sexta-feira, 20 de julho de 2012

A Princesinha da Torre


A Princesinha da Torre

            Acordou e olhou pela janela. O sol já ia alto. Por que Nane ainda não viera com sua bandeja cheia de comida e mandando que se levantasse?
            Resolveu dormir mais um pouquinho. Não conseguiu. Preocupou-se com a falta da Nane. Por que não viera?
            Ouviu uma batida na porta.
            _ Finalmente veio, Nane. Por que demorou tanto?
            Nane não respondeu e ela olhou para a porta. Um rapazinho de olhar intrigado estava parado na porta, sem decidir se entrava ou não.
            _ Trouxe o café da senhora.
            _ João, é você? Por que está me chamando de senhora?
            _ João é o papai. _ Disse o rapaz enquanto colocava a bandeja na mesa. _Eu me chamo André.
            _ Você é filho do João?. _ Perguntou a princesinha espantada.
            _ Exatamente.
            Ele olhou para ela. Era muito estranho vê-la finalmente. Nem conseguia acreditar que estava diante dela. Era mesmo bonita como disseram.
            _ Nane me falou alguma coisa sobre isso. Se é neto dela, deve saber que é de poucas palavras. Ainda é o jardineiro, suponho. Foi uma pena a mudança do jardim para a ala oeste. Gostava tanto de olhar o jardim pela janela. E era reconfortante ver o João trabalhando. Era alguém conhecido, mesmo que fosse tão de longe. O que houve com Nane?
            _ Está com muita dor. O reumatismo piorou. Pediu que trouxesse o seu desjejum.
            _ E quem vai me ajudar a me lavar e vestir? Não posso ser cuidada por um rapaz.
            _ Já trouxe um balde com a água. Deixei ali fora.
            _ Apenas um balde? _ Ela se espantou. _ Não é o suficiente. E quem vai me ajudar a me lavar?
            O que podia fazer? Não era uma criada. Não sabia e nem queria tratar de uma princesa. Era um homem! Isso não era serviço para ele. Sabia tratar de cavalos. Não de uma mulher.
            _ Penso que terá que se lavar sozinha.
            _ Me lavar sozinha?! _ Indignou-se a princesa. _ Que atrevimento! Por que não mandaram nenhuma criada?
            _ Sem a vovó, as coisas não parecem funcionar muito bem. Todos estavam com medo de vir aqui. Todo mundo sabe que só a vovó vem à torre.
            Mas ele não tinha. Era corajoso. E sempre tivera vontade de conhecê-la. Quando ninguém quis vir, prontamente se ofereceu para trazer o seu café. Era a grande oportunidade que tinha.
            _ Papai e mamãe também vem, às vezes._ Disse a princesinha um pouco tristonha. _ Ultimamente bem poucas vezes. Já estão velhos para subirem tantos degraus.
            _ Quanto mais a vovó que é mais velha que eles.
            Ela não tinha mesmo coração. Não tinha pena de sua avó, sempre sofrendo com aquele reumatismo e tendo que subir tantos degraus todos os dias.
            _ Mas ela vem todos os dias. Já está acostumada.
            O garoto não falou nada, mas algo em seu olhar fez com que a Princesinha se sentisse um pouco constrangida. Não gostou meso daquele rapaz.
            _ Aguarde um pouco lá fora para servir meu desjejum. Quero me lavar primeiro. A água pode acabar esfriando.
            _ Mas a água já está fria.
            _ Trouxe água para eu me lavar?! Nane sempre trás água quente.
            Ele não falou nada, mas estava prestes a dizer algo que ela achava que não queria ouvir.
            _ Alguém já disse que você é um rapaz muito insolente? Qual é a sua ocupação? Também é jardineiro como seu pai?
            _ Não senhora. Trabalho no estábulo.
            _ Bem se vê._ Disse ela lhe lançando um olhar gelado. _ Sirva logo o meu desjejum.
_ Como quiser, senhora. _ Disse ele destampando a bandeja, enquanto ela se aproximava da mesa.
_ Apenas uma caneca de leite e um pedaço de pão com manteiga?!
Como ela era arrogante! Sabia que ela era geniosa, mas ninguém tinha lhe preparado para aquilo. Como sua avó agüentava tudo isso?
_ O pão está fresquinho. Saiu do forno ainda agora.
_ Onde estão as frutas, o presunto e o queijo? E minha geléia favorita? Por que não trouxe nenhum suco?
_ Vovó disse que a senhora pouco come na parte da manhã e a bandeja sempre volta cheia. É ela quem insiste para que a senhora coma um pouco.
_ Isso não te dá o direito de decidir o que eu vou ou não comer. Gosto de ter escolhas.
Estava perdendo sua paciência. Ela agia feito uma criança.
_ Resolvi tornar a escolha mais fácil para a senhora.
Que rapaz mal criado! Como ousava tratá-la daquela maneira?
_ È mesmo um insolente! Pode se retirar. Não tenho fome. Vou me lavar. Nane estará boa até a hora do almoço.
_ Acredito que não, senhora.
_ Quem vai me ajudar a me vestir? Chame uma criada.
_ Sim, senhora.
O rapaz saiu e voltou com um balde nas mãos.
_ Aqui está a água, senhora. _ Disse enquanto colocava o balde no chão.
_ E quem vai me ajudar a me vestir?
_ Verei o que posso fazer.
Ele se retirou do quarto e a princesinha esperou em vão. Ninguém apareceu para ajudá-la a banhar-se.
Resolveu tomar banho sozinha. Como pesava aquele balde. Como Nane agüentava? E geralmente subia com dois ou três.
Tomar banho foi fácil. O difícil foi vestir-se e pentear os cabelos. Nunca fizera aquilo sozinha antes. Como era mesmo que se fazia uma trança?
Lembrava-se de ter feito uma por curiosidade. Mas depois não interessara-se mais pela brincadeira. E já fazia tanto tempo. O caso era que não mais sabia fazer uma trança. Pouco importava. Atou os cabelos com uma fita e achou até que não estava mal. Pediria a Nane que castigasse o insolente neto. Não deixaria barato.
Sentiu fome e aproximou-se da bandeja. O leite já esfriara, mas tomou assim mesmo. O pão estava bom, mas o rapaz poderia ter caprichado mais. Será que ele mesmo preparara seu desjejum? Que nojo! Um rapaz que cuida de cavalos mexendo em sua comida! Por que Nane resolvera ficar doente agora? Ela nunca ficara doente antes. Comeu apenas um pouco e foi esperar na janela.
O sol já estava a pino. Era hora do almoço e estava com fome. Ouviu dois toques na porta. Era o rapaz que voltara.
_ Você de novo?! Por que não mandou nenhuma criada para me ajudar com o banho?
_ Sou muito jovem para ser obedecido por qualquer das criadas, senhora. Se não trabalhasse com os cavalos seria um simples garoto de recados.
_ Tem razão. Por que não veio me avisar que ninguém viria? Aquelas insolentes devem ser castigadas.
_ Não pude. Tive que ir correndo ao estábulo. Estrela estava em trabalho de parto.
_ Fez o parto de uma égua e colocou a mão em minha comida?!
_ Não fiz o parto, senhora. Fiquei apenas tomando conta da égua, enquanto seu Bigode voltava. E não coloquei as mãos em sua comida. Tenho educação. Apenas peguei a bandeja na cozinha, que já estava pronta e tampada.
Não tinha que agüentar tudo aquilo. Como ela era difícil! Nada estava bom. Reclamava de tudo.
_ Menos mal. O que tem para o almoço? Estou faminta. Pouco comi do horrível desjejum que me trouxe.
O rapaz destampou a bandeja e ela se aproximou da mesa. Ele ia se retirando enquanto pegava a bandeja do desjejum.
_ Onde você vai? _ Ela perguntou.
_ Levar a bandeja do desjejum.
_ Mas eu não comi ainda.
_ E?
Será que ela era sempre assim? Era um pouco difícil de entender.
_ Nane sempre espera enquanto como. Não gosto de comer sozinha.
_ Então por que não desce para comer com seus pais? Acho que eles também não gostam de comer sozinhos.
_ Não perguntei sua opinião. Sabe que não posso sair da torre.
Sabia de toda história. Ouvira tantas vezes, desde de menino. Era muito estranho estar com ela agora.
_ Tem alguma doença contagiosa?
_ Não seja ridículo! Sabe muito bem que estou esperando pelo Príncipe.
_ Mas não poderia esperar nas outras dependências do castelo? No jardim? Poderia até dar um passeio. E a senhora espera a tanto tempo por ele, que não fazia mal ele esperar apenas um pouquinho pela senhora.
Ela pareceu considerar o que ele falou por alguns segundos. Mas logo voltou ao habitual mau humor.
_ É claro que não! O que sabe sobre príncipes e princesas? As princesas esperam nas torres. Ele disse para que eu ficasse na janela.
_ Não sente falta de caminhar ao ar livre? Ver os pássaros e as flores?
_ Vejo tudo daqui de minha janela.
_ Não sente falta das pessoas?
Sua vida devia ser muito solitária. Como conseguia ficar tato tempo ali?
