esperta.
Foi ela quem sempre achou o caminho de volta para casa.
_ É verdade. Sempre gostei da
história de Joãozinho e Maria. Quem haveria de dizer que era uma história de
verdade? Ela era bonita? Parecia-se com você?
_ Dizem que me pareço muito com a
vovó.
_ Isso mesmo! Como não percebi
antes? Foi por isso que te achei aparecida com alguém que conhecia. Nane!
_ Estou muito feliz por
conhecê-la.
_ Também gostei muito de você,
Anita. É uma moça muito gentil.
_ Espero que tenha passado bem a
noite. _ Disse Ítalo.
_ Tirando a parte em que foi me
incomodar.
_ Não fui te incomodar. Apenas
fui dar boa noite para minha filha como faço desde que ela nasceu.
_ Parem de brigar vocês dois. _
Disse João. _ Por que não vamos aproveitar este delicioso café? Que bolo
delicioso, Anita. Foi você quem fez?
_ Sim, titio.
_ Está me saindo uma ótima
cozinheira esta minha sobrinha.
_ Puxou a mãe. _ Disse Ítalo. _
Maria adorava doces e os fazia como ninguém.
_ João casou-se com Maria e Ítalo
casou-se com Maria, irmã de João. _ Disse a Princesinha. _ Anita tem dois tios
chamados João e Nane tinha duas noras chamadas Maria. Quando falavam Maria de
João, de qual Maria estavam falando? Isto não parece um pouco confuso?
Todos riram na mesa.
_ Parece mesmo. _ Disse João.
_ A minha Maria era a mais
bonita. _ Disse Ítalo.
_ Não, a mais bonita é a minha. _
Disse João.
_ Como uma menina tão esperta
quanto Maria foi cair na conversa de Ítalo? _ Perguntou a Princesinha.
_ Ela não resistiu ao meu charme.
_ Disse Ítalo se gabando.
_ Mas esperta foi a Gata
Borralheira, que acabou se casando com um príncipe, no lugar de um simples
fazendeiro.
_ Ela teve sorte de não ter
esperado vinte anos por ele._ Disse Ítalo, que nunca deixava barato para a
Princesinha.
Um mal estar instaurou-se na
mesa. A Princesinha ficou vermelha. João olhou para Ítalo com cara feia.
_ Desculpe, Laura. _ Disse Ítalo
pegando em sua mão. _ Não tive a intenção de te magoar.
_ Tudo bem, Ítalo. _ Disse a
Princesinha recuperando o controle. _ Nem todos falam, mas todos pensam. Ítalo
não seria Ítalo se não me atirasse isso na cara, tão logo tivesse oportunidade.
_ Sabe que Ítalo sempre perdeu o
controle quando o assunto era a Gata Borralheira. _ Disse João com olhar
zombeteiro. _ Você não se lembra Laura?
_ Como esqueceria? Ele gaguejava
e ficava vermelho. _ Disse Laura rindo.
_ Vão começar vocês dois?_ Disse
Ítalo, fingindo irritação.
Mas não estava irritado. Ela
sorria de novo. Era o que importava. Não
tivera intenção de magoá-la. Ela passara por maus bocados com toda aquela
espera na torre. Não era insensível ao seu sofrimento. Mas que língua afiada
tinha. Desde meninos, estava sempre pronta a alfinetar-lhe. E Ítalo sempre
tinha uma resposta na ponta da língua. Mas ela nunca ficara constrangida quanto
ficara dessa vez. Ela devia ter sofrido muito. Devia lhe dar um desconto.
Queria sinceramente que ela fosse feliz de novo.
_ Quer mais um pedaço de bolo? _
Perguntou Anita à Princesinha.
_ Não, obrigada. Não tenho muita
fome pela manhã.
_É mesmo. Vovó já tinha dito, mas
me esqueci. Mas ela disse que se não forçar, a senhora não come nada. Um
pedacinho de queijo, talvez. Fui eu mesma quem fiz.
_ Sabe fabricar queijos?
_ Sim. Papai me ensinou. Deve
conhecê-los muito bem. É papai quem fornece queijos para o castelo.
_ Você tem uma vaca, Ítalo?_
Perguntou a Princesinha espantada.
_ Temos muitas. _ Disse Anita
rindo.
_ Lembra-se das contas que
fazíamos de quantos ovos teríamos de vender para que você comprasse uma vaca,
Ítalo?
Ela parecia esquecida do
incidente de poucos minutos antes. Ele se sentiu um pouco melhor. Não gostou do
jeito que ela tinha ficado a pouco. Fragilidade era uma coisa que ela não
possuía quando criança. Vivia de birra com ele e quando entrava numa discussão
era para ganhar. Não aceitava que ele ficasse com a última palavra. Era a
princesa, tinha que rebater sempre. Mas ele era o mais velho, não aceitava
também. João sempre concordava com tudo, quer com que ele dissesse, quer com
que a Princesinha determinasse. Talvez fosse por isso sua predileção sem
segredos por João.
João cedia a todos os caprichos
da Princesinha e ela lhe retribuía com gentileza e carinho. Mas nem sempre. Era
muito voluntariosa e cheia de coisinhas próprias de uma princesa que brinca com
os vassalos.
Ele nunca aceitara que ela
montasse nele, como um cavalo. Nunca se dobrara a ela. Não fazia suas vontades.
Não aceitava que ela lhe desse ordens. Já não bastava o tempo que sua mãe
gastava com ela. Até o seu próprio leite lhe dera. Leite de João que tinha a
mesma idade que ela. Talvez viesse daí a profunda ligação que os dois tinham.
Muitas vezes Ítalo chegara pensar que a Princesinha era mais irmã de João do
que ele mesmo.
Os dois sempre tinham tantas
coisas em comum. Estudavam as lições juntos. Liam os mesmos livros. João era o
único jardineiro que sabia tocar piano que conhecia. Até o gosto pelas flores
eles tinham. Era como se João quisesse copiá-la em tudo.
Muitas vezes olhava para o porte
de João e se não fosse as roupas simples, podia-se jurar que era um lorde.
Observou o irmão comendo. Os dois
comiam igual. Seguravam os talheres com refinamento. Sempre levavam o
guardanapo à boca, de maneira igualzinha. Ítalo nunca quisera aprender essas
coisas. Gostava de comer com os criados na cozinha, seus iguais.
Não lembrava do tempo em que
chegara no palácio. Ele era muito pequeno. João apenas um bebê. A Princesinha
acabara de nascer e precisava de uma ama. Sua mãe servia porque ainda
amamentava João.
Foram morar numa casa muito
próxima ao castelo. O pai virou jardineiro. Serviço que herdou João. E a mãe
tornara-se ama da Princesinha. O rei e a rainha eram bons com os meninos.
Tiveram uma vida próspera. Tinham comida em fartura, nunca faltava nada no
castelo. Deviam isto a João, a mãe sempre dizia. Se não fora o seu leite, não
estariam lá.
João pagara com seu próprio leite
tanto refinamento. E de que servia agora? Era um simples jardineiro, como o
pai. João parecia-se com o pai fisicamente, ao passo que puxara o gênio calado
da mãe. Já Ítalo parecia-se com a família da mãe, mas herdara o gênio indomável
do pai. Ele nunca quisera ser um jardineiro. Queria ter uma fazenda, mas as
coisas eram muito difíceis naquela época. Podia dar muitas coisas aos filhos
naquele castelo. Acabou ficado por lá.
Ítalo gostaria que o pai visse a
grande e próspera fazenda que tinha agora, mas ele já se fora há muito tempo.
João agora estava em seu lugar.
_ Por que não fica conosco por
uns dias? _ Anita perguntou para a Princesinha.
_ Seria uma boa idéia. _ Disse
João.
_ Ficar na casa e Ítalo?_ Fez um
muxoxo, a Princesinha. _ Nem morta.
_ Deixe de bobagens, Laura. _
Disse Ítalo. _ Será um prazer recebê-la.
_ Até parece.
_ Deixe de ser turrona. Vai
querer ficar ou não? Os ares da fazenda farão bem a você. Pode ir, João. _
Disse virando-se para o irmão. _ Ela vai ficar sim.
_ Não pode decidir nada por mim.
_ Posso sim. Fez uma viagem
penosa. É muito bem que descanse. Ela fica João.
_ Está bem. Mas fico por Anita.
_ Tudo bem. É um prazer hospedar
alguém da realeza.
_ Acorda, Princesinha._ Disse
Ítalo, do outro lado da porta. _ Se quer mesmo me ajudar nas entregas, terá que
se levantar cedo.
Ela olhou pelas frestas da
janela. O dia ainda não tinha amanhecido.
_ Ainda está escuro, Ítalo. _ Disse
a Princesinha, colocando um travesseiro na cabeça.
_ Se quer dormir, vai ficar aí.
Eu vou embora.
_ Acho melhor a senhora levantar.
Papai não vai esperar mesmo. _ Disse Anita.
_ Seu pai é um grosseirão. _
Disse a Princesinha resmungando.
_ Não perca o bonito passeio que
fará com papai.
_ Como é que é? _ Gritou Ítalo do
lado de fora. _ Vai ou não vai?
_ Espere, papai. A Princesinha já
está indo.
Anita desceu da cama e puxou as
cobertas de cima da Princesinha. E em poucos minutos ela já estava em cima de seu
próprio cavalo. Ao lado de Ítalo.
O dia começava a amanhecer e o
céu estava de um lindo cor de rosa.
_ Por que tínhamos que vir tão
cedo. _ Ela perguntou.
_ Tenho muitas entregas. Não
gostou de ter vindo.
_ Ainda não sei. _ Disse com uma
cara azeda.
_ Mas vai gostar muito. Precisa
ver coisas bonitas.
_ Espero que o que esteja dizendo
seja verdade.
Caminharam uns minutos em silêncio.
_ O que você viu nas andanças com
o Príncipe Valente?_ Ela perguntou de repente.
_ Muitas coisas.
_ Matou algum dragão?
_ Não. _ Ele riu.
_ Por que riu?
_ Nada.
_ Ninguém ri por nada.
_ Salvou alguma princesa?
_ Também não.
_ O que fez de tão importante
assim? Nenhum dragão. Nenhuma princesa. Sabia mesmo que não ia dar em nada toda
aquela empáfia.
_ Que empáfia?
_
Você, todo garboso, dizendo que ia viver muitas aventuras com o Príncipe
Valente. Não fez nada.
_ Como não fiz nada?! Eu vivi
tantas coisas!
_ Que coisas? Sem dragão, sem
princesa.
_ Não me lembro de você e João
terem dito que mataram algum dragão ou salvaram alguma princesa na viagem que
fizeram a pouco.
_ Bem que tentamos, mas não foi
possível. Talvez tenha errado em aceitar João no lugar de André.
_ André é apenas uma criança.
_ Mas é muito valente! Você era
pouco mais do que ele quando partiu e Nane deixou. Mas João não deixou. Foi
categórico e se ofereceu para ir em lugar dele. Bela troca que fiz.
_ As coisas eram diferentes. Estava
partindo com o Príncipe Valente. E mamãe não deixou fácil. Tive que insistir
muito.
_ André deveria ter insistido
também.
_ Arrependeu-se de ter voltado?
Ela pensou um pouco.
_ Não. _ Disse finalmente. _ Não
era bem o que eu esperava. As aventuras não tem tanta graça assim. Quanto tempo
durou suas aventuras com o Príncipe Valente? Quando subi para a torre, você
ainda não havia voltado.
_ Voltei poucos meses depois de
você ter ido para lá.
_ Tinha dezesseis quando partiu.
Então levou três anos.
_ Exatamente.
_ O que fazia em suas aventuras?
_ Corríamos o mundo em cima de um
cavalo. Dormíamos ao relento ou em estalagens mal cheirosas. Muitas vezes
dormíamos em estábulos ou no rancho dos empregados. Um nobre recebe bons
quartos quando hospedados em alguma casa ou castelo, mas os escudeiros se
arranjam como podem.
Ela ficou com peã dele. Como
devia ter sofrido.
_ Deve ter sido bem ruim. Por que
demorou tanto para voltar?
_ Queria fazer fortuna. Ter minha
própria terra. Mal ou bem, foi com o dinheiro que ganhei que comprei minhas
terras.
_ Parece um bom negócio. Mas se
queria terras, por que não falou com papai? Ele te daria. Temos tantas.
_ Não seria a mesma coisa. Queria
vencer por mim mesmo. Além do que, não foi tão mal assim. Vi muitas coisas
interessantes, que jamais teria visto se não me lançasse naquelas aventuras.
_ Se apaixonou enquanto esteve
fora?
_ Muitas vezes. _ Disse Ítalo, dando
uma gargalhada.
_ Foi durante este tempo que
conheceu Maria?
_ Não. Conheci Maria depois que
voltei. Ela era irmã de um amigo que conheci nos meus tempos de andanças. Foi
ele quem me apresentou Maria.
_ João, o Menino Perdido. Sua
filha me contou. Lembra que demoramos tanto tempo procurando a casa toda feita
de doces? Achei que ela não existia.
_ Também achei.
_ Sabe, Ítalo. Nunca desejei
realmente encontrar aquela casa. Tinha medo que acontecesse conosco o mesmo que
aconteceu com João e Maria.
_ Também tinha medo. _ Ele
confessou.
_ Então por que procurava com
tanto afinco?
_ Não sei. Apesar do perigo, me
parecia algo muito bom.
_ Não deveríamos ter procurado
por aquela casa. Foi muita sorte não a encontrarmos. Poderíamos ter nos dado
muito mal.
_ É verdade. – Ele disse. _ Se
fosse hoje, passaria bem a largo daquele lugar. Uma vida bem calma é o que
quero agora. Tocar minha fazenda e acabar de criar minha filha. E espero que
ela tenha a sorte de arranjar um bom marido, para que me dê muitos netos.
_ Eu não terei netos. _ Ela disse
com um olhar distante.
_ Não fale assim.
Não gostava quando ela assumia
aquele olhar melancólico. Ele nunca a vira assim antes. A torre a transformara
em uma criatura frágil. Sempre fora tão cheia de vida e determinada. Ela não merecia
aquilo.
_ Quando tiver netos. _ Disse com
um débil sorriso. _ Leve-os até a torre para me visitar.
_ Você nunca mais vai voltar para
a torre. _ Ele disse com veemência.
_ Tenho pensado muito nisso. _
Ela disse baixando os olhos. _ Vivi lá durante muitos anos. Não me acostumo
mais com as pessoas. Tudo está tão diferente agora.
_ Sinta a brisa em seus cabelos,
Laura. Você não pode deixar de viver a vida. Ainda tem tanta coisa pela frente.
_ O filho de João já é quase um
homem. Você já está falando em netos. Como quer que eu comece a viver agora,
Ítalo? Meu tempo já passou.
_ Não passou, Princesinha. Ainda
pode fazer muitas coisas.
_
Até mesmo você quer estar recolhido em sua fazenda.
_ Fazendo o que sempre sonhei
desde menino. Não me lembro de você, quando menina, ter dito que queria viver
em uma torre pro resto da vida.
_ Passei a maior parte da minha
vida lá.
_ Mas não toda ela. Sua vida não
acabou. Pode fazer muitas coisas, eu repito.
_ Não sei fazer nada. Nem para
viver aventuras eu servi. Não deveria ter levado João.
_ Deixe de culpar João por suas
escolhas. Você escolheu levar João o lugar de André.
_ Ele não me deixou escolha. Não
deixou André ir. Ou ia com João ou não ia.
_ Não fosse. _ Ele disse. _ Não
deixa de ser uma escolha. Arrumasse outro, esperasse André virar homem. Somos responsáveis por nossas próprias
escolhas.
_ Talvez você tenha razão. Que
importa agora? Não quero viver nenhuma
aventura. Volto para a torre.
_ Pare com isso, Laura. Fique com
os seus pais, volte para suas aventuras, fique comigo na fazenda, mas nunca
mais diga que voltará para aquele lugar.
Ficar com ele na fazenda? Será
que ele estava falando sério? Como seria viver na fazenda com Ítalo? Um lugar
calmo, sem badalações. A vida simples. A companhia agradável e tagarela de
Anita. Ítalo à mesa na hora das refeições. Não podia! Como seria aquilo? Uma
princesa vivendo na casa de um vassalo. Seria o fim! Ou o começo? A vida a
fazenda parecia-lhe muito agradável.
_ Veja!. _ Disse Ítalo, a tirando
de seus pensamentos. _ Estamos chegando. O vilarejo é muito animado. Pode
conversar com as pessoas. Comprar coisas bonitas. Todos gostam de estar aqui.
Ele viu que seus olhos brilharam
como brilhavam nos tempos de menina. A Princesinha estava de volta. Fora muito
bom tê-la trazido. Quem sabe ela não se animaria e acabaria tirando da cabeça
aquela idéia maluca de voltar para a torre?
Entraram na cidade e viram muitas
coisas. Fizeram algumas entregas. Ela parecia muito feliz. Parecia que tinha
voltado no tempo. Quando eles e João iam juntos para fazer as entregas de ovos.
Uma princesa trabalhando junto com um vassalo. Era o que ela estava fazendo
agora. Ela parecia se divertir muito naquela época. Como parecia se divertir
agora.
Não permitiria que ela voltasse
para torre. Era tão cheia de vida. Tão bonita. O tempo não lhe roubara a
beleza, como fizera com tantas outras. Ainda tinha aquele jeito esnobe de
balançar as mãos, como se quisesse pegar tudo pelas pontas dos dedos, como
fazia em criança. A mesma pele alva, que parecia feita de porcelana. Os mesmos
cabelos encaracolados, que pareciam raios de sol. Os mesmos olhos tão azuis, que pareciam fazer
concorrência com o céu. Mas antigamente, eles nunca ficavam turvos de tristeza,
como ficavam agora. Como o Príncipe tivera coragem de fazer isto com ela? Por
que a fizera sofrer tato? E ela? Por que permitira que ele lhe fizera tal
coisa? Por que não lutara contra isso? Não era do feitio dela. Sempre tão
voluntariosa e pronta para começar uma briga.
Por que as pessoas deixavam que
outros apagassem o seu brilho? Por que deixam que outros tornem suas vidas
sombrias? Os puxem para baixo? Não conseguia entender por que alguém colocava
nas mãos de outra a sua felicidade.
_ Veja, Ítalo!_ Disse Laura, o
arrancando de seus pensamentos. _ Uma loja de brinquedos! Podemos entrar?
_ Claro! Este homem tem um boneco
que fala de verdade.
_ Não é possível! _ Disse a
Princesinha incrédula.
_ É verdade! Eu o vi quando
estive aqui da última vez. Seu nariz cresce quando prega mentiras.
_ Então o seu nariz deve estar
enorme, Ítalo. Não acredito mesmo nesta história.
_ Vamos entrar. _ Disse Ítalo a
puxando pela mão. _ Você vai ver com os seus próprios olhos.
A loja era pequenina e apertada.
Uma profusão de brinquedos coloridos saltaram aos olhos da Princesinha. Todos
feitos em madeira, pintados com cores vibrantes. Era uma verdadeira festa para
os olhos. Um velhinho parecia trabalhar no que seria uma carroça de brinquedo,
puxada por boizinhos que de tão perfeitos, pareciam de verdade.
_ Ítalo! _ Disse o velhinho saudando
o amigo._ Que bom ter você de volta! Veio buscar mais uma boneca para Anita?
_ Não desta vez. Trouxe uma
amiga. Ela quer conhecer o boneco que fala de verdade.
_ Ele não está. _ Disse o
velhinho. _ Foi para a escola. _ Emendou com um grande sorriso.
_ Um boneco na escola! _
Espantou-se a Princesinha. _ Cuidado para o seu nariz não crescer também. _
Disse rindo.
_ Já cresceu bastante. _ Disse o
velho apontando para o próprio nariz. E olhe que não para de crescer.
_ Ouvi dizer que as orelhas e o
nariz nunca param de crescer. _ Disse Ítalo.
A Princesinha arregalou os olhos
e tocou as próprias orelhas.
_ Ainda estão delicadas. _ Disse
o velhinho.
Todos sorriram.
_ Onde arranjou companhia tão
bonita? _ Perguntou o velhinho para Ítalo.
Mas de repente um lampejo
iluminou os olhos do velhinho, como se lembrasse de alguma de alguma coisa.
_ Não é possível. _ Ele disse. _
Dizem que ela saiu da torre. Essa é a Princesinha da Torre?
_ Em pessoa. _ Disse Ítalo.
_ Então ela existe mesmo!_ Disse
o velhinho boquiaberto. _ Pensei que fosse uma invenção desse povo. Eles
inventam cada coisa.
A Princesinha ficou vexada. Não
gostava quando tocavam nesse assunto. Ítalo percebeu.
_ Olhe que linda boneca. _ Ele
apontou para um canto da loja, para desviar sua atenção.
A Princesinha foi ver a boneca de
perto, mas logo sua atenção foi dirigida para outro foco.
_ Veja, Ítalo! Uma caixinha de
música. Não é linda? Tal qual a de Anita.
Ela abriu a caixinha e logo um
som melodioso encheu ao ambiente.
_ Gosto tanto de música. _ Ela
disse. _ Foi uma pena não ter podido tocar piano durante o tempo em que estive
na torre. _ Uma nuvem de tristeza cobriu seus olhos novamente. _ Vamos, Ítalo.
Não podemos nos demorar. _ Disse enquanto fechava a caixinha e encaminhava-se
para a porta. Virou-se para o velhinho, já do lado de fora e disse. _ Até mais,
senhor. Foi um prazer conhecê-lo. Sua loja é um amor. Nunca vi coisas tão
lindas.
_ Espere um pouco. _ Disse Ítalo
_ Eu já estou indo. Apenas preciso resolver umas coisas.
_ Está bem._ Ela disse. _ Importa-se
se eu der uma olhada naquela barraca de frutas?
_ Tudo bem. Já te encontro lá.
Não demoro.
Ela deu poucos passos até a
barraca de frutas. Aspirou o perfume das uvas que a chamou de longe. Escolheu
alguns cachos e os entregou ao vendedor.