_ Nane vem todos os dias. Papai e mamãe algumas vezes. Estão um pouco velhos e já não sobem com tanta freqüência as escadas. Nos primeiros aos recebia muitas visitas, mas ninguém vem mais.
_ A senhora se afastou das pessoas.
_ Não me afastei de ninguém. Não posso sair da torre. E se o príncipe voltar?
_ Já disse que ele pode esperar pela senhora.
_ Deixe de dar palpites em minha vida. Leve esta comida, que eu não quero mais comer. Onde já se viu um príncipe voltar e não encontrar a princesinha na torre? Saia já daqui. Tenho que voltar para a janela.
Ele se retirou com a bandeja. Não insistiu para que comesse, como Nane fazia. O que queria? Era pouco mais que uma criança. Seu pai em era casado quando subira de vez para a torre.
Foi para a janela. Lembrava-se como se fosse hoje o dia em que ele partira. Precisava viajar, ele lhe dissera. Tinha que conhecer o mundo. Matar dragões. \um príncipe não era príncipe se não matasse pelo menos um dragão.
Eles se despediram e ela correu para a torre, para poder vê-lo quando passasse pelo jardim. Era a janela mais alta de todo o castelo.
Ele olhou para o alto e acenou. Desceu do cavalo e pegou uma rosa e lhe atirou. Mas a torre era muito alta. A rosa jamais alcançaria a janela. A rosa caiu no chão provavelmente despetalou-se. Não dava para ver de tão longe.
_  Espere-me aí que voltarei. _ Ele gritou lá de baixo.
Então ele jogou um beijo e partiu. Ela pegou o beijo e o guardou no coração. E continuou na janela, até que ele desapareceu. A noite chegou e ela continuou esperando. Entrou a madrugada e sua mãe a procurou.
_ Vamos dormir. Já está muito tarde. _ Disse-lhe.
_ Quero ficar aqui.
_ Por que não vai para sua cama?
_ Ele disse para esperá-lo aqui.
_ Ainda é muito cedo para que ele volte.
_ Talvez mude de idéia.
_ Você é quem sabe.
De manhã Nane chegou com o desjejum.
_ Não quero comer, Nane.
_ Saco vazio não para em pé. _ Ela disse. _ Não quer que o príncipe volte e encontre você um graveto, quer? Coma um pouco.
_ Você acha que ele demora?
Nane não respondeu. Era de poucas palavras.
A princesinha sentou-se um pouco. Suas pernas doíam. Passara a noite toda na janela. Sentou-se um pouco. A cadeira era tão dura. Comeu um pouco do que nane trouxera. Então ela se retirou com a bandeja e a princesinha voltou para a janela.
Nane trouxe seu almoço, lanche e jantar.
_ Já anoiteceu. _ O pai disse. _ Não vai para a cama?
_ Não! E se ele voltar? Mande que tragam a cama para cá. Vou esperar aqui.
Então trouxeram a cama e depois seus vestidos e outros pertences. E ela continuou esperado na janela. Sempre aberta, para que ele soubesse que ela o esperava. No verão ou inverno, de noite ou de dia. Ela nunca deixava que a fechassem. 
Mexeu na janela. Não abria mais. Tinha emperrado. Continuaria esperando como sempre esperara nestes últimos vinte anos.


Nane não voltou nos outros dias. O rapaz disse-lhe que piorara do reumatismo. Em vão pedira por outra criada. Ninguém vinha a não ser André. Nem mesmo seus pais.
Acabou lembrando-se como se fazia uma trança. Já conseguia banhar-se e vestir-se com desenvoltura. Apenas André vinha. Trazia-lhe comida. Levava as roupas sujas e as trazia limpas e passadas.
_ Não vê que isto está um nojo? _ Perguntou certa manhã.
_ O que disse?_ Perguntou o rapaz.
_ Minha cama não é arrumada há dias. O chão não é varrido. Qualquer dia você não me encontra debaixo de tanto pó.
_ A vassoura e o espanador estão ali. Por que a senhora não arruma?
Era só o que faltava! Como ele ousava lhe dizer uma coisa daquelas?
_ Seu insolente! Onde já se viu uma princesa fazer o serviço de uma criada?
_ Não posso ficar aqui por muito tempo. Tenho que cuidar dos meus cavalos.
_ Os cavalos não são seus.
_ Mas estão sob os meus cuidados.
_ Vá, vá. Traga-me um balde d’água antes. Não suporto olhar para esta cara insolente.
Então ela trocou seus lençóis. Varreu o chão. Passou pano molhado. Suou. Até gostou daquele serviço. Ficou tão entretida naquilo que até esqueceu-se de esperar na janela.
Quando André voltou com o almoço, olhou tudo e sorriu, mas não disse nada.
_ Não vai falar nada? Não vai dar nenhum palpite, seu intrometido?
_ Não. Está tudo muito bom._ Disse ele na sua espontaneidade de quase menino._ É uma arrumação real.
Ela sorriu por dentro, envaidecida, mas não disse nada para o rapaz. Já era confiado demais para o seu gosto.
Pegou a bandeja e comeu sozinha. Sentia falta de Nane. Era um pouco calada, mas era sua única companhia.
Passaram-se semanas e um dia ele lhe trouxe muitas flores.
_ Por que trouxe estas flores? _ Ela perguntou espantada.
Cheirou-as. Fazia tanto tempo que não sentia o perfume das flores. Como ela as amava. Era pena que João tivesse mudado o jardim de ala. Nane nunca dissera o porque.
_ Foi seu pai quem mandou pra mim? _ Ela perguntou a André.
_ Não. Sabe que papai, nem ninguém, pode mandar flores para a senhora. Eu as peguei escondido.
Ela espantou-se. Não sabia por que não podia receber flores de ninguém.
_ Não. Eu não sabia. _ Ela disse. _ Por que não posso receber flores?
_ Então não sabe?
_ Não, eu não sei. Gosto tanto de flores. Gostava de ver o jardim do qual João cuidava. Mas não sei por que João mudou o jardim de ala e deixou que todas as flores deste jardim morressem.
Ele percebeu que falara demais. Era melhor mudar o rumo da conversa.
_ Não se lembra?
_ De quê?
_ Hoje é o seu aniversário.
_ Nane sempre traz um pequeno bolo no café. Mas nunca mais me trouxe flores. Mesmo sabendo que eu gosto tanto delas.
_ Ela não podia trazer. _ Ele resolveu contar a verdade.
_ Por quê?
_ Seus pais achavam que se a senhora sentisse bastante saudade das flores talvez deixasse a torre para poder vê-las.
_ Eu nunca deixarei a torre. _ Disse a princesinha em tom triste. _ Só quando ele voltar, é claro. _ Emedou-se._ Diga-me uma coisa, rapaz. Sabe se meus pais virão até aqui? Eles sempre vem no meu aniversário.
_ Disseram que vem para o almoço.
_ Que bom! Quero deixar tudo bem arrumado para recebê-los. Como pude esquecer do meu próprio aniversário?
_ Tenho que cuidar dos meus cavalos. _ Disse o rapaz. _ Até a hora do almoço. E felicidades.
_ Obrigada pelas flores.
_ Não tem de que.
Os pais vieram para o almoço. Pareciam pálidos, ofegantes. Era mesmo penoso para eles subirem aquelas escadas. Se pudesse fazer alguma coisa por eles. Como? Não podia mesmo sair da torre. E se ele voltasse?
Por que demorava tanto aquela viagem? Vinte anos! Quantos dragões já deveria ter matado? Era um príncipe. Precisava provar sua bravura. Ela bem sabia. Mas queria que ele tivesse voltado.
Poderia ter seu próprio castelo. Poderia ter seus próprios filhos. O filho de João já era um rapaz e quando ela subira para a torre, seus pais nem eram casados.
João era diferente do filho. Sempre tão dócil. Sempre pronto a obedecê-la. Brincavam juntos e ele lhe obedecia em tudo.
Não tivera sequer uma queixa de João até que ele mudou o jardim de ala. Mas o menino disse que não era culpa de João. Foram seus pais quem ordernaram. Por que fizeram isso?
_ Por que vocês mandaram João mudar o jardim de ala? _ Ela perguntou de repente.
A mãe pareceu desconsertada. O pai ficou inquieto, mas nenhum dos dois deu qualquer justificativa.
_ Era minha única alegria. _ Disse a Princesinha magoada.
_ Achamos que era o único jeito de fazer você sair daqui. _ Disse o pai.
_ Foi triste ver o jardim morrer dia a dia e finalmente transformar-se neste triste matagal.
_ Você poderia ter descido. _ Disse a mãe.
_ Tinha que esperá-lo.     
_ Não precisava conviver com este triste matagal. Você sabia que existia outro jardim. _ Disse a mãe. _ Bastava que você saísse daqui.
_ Fui acostumando aos poucos. No início era tudo flores e então elas foram morrendo. No final já estava acostumada com ele. É mais triste, mas não tem mais importância.
O almoço prosseguiu triste. Os pais saíram e ela foi para a janela esperá-lo. Quando havia o jardim, era embalada pelo canto dos passarinhos. Mas quando o jardim se foi, foram também os pássaros.