Ítalo se demorava. Olhou para a
porta da loja. Será que ele já havia saído? Olhou em volta.
Não podia ser! Não estava preparada para aquilo. Será que era mesmo ele?
Estava do outro lado da rua e ainda não a tinha visto. Estava se aproximando.
Será que ele a veria. Por que Ítalo se demorava tanto? Precisava sair correndo
dali. Antes que ele a visse.
Pronto! Seus olhos se cruzaram.
Baixos os seus. Não sabia o que fazer.
Ítalo finalmente apareceu. Que
bom! Precisava sair rapidamente dali.
_ Vamos logo embora, Ítalo.
_ O que aconteceu? _ Ele
perguntou preocupado. _ Você está pálida.
_ Não é nada. _ Ela se apressou
em esclarecer. _ Vamos logo daqui.
_ Mas por ...
Ítalo não precisou terminar a
pergunta. Porque o viu também.
_ Então este é o motivo. _ Disse
Ítalo. _ O Príncipe em pessoa. Mas por que está assim. Ele é quem deveria
querer sair correndo.
O Príncipe passou por eles, mas
propositalmente olhou para o outro lado. Fingiu que não a viu.
_ Não fala mais com os
conhecidos, Alteza? _ Perguntou Ítalo de uma forma bastante irritada para o
Príncipe.
_ Como meu rapaz?
_ Não sou nenhum rapaz. _ Ítalo
estava bastante irritado. Sempre fora impulsivo.
_ Ítalo. _ Disse ela intervindo.
_ Vamos embora.
_ Não vamos, não. Não até vê-lo
de pedindo desculpas.
_ Não é preciso.
_ É preciso, sim.
_ Eu vou indo. _ Disse o Príncipe
já se retirando.
Mas Ítalo o deteve.
_ Não vai sair até que peça
desculpas a ela.
_ Como ousa, seu insolente!_
Disse a Príncipe para Ítalo e virando-se para a Princesinha disse. _ Vejo que
não perdeu a mania de andar na companhia dos vassalos. Quem é este? O
jardineiro que costumava te seguir como um cão.
Ítalo o agarrou pelo colarinho.
_ Veja como fala do meu irmão.
Ele tem mais nobreza do que jamais você terá em toda sua vida. Você não vale o
chão que ele pisa. Aquilo se chama lealdade. Mas você jamais poderia
reconhecê-la, por que não faz parte de sua educação.
_ Solte-me ou...
_ Ou o quê? Pensa que tenho medo
de você? Peça perdão a ela.
A Princesinha examinou os dois
homens a sua frente. Um nobre por nascimento, criado no mimo e riqueza. O
outro, como bem disse o Príncipe, nada mais que um vassalo. Mas onde estava a
nobreza? Talvez Ítalo tivesse razão. Onde estava a nobreza? Ítalo estava ali a
defendendo e defendendo seu irmão. Ele se preocupava com sua honra.
Olhou para o Príncipe e o
comparou com fisicamente com Ítalo. O fazendeiro estava ganhando em disparada.
Nunca vira alguém mais bonito que
o Príncipe em sua vida. Todos diziam que eles faziam o casal perfeito. Mas como
estava o Príncipe agora? Envelhecera e sua beleza se fora com os anos. Ao passo
que Ítalo parecera melhorar com os anos. Estava mais forte, mais bonito.
Conseguira vencer com o seu próprio trabalho. Ítalo era um vencedor! Pobre
Príncipe compará-lo com Ítalo era até uma humilhação. Fora por aquilo que
esperara por vinte anos? Teve sorte dele não ter voltado.
Aproximou-se dos dois. Deu o
braço a Ítalo e sorriu.
_ Deixe o senhor, Ítalo. Você é
muito forte. Poderá machucá-lo.
Sorriu para o Príncipe.
_ Não precisa se incomodar com
Ítalo. É um pouco estourado mas SEMPRE foi uma ótima pessoa._ Frisou a palavra
sempre_ Recebeu ótima educação.
Ítalo soltou o Príncipe e agora
parecia se divertir com a situação.
A Princesinha ajeitou as roupas
do Príncipe como se as quisesse desamarrotar.
_ Parece melhor agora, não?_
Disse-lhe dado o melhor dos sorrisos._ Espero que não esteja machucado. Ítalo,
às vezes parece desconhecer, a força que tem. Mas não foi sua intenção
machucá-lo. – Virou-se para Ítalo. _ Não é mesmo, Ítalo?
Nele agora sorria e voltara ao seu
habitual bom humor.
_ Não era. Peço que vossa alteza
me perdoe.
O Príncipe estava com cara de
mofa.
_ Tudo bem. Mas da próxima vez
controle melhor os seus criados.
_ Ítalo não é meu criado. Eu é
quem sou sua hóspede. Tem uma linda e próspera fazenda que construiu com seu
próprio trabalho. Ítalo sempre foi determinado e fico feliz que tenha vencido
na vida. Espero que você também tenha vencido.
O Príncipe estava visivelmente
perturbado. Ela deu o braço a Ítalo e disse-lhe:
_ Podemos ir?
_ Agora mesmo._ Disse-lhe com um
sorriso que nunca lhe parecera tão encantador._
Alteza. _ Disse ele em guisa de despedida.
_ Alteza. _ Imitou-o,
despedindo-se do Príncipe.
_ Passar bem. _ Disse o Príncipe
e ficou parado vendo os dois partirem.
Eles caminharam alguns metros,
até que caíram na gargalhada.
_ Era ele mesmo, Ítalo? _ Ele
perguntou rindo.
_ Em pessoa.
_ Parecia tão mudado.
_ O tempo cobra sua fatura.
_ Mas não para todas as pessoas.
_ Disse a Princesinha percebendo como Ítalo era bonito.
_ Não para todas as pessoas. _
Disse Ítalo olhando com uma intensidade com que nunca a tinha olhado antes.
Sentiu que tinha enrubescido. Era
melhor mudar logo de assunto.
_ Como sabia que era ele? Você já
tinha partido quando ele apareceu.
_ O conheci numa das andanças que
fiz com o Príncipe Valente.
_ E como sabia que ele era o meu
Príncipe?
_ A história da Princesinha da Torre
cruzou muitos reinos. Todos conhecem vocês.
Todo o bom humor de minutos atrás
evaporara-se. Era motivo de falatórios em vários reinos. Por que se trancara na
torre? Tudo o que conseguira era transforma-se em motivo de chacota para todos.
Seus olhos encheram-se de lágrimas.
_ O que fiz de minha vida, Ítalo?
_ Não é tempo de lamentos. _
Disse Ítalo enxugando seu rosto com as costas das mãos._ É tempo de alegria.
Além do mais estou morrendo de fome. E você?
_ Estou faminta. _ Disse ela
sorrindo.
_ Sempre que venho aqui, como na
pensão da Celeste. Depois da mamãe, é a melhor cozinheira que conheço.
_ Nane nos acostumou mal, não foi
Ítalo? Nenhuma comida é tão boa quanto a dela.
_ Mas Celeste cozinha muito bem.
Você vai gostar. Veja, é logo ali.
Apontou para um lugarzinho de
dois andares, com mesas e cadeira ao ar livre.
_ Que tal comermos aqui fora?
_ É uma boa idéia.
Uma mulher de uns cinqüenta anos
e um grande sorriso na cara apareceu para servi-los.
_ Vejo finalmente arrumou uma
mulher, Ítalo. _ Disse a mulher.
A Princesinha sentiu a cara
quente. Nem precisava olhar num espelho para saber que estava vermelha.
Ítalo também pareceu meio
desconcertado. Aquilo era novo para ela. Na verdade, não tão novo assim. Estava
com aquele mesmo jeito que ficava quando chegava perto da Gata Borralheira.
Ela e João não deixavam barato e
caçoavam dele o mais que podiam.
_ Deixe de bobagens, Celeste._
Tenho que manter a minha cabeça em meu pescoço. Sou apenas um pobre fazendeiro
e esta é a única filha do meu rei.
_ Não pode ser! _ Disse a mulher
tomada de um enorme susto. _ Então ela saiu mesmo da torre? Tinha ouvido sobre
isto, mas não tinha acreditado.
Ela olhou para a Princesinha com
um olhar de compaixão. O que a deixou um pouco desconfortável.
_ Pobrezinha._ Disse a mulher. _
E é mesmo tão bonita como sempre tinha me falado.
_ Então vamos cuidar bem dela. _
Disse Ítalo querendo consertar as coisas. _ Que tal um saboroso almoço, para
mostrar para a Princesinha que não menti quando disse o quanto você era boa
cozinheira?
_ Ótima idéia, Ítalo. Aposto que
ela vai gostar. É uma pena que seja uma princesa. Vocês fazem mesmo um belo
par.
Ela entrou para buscar a comida e
deixou os dois avexados um com o outro pela primeira vez em suas vidas e sem
ter o que falar.
_ Parece que vai chover. _ Ela
disse.
Ítalo olhou para o céu e sorriu.
_ Parece meio difícil. O céu está
sem nuvens.
Os dois riram e a conversa
começou a fluir livremente, como era costume dos dois. Celeste voltou com a
comida e era mesmo deliciosa. A Princesinha lembrou-se do encontro com o
Príncipe. Como pudera ter esperado tato tempo por ele? Como tivera coragem de
estragar a sua vida por tão pouco? Como não percebera o seu caráter? Por acaso
estava cega? Tudo era tão claro agora. Como não percebera antes?
Logo que terminaram o almoço,
Ítalo tirou um embrulho da capanga e o colocou em cima da mesa.
_ O que é isso? _ Ela perguntou
curiosa.
_ Abra. _ Ele disse com um largo
sorriso.
_ É para mim? _ Ela sorriu
também.
_ Sim.
Ela abriu o embrulho e encontrou
a caixinha de música que vira a pouco.
_ Em lugar da outra que comprei.
_ Disse Ítalo com um olhar de ternura.
_ Como assim? _ Ela pareceu não
entender.
_ Em minhas andanças com o
Príncipe Valente, encontrei algo que me fez lembrar estar em casa. Era uma
caixinha de música com um trechinho de uma música que você costumava tocar no
piano. Eu comprei a caixinha e pensei em dá-la a você. Mas quando tinha
saudades de casa, abria o presente e ouvia a música. E o fiz tantas vezes que o
presente ficou um tanto gasto. Quando voltei não pude ir até a torre e também
não tive coragem de enviá-lo. Talvez você achasse que era um cacareco e o
atiraria pela janela.
_ Deu meu presente para Maria? _
Perguntou espantada.
_ Não dei o seu presente. _ Ele
riu. _ Quando me casei, levei todas as minhas tralhas e a caixinha de música
estava entre elas. Um dia Maria a encontrou a passou a usá-la. Nunca ocorreu a
Anita que a caixinha era minha e não de sua mãe. Não vai querer tomar a
caixinha da menina, vai? _ Perguntou Ítalo rindo.
_ Não. _ Sorriu a Princesinha
também. _ Além do mais, esta está bem mais novinha.
Ela ouviu a música e voltou a
ficar pensativa.
_ O que foi? _ Ele perguntou
preocupado.
_ Sabe, Ítalo. Não ia me importar
de receber um presente gasto. Aquela caixinha de música teria me confortado
durante meus intermináveis dias. Seria quase como estar ao piano novamente.
_ Desculpe-me, Laura. _ Disse
Ítalo enquanto pegava em sua mão. _ Se eu soubesse, teria enviado por mamãe.
Ela balançou a cabeça como quem
tenta espantar as tristezas e disse sorrindo:
_ Não tem mais importância. Vamos
pra casa? _ Ela perguntou.
Parecera tão natural, como se
fosse a casa deles. Mas não era. A fazenda era casa de Ítalo, não sua.
_ Quero dizer, vamos para sua
casa?
Ela estava envergonhada. Como
pudera dizer aquilo?
_ Milha casa, vossa casa, Alteza.
_ Disse-lhe Ítalo fazendo uma mesura.
Mas a Princesinha não se sentiu
feliz com isso. “É uma pena que ela seja uma princesa”. Disse a mulher. Não
sabia por que isso a incomodava agora.
Chegou cansada da viagem e tirou
uma soneca, antes do jantar. Foi até à cozinha e encontrou Anita lá.
_ Quer ajuda, Anita?_ Perguntou a
Princesinha.
_ Não é preciso. Posso dar conta
sozinha. Imagine! Uma princesa em minha cozinha.
_ Faço questão. André disse que
me ensinaria a cozinhar.
Anita deu uma risada.
_ E André sabe cozinhar?
_ Disse que sabia. _ Disse a
Princesinha decepcionada.
_ Uma bela gororoba é o que sabe
fazer. Isto sim.
_ Já provou sua comida?
_ Costumávamos brincar de
cozinhadinho quando crianças. Era muito ruim.
_ Mas deve ter melhorado filha.
_ Disse Ítalo divertindo-se com o assunto.
_ Duvido muito. Mas é melhor aprender comigo.
Cozinho muito bem. Não é, papai?
_ Como gente grande!
_ Mas já sou gente grande. Já,
já, vou me casar.
_ E vai deixar o papai sozinho? _
Perguntou Ítalo com um muxoxo.
_ O senhor fica com a Bila.
_ É velha e ranzinza. _ Disse
Ítalo. _ E não cozinha tão bem como você.
_ O senhor pode se casar de novo.
Por que não se casa com a Princesinha? Ainda não sabe cozinhar, mas eu posso
ensiná-la.
Aprender a cozinhar para se casar
com Ítalo! Onde estava com a cabeça aquela menina? Todos pareciam loucos
naquele dia.
_ Não posso me casar com seu pai.
_ Por quê?
_ Ele não tem sangue azul. _
Disse a Princesinha um tanto desconsertada.
_ E a senhora tem?
_ Sim.
Anita arregalou os olhos
assustada.
_ Mesmo! Não sabia. Seus pais
sabem?
_ Claro! Eles também tem o sangue
azul. Toda nobreza tem.
_ Isto é mesmo um problema. Vai
ter que arranjar outra esposa, papai. E já, pois não quero ficar para tia.
_ Verei o que posso fazer. _
Disse Ítalo rindo.
Então ele ia mesmo seguir o conselho
da filha. Para que casar-se? Parecia estar tão bem assim. Era senhor da casa.
Senhor de si mesmo. Veja João, sempre tão preocupado com a esposa.
_ Vamos logo com esta comida. _
Disse a Princesinha cortando o assunto._ Por onde começo? _ Perguntou enquanto
pegava uma faca.
_ Pode partir as batatas em
quatro. _ Disse Anita lhe entregado um tacho. _ Já estão descascadas.
_ Está bem. _ Disse a Princesinha
começando o ofício, um tanto desajeitada.
_ Ela parece levar muito jeito,
não é Anita? _Disse Ítalo sorrindo.
_ Deixe de histórias, papai. Não
é todo dia que se come uma comida feita por uma princesa.
_ Ai! _ Gritou a Princesinha.
_ O que foi? _ Assustou-se Ítalo.
_ Cortei minha mão.
_ Deixe que eu cuido disso. _
Disse Ítalo envolvendo o corte com um pano._ Abriu o pano e lhe mostrou. _
Veja, Laura. Não é nada. Foi superficial.
_ Papai. _ Anita puxou Ítalo para
um canto segredando-lhe algo no ouvido.
_ O que foi? _ Perguntou a
Princesinha assustada. _ O corte não é tão pequeno quanto parece?
Ítalo deu uma gargalhada. Anita
parecia aborrecida.
_ Mentiu para nós. _ Disse a moça
para a Princesinha.
_ Como assim?
_ Disse que tem o sangue azul.
_ E tenho.
_ Não. Não tem. É vermelho como o
nosso. Não se casa com papai porque não quer.
_ A Princesinha não mentiu,
Anita. Trata-se de convenções sociais. Uma princesa tem que se casar com um
príncipe porque é um igual a si. O sangue azul é apenas um modo de falar.
_ Tanta besteira por causa de
nada! Pensei que não podia se casar com papai porque tinham sangues diferentes
e isso podia causar algum problema. Mas tem sangue vermelho como nós. Não se
casa com ele porque não quer.
_ Anita. _ Disse o pai com cara
muito séria. _ Você já não é mais criança e mesmo que fosse, não é assim que se
trata uma pessoa que está debaixo de nosso teto, tenha ela sangue azul ou não.
_ Desculpe-me, Alteza. _ Disse a
moça de olhos baixos. _ Não foi minha intenção...
_ Não tem de que. _ Disse a
Princesinha constrangida. _ Preciso cuidar deste corte.
Saiu apressadamente da
cozinha.
Limpou bem o corte. Não era
grande coisa realmente. Não tinha mais vontade de ajudar na cozinha. O que
fizera de errado? Parecia tudo tão bem.
Minutos depois ouviu uma batida
na porta.
_ Quem é?
_ Sou eu, Ítalo. Vim te chamar
para jantar.
_ Não estou com fome.
_ Laura, deixe de bobagens. Não
seja mais criança do que Anita.
_ Está bem, já vou.
_ Estou esperando na porta.
Passou uma água no rosto e
ajeitou os cabelos. Realmente não estava animada para o jantar. Abriu a porta e
levou um susto com Ítalo que a espera.
_ Quase me matou de susto. _ Ela
disse.
_ Eu disse que ia te esperar. _
Disse rindo. _ O que aconteceu? Não está zangada com Anita, está?
_ Está tudo bem. Mas estou um
pouco sem graça. Não esperava que Anita tomasse uma atitude dessas.
_ É apenas uma menina, eu já
disse. Venha, Laura. _ Disse Ítalo a puxado pela mão. _ Anita é tão criança que
pensou que você tinha mesmo. _ Disse Ítalo soltando uma gargalhada._ Dê um
desconto para ela.
A Princesinha também riu. Não
devia ter ficado como ficou. Às achava que era tão ingênua como uma moça da
idade de Anita.
A Princesinha estava na sala de
leitura. Fazia uma semana que Ítalo a trouxera de volta. No castelo não era
como estar na fazenda. Sentia falta da tagarelice de Anita. Da vida mais calma
e simples. Na torre era tudo muito simples. Demorara tanto tempo sozinha que
muitas vezes não sabia se estava se comportando bem ou não diante dos outros.
Na fazenda era bem mais fácil.
_ Princesinha.
Uma criada se aproximou de olhos
baixos.
_ O que foi? _ Perguntou a
Princesinha.
_ Tem uma visita para a senhora.
_ Em que sala está?
_ Não está em nenhuma sala,
alteza. Ítalo está na cozinha. Veio trazer as provisões da semana e deseja
falar com a senhora.
Ítalo queria falar com ela!
Sentira sua falta. Teve vontade se sair correndo, mas isto não lhe cairia bem.
_ Diga que já estou indo.
Era melhor respirar um pouco. Não
queria que Ítalo pensasse que ela estava ansiosa por vê-lo.
Entrou na cozinha. Logo o
divisou, rodeado de moças. Ele sorria para todas, jogando o charme costumeiro e
todas pareciam derretidas por ele. Não sabia por que, mas se sentiu
desconfortável com aquilo. De repente ele a viu.
Ela estava tão linda. Como
sentira sua falta. A fazenda se tornara vazia depois que ela partira.
_ Alteza. _ Disse Ítalo lhe
fazendo uma mesura.
_ O que você quer? _ Disse a
Princesinha com sua habitual rispidez. Não gostara de ver Ítalo rodeado de
moças.
_ Não quero nada. _ Disse Ítalo
irritado com a má recepção. _ Apenas
trouxe-lhe uma encomenda que Anita lhe mandou.
_ O que Anita mandou para mim? _
Perguntou a Princesinha curiosa.
_ Abra e veja. _ Disse Ítalo
enquanto empurrava em sua direção uma travessa cuidadosamente amarrada num
pano.
A Princesinha abriu e encontrou
uma cheirosa torta de maçã ainda não tocada.
_ Ela fez especialmente pra mim?
_ Perguntou a Princesinha enternecida.
Ela era assim. Num minuto, altiva
e ríspida e no outro parecia uma criança. Estava feliz apenas porque Anita lhe
mandara uma simples torta de maçã.
_ Parece deliciosa, Ítalo. _
Disse a Princesinha com o mais belo dos sorrisos. _ Diga a Anita que agradeço
muitíssimo. Vou provar um pedaço agora.
_ Quer que leve para a sala de
jantar, alteza? _ Perguntou uma jovem criada. Logo a que parecia mais atirada
para o lado de Ítalo._ Prefere chá ou refresco para acompanhar?
Não gostou da jovem. Não gostava
de moças atiradas. Aquilo não era correto.
_ Leve para a mesa que fica no
jardim.
_ Mas o dia não parece bom para
uma refeição ao ar livre, senhora. Está cinza e venta. É bem capaz que chova.
_ Não perguntei sua opinião.
Prepare a mesa e pronto. Leve chá para dois.
_ Sim, senhora._ Disse a moça
vermelha e com olhos baixos.
_ Acompanhe-me, Ítalo.
Ele a acompanhou. Estava irritado
com o que ela fizera. Por que tratara Célia daquela maneira? A moça era quase
uma menina. Era uma esnobe. Sempre fora. Não mudara nada. Vinte anos naquela torre
não amoleceram o seu coração.
_ Por que falou com Célia daquele
jeito?
_ Não tenho satisfações para dar
a você. Por que está se doendo?
_ Por que me dói vê-la tratar mal
alguém que não pode se defender de você.
Ela viu desprezo em seus olhos e
aquilo a feriu mortalmente. Tratara mal a moça porque era uma oferecida. Mas
não devia ter feito isso. Arrependeu-se por tê-la tratado mal.
Chegaram ao jardim e ela
sentou-se. Ítalo continuou de pé.
_ Sente-se. _ Ela ordenou.
_ Estou bem de pé.
Célia e uma outra moça chegaram
com uma toalha, a torta e o chá.
_ Quer que sirva? _ Perguntou
Célia.
_ Não é necessário, querida. _
Disse a Princesinha com um sorriso. Ela tocou na mão da moça. _ Vocês fizeram
um bom trabalho, obrigada.