Pensava que os pássaros estavam ali por ela. Tantos pousavam em sua janela. Eram seus únicos amigos. Pensando bem agora talvez estivessem ali, ao por ela mas pelo jardim. Mas é muito difícil manter uma amizade quando se tem pouco ou nada a oferecer. De agora em diante não confiaria mais em passarinhos.
Na hora do lanche, o menino voltou com refrescos e bolos.
“Bom rapaz”, ela pensou. Não era como seu pai João. Sempre pronto a lhe obedecer e fazer suas mínimas vontades. Mas algo da fidelidade de João passara para o filho. Ele também gostava de agradá-la, ainda que não da maneira servil de seu pai.
Ele colocou os bolos na mesa. Havia doces também. A Princesinha bateu palmas.
_ Mas não é só isso. _ Disse André, fazendo cara de mistério. _ Tenho uma surpresa para a senhora. _ Disse, abrindo um largo sorriso.
_ Diga logo o que é. _ Disse a Princesinha animada, como nunca estivera desde que se mudara para a torre.
_ A senhora tem uma visita. _ Disse André apontado para a porta.
A Princesinha olhou para a porta e viu uma mulher loura que não lhe era estranha. Ela sorria e segurava um grande pacote embrulhado com uma linda fita de cetim.
_ Princesinha, quanto tempo! _ Disse a mulher entrando e a estreitando num forte abraço. _ Senti tanto a sua falta! De todas as princesas, você era a mais doce e mais linda.
_ Desculpe. _ Disse a Princesinha sem jeito. _ Você não me é estranha, mas não consigo me lembrar de você.
_ Princesinha. _ Disse a outra sorrindo. _ Sou eu, Cachinhos Dourados.
_ Cachinhos Dourados?! _ Disse a Princesinha espantada. _ Como você cresceu! Está mais alta do que eu. E onde foram parar os seus cachinhos?
_ Dão muito trabalho. _ Disse a loura balançando os cabelos lisos e cortados na altura dos cabelos da Branca de Neve. Além do que, a moda agora é fazer chapinha. Que peã podia ter trazido a minha. Ia ser legal mudar o seu visual no dia do seu aniversário. Mas conte-me tudo. Não posso me demorar. Deixei as crianças com a babá. As escadas da torre são muito altas para elas.
_ De que crianças você está falando?
_ Meus filhos, é claro!
_ Você se casou?
_ Faço dez anos de casada no mês que vem. Tenho dois filhos. Alice de oito e Luiz de seis. São umas gracinhas!
A Princesinha se espantou. Então Cachinhos Dourados estava casada há quase dez anos e tinha filhos?!
_ Estou muito espantada com tudo isso. Casou-se! Como foi seu casamento?
_ Foi tão lindo! Meu esposo é um homem muito bom. Você devia conhecê-lo. Por que não vai me visitar? André pode levá-la. Ele cuida dos cavalos do meu marido. Foi André quem me lembrou que hoje era o seu aniversário. Prometa que irá me visitar, Princesinha.
_ Não posso, Cachinhos Dourados. Tenho que esperá-lo.
_ Esperar quem? _ Perguntou a outra espantada.
_ O Príncipe, é claro!
_ Não acha que deveria desistir, depois de vinte anos?
_ Ele disse que voltava. Mas me diga uma coisa. _ Disse a Princesinha, mudando de assunto. _ Como vão todos? Venha sentar-se em minha cama. Ficaremos mais confortáveis. _ Falou enquanto puxava a outra. _ Sente-se.
_ Está bem.
_ Lembra-se que ia ser minha dama de honra?
_ Claro!
_ Agora está um pouco crescida, mas quero que sua filha Alice te substitua como minha daminha. Tem cachinhos dourados como você tinha?
_ Tal e qual. _ Disse a mãe orgulhosa.
_ Lembra de quando você e Chapeuzinho Vermelho me visitavam? Vocês provavam todos os meus vestidos. Então ficávamos falando de como seriam os vestidos de vocês no dia do meu casamento. Ela também ia ser minha dama. Deve estar crescida também. Como vai a Chapeuzinho Vermelho? Também se casou?
_ Não a tenho visto ultimamente _ Disse a outra com uma cara desconcertada. _ O castelo é longe.
_ Castelo? Então casou-se com um príncipe? Que maravilha! Como foi?
_ Bonito. _ Disse a outra sem entrar em muitos detalhes.
_ Chapeuzinho Vermelho uma princesa! Isso é maravilhoso! Cote-me como foi. Ele matou o Lobo Mau? Mas isso não seria trabalho para o caçador? Como ela e o príncipe se conheceram?
_ Faz tanto tempo.
Cachinhos Dourados estava visivelmente sem graça e queria sair correndo dali.  
_ Tanto tempo quanto? Vamos lá,diga logo. Faz tanto tempo que não saio daqui. Quanto tempo? Diga!
_ Sei lá! _ Disse a outra exasperada._ Foi logo depois que ele voltou.
_ Ele quem?  O Príncipe da Chapeuzinho?
_ É.
Cachinhos de Ouro estava cabisbaixa. Errara em dar conversa para André. Antes nunca tivesse voltado ali.
_ Por que você está assim? _ A Princesinha perguntou._ Não ficou contente com o casamento da Chapeuzinho com um príncipe? Tem inveja porque ela se tornou uma princesa e você não?
_ Não é nada disso! – Cachinhos de Ouro estava ofendida._ Estou muito satisfeita com o meu casamento.
_ Então por que tanta tristeza?
_ Não é nada. Já é tarde e tenho que ir.
_ Mas ainda não lanchamos. Venha._ A Princesinha puxou Cachinhos de Ouro até a mesa. _ Olha quanta coisa André nos trouxe. É um bom rapaz. Um tanto insolente, mas é bom menino. Quer um pedaço de bolo?
Cachinhos de Ouro comeu um pedaço de bolo. E por mais que empurrasse com o refresco, ele teimava em não descer. Fora mesmo um grande erro ter vindo.
_ Tenho mesmo que partir. _ Disse por fim.
_ Mas você mal tocou no bolo.
_ Volto qualquer hora, com mais calma._ Ela deu um beijo na Princezinha. – que você tenha muitos anos de vida.
_ Obrigada! Apareça. Mas não vá demorar mais vinte anos.
_ Por que você não me visita? André pode levá-la. Você vai adorar as crianças.
_ Sabe que não posso sair daqui._ Disse a Princesinha com olhos tristes.
_ Você pode. Basta sair.
Os olhos de Cachinhos de Ouro encheram-se de lágrimas.
_ Volte quando quiser. _ Disse a Princesinha enquanto a abraçava.
Cachinhos de Ouro saiu e a Princesinha da Torre ficou pensando quanto tempo demoraria até que a visse de novo.
_ Ela já se foi? _ Perguntou André, que entrava com uma bandeja. _ Trouxe doce de maçã. Sei que Cachinhos de Ouro adora.
_ Estava meio tristonha. Parecia querer me dizer alguma coisa, mas não disse.
_ Todos querem poupar a senhora. _ Disse André com olhar sério.
_Poupar de quê?
_ Acho que está mais do que na hora da senhora saber?
_ Do quê?
_ Ele já voltou.
            _ Quem?
            _ O Príncipe por quem a senhora espera.
            _ Quando foi? Ontem? Por que ainda não veio me ver?
            _ Não foi ontem que ele chegou.
            _ Quando foi?
            _ Não me lembro bem. Eu era muito criança.
            _Muito criança?! O que quer dizer com isso? Saia já daqui! Você é um mentiroso! Como pude dar ouvidos a um vassalo mentiroso como você? Não importa que seja filho de João. Você em nada se parece com ele. Quero você fora daqui e já. Nunca mais quero vê-lo em minha frente.
            Ele se foi assustado. A Princesinha foi para a cama e chorou o resto da tarde. E toda a noite e também toda a madrugada. Ele estragou o seu aniversário.
            Acordou com o sol já alto. Chegou até o espelho. Os olhos estavam inchados. Não quis se arrumar. Nem mesmo sair da cama. Não tinha fome e nem vontade de fazer coisa alguma.
André não apareceu e mais ninguém. No meio da tarde sentiu fome. Esperou. A noite chegou. Gritou em vão. Ninguém apareceu.
Abriu a porta do quarto. Encontrou um balde com água. Uma bandeja com uma caneca de leite frio e um pedaço de pão com manteiga. Havia também uma maçã. Em outra bandeja havia uma sopa já fria e um pedaço de doce. Havia ainda outras duas bandejas, uma com frutas e a última com apenas uma flor.
Tomou a sopa fria. Que importava? Comeu o doce e a maçã. Guardou o pão e o leite para mais tarde, caso sentisse mais fome. Não poderia comer flores.
Acordou com uma batidinha fraca na porta.
Uma menina muito magra e de olhos baixos estava na porta. Ela parecia tremer.
Deixou a bandeja na mesa e o balde com água ao lado da porta.  Saiu sem dizer nada. Não tinha lhe desejado bom-dia  e não havia perguntado nada. Nem tampouco a Princesinha perguntou alguma coisa.