A moça se surpreendeu com a mudança
de tratamento. Ítalo também se surpreendeu. Ela se arrependera, sabia. Aquilo
era o mais próximo de um pedido de desculpas que ela conseguiria.
_ Vocês estão dispensadas._ Ela
disse. _ Pode deixar que Ítalo me servirá.
Quem ela pesava que ele era? Era
o dono de sua própria fazenda, não um criado seu. Nunca a servira quando
criança. Não era agora que começaria a fazê-lo.
_ Não vou servir a ninguém! _
Disse irritado.
As moças estacaram.
_ Podem ir, eu já disse. Ele vai
me servir, sim.
_ Não vou mesmo!
As moças saíram apressadas.
Sabiam que uma tempestade estava se formando ali e era maior do que a estava se
formando no céu.
_ Não sou seu criado, Laura.
_ Deixe de bobagens e sente-se de
uma vez, que o chá já está esfriando. Está bem! Eu sirvo o chá e você serve a
torta. _ Disse a Princesinha, enquanto despejava a bebida fumegante nas
xícaras.
_ Por que você vai ficar com a
parte mais fácil?
_ Porque sou uma princesa. Manda
quem pode, obedece quem tem juízo.
_ Nunca vou obedecer a você,
Laura. _ Disse Ítalo irritado.
_ Por favor, Ítalo. _ Disse Laura
com um meigo sorriso. _ Estou louca para provar a torta que Anita me mandou.
Sabia como dobrá-lo. Ele
constatou. Como ia ter coragem de lhe negar alguma coisa? Serviria a torta. Que
ninguém ficasse sabendo. Aceitaria até lhe servir de criado para poder ficar
mais um pouco com ela.
_ Está muito grande, este pedaço.
_ Ela reclamou como sempre.
_ Não está nada. Você é quem come
feito um passarinho. E se queria um pedaço menor, por que não o partiu você
mesma.
Ela lhe laçou um daqueles olhares
de menina birrenta que estava acostumada a lançar desde de menina. Mas não
falou nada. Pegou o garfo e levou a torta à boca. Fechou os olhos e sorriu.
_ Como isto é bom.
_ Minha filha é excelente
cozinheira.
_ É verdade. Como vai Anita?
_ Com saudades de você.
_ Também sinto falta dela.
_ Pode nos visitar mais vezes.
_ Não atrapalho?
_ Só um pouco. _ Disse rindo.
_ Mal educado! Nunca mais boto os
pés em sua casa.
_ Deixe de bobagens, Laura. É
apenas uma brincadeira. É um prazer recebê-la. Está mesmo muito boa esta torta.
_ Não é? _ Disse a Princesinha
animada.
Era bom vê-la sorrir. Animar-se.
Comer um pouco. Conversaram por alguns minutos, mesmo depois que terminaram a
torta. Ele sabia que tinha que ir, mas não se animava a sair de perto dela.
Ela dissera alguma coisa que ele
não prestara atenção por não conseguir parar de olhar para ela. Deus! Como era
linda! Sempre fora. Mas agora estava linda de uma maneira especial.
_ E então? _ Ela perguntou.
_ O que disse?
_ Não estava prestando atenção no
que eu falei, Ítalo?_ Perguntou com uma cara azeda. _ Estou enfadando você?
_ Claro que não, Laura!
Como poderia se enfadar com ela?
Por muitas vezes o irritava, mas enfadar, nunca!
_ Não falo mais nada. _ Disse
cruzando os braços.
_ Deixe de bobagens. _ Disse
enquanto segurava sua mão.
Uma descarga elétrica assustou os
dois e ambos puxaram as mãos.
Voltaram a falar de amenidades. O
tempo passava e eles tinham uma conversa que não acabava mais.
O vento tirava o cabelo de Laura
do lugar. Ítalo olhou para o céu. Uma tromba d’água não tardava a cair. Tinha
mesmo que partir. Levantou-se de chofre.
_ Está ficando tarde e já vai
chover. Tenho que partir. Até mais, querida.
Dito isso, beijou seus cabelos
como fazia com Anita. Só então se dera conta de que a chamara de querida e que
beijara seus cabelos. Tinha sido um insolente. Ela devia estar irritada.
Olhou em seus olhos. Não viu
fúria, mas ela estava assustada. Estava vermelha. Ele passara dos limites,
sabia. Mas não tinha coragem de pedir desculpas. Era o mesmo que admitir que
estava interessado nela. Seria pior. Que ela pesasse que fora uma despedida
casual.
_ Até mais, Ítalo. _ Disse a
Princesinha recuperando o sangue frio.
Ficara mexida com o toque dos
lábios de Ítalo em seus cabelos. Ele a chamara de querida. O que ele queria
dizer com aquilo?
Ele partiu e ela continuou por um
tempo sentada no jardim. Estava frio, mas não se animava a se levantar dali.
Algo estava acontecendo. Por que estava daquele jeito na presença de Ítalo?
Sempre fora tão irritante. Por que sua companhia lhe causava tanto prazer
agora? Por que seu coração se apertara ao vê-lo partir? Por que sentia tanta
falta da fazenda?
Grossos pingos de chuva começaram
a cair e ela correu para o castelo. Subiu para o quarto. Era bom deitar mais um
pouco. Quem sabe se dormisse tudo não voltaria ao normal? Mas não dormiu. Ainda
era manhã, era cedo para uma soneca. O que mais a incomodou foi o fato de Ítalo
não sair de seus pensamentos.
Estava abafado lá dentro. Não se
sentia bem naquela festa. Desacostumara-se da convivência com muitas pessoas.
Não havia festas na torre. Sentia-se como um peixe fora d’água. Ainda mais com
todas as pessoas a olhando daquele jeito como se ela fosse um animal raro trazido
de um lugar exótico. Precisava respirar. Resolveu dar uma volta no jardim.
Sentou-se um banquinho, escondido
por um arbusto. Estava melhor assim. Não queria ser incomodada por ninguém.
Ouviu vozes não muito longe dali. Uma mulher falava muito interessada com
alguém. Não dava pra ver direito do lugar ode estava.
_ Por que se demora tanto a vir,
Ítalo?
_ Tenho muito o que fazer na
fazenda.
Então era Ítalo quem conversava
com a sujeita. O que faziam ali? Estava perto da cozinha, agora percebia. Na
certa esta era uma das jovens que trabalhava a cozinha.
_ Mas hoje você veio.
_ Estou a trabalho. Vim fazer
algumas entregas para o banquete. Demorei-me por que estava um pouco com mamãe.
_ É uma pena sua mãe não morar
com você. Sua fazenda é tão bonita.
_ Já pedi muitas vezes, mas mamãe
nunca quis largar o trabalho.
_ Devia, agora que a Princesinha
saiu da torre. Eu gostaria muito de morar numa fazenda como aquela.
Oferecida! Insinuando-se para
Ítalo. E como ousava tocar em seu nome.
_ Mamãe é muito teimosa.
_ Gostaria muito de visitá-lo
qualquer dia desses, Ítalo.
_ Será um prazer, Célia. Apareça
quando quiser.
Que oferecida! Assim já era
demais. E Ítalo ainda estava dado corda!
_ Ítalo, venha até aqui._ Ordenou
a Princesinha.
_ Onde está, alteza?_ Ele pareceu
espantar-se
_ Aqui, no banco do jardim.
_ Estou indo, alteza. Com
licença, Célia. A Princesinha me chama. Foi um prazer revê-la. Até qualquer dia
desses.
_ Até breve, Ítalo.
Ele chegou até o banco em que ela
estava.
_ Chamou-me, alteza?
_ Não, chamei por João. Quantos
Ítalos você conhece por aqui?
_ O que deu em você, Laura? _
Perguntou Ítalo irritado.
_ Nada. Só não acho correto você
ficar de conversinhas com as cozinheiras do palácio.
Ele deu uma risada.
_ Então está com ciúmes?
_ Ciúmes de você?! Tenha dó._ Disse
a Princesinha com desdém.
_ Está certo. Como uma princesa
iria sentir ciúmes de um pobre fazendeiro como eu? Mas o que há de errado em eu
conversar com a Célia?
_ Não vê que ela está se
insinuando pra você?
Ele fez uma cara divertida.
_ É mesmo? Sabe que não tinha
percebido?
_ Dissimulado! Devia mesmo se
casar com ela.
_ Casar-me com Célia? Só pode
estar brincado. Tem quase idade para ser minha filha.
_ Não parecia pelo que pude ouvir
daqui.
_ Está mesmo enciumada, não?
_ Não me irrite, Ítalo.
_ Perdão, majestade. Mas o que
faz aqui sozinha, quando seus pais fizeram um banquete para você? Costumava
gostar tanto das festas.
_ Não é mais a mesma coisa,
Ítalo. _ Disse a Princesinha desanimada. _ Foram tantos anos na torre. Não me
acostumo mais com as pessoas.
Ele pareceu sentir pena dela. Mas
não deixou transparecer. Ela era muito orgulhosa para deixar que alguém
sentisse pena dela.
_ Deve estar bem quente, lá
dentro, não?
_ Insuportavelmente quente.
_ Vamos dar um passeio no jardim
então. Que tal?
Ela pareceu animar-se.
_ Boa idéia, Ítalo. _ Disse ela
levantando-se. _ Adoro as flores. Foi uma pena terem mudado o jardim de ala.
Senti muita falta dele quando estava na torre.
Ela pareceu ficar triste
novamente.
_ Mas agora está aqui. _ Disse
Ítalo pegando-a pela mão. _ E pode até passear por ele. Vamos.
Ela aceitou o convite e não se
importou por Ítalo não soltar a sua mão, enquanto caminhavam. Ítalo estava
longe de ter boas maneiras. Não tinha a docilidade de João, mas era filho de
Nane. Sabia que era bom homem. Quem sai aos seus não degenera. Percebera que
ela estava triste e resolvera animá-la.
A brisa da noite roçou em seus
cabelos. Pela primeira vez naquela noite se sentiu confortável. Era bom estar
com Ítalo ali. De repente ele estacou.
_ O que foi? _ Ela perguntou.
_ Não tem idéia de quanto está
bonita, banhada pela luz deste luar.
_ Ainda me acha bonita, Ítalo.
Mesmo depois de tantos anos?
_ Ainda mais agora do que nunca.
_ Disse ele passando as mãos em seus cabelos.
_ Mas não sou mais jovem, Ítalo.
Outras são mais belas do que eu.
_ Nenhuma mulher é mais bonita
que você, Laura.
João também havia dito isto. Mas
no caso dele era apenas uma constatação. Com Ítalo a mesma afirmação tinha uma
tonalidade diferente.
_ Obrigada, Ítalo. Você também é
o homem mais bonito que conheço.
Ele riu.
_ Este é o primeiro elogio que
você me faz desde que me conheço por gente. Acho que devo beijá-la agora.
_ Beijar-me?! _ Ela assustou-se. _ Não está correto, Ítalo. Você
não é um príncipe.
_ E daí? Princesas não beijam até
sapos para transformá-los em príncipes?_ Perguntou rindo. _ Talvez se você me
beijar pode me transformar em príncipe.
Um raio de esperança surgiu em
sua mente. Se o beijasse e o transformasse em príncipe poderia se casar com
ele. Está certo que muitas vezes era um grosseirão. Mas também era bonito,
forte e pra falar a verdade, estava mesmo com vontade de beijá-lo.
_ Posso mesmo transformá-lo em
príncipe, Ítalo? Isto é maravilhoso! Nunca vi uma transformação! Vamos,
beije-me agora.
Ele ficou sério.
_ Não posso fazer isso com você.
Às vezes me esqueço que você foi tão jovem para aquela torre. Não pode me
transformar em príncipe com um beijo, Laura.
Ela ficou decepcionada. Por
alguns instantes pensou que todos os seus problemas estariam resolvidos.
_ É uma pena. _ Disse a
Princesinha cabisbaixa.
_ E por que quer me transformar
em um príncipe? Por acaso está pretendendo se casar comigo?
_ Não seja ridículo!
_ Há um minuto atrás estava
querendo que eu a beijasse.
_ Não queria, não.
_ Queria sim.
Era verdade. Não só estivera com
vontade de beijá-lo, como ainda estava. As favas príncipes e plebeus. Se Ítalo
tinha intenção de beijá-la, a hora era agora.
_ Tudo bem. Pode me beijar então.
Ele pareceu não acreditar.
_ Quer mesmo que eu a beije? Sabe
que não vou me transformar em um príncipe.
_ Nunca teve mesmo jeito mesmo
para príncipe. Mas tudo bem. Vai querer me beijar agora ou não?
_ Claro que quero. Mas por que
resolveu me beijar agora?
_ Não quero desperdiçar um luar
romântico como esse. Se fosse um príncipe já teria me beijado.
Ele sorriu.
_ Então é pra já. _ Disse
enquanto se aproximava._ Mas só uma coisa.
_ O que foi? _ Ela perguntou.
_ Tem certeza de que não vai me
transformar em um sapo?
Os dois caíram na risada. Por um
momento pareciam que tinham voltado no tempo e eram crianças novamente.
_ Pare de rir. _ Ele disse. _
Assim não vou conseguir beijá-la.
_ Foi você quem começou. Está
bem. _ Disse a Princesinha fazendo uma cara séria. _ Pode beijar agora.
Mas quando Ítalo se aproximou,
ela caiu na risada novamente.
_ Está vendo? _ Ele riu também. _
Você não está cooperando.
_ Princesinha!
Era João quem chamava.
_ Estou aqui João. _ Respondeu a
Princesinha.
Ele se aproximou, mas estacou
quando viu Ítalo.
_ Então você também está aqui.
_ A Princesinha me chamou. _
Disse Ítalo embaraçado como se fosse um menino de quinze anos.
_ É verdade, João. Fui eu quem o
chamou.
_ Não estou questionado nada.
Todos estão procurando por você, Laura. Já estou indo. Ítalo pode acompanhá-la
até a porta do castelo. Com licença. _ Disse retirando-se.
_ Ítalo. _ Disse João virando-se
para o irmão. _ Embora vinagre e azeite combinem tão bem como um tempero de
salada sabe que os dois nunca se misturam. Você já não é nenhuma criança, nem
ficou preso por vinte anos numa torre. Posso crer que dos dois é o que deveria
ter mais juízo. Chega de sofrimentos para Laura.
Ela ficou mortificada. Não teve
coragem de dizer nada para João ou para Ítalo. Comportara-se mal. João tinha
razão. Não podia se jogar para cima de Ítalo como uma das cozinheiras do
castelo.
Olhou para ele. Também parecia
envergonhado. O luar ainda banhava os dois no jardim, mas o clima de romance
tinha terminado.
_ Eu a levo até a porta do
palácio. _ Ele disse com os olhos baixos.
_ Não é necessário Ítalo. Pode
ir.
Saiu correndo. Estava muito
envergonhada.
_ Por onde esteve? _ Perguntou a
mãe.
_ Estava tomado uma fresca no
jardim.
_ Todos perguntam por você.
_ Por favor, mamãe. Deixe-me ir
para o meu quarto.
_ Não pode. Será uma desfeita com
todos.
_ Deixe-me, mamãe. Por favor! Eu
imploro.
Lágrimas começaram a brotar dos
seus olhos.
_ Está bem. _ A mãe se
compadeceu. _ Eu resolvo tudo.
Atirou-se na cama quando chegou
ao quarto. Agira mal como uma princesa. Quisera beijar Ítalo. Princesas só
podem beijar príncipes. Mas não tinha vontade de beijar príncipe algum. Queria
era beijar Ítalo para o resto de sua vida. Por que saíra da torre? As coisas
eram bem mais fácies quando estava lá. E se voltasse para lá? Não! Nunca mais
voltaria para a torre! Enfrentaria todos os seus problemas. Torre nunca mais.
Dormiu pouco aquela noite. Pensou
em Ítalo e os dias agradáveis em que passara na fazenda. Seria tão bom se
pudesse ficar lá para sempre. Não tinha ninguém cochichando ou rindo ás suas
custas. Tudo era tão calmo e agradável.
Lembrou de como fora sufocante o
banquete da noite anterior. Perdera toda sua vida trancada em uma torre, quando
poderia ter constituído uma família. Tudo estava perdido para ela agora.
Mas Ítalo quisera beijá-la. E
teria beijado se João não tivesse aparecido. Ele ficara zangado, ela pudera
perceber. João tinha boas maneiras, era sensato. Jamais em sua vida agira de
modo não condizente. João era um verdadeiro príncipe. Talvez tivesse mais
sangue azul do que ela. Herdara a sobriedade de Nane.
Quanto a ela. Era um sangue
quente, como Ítalo. Os dois sempre faziam tudo o que lhes vinha na telha, sem
pensar nas conseqüências. Onde já se viu beijar Ítalo. Deus! Por que João tinha
que ter aparecido àquela hora? Desejara muito que Ítalo a beijasse. Pouco
importava se era um plebeu ou não.
Jamais desejara tanto beijar um homem em toda a sua vida.
Como seria bom beijar Ítalo todos
os dias, pro resto de sua vida! Era melhor para de pensar nisso. Era uma
relação impossível. Deixasse que o tempo apagaria.
No outro dia caminhou até o
jardim. João estava trabalhando. Ela se aproximou e sentou-se em uma pedra.
_ Está zangada comigo? _ Ela
perguntou.
_ E por que estaria?
Ela não tinha coragem de tocar no
assunto. Estava envergonhada demais. Tinha muito vergonha de saber que ele a
considerava como uma das criadas atiradas.
_ O que está fazendo? _ Ela
queria mudar de assunto.
_ Mudando rosas.
_ Você sempre gostou das flores,
não é, João?
_ Nós dois sempre gostamos.
_ Nós dois sempre gostamos das
mesmas coisas. Muitas vezes me perguntei por que você se parecia mais minha
irmã do que Ítalo.
_ Ele sempre foi tão diferente de
nós._ Ela concordou.
_ Mas nunca deixamos de andar
grudados nele, só por causa disso.
_ Ele era tão forte. Não tínhamos
medo de nada, quando ele estava conosco.
_ É verdade.
_ Tudo era tão mais simples,
antigamente.
_ O mundo dos adultos é bem mais
complicado.
_ Ítalo se tornou um bom homem,
João?
_ O melhor que eu conheço.
_ O melhor sempre será você,
João!
_ Apenas para você e Maria. _ Ele sorriu, mas olhando em seus olhos,
completou. _ Mas agora vejo que Maria está sozinha.
Ela ficou vermelha. Estava sem
jeito. Sempre amara mais a João do que a Ítalo. João sempre lhe parecera
superior em tudo. Ainda que não fosse cega ao fato de que Ítalo era superior em
altura, beleza e força, com relação a João. Mas que diferença faz beleza, foca
e altura quando se trata de alma irmãs? João sempre gostara das mesmas coisas
que ela, sempre fora dócil e gentil. Um irmão perfeito.
Aceitaria com gosto ser irmã de
João. Mas não de Ítalo. Os sentimentos que agora lhe confundiam a mente em nada
se parecia com os sentimentos de uma irmã. As coisas que não tinham a menor
importância quando eram crianças, agora assumiam proporções gigantescas. Nunca
admirara tanto a beleza de Ítalo. Nem tão pouco desejara tanto ser protegida
por seus braços fortes. Ele a defendera
do Príncipe. Era forte, corajoso. Não tinha medo de nada.
O que João teria feito em seu
lugar se tivesse encontrado com o Príncipe, no lugar de Ítalo? João não teria
aquela insolência. Aquilo era coisa própria de Ítalo. João era muito comedido e
educado para tratar o Príncipe daquele jeito. Mas fora da insolência de Ítalo
que precisara naquele dia. Precisara de Ítalo, como nunca precisara de ninguém.
_ As coisas mudaram, João. Ítalo
já não é mais o mesmo.
_ Ele continua o mesmo de sempre.
_ Já não é tão irritante agora.
_ Nem você, nem Ítalo mudaram.
Continuam os mesmos. Foram os sentimentos que mudaram, Princesinha. Mas você
mais do que eu que as coisas não são tão simples assim.
Talvez João tivesse razão. João
sempre estava certo. Não ia mesmo dar em nada. Ele disse que Ítalo não mudara.
Talvez soubesse de alguma coisa que ela não sabia. E se Ítalo, por essas
andanças, tivesse se tornado um conquistador barato? Estava sozinho há tanto tempo.
Por que não se casara? E por que escolheria alguém como ela, se podia ter para
si uma pessoa normal? Quem ia querer ter sua vida ligada a uma pessoa que só
servia de chacota para todos?
_ O sol está muito quente, João.
Acho melhor entrar.
João percebeu que os olhos de
Laura estavam marejados. Talvez as coisas com Ítalo estivessem mais sérias do
que ele pensava. Será que ela estava apaixonada por ele? Se demorasse mais um
segundo, pegaria os dois se beijando no jardim. Ítalo e Laura juntos, quando
poderia imaginar uma coisa dessas? Sempre viveram às turras. Mas não dizem que
os opostos se atraem? Mas Ítalo e a Princesinha não eram opostos. Eles sempre
tiveram o gênio muito parecido. Eram iguais.
Mas era uma união impossível.
Ítalo e Laura sempre foram tão impulsivos! Nunca pensavam antes de agir. A
princesa e o plebeu! Não conhecia coisa mais clichê. Era claro que não ia dar
certo! Fazia tempo que Ítalo estava viúvo e sempre escorregar de todas as
investidas. Não era Laura, com toda aquela ingenuidade que conseguiria
dobrá-lo.
No entanto, Laura não era
qualquer uma. Era a filha de seu rei. Mas Ítalo nunca se importara com este
tipo de coisa. Qual era a intenção de Ítalo ao tentar beijar Laura? Aquilo
parecia inacreditável para ele. Precisava saber quais eram as verdadeiras
intenções do irmão. Laura já sofrera o bastante. Não via nenhuma chance daquilo
dar certo. Era melhor Ítalo afastar-se o quanto antes.
_ Preciso falar com você. _ Disse
João, alcançando Ítalo, que acabava de sair da casa da mãe.