Ela voltou na hora do almoço.
_ Quem é você? _ Perguntou a Princesinha.
_Sou Felícia, a filha da cozinheira.
_ Qual é o nome da sua mãe?
_ Adelaide.
_ Lembro-me dela.   Como está sua avó?
_ Ela morreu pouco antes de eu nascer.
_ Sinto muito.
_ Mamãe também sente.
Ela deixou a bandeja na mesa e saiu sem se despedir.
A Princesinha não perguntou por André. E não perguntaria.
A menina continuou voltando nos próximos dias. Não agüentava mais tanto silêncio.
_ Onde está André?_ Perguntou finalmente.
_ Na cavalaria.
_ Vocês são amigos?
_ É como um irmão par mim. Foi ele quem me convenceu a tomar o seu lugar. Ninguém queria vir. Todos tinham medo.
_ Medo de quê?
_Dizem que a senhora é muito difícil. Contam muitas coisas. André disse que a maioria delas é invenção do povo.
_Diga a André que pode voltar. Eu o perdoo.
_Pode deixar que eu digo.
Mas ele não voltou. A menina continuava vindo em seu lugar. Era mais calada do que Nane.
_Onde está André? _ Perguntou a Princesinha afinal.
­_ Na cavalaria.
_Peça a ele que volte. Diga que lhe peço perdão.
No outro dia ele voltou. Trouxe leite quente e pão saído do forno. Queijo, doces e bolos. Também geléias e muito mais coisas.
A Princesinha sorriu e sentou-se.
_Sente-se comigo._ Ela chamou pela primeira vez. _ É comida suficiente par um batalhão.
Ele se sentou e os dois comeram em silêncio. Ela comeu de tudo e como nunca tivera comido antes.
_ Quando ele voltou? _ Ela finalmente perguntou.
_ Mamãe disse que fazem dez anos.
_ Sabe por que ele não veio aqui?
_ Ninguém sabe ao certo. Há muito que não contavam que ele voltasse.
_ Matou muitos dragões? Na certa se apaixonou por alguma princesa. Não foi isso?
_ Não. Ele não matou nenhum dragão e nem salvou princesa alguma.
_ E por que ele não veio aqui?
_ Não sei. Já tinham se passado muitos anos. Talvez tivesse vergonha.
_ De quê?
_ De tê-la feito esperar por tantos anos. Talvez achasse que a senhora não o quisesse mais.
_ Eu ainda o espero.
_ É melhor não esperar mais.
_ Por quê?
_ Ele está casado.
_ Casado?! Disse que ele não se apaixonou por nenhuma princesa. Com quem se casou afinal?
_ Com Chapeuzinho Vermelho.
_ Chapeuzinho Vermelho?! Era apenas uma criança quando ele partiu.
_ Não era mais quando ele voltou.
_ Chapeuzinho Vermelho! Ia ser minha dama de honra, junto com Cachinhos de Ouro. Aquela traidora. Sabia que não podia confiar numa menina que desobedecia às ordens de sua mãe e dava conversa para lobo mau.
_ É verdade. Era um tanto desobediente e meio desmiolada. Dar conversa para lobo mau é perigoso. Mas a senhora há de convir que não era ela que tinha um compromisso com a senhora,não é mesmo?
_ É verdade.
_ Se ele não deu nenhum crédito para seu compromisso e a senhora ainda o espera, por que acha que a Chapeuzinho Vermelho é a culpada? E como disse, era apenas uma criança quando ele partiu.
_ Tem razão.
_ É certo que já estava crescida quando ele voltou. Mas algumas pessoas, mesmo quando crescem, continuam a guardar a ingenuidade que tinham quando eram crianças. Era mesmo desobediente e metia-se com quem não devia, mas será que fazia intencionalmente? Será que não caiu na conversa dele como caiu na conversa do Lobo Mau? Dê um voto de confiança para a Chapeuzinho. Até porque, o Príncipe não é bem um troféu dado a quem conseguiu vencer. Pode apostar que a senhora está bem melhor sem ele.
_ Talvez tenha razão.
_ Completamente. E agora que não espera mais por ele, por que continua aqui?
É mesmo. Ela não tinha pensado nisso. Talvez fosse por costume. O rapaz tinha razão. Precisava também conhecer o mundo. Passara muito tempo naquela torre. Tinha que recuperar o tempo perdido. Quem sabe poderia matar um dragão ou salvar um príncipe. Príncipe não precisam ser salvo. Apenas as princesas. Poderia tentar achar princesas que estivessem em suas torres e avisá-las que se elas não quisessem perder tempo, que saíssem elas mesmas, por conta própria. Quem sabe não fundaria um movimento em defesa de todas as princesinhas das torres, florestas e madrastas.
Ela mesma não tinha madrasta. Fora pra lá por conta própria. Por que fizera isso? Por que não ouvira o conselho de seus pais?

_ O que acha de sairmos pelo mundo em busca de aventura? _ Perguntou a Princesinha para André.
_ Aventuras? _ Sorriu o rapaz. _ Seria ótimo.
_ Podemos matar dragões salvar princesas. O que acha?
_ Maravilhoso!
André parecia encantado.
_ E você será meu escudeiro.
_ Eu, um escudeiro?
_ Exato! Vai ser muito divertido.
_ Quando partiremos.
_ Logo, logo.
_ Já falou com seus pais?
_ Ainda não. Isso só me ocorreu agora.
_ Talvez não gostem da idéia. Eu nunca vi uma princesa sair pelo mundo em busca de aventuras.
_ Serei a primeira. E o que é que tem?
_ Nada! Sempre quis sair pelo mundo em busca de aventuras. Imagine quanta glória teremos se conseguirmos matar um dragão!
_ Será que conseguiremos?
_ Mas é claro! Sou muito corajoso! Galoparemos sem parar! Temos cavalos muito bons, sabia?
_ Sei.
_ Vai ser muito divertido. Podemos levar muitas provisões. Faremos nossa própria comida...
_ Mas eu não sei cozinhar.
_ Mas eu sei. Posso ensiná-la também. Não vai ser bom?
_ Talvez.
_ E já que mamãe ou vovó não estarão por perto, poderemos comer o que quiser. Só doces e coisas gostosas.
_ Nane vivia me empurrando coisas para comer.
_ E o dia em que não quisermos comer nada, não comeremos.
_ Isso está me parecendo bem divertido.
_ Vai ser maravilhoso. Poderemos dormir olhando para a lua e as estrelas. Vai ser tão bom. Dá uma sensação de liberdade.
_ Liberdade! _ Disse a Princesinha batendo palmas de alegria. _ É isso mesmo o que eu quero. Fiquei muito tempo nesta torre.
_ Vai gostar muito da liberdade. Não vejo a hora de partir. Será que papai vai deixar?
_ Claro que sim! Seu pai nunca me negou nada.



  
_ Ele não vai!_ Disse João com uma veemência que ela jamais havia visto.
_ Mas por quê?_ Perguntou a Princesinha.
_ Tem apenas quinze anos. Não está preparado para enfrentar todas as atrocidades deste mundo.
_ É mais corajoso do que qualquer pessoa que eu conheça.
_ Coragem não é o suficiente.
_ Para mim é o que basta. Ele me disse que gostaria muito de ir. Já está decidido.
_ Não está, não. Eu não autorizo.
_ Mas eu sou a princesa. Já autorizei.
_ Sou o pai dele. Já disse que não vai.
Ele estava muito alterado. Nunca em toda a sua vida o tinha visto assim.
_Você nunca falou comigo assim. _ Falou ela com um muxoxo. _Por que está deste jeito?
_ Por que agora sou pai._ Ele disse, suavizando um pouco mais a voz.
_ Não vai acontecer nada. Eu prometo.
_ Não pode prometer uma coisa desta.
_ Sou uma princesa. Posso prometer o que quiser._ Disse a Princesinha recobrando o seu jeito voluntarioso.
_ Não o leve. Eu lhe imploro. A mãe dele não suportaria e nem eu. _ Ele se ajoelhou e beijou sua mão. _ Por quem sois, majestade, peço que poupe a vida de meu filho. Leve-me no lugar dele.
Seu coração apertou. Nunca o vira daquele jeito. Era verdade que André tinha um espírito mais empreendedor e altivo que o pai. Mas João era mais velho. Podia mesmo ser mais útil do que um rapaz imberbe. Talvez tivesse mesmo razão.
_ Está bem._ Ela concordou. _  Você pode ir em seu lugar. Arrume suas coisas rápido. Partiremos antes do sol nascer.



Eles partiram antes que o sol nascesse. A mulher de João veio se despedir do marido com os filhos mais jovens. André não viera.
_ Cuide-se, querido. _ Disse enquanto beijava o marido. _ Volte logo.
_ Até qualquer dia, esposa querida. Se algo me acontecer, saiba que amo você.
Ela tocou no colar em seu pescoço. O mesmo colar que André tinha.
_ Todos os corações sempre juntos, você não disse? Nada vai acontecer a você.