_ Vim dar uma olhada em mamãe. É
uma pena que ela não queira ir comigo com a fazenda. Os ares de Verdes Prados
fariam muito bem a mamãe. Você também poderia ir para lá, João. Já te pedi
tantas vezes.
_ Nosso lugar é aqui, Ítalo.
_ Não passam de vassalos, neste
lugar.
_ Você pode até ser um próspero
fazendeiro, Ítalo. Mas lembre-se de que sua condição não difere muito da nossa.
_ O que está querendo dizer com
isso?
_ lembre-se de que vi você e
Laura no jardim. Se não tivesse chegado, teria a beijado.
_ Qual a importância disso? Sou
viúvo e ela solteira.
_ Você é filho da babá e ela a
filha de seu rei.
_ E daí?
_ É melhor pararem com isso,
antes que alguém saia ferido.
_ Ninguém vai se ferir.
_ Não está brincando com ela,
está Ítalo?
_ Como brincando?!
João olhou nos olhos do irmão.
Conhecia-o como a palma da mão.
_ Está apaixonado por ela, não
está?
Ítalo estava envergonhado.
_É claro que não!
_ Como não, Ítalo. Conheço você.
Foi assim com a Gata Borralheira, foi assim com Maria, dos Meninos Perdidos.
Está apaixonado por Laura.
_ Pare com isso, João. Como posso
estar apaixonado por alguém como Laura?
_ Não minta pra sim mesmo, Ítalo.
Não precisava mentir. Estava
apaixonado por ela e pronto. Pensara que o seu coração estava fechado para o
amor, quando Maria partira. Mas Laura o fizera pulsar de novo. Mas talvez João
tivesse razão. O que queria? Colocar uma princesa dentro de uma fazenda o tocar
sua vidinha como antes?
A fazenda não era a mesma, depois
que Laura partira. Até Anita se sentia mais solitária agora.
Ele suspirou e João ficou
penalizado. Que idéia fora aquela de colocar Laura na fazenda de Ítalo? Ele
fora o culpado de tudo aquilo. Fora ele quem fizera a burrada. Só queria que
Laura se distraísse um pouquinho. Quando iria que Laura e Ítalo acabariam apaixonados
um pelo outro? O que ia fazer agora?
Abraçou o irmão. Nunca vira Ítalo
tão frágil.
_ Não fique assim, Ítalo. Tudo
vai acabar dando certo no final.
_ Como, João?
Ítalo tinha os olhos desolados.
_ Desculpe-me, Ítalo. Não podia
imaginar que tudo isso aconteceria, quando levei Laura até sua fazenda.
_ Não foi sua culpa, João. Tinha
que acontecer. É melhor eu me afastar um pouco.
Ítalo partiu e mais uma vez João
se culpou por tudo aquilo.
João estava com os olhos bem
abertos no escuro.
_ Não está conseguindo dormir,
não é? _ Maria perguntou.
_ Como sabe?
_ Somos casados há tanto tempo. O
que te preocupa?
_ Estou preocupado com Ítalo e a
Princesinha.
_ Mais com ele ou mais com ela?
_ Com os dois. São igualmente
importantes para mim.
_ Não devia se importar tato com
ela. Apenas Ítalo é seu irmão. É com ele que devia se preocupar. Não gosto que
outra mulher ocupe os seus pensamentos.
_ Não venha com esta história de
novo. Sabe que Laura é como uma irmã para mim.
_ Não deveria ser o mesmo para
Ítalo?
_ Sim. Mas não sei o que
aconteceu. O fato é que estão apaixonados um pelo outro agora e não vejo como
isto pode dar certo.
_ Por que não?
_ Não vejo como um rei daria a
mão de sua filha para o filho de sua babá.
_ Ítalo é um bom homem. É
honesto, trabalhador e muito próspero. Não vejo por que não pode se casar com
ela.
_ Sabe que não é assim.
_ Deixe de bobagens. Conhece bem
seu irmão. Se ele a quer, e ela também. Sabe que ele não vai desistir.
_ Este é o meu medo.
_ Medo de quê?
_ O rei não vai deixar. Ele não é
homem para ela.
_ Como não é homem para ela?
Ítalo é o homem por quem ela esperou por todos esses anos naquela torre. Como
não consegue enxergar isso? Você cresceu com os dois. Conhece almas tão
parecidas como estas?
_ Nunca consegui diferir um do
outro. Não conseguia saber a quem amava mais, ou a quem mais queria agradar.
Todos amavam Ítalo e Laura, mas eles amavam a mim. Depois de Laura, você foi a
primeira pessoa que me amou mais que a Ítalo. Não posso condenar ninguém. Eu
também sempre o amei. Ele e Laura são o tipo de pessoa que atrai o olhar e a
amizade de todos.
_ Eles são iguais.
_ A mesma altivez, a mesma
teimosia e o mesmo carisma. Como não percebi antes?
_ Pois devia ter percebido.
Ninguém será bom o suficiente para Laura, que não uma cópia dela mesma. Ninguém
conseguiu dobrar sua vontade quando resolveu se trancar na torre. Ninguém vai
dobrá-la quando decidir ficar com Ítalo. Tem certeza de que ela o ama?
_ Está claro como o dia. Ambos
ainda não estão à vontade com este sentimento novo que surgiu entre eles, mas
isto é questão de dias. Tão logo enxerguem o quanto se amam, não vão dar
ouvidos a ninguém.
_ Então deixe que se amem. Os
dois merecem ser felizes de novo.
_ Eles vão sofrer, Maria.
_ Vão ser é muito felizes. Logo,
logo, se casam e vão encher aquela fazenda de filhos.
_ Acha que ele conseguirá levá-la
para a fazenda?
_ Pelo que André me disse, ela se
deu muito bem por lá.
_ Acha que ela vai abrir mão de
tudo por ela?
_ Se bem a conheço, não vai abri
mão de nada, muito menos de Ítalo. Os dois sempre arranjam um jeito de ter tudo
o que querem agora é um ao outro. Durma que tudo se ajeita. Está se preocupando
sem motivos.
_ Tem toda razão, mulher. ´
_ Só Ítalo pode dobrar Laura e só
Laura pode dobrar Ítalo. Andam de mexericos por aí e já até soube que Ítalo
serviu Laura numa mesa de chá.
_ Não pode ser verdade. Ele nunca
aceitou servi-la.
_ Ele pode até não se render aos
caprichos de uma princesa, mas se rendeu aos caprichos da mulher que conseguiu
enlaçá-lo. Tantas moças aos pés de Ítalo e ele escorregando feito um quiabo.
Bastou a Princesinha descer da torre e já o colocou uma coleira.
_ É verdade.
_ E não para por aí. Os mesmos
olhos que viram Princesinha sendo servida por Ítalo, viram-na servindo chá para
ele.
_ Uma princesa servindo a um
vassalo?
_ Substitua isso por um desjejum
de namorados.
_ Estava perdendo meu sono por
nada. O caso já vai mais adiantado do que imaginava. Vá arrumando um belo
traje, Maria. Logo, logo, teremos uma princesa na família.
_ É verdade
o que ando escutando por aí? _ A mãe perguntou de chofre.
_ O que disse? _ Perguntou João.
_ Você não
é surdo. O que mais estariam falando por aí? O que está acontecendo entre a
Princesinha e o seu irmão?
_ Não sei
ao certo.
_ Como não
sabe? Andam de mexericos. É claro que você deve saber.
_ Preciso
saber ao certo. Ainda não conversei direito com Ítalo. Pode ser apenas uma
bobagem entre os dois.
_ Eles não
são mais crianças.
_ O amor
não tem idade, mamãe.
_ Nem pense
numa coisa dessas, João. Sabe quem não vai dar certo.
_ Eu sei.
_ Tantas
vezes temi que isso acabasse acontecendo entre você e ela. Sempre juntos para
onde quer que fossem.
_ Eu e a
Princesinha?! Só pode estar brincando! É como uma irmã para mim.
_ Também
era para Ítalo.
_ Não. Eles
nunca foram irmãos. Brigavam por tudo e por nada. Nem mesmo se suportavam
algumas vezes. É de admirar que estejam nesta situação agora.
_ Não dizem
que os opostos se atraem?
_ Mas não
são opostos. São iguais em tudo. Conhece muito bem os dois, melhor até do que
eu. Quando põem uma coisa na cabeça, quem poderá tirar?
_ Acha que
vão levar isto adiante?
_ Ainda não
posso dizer.
_ Não quero
ver meu filho sofrendo.
_ Também
não quero, mamãe. Nenhum dois merece sofrer. Já apanharam demais da vida. Não é
hora de serem felizes.
_ Um com o
outro. Custa-me a crer, meu filho.
_ Vamos
pagar pra ver. Por hora basta que não ponhamos mais lenha na fogueira. Já tem
gente o suficiente para fazer isso.
_ Tomara
que não passe de um capricho dos dois.
_ Custo a
crer. Antes fosse. Agora tenho que ir. Não preocupe mais a sua cabecinha com
isso. Deixa que o tempo resolverá isso.
_ Deixar o tempo resolver? Só se não
fosse Ítalo.
_ E nem
Laura.
João
partiu, mas Nane não deixou de ficar preocupada com aquela história. Não tinha
como dar certo. Um vassalo e uma princesa? Não mesmo. Onde Ítalo estava com a
cabeça? Poderia ter a mulher que quisesse e fora se envolver logo com uma que
estava fora de seu alcance! Por que o filho estava fazendo uma coisa daquelas?
_ Princesinha!
Seu coração deu um disparo. Era
sua impressão ou Ítalo a chamava?
_ Não é a voz de Ítalo, o
fazendeiro filho de sua babá? _ Perguntou Cachinhos de Ouro.
_ Parece que sim. _ Disse a
Princesinha tentando disfarçar a emoção.
Cachinhos de Ouro chegou da
janela.
_ Que bons ventos o trazem,
Ítalo?
_ Como está, Cachinhos de Ouro? _
A Princesinha ouviu sua voz lá de fora. _ Vim buscar a Princesinha. André
prometeu que o faria, mas teve que acudir uma vaca no pasto.
_ Entre e tome um refresco.
_ Fica para uma outra vez,
Cachinhos de Ouro. A Princesinha está pronta para ir?
_ Acabamos de lanchar.
_ Estou pronta, Cachinhos de
Ouro. Diga a Ítalo que já indo.
As duas se despediram,
prometendo-se uma outra visita.
Ele estava em seu cavalo
esperando-a e nenhum príncipe lhe parecera tão lindo como Ítalo lhe parecia
agora. Ele sorriu para ela e lhe pareceu mais lindo ainda.
_ André não pode vir.
_ Eu ouvi.
Ele desceu de seu cavalo para
ajudá-la a montar no seu. Suas mãos se tocaram e ela sentiu um aperto no coração.
Por que Ítalo não era um príncipe?
Caminharam juntos em silêncio até
que ela quebrou a barreira do silêncio.
_ Por que não voltou mais?
_ Não quero lhe arranjar
problemas, Laura. Longe de mim magoar você.
_ E por que me magoaria? Esteve
brincando comigo todo esse tempo, Ítalo?
_ Por Deus, Laura! Sabe que não! Mas
não somos crianças. Sabe que é impossível.
_ O que é impossível?