Eles se abraçaram mais uma vez e então os dois partiram. Sentia-se triste com a tristeza de João e de sua família. Por outro lado, sentia-se muito feliz por finalmente estar partindo. Sentia-se livre pela primeira vez em sua vida. Era bom ter João ao seu lado. Amigo todas as suas aventuras de criança. Logo ele se esqueceria de toda essa tristeza e voltaria a sorrir. Acabaria lhe agradecendo pela grande oportunidade de sair daquela vidinha pacata e sem graça de jardineiro.

Avistaram uma caverna. Não via a hora de matar um dragão.
_ Veja, João. _ Disse a Princesinha apontando para a caverna.
_ O quê? 
_ É uma caverna, não é?
_ Sim, é uma caverna.
_ Isso não te diz alguma coisa?
_ O quê?
_ Uma caverna, João. Certamente tem um dragão aí dentro. Pegue sua espada.
_ Mas por que temos que matar um dragão? _ Ele perguntou.
_ Príncipes matam dragões para salvarem princesas.
_ Mas eu não sou um príncipe e você me parece a salvo.
_ Não é você quem irá matar o dragão. Sou eu! Você será apenas meu escudeiro.
_ Está certo. Tome a espada, então. _ Ele lhe estendeu a espada e ela quase deixou cair. Era muito pesada.
_ Por que não trouxe uma espada mais leve?
_ As espadas em geral são bem pesadas. Tem  certeza que sabe usar uma espada?
_ Claro que sim. Sempre vencia você nas lutas de espadachim, não se lembra?
_ Claro que me lembro! Você e Ítalo sempre me venciam. Mas se bem me lembro, usávamos espadas de madeira.
_ Que diferença faz?
_ Não pode comparar espadas de brinquedo com espadas de verdade.
_ É tudo a mesma coisa. Ajude-me logo a descer desse cavalo e vamos matar este dragão.
_ Está certo.
João desceu do cavalo e ajudou a Princesinha a descer do seu.
_ Vá na frente, João. _ Disse a Princesinha,  já sem muita coragem. _ Afinal de contas, você é o meu escudeiro.
_ Está bem. _ Disse João tomando a sua frente. _ Neste caso, não é melhor que eu segure a espada?
_ Está certo. _ Disse a Princesinha entregado a espada para João.
_ Como sabe que tem um dragão aqui dentro?
_ Por que os dragões costumam se esconder em cavernas.
_ Espero que não seja um dos grandes. Eu nunca matei um dragão.
_ Muito menos eu. _ Disse a Princesinha, já um tanto amedrontada.
_ E por que tem que matar um?
_ Não sei. Faz parte das aventuras.
_ Mas por que temos que matá-lo?
_ Para salvar uma princesa, talvez.
_ Mas você já está a salvo. Saiu sozinha da torre.
_ Não sou a única princesa que existe.
A medida que iam entrando na caverna, ficava mais escuro.
_ Não seria melhor acendermos uma tocha? Quase não enxergo nada. _ Disse a Princesinha.
Já começava a ficar apavorada. E se o dragão fosse um dos grandes?
_ Melhor não. _ Disse João. _ Ele facilmente nos avistaria. Vamos contar com o elemento surpresa. Tem certeza de que existe um dragão aqui dentro?
_ Como vou saber? É a primeira caverna em que entramos. Não está com medo. Está?
_ Claro que estou. Na verdade estou apavorado. Tem filhos para criar.
_ Não vai acontecer nada! Deixe de bobagens. Deixe que vou na frente. _ Disse a Princesinha antecedendo João.
_ Nesse caso é melhor que você segure a espada.
_ Não. Fique com ela. É muito pesada.
_ E se o dragão atacar?
_ Começo a me arrepender de ter deixado você vir no lugar de André. _ Disse a Princesinha já impacientando-se. _ Aposto que ele estaria com mais coragem que você.
_ Ah! Com certeza. _ Disse João. _ Ele tem muito mais coragem e juízo de menos também. Não tem esposa e filhos. É apenas um menino.
_ Pare de ficar falando o tempo todo em esposa e filhos, foi você quem se ofereceu para vir. Eu não te chamei.
_ Mas chamou meu filho. O que queria que eu fizesse?
_ Já  que veio, comporte-se como um verdadeiro escudeiro.
_ Mas não sou um escudeiro. Sou um simples jardineiro. Não mato dragões. Planto rosas.
_ Pare de reclamar ou vai acordar o dragão. _ Disse a Princesinha num sussurro.
_ Avistou o dragão? _ Sussurrou João também.
_ Claro que não! O que posso ver nesta escuridão? Você e esse tal de elemento surpresa. Daqui a pouco nós é que seremos surpreendidos.
_ Não diz o ditado: “Quem faz surpresa acaba surpreendido”?
_ Deixe esses ditados populares pra lá. Quer saber de uma coisa? Cansei-me desta história de matar dragões. Não quero salvar nenhuma princesa mesmo. Vamos embora desse lugar escuro e abafado. Como está quente aqui!
_ É melhor irmos embora mesmo._ Concordou João.
Deram meia volta e saíram da caverna. Começaram a cavalgar. O dia estava lindo! As árvores eram belas. Quantas flores pelo caminho.
_ Estou vendo essas flores e me lembrei da Chapeuzinho Vermelho._ Disse a Princesinha. _ Ela adorava flores.
_ É verdade. _ Disse João. _ Sempre que ia ao palácio, pedia-me que lhe desse flores do jardim para levar para a mãe ou a avó. Era uma menina muito carinhosa, não era?
_ Sim, era. _ Disse a Princesinha fazendo um muxoxo. _ Mas um tanto dissimulada também.
_ Era uma menina muito ingênua. Sempre foi. _ Defendeu João. _ É certo que não vamos eximi-la de toda culpa. Sempre foi uma inconsequente, mas assim como caiu na conversa do Lobo, deve ter caído na conversa dele também.
_ Mas penso que ele não deve ter tido muito trabalho para convencê-la.
_ É certo que não! A primeira vantagem que lhe tenha oferecido, ela deve ter aceitado. Deveria ter aprendido com o Lobo que nem sempre os atalhos são a melhor solução para nossos caminhos.
_ Você a viu depois de casada?
_ Sim, algumas vezes?
_ É bonita?
_ Sim, bastante.
_ Mas do que eu?
_ Vaidade feminina. _ Disse João ates de dar uma gargalhada. _ Nenhuma mulher é mais bonita que você.
_ Mesmo? _ Ela perguntou envaidecida. _ Nem mesmo Maria?
_ Maria é apenas uma mulher humilde como eu e não é mais bonita que você. Nunca vi nem mesmo uma princesa que fosse mais bonita que você. Mas não se trata disso.
_ Do que se trata então?
_ Do amor!
_ O que tem o amor?
_ Ficou numa torre vinte anos por causa dele. É impossível que não saiba.
_ Não. Eu não sei.
_  Será que o amou realmente?
_ Claro que amei.
_ Então deveria saber. Quando vi Maria pela primeira vez, sabia que ela era a única. Amei-a desde então. E ver o seu rosto é uma coisa muito especial. Não conseguia parar de olhá-la e mesmo depois de tantos anos, ainda não consigo. Conheço mulheres mais bonitas do que ela, mas nenhuma mulher é igual. Seu rosto ficou gravado em meu coração e não se apagará enquanto eu viver. Quando fecho os meus olhos, vejo o seu rosto e pra mim é uma visão sem igual. É o amor que sinto por Maria que faz com que ela seja a única mulher que amarei na terra.
Ficaram em silêncio por algum tempo. Se o que João descrevia era verdade, talvez não tivesse mesmo amado o príncipe. Mas quem era João para dizer se ela tinha amado ou não. Passara vinte anos em uma torre esperando por ele. Aquilo não era uma grande prova de amor?
_ Ela sente o mesmo que você? _ Perguntou a Princesinha quebrando o silêncio.
_ Acredito que sim. _ Disse João.
_ Então não tem certeza?
_ Só podemos ter certeza de nossos próprios sentimentos. Mas Maria tem me dado prova de seu amor durante todos esses anos.
_ Como foi que vocês se conheceram?
_ Um ou dois anos depois que você foi para a torre, ela mudou-se com a avó para o arraial.
_ E seus pais?
_ Faleceram.
_ Pobre Maria.
_ Ela trabalhava na mercearia. Foi lá que a conheci. Mamãe me mandou fazer compras. Quando veio me atender, me enrolei. Não sabia o que dizer. Fiquei com um  frio no estômago. Nunca tinha visto uma moça tão linda!
_ Você disse que sou mais bonita do que ela.
_ Mas é diferente. Está bem. Nunca tinha visto uma moça que tivesse me causado aquele tipo de sensação!
_ E ela?
_ Sorriu para mim. E que sorriso lindo!
_ Mais que o meu.
_ Sim. _ Ele riu com gosto. _ Nenhuma mulher tem o sorriso mais bonito que o de Maria.
_ Ela também se apaixonou no mesmo estante que você?
_ Sim. Mas eu não sabia. Fiquei sem coragem de dizer para ninguém. Tinha medo que ela visse Ítalo e se apaixonasse por ele.
_ Por que ela se apaixonaria por seu irmão?
_ Todos preferem Ítalo, até mesmo eu.
_ Eu não prefiro.
_ Realmente a despeito de tudo e de todos, você sempre preferiu a mim. Acho que você e Maria são as únicas que não preferem Ítalo.
_ Somos mulheres de bom gosto!
_ Sim, são. _ Ele riu.
Lembrou-se da infância e da verdadeira adoração que todas as pessoas pareciam ter por Ítalo. E João era tão mais doce, mais amável. Nunca reclamava de nada. Amava o irmão e nunca lhe lançava palavras ásperas. O Pai de João parecia ignorá-lo. Todo amor era devotado a Ítalo e nada sobrava para João.
Ítalo era rebelde e não fazia nada que ela ordenasse. Não que o odiasse. Até brincavam juntos, mas nunca sem João. João era o elo entre eles. Com João tido era mais fácil. Ela mandava e ele obedecia. Como alguém podia amar Ítalo, se amar João era tão mais fácil.
_ Fico feliz por você ter encontrado Maria, João. Você sempre mereceu que alguém o amasse assim. É uma pena que as coisas não tenham dado certo pra mim.
_ Não pense assim. Você ainda tem muito o que viver.
_ Perdi os melhores anos de minha vida, João. Agora é tarde.
_ Nunca é tarde para amar.
Talvez ele tivesse razão. Talvez tivesse falado aquilo apenas para consolá-la. João era a pessoa mais gentil que conhecia. Para ele tudo estava bom e por mais que as coisas estivessem escuras, sempre parecia enxergar uma luz no fim do túnel.
 _ Estou um pouco cansada. _ Disse a Princesinha, após caminharem por um bom tempo. _ Que tal pararmos um pouco?
_ Já está bem tarde. _ Disse João. _ è melhor procurarmos uma estalagem para descansarmos um pouco.
_ É uma boa idéia.
Cavalgaram ainda por um tempo, até que avistaram uma estalagem.
_ Não conhecia esta estalagem. _ Disse João. _ É nova.
Entraram na estalagem. Era grande, nova, mas não tinha vida. Uma menina chorava sentada em um banco.
_ Por que ela chora? _ Perguntou a Princesinha, para uma mulher que estava ao seu lado.
_ Ela não quer dormir aqui. _ Disse a mulher.
A Princesinha também não queria. Não sabia por que não gostara daquele lugar, tal qual a menina. Sabia que nem todas as estalagens eram grandes e novas como aquela, mas não gostara de lá. Queria sair correndo dali.
_ Não gostou do lugar? _ Perguntou João com cara preocupada. _ Podemos procurar outro se quiser.
Ela realmente queria. Era tão diferente do palácio. Até mesmo a torre era bem melhor do que aquele lugar. Mas não teve coragem de falar nada para João.
A menininha saiu correndo. Os pais acompanharam. Era pequena, mas tinha coragem de dizer o que realmente queria. Que vontade teve de acompanhar a menininha.
_ Vamos. _ Disse João. _ Havemos de encontrar outro lugar.
Caminharam mais um pouco. O sol estava muito quente. Teve vontade de estar em casa. Por que saíra da torre?
Avistaram outra estalagem. Era feia, escura. Não queria mesmo dormir naquele lugar. Tinha vontade de sair correndo! A dona da estalagem era muito simpática. Em tudo queria agradar, mas a Princesinha não se sentia bem naquele lugar. Mas sabia que não podia forçar mais os cavalos. João também estava muito cansado. Se ele aceitasse ficar naquele lugar, ficaria.
_ E então? _ João perguntou.
_ Tudo bem.
Mas algo no seu olhar disse para João que estava com vontade de sair correndo de lá. Arrependera-se de ter vindo. Tinha vontade de estar em casa.
_ Podemos procurar outra. _ Disse João resignado.
_ Não precisa. _ Disse com um sorriso amarelo. _ Aqui está bom.
_ Não. _ Ele disse. _ Nenhuma estalagem estará a altura de uma princesa.
_ Está bom sim.
_ Vamos._ Ele colocou um ponto final a conversa. _ Ainda é cedo. Acharemos outra.
Caminharam mais um tempo. O Sol focou mais forte e via a hora dos animais caírem de cansaço.
_ Veja! _ Disse João._ Tem uma estalagem ali.
_ Estive uma vez aqui! _ Disse a Princesinha criando alma nova.
_ Mesmo?
_ Foi pouco antes de ficar na torre. Foi uma bela viagem que fiz com papai e mamãe. A dona era tão boa.
_ Vamos ver se é boa.
_ Tem que ser! Estou muito cansada.
O lugar já não era tão bonito como se lembrava. A mulher estava bem mais velha, mas o sorriso ainda era o mesmo. Sentiu-se praticamente em casa. Tomou um banho. Sentiu-se revigorada. Pelo menos podia descansar em paz.
Que bom que João resolvera continuar a caminhada. Era bom estar ali. O lugar era claro, arejado. Poderia dormir em paz.      
 
Quando estamos longe, é bom procuramos algo que nos aproxime de casa. O quarto em que estava agora, não tinha luxo, mas lhe fez lembrar da última vez em que estivera ali.
Tinha sede de aventuras. Ficara presa durante muito tempo. Precisava viver. Mas não contava com os dissabores de uma longa viagem.


_ Estou cansada, João. Não é tão divertido como seu filho me fez parecer.
_ Ele é apenas uma criança, majestade.
_ Mas parecia tão seguro de si.
_ Nós também éramos, a idade dele. Não se lembra?
_ Como me lembro, João. Parecíamos tão donos da verdade. O engraçado é que me sinto menos segura agora do que me sentia naquele tempo. Isso não é estranho?
_ Não. Quando somos jovens, somos cheios de coragem e com tão pouca experiência. A medida que vamos mantemos contato com este mundo, percebemos que os nossos grandes desafios, não passam de coisas pequenas e que o que realmente importa é aquilo que realmente somos e aqueles a quem amamos. Não queria que nada de mal acontecesse a meu filho. Eu amo muito a minha família.
_ E eu a separei de você, não é João?
_ Não vou negar que sinta falta deles. Não vou negar que preferiria não ter vindo. Mas também não queria que você estivesse só. Se trancou naquela torre com pouco mais idade que André. Também não conhece nada da vida.
_ Eu tinha dezessete anos quando fui pra lá. Eu tinha tantos planos. E agora todos foram por água abaixo. Vamos voltar para casa, João. Não tenho nada que fazer aqui. Volto para a torre. Peça que André me visite mais vezes. Não como servo, mas como amigo. Você pode vir também, João. Será bem vindo.
_ Não precisa mais voltar para torre.
_ É o meu mundo, João. Não sei viver de outro jeito.
_ Pode fazer tantas coisas.
_ André também me disse a mesma coisa. E o que consegui fazer. Volto para casa envergonhada. Não salvei ninguém. Não tão matei um dragão.
_ Não são grandes feitos que fazem uma vida. A vida é feita de grandes sentimentos.
_ Que grandes sentimentos eu tenho, João. Ele nem ao menos voltou.
_ Tem o amor de seus pais. Seus amigos. Tem tanta gente que ama você.
_ Ainda me ama, João?
_ Eu nunca deixei de amá-la em todos anos de minha vida.
_ Nem mesmo depois de tanto afastados?
_ Nem mesmo assim.
_ Nem mesmo quando o separei de sua esposa e filho?
_ Aí eu fiquei com um pouquinho de raiva. _ Ele riu. _ Mais ainda assim não deixei de amá-la.
Lágrimas brotaram de seus olhos.
_ Desculpe-me por ter perdido os melhores anos de sua vida, João. Gostaria de ter comparecido ao teu casamento. De ter segurado teus filhos. Você me foi melhor do que cem irmãos, João. E eu nunca te retribuí por isso.
_ Não tem importância. Agora vamos dormir. Amanhã bem cedo voltaremos para casa. Mas você nunca mais voltará para a torre. Ainda podemos fazer muitas coisas nessa vida.
_ O que ainda posso fazer, João? Fiquei presa por tanto tempo. Que utilidade posso ter agora?
_ É uma princesa e pode fazer muitas coisas. Ia te dar apenas quando voltássemos, ou quando estivéssemos em grande perigo. Não queria morrer, sem que você soubesse.
_ O que deveria saber.
_ Que nunca deixei de me preocupar com você.
Ele tirou do bolso, algo embrulhado em um pano.
_ É para você. _ Disse-lhe enquanto estendi-lhe o objeto.
Ela abriu e espantou-se.
_ Todos os corações sempre juntos.
_ Trouxe um para mim, outro para minha esposa e um para cada um de meus filhos. Não podia esquecer o da minha irmã.
_ Obrigada, João. Não sabe como é importante para mim. Por que saiu numa grande aventura, tendo seus filhos tão pequenos? Conseguiu salvar alguma princesa?
_ Tentei, mas não consegui.
_ Ela continuou trancada na torre?
_ Sim.
_ Podemos tentar salvá-la, agora, João. Não quer tentar mais uma vez?
_ Não será mais preciso. O que não consegui fazer, meu filho fez.
_ André salvou uma princesa?
_ Sim.
_ Mas você me disse que ele era jovem demais. Que não tinha experiência. E no entanto já havia salvado uma princesa. Por que mentiu para mim, João?
_ Eu não menti para você. Ele não tem experiência. Nunca saiu de nossas vistas. Mas grandes feitos podem ser realizados ainda em tenra juventude, sem que para isso seja preciso matar um dragão ou sair de casa.
_ Mas eu sou a única princesa de nosso reino.
_ Não consegue ver, Laura? André salvou você. Jamais alguém conseguiu tirar você da torre. Foi André quem conseguiu isso. De nada adiantou suspenderem as visitas ou mudar o jardim de lugar. Nem mesmo trazê-lo de volta...
_ O que você disse?
_ Como?
_ Você disse trazê-lo de volta. Quem o trouxe de volta?
_ Eu o trouxe de volta.
_ Você o trouxe de volta.
_ A viagem longa que fiz, da qual trouxe os corações não foi por uma grande aventura, Laura. Eu saí para procurá-lo. Queria trazê-lo de volta para você. Não que eu achasse que ele era o melhor para você. Mas se era o único modo de fazê-la voltar à vida. Que fosse.
_ Como o achou?
_ Divertindo-se com amigos, sem nada o que pensar na vida. Não foi muito custoso convencê-lo a voltar. Disse que estava entediado e que talvez até fosse bom rever os pais.
_ E por que ele não voltou para mim?
_ Disse que queria ver os pais primeiro. Tornar-se apresentável. Ele se demorou tanto tempo que fui perguntar por que não vinha.
_ O que ele disse?
_ Que já conhecia a sua fama e que jamais se casaria com uma doida de pedra.
_ Talvez ele tivesse razão, não é João?
_ Talvez ele não tivesse sentimentos, não é, Laura?
_ Talvez você tenha razão, não é, João? Penso que perdi muito tempo dedicando sentimentos a uma pessoa errada.
_ Agora você disse a verdade, Laura.
Ela colocou o cordão no pescoço e disse para João:
_ Vamos dormir, agora. Temos uma grande viagem pela frente. Estou com saudades de meus pais, de Nane e André. Você também deve estar com saudades de Maria e das crianças.
_ Estou mesmo.
Acordaram antes que o sol nascesse e partiram para casa.

_ Já está quase na hora do jantar. Que tal um prato de sopa quentinha?
_ Ainda falta muito para chegar em casa. Penso que se tivermos sorte, chegaremos ante da madrugada. Não quero passar mais nem um dia fora do castelo.
_ Cavalgamos durante todo o dia. Estamos cansados. Não está com fome?
_ Estou, mas podemos comer pão.
_ Chega de pão, Princesinha. Que diferença faz mais um dia? Chegaremos lá ainda pela manhã.
_ Não está com saudades de seus filhos e esposa?
_ Muita! Mas também estou com saudade de outra pessoa.
_ Quem?
_ Você saberá quando chegarmos.
_ Está bem. Que diferença faz mais uma noite?

Entraram por uma estradinha e logo chegaram ao que parecia ser uma fazenda. Cavalgaram um pouco até chegar em umas uma casa com flores por todos os lados.
_ Que lugar aconchegante!_ Disse a Princesinha. _ Quem mora aqui, João?
_ Você já vai saber. _ Disse João com um sorriso maroto. _ Nisso gritou enquanto batia palmas._ O de casa!
_ Ora, ora! _ Disse um homem todo sorrisos, que saía de dentro de casa. _ A que devo a honra da visita de tão ilustre jardineiro?
Mas estacou quando deu com a Princesinha.
_ Então é verdade. _ Disse de boca aberta. _ Ela saiu mesmo de lá.
_ Quem é este homem, João? _ Perguntou a princesinha já antipatizando com ele.
_ Então não se lembra? _ Perguntou João. _ Este é Ítalo, o meu irmão.
_ Ítalo, o insolente e antipático.
_ Este mesmo, majestade. _ Disse o outro, fazendo uma mesura. _ Ao seu inteiro dispor.
_ Agora vejo a quem saiu André com tanta insolência, João. Não devia ter deixado o menino perto de tão má influência.
_ Não influenciei ninguém, embora ache que André seja um ótimo rapaz.
_ Melhor do que você é mesmo! Mas seria melhor se também tivesse herdado a docilidade de João.
_ João trabalha com as flores, André com cavalos.
_ Que seja. Vamos embora, João. Não posso comer ou dormir na casa deste homem.
_ Como queira. Pode ir embora sozinha se quiser. O João vai ficar aqui.
_ Não sejam crianças, vocês dois. Estou morrendo de fome. Ajude Laura a descer do cavalo, Ítalo.
_ Não preciso da ajuda deste aí. Além do mais, não pretendo descer.
_ Vamos, Ítalo, peça desculpas a Princesinha. Ela é filha de nosso rei.
_ Foi ela quem começou.
_ Vocês dois sempre começam.
_ Me desculpe, majestade. Gostaria imensamente de recebê-la em minha humilde residência.   
_ Insolente! Já está tão tarde, que aceitarei a hospedagem. Mas pretendo pagar por tudo. A minha parte e a de João.
_ Receber pela hospedagem do meu próprio irmão?! Você só pode estar brincando!
_ Pago pela minha parte então.
_ Não estamos tão pobres assim.
_ Eu insisto.
_ Deixe para descontar dos impostos que já pago ao seu pai.
_ Deixe de bobagem vocês dois. Vamos logo entrar! Que cheiro maravilhoso! O que temos para o jantar?
_ Anita está preparando um cordeiro assado. Parece que já estava adivinhando que você viria.
Eles entraram e uma senhora levou a Princesinha até um dos quartos. Ela lhe deu água para se lavar e ela pareceu criar alma nova. Tão velha a esposa de Ítalo. Isso era bem feito para ele.
Quando chegou na mesa, João, Ítalo e uma jovem que não lhe era estranha já estavam sentados à mesa.
Todos se levantaram e lhe fizeram uma reverência.
_ Podem sentar-se. _ Disse a princesinha.
_ Mal posso esperar para provar este cordeiro, Anita.
_ Esta é Anita?!_ Perguntou a princesinha escandalizada.
_ Sim _ Disse Ítalo estranhando a pergunta.
_ É pouco mais velha do que André.
_ Na verdade tem a mesma idade. _ Ele disse.
_ Não tem vergonha?
_ Vergonha de que?
_ De se casar com alguém tão jovem?! Isto é nojento!
Todos riram.
_ Do que estão rindo? Não admitam que riam de mim!
_ Me desculpe, majestade. _ Disse Anita. _ Ele não é meu marido. É meu pai.
_ Sinto muito pela confusão. _ Disse a Princesinha com o rosto em chamas.
_ Tudo bem. Podemos servir o jantar? _ Perguntou a moça.
_ Não vamos esperar por sua mãe? Não a vejo desde que me levou água até o quarto.
_ Aquela não é minha mãe. É minha ama. Minha mãe faleceu quando eu era criança. Bila costuma comer conosco, mas está com vergonha de comer com uma princesa. Podemos comer?
_ Claro.
_ Espero que a mulher do vaqueiro não traga ovos para Bila como disse que viria. Laura não vai sossegar enquanto não me arranjar uma esposa.
_ Cale a boca e coma, Ítalo. Sua voz me irrita. _ Disse a Princesinha.
_ Por que vocês sempre fazem isso? _ Perguntou João.
_ Ele é um insolente.
_ Ela é uma mimada.
Disseram os dois quase ao mesmo tempo.
   
Gostou do quarto que Ítalo tinha dispensado para ela. Sem nenhum tipo de luxo, mas bastante limpo e aconchegante. Tinha apenas uma cama de casal, uma pequena mesa e cadeira. Um velho tapete de lã de carneiro e nada mais. Nenhum quadro na parede, nem mesmo uma cortina na janela. Algo naquele quarto lhe lembrou o seu quarto na torre. Pela primeira vez depois que saíra da torre, sentiu-se realmente à vontade.
Ouviu duas batidas suaves na porta.
_ Quem é? _ Perguntou a Princesinha.
_ Sou eu, Anita.
_ Pode entrar.
A mocinha entrou no quarto segurando um cobertor e um travesseiro.
_Não é preciso. _ Disse a Princesinha. _ Bila já trouxe cobertas e travesseiros o suficiente.
_ Não é para a senhora. _ Disse a moça _ É para mim. Vim dormir com a senhora.
Dormir com ela?
_ Desculpe. _ Disse a Princesinha , meio sem jeito. _ Este quarto é seu?
_ Não _ Explicou-se Anita. _ É um quarto de hóspede. Vim para lhe fazer companhia.
A Princesinha achou aquilo muito estranho. Dormir com uma pessoa que mal conhecia. Nunca precisara dividir a cama com ninguém. Nunca tivera uma irmã e mesmo que tivesse, certamente não teriam de dividir o mesmo quarto.
_ Quer que deixe uma vela acesa? _ Perguntou Anita.
_ Prefiro tudo  escuro. Não tem medo de escuro, tem?
_ Não. Mas minha prima Salma tem. Sempre que vem aqui, tenho que deixar uma vela acesa.
_Não será necessário. _ Disse a Princesinha.
_ Salma ficará encantada quando lhe disser que hospedamos uma princesa.
As duas deitaram-se e Anita apagou a vela.
_ Sempre tive vontade de conhecê-la. Alguns diziam que a senhora não existia de verdade, mas vovó garantia que sim.
A Princesinha não queria tocar aquele assunto, ainda era muito doloroso para ela. Ficaram em silêncio por algum tempo. Quem sabe Anita não dormiria?
Escutaram batidas na porta.
_ Quem é? _ Perguntaram as duas ao mesmo tempo.
_ Então está aí, Anita. _ Disse Ítalo._ Por que não está em seu quarto?
_ Vim fazer companhia para a Princesinha.
_ Deixe de bobagens, Anita. Não vá enfadar Laura. Volte para seu quarto.
­ _ Não tem problema, Ítalo._ Respondeu a Princesinha. _ Pode deixar Anita aqui.
_ Incomoda-se se eu entrar? Está coberta?
_ Por que quer entrar? _ Espantou-se a Princesinha.
_ Sempre dou um beijo de boa noite em Anita.
­ _ Pode entrar. _ Disse a Princesinha. _ Estou coberta.
Ítalo entrou suavemente com uma vela acesa na mão. Sentou-se na beirada da cama ao lado de Anita e ajeitou suas cobertas.
_ Está com frio? _ Perguntou para a filha. _ Quer mais uma coberta?
_ Estou bem, papai.
Estava ali um Ítalo totalmente desconhecido. A Princesinha  nunca vira tanta doçura em seu olhar. Lembrou-se de quando era pequena e seu pai vinha lhe dar boa noite. Sentiu saudades daquele tempo.
Ítalo beijou a testa da filha.
_ Durma bem, meu amor.
_ Sua bênção, meu pai.
_ Deus te abençoe, minha filha.
Ele olhou para Laura e perguntou:
_ Precisa de alguma coisa?
_ Não, obrigada.
_ Boa noite, Majestade.
Sentiu-se mal com aquilo. Ítalo só a chamava de majestade quando estava irritado com ela.
_ Boa noite. Agora vá logo que quero dormir. _ Disse a Princesinha com o habitual mau humor com que costuma tratar Ítalo.
_ Estava demorando. _ Disse Ítalo resmungando enquanto saía do quarto.
_ Por que não gosta do papai? _ Perguntou Anita com os olhos bem abertos o escuro.
_ Quem disse que não gosto de seu pai?
_ Vocês brigam o tempo todo.
_ Porque não concordamos em quase nada. Ítalo é muito mandão. Sempre foi.
_ A senhora também é.
_ Mas eu sou uma Princesa.
_ Mas por que as princesas tem que ser mandonas?
_ Não sei. João sempre me obedeceu.
_ Em tudo? Nunca discordaram de alguma coisa?
_ Só uma vez.
_ Quando era criança?
_ Não. Foi pouco antes de viajarmos. Eu queria ir com André. Mas seu tio não deixou.
_ E foi a primeira vez que brigaram?
_ Não chegou bem a ser uma briga. Mas foi a primeira vez, de que eu me lembre, que João me negou alguma coisa.
_ Antes não haviam brigado nem mesmo uma vez?
_ Não.
_ E com papai?
_ Quase todas as vezes em que estávamos juntos. Nunca concordávamos com nada. Ele queria sempre mandar nas brincadeiras. Queria decidir tudo. Eu não suportava. Já João, concordava com tudo sempre. É por isso que sempre gostei mais dele.
_ Todos sempre gostavam mais de titio. Pobre papai.
_ Pobre João. Todos sempre gostaram mais de Ítalo.
_ Por quê?
_ Não sei dizer. Ítalo era muito bonito...
_ Acha o papai bonito?
_ Sim e muito mais agora. Ficou mais forte. Os anos fizeram muito bem ao seu pai.
_ Quando perguntava sobre a senhora para papai, ele me dizia que a senhora era a princesa mais bonita que já se viu. 
_ Ele disse que eu era bonita? Nunca me disse antes.
_ Talvez nunca diga. Papai é muito cabeça dura.
_ Nisso você tem razão.
_ Mas por que disse que todos gostavam mais de papai?
_ Porque ele sempre foi muito corajoso, falante. Não tinha medo de nada. Seu avô tinha uma verdadeira adoração por Ítalo, mas nem ligava para João.
_ O titio reclamava com a senhora?
_ Ele parece nunca ter percebido. Também tinha verdadeira adoração por seu pai. Seguia Ítalo para todos os lugares. Então eu passei a me afeiçoar mais por João. Se pudesse escolher um irmão no mundo, ele certamente seria o seu tio.
_ Por que titio não tirou a senhora da torre?
_ Ele tentou algumas vezes, mas nunca gostou de me contrariar em nada. Até que parou de ir à torre. Foi logo depois de Nane lhe falar que não voltasse mais lá porque era muito feio um rapaz ir ao aposento de uma jovem. Então passei a vê-lo apenas no jardim, quando ia cuidar de suas flores. Até que ele sumiu e os matos e espinhos sufocaram as rosas. Então eu já não amava mais João, porque ele tinha abandonado o jardim e a mim.
_ Foi seu pai quem mudou o jardim de ala. Um dia titio me disse.
_ Mas eu não sabia. Achei que era João que não mais queria. Achei que ele tinha me deixado.
_ Por que não esclareceu as coisas com a vovó? A senhora não a via todos os dias.
_ Nane sempre foi de poucas palavras e eu também era orgulhosa demais para perguntar alguma coisa.
_ Sentia-se muito sozinha?
_ No princípio sim, mas depois acabei me acostumando.
_ Por que não saiu de lá?
_ Estava esperando por ele.
_ O Príncipe?
_ Sim.
_ Ele era bonito?
_ Muito.
_ Mais que o papai?
_ Ele era o homem mais bonito que já vi em minha vida.
_ Como se conheceram? Adoro histórias de amor.
_ Eu tinha quinze para dezesseis anos. Foi no baile de casamento da Bela Adormecida.
_ Como foi o baile?
_ Tão lindo! A Branca de Neve compareceu ao seu primeiro baile depois do nascimento do seu bebê e estava com um vestido tão lindo.
_ A Cinderela estava lá?
_ Quem é Cinderela?
_ Não a conhece? A do sapatinho de cristal.
_ Não mesmo.
_ Ela tinha uma madrasta muito má com duas filhas que chamavam Cinderela de Gata Borralheira.
_ A Gata Borralheira se casou com um príncipe.? Mas andava tão mal vestida!
_ Conheceu a Gata Borralheira? Papai também. Ele entregava ovos em sua casa e me disse que era apaixonado por ela.
_ Era mesmo. Agora me lembro. Ítalo sempre disse que ia ser um fazendeiro e tinha um galinheiro só dele. Um dia Nane disse que ia matar um de seus frangos e nós choramos tanto. João era o mais desconsolado. Ítalo disse para Nane que seria um vendedor de ovos e nenhum animal daquele galinheiro poderia ser abatido, para que nascessem muitos pintinhos que mais tarde produziriam muitos ovos.
_ O que fez vovó?
_ Deixou seu pai em paz por uns tempos. Mas quando a quantidade de aves passou a ser insuportável, seu pai teve que passar a se desfazer dos ovos. Ele dava mais do que vendia, no princípio, mas logo achou bem vantajoso o fato de ganhar seu próprio dinheiro. Passou a fazer entregas em várias casas. Muitas vezes, eu e João íamos com ele. Foi assim que conhecemos a Gata Borralheira.
_ Ela era bonita?
_ Bonita era, mas sempre tão suja de carvão. Só vestia pobres trapos. As irmãs delas andavam tão bem vestidas. Era sempre a Gata Borralheira quem recebia os ovos e Ítalo ficava encabulado quando a via. Foi assim que eu e João descobrimos. Então, sempre que brigávamos, eu falava da Gata Borralheira.
_ E o que papai fazia?
_ Ficava mais irritado e saía pisando duro. Até que ele me proibiu de entregar ovos com ele e eu nunca mais vi a Gata Borralheira. É uma pena. Deve ter se casado enquanto eu estava na torre. Muitas coisas aconteceram enquanto estive lá.
_ Mas me conte como foi o baile em que conheceu o Príncipe.
_ Foi lindo! Eu estava com Rapunzel ajudando a arrumar suas tranças quando ele chegou em um lindo cavalo branco.
_ Ele viu a senhora e se apaixonou na mesma hora?
_ Não, estava muito escuro no jardim. Mas a Rapunzel me deu um cutucão e disse: “Corra para o salão, antes que outra princesa o fisgue! Não sabe quanto tempo fiquei presa na torre até que o meu príncipe aparecesse. A Bela Adormecida dormiu por tanto tempo que acordou com os olhos inchados. E a pobre Branca de Neve? Não faz idéia do que ela