_ Não torne as coisas mais
difíceis, Laura. Tenho que me manter longe.
_ Por que aceitou o pedido de
André? Outro poderia vir.
_ Não foi André quem pediu. Foi
eu quem me ofereci.
_ Por quê?
_ Estava morrendo de saudade.
_ Também estou com saudade,
Ítalo.
_ André me disse que você tem
andado triste.
_ Pensei mesmo em voltar para a
torre.
_ Não faça isso, Laura!
_ Não farei, Ítalo. Eu nunca mais
voltarei para a torre.
Ela olhou para o céu rosado. A
tarde caía. Logo o sol se poria.
_ Vamos parar para ver o por do
sol?_ Ela perguntou.
_ Está bem.
Ítalo desceu a ajudou a desmontar. Ele foram até perto do
rio que tingia-se com as cores do sol que se punha.
_ Eu esperava todos os dias o sol
nascer. É tão lindo. Mas fiquei vinte anos sem ver o por do sol. Não se pode
ter as duas coisas.
_ Pode sim, Laura. Basta você
querer.
Ele tinha razão. Bastava ela
querer. Fora ela quem quisera ficar na torre. Não podia culpar ninguém por
isso. Queria Ítalo agora. E se ele também queria. Ia lutar por isso.
_ Amo você, Ítalo. _ Ele disse de
chofre.
_ O que disse? _ Ele parecia não
acreditar.
_ Isto mesmo que você ouviu. Amo
você.
_ Também te amo tanto, que meu
coração chega a doer. Mas o que vamos fazer? Se me casar com você, sabe que
perderá tudo. Nunca ouvi dizer de uma princesa que se casou com um plebeu.
Abdicaria de sua posição por mim, Laura?
_ Pode-se ter as duas coisas,
lembra?
_ Ninguém aceitaria.
_ Vamos pagar pra ver.
Ele olhou para ela com muita
ternura.
_ Você fica linda quando a luz
tinge de prata os seus cabelos e mais linda ainda quando o sol tinge os tinge
de ouro. Devo avisá-la que vou te beijar agora.
Ele a beijou e na mesma hora ela
percebeu que tomara a decisão correta. Encontrara o amor quando tudo parecia
perdido, não o ia deixar que escapasse agora.
_ Como se sente, majestade?_ Ela
perguntou.
_ O que disse, Laura?_ Ele
parecia não entender.
_ Perguntei como se sente agora
em que o transformei num príncipe com um beijo.
_ Pare com isso. Não acredita
mesmo nisso, acredita?
_ Claro que acredito, Ítalo. Você
é o meu príncipe e não tem nada de encantado. É real, Ítalo. Assim como é real
o meu amor por você.
Ele a abraçou e a beijou mais uma
vez.
_ Amo você, Laura. Não quero mais
ficar longe. Case-se comigo.
_ Eu me caso com você, Ítalo.
Eles se abraçaram e viram as
últimas réstias de sol esconderem-se na montanha.
Depois subiram os cavalos e foram
para o palácio. Tinham muita coisa para enfrentar.
_
Papai, estou tão feliz. _ Disse a Princesinha abraçando o rei. Podemos
fazer um jantar amanhã?
_ Claro, minha filha! É bom vê-la
sorrir de novo. Quem virá?
_ De fora apenas Ítalo, a filha e
a babá. Mas gostaria que Nane, João e a família também estivessem presentes.
_ Não quer que eu jante com os
criados, quer? _ Irritou-se a mãe.
_ Quero sim, mamãe.
_ Não venha me dizer que esses
boatos da criadagem que finjo não escutar são verdadeiros.
_ Não tem boato nenhum, mamãe.
Ítalo vem pedir minha mão amanhã.
_ Isso só pode ser mais um de
suas cismas, Laura. Não vai deixar que sua filha case com o filho da babá?
_ É um homem honrado,
trabalhador. Venceu por seus próprios méritos. É um caso a pensar. Você o ama,
Laura?
_ Sim, papai. E ele me ama também.
_ Tudo bem. Mas não posso dar a
mão de minha filha a um plebeu.
_ Mas papai...
_ É sensato. _ Ponderou a mãe.
_ Mas o jantar está de pé. Chame
quem quiser. Mas deixe o pedido para o mês que vem. É preciso de um tempo para
que se espalhe que Ítalo de tornou o Barão Verdes Prados.
_ Ótima idéia, papai. _ Disse a
Princesinha batendo palma.
_ Não pode fazer isso! _
Irritou-se a rainha.
_ Sou o rei e posso fazer o que
quiser. E tenho dito! E palavra de rei não volta atrás.
Ítalo e a filha chegaram para o
jantar.
_ Princesa Laura. _ Saudou a
mocinha. _ Como está linda. Nem pude acreditar quando papai me disse. Vão mesmo
se casar?
_ É claro que vamos.
_ Papai veio para fazer o pedido.
Não acha que o rei ficará bravo?
_ De modo algum, Anita. _ Virando-se
para André que se encontrava não muito longe, a Princesinha chamou. _ André,
veja quem está aqui. Sua prima Anita. Por que não a leva para ver Nane e vejam
se já estão todos prontos.
_ Anita. _ Disse o rapaz
abraçando a prima. _ Como está? Faz tempo que não aparece. Vamos ver a vovó. _
Disse enquanto puxava Anita pela mão.
_ Vamos até o jardim dar um
passeio, Ítalo?_ Convidou a Princesinha.
_ Vamos.
Caminharam um pouco calados até
que Ítalo quebrou o silêncio.
_ Vejo que as coisas não deram
muito certo. Se fosse o contrário, não teria tanto tempo em se livrar de Anita.
_ Não quis me livrar de Anita.
Quis apenas um tempo a sós para conversarmos.
_ Não haverá mais casamento. Não
é assim?
_ O casamento continua de pé.
Apenas não me peça hoje.
_ Posso saber por quê?
_ Papai não dará a mão de sua
filha a um plebeu.
_ Estava demorando. Eu sabia que
não seria tão fácil assim. Se seu pai não dará a mão da filha a um plebeu, como
nos casaremos?
_ Papai vai transformá-lo em um
barão.
_ Um barão, eu? _ Ele soltou uma
gargalhada. _ Você só pode estar brincando. O filho da babá e irmão do
jardineiro agora vai ser um barão?
_ Isso mesmo. A partir dessa
noite você será o Barão de Verdes Prados.
Ítalo soltou uma sonora
gargalhada.
_ Você está brincando, não é?
_ Nunca falei tão sério em toda a
minha vida.
_ Por que inventou isso, Laura?
Não pode me aceitar como sou?
_ Não fui eu quem inventou isso.
Foi papai. Mas não me opus.
_ Mas por que não se opôs? Barão
de Verdes Prados? Isto é ridículo. Não vou aceitar uma coisa dessas.
_ Por que não vai, seu cabeça
dura?
_ Não fale assim comigo, Laura.
_ Falo como quiser, sou uma
princesa.
_ Já começou de novo?
_ Foi você quem começou. Por que
não pode aceitar a vontade de papai? É apenas um título.
_ Todos vão rir às minhas custas.
_ Bem vindo ao clube.
Os olhos de Laura estavam
marejados. Ítalo tocou em seu rosto. Ela já sofrera tanto. Por que estava
brigando com ela agora?
_ Não chore, Laura.
_ Talvez você tenha razão. Por
que ligar-se a alguém que serve de chacota para todo mundo? Ítalo, o Barão de
Verdes Prados que se casou com a Princesinha da Torre. Compromisso desfeito.
Pode partir, Ítalo.
_ Sabe que amo você, Laura. Não
quero deixá-la. Apenas acho uma bobagem essa coisa de Barão de Verdes Prados.
_ Se acha uma bobagem, que diferença
faz? Para papai é tão importante. Meus pais também sofreram muito por causa da
torre, Ítalo. Se pudesse voltar no tempo, jamais teria entrado lá. Mas ao posso
mudar o passado. Tudo que posso fazer agora é ser mais tolerante. Se papai faz questão
de um título, o que tem? Não vai fazer mesmo diferença. Não pedi pra que você
desistisse de sua família por mim, Ítalo. Não me peça para fazer o mesmo.
_ Tem razão, Laura. _ Disse Ítalo enquanto a abraçava._ É apenas um
título. Chega de intolerância. Quando pode se tornar a Baronesa de Prados
Verdes?
_ Tão logo se apregoe por todos
os cantos que você é um próspero barão. Não vai demorar muito, já que as
notícias costumam correr por aqui.
_ Verdes Prados não é uma fazenda
tão próspera assim.
_ O povo também costuma aumentar
bastante.
Os dois riram.
_ Venha cá e me dê um beijo,
futura baronesa.
_ Será um grande prazer. Mas
agora que será um nobre lembre-se sempre de se manter longe das cozinheiras
atiradas.
_ Só gosto das princesas atiradas.
_ Não vou te dar beijo nenhum.
_ Laura, não faça isso. É uma
brincadeira.
Ele a abraçou e a beijou e sabia
que a beijaria para sempre. Princesa, baronesa ou plebéia. Não importava. Laura
era a mulher que amava.
_ Amo você, Ítalo. É uma pena que
tenha demorado tanto tempo para enxergar isso. Se tudo isto tivesse acontecido
há muitos anos, tanto sofrimento teria sido evitado. Perdemos tanto tempo.
_ Você mesma disse que não
podemos mudar o passado. Além do mais, éramos muito jovens e dávamos valor
demasiado para coisas tão pequenas que hoje já não fazem mais sentido. Não
perdemos tempo algum, Laura. Ainda temos muito a viver juntos.
_ Tem razão, Ítalo. Não vamos
mais pensar no passado. Agora vamos entrar. Papai me parece muito contente, mas
mamãe ainda está contrariada.
_ Ela nunca encontrará um genro
tão bonito quanto eu.
_ Não seja pretensioso, Ítalo.
_ Agora que serei um nobre posso
ser sim.
_ Você nunca precisou de nobreza
para ser um exibido.
_ Tem razão.
_ Diga para as cozinheiras que
você agora tem dona.
_ Onde fui arranjar uma mulher
tão ciumenta?
_ Ainda está em tempo de
desistir.
_ Amo você, Princesinha._ Disse
Ítalo enquanto a beijava mais uma vez.
_ Também te amo, Barão de Verdes
Prados.
Eles entraram de mãos dadas e
todos já estavam a espera. Ítalo se tornou o Barão de Verdes Prados e logo se
casaram. E foram muito felizes. Eles tiveram um filho em quem botaram o nome de
João. O menino herdou a beleza da mãe, a coragem do pai e a docilidade do tio.
A rainha, que não havia ficado
muito feliz com a escolha da Princesinha tão logo pegou o bebê nos braços se
apaixonou. E nunca mais largou o menino, nem mesmo se importou com a humilde
origem de seu pai. A Princesinha finalmente estava feliz. Sua mãe também ficou
feliz por ela.
O Barão de Verdes Prados foi um
nobre próspero e feliz, junto com sua esposa querida. Mas seu filho não herdou
seu título de barão, porque antes herdou o reinado de seu avô. E foi um rei
próspero e respeitado. E eles foram felizes para sempre.
FIM
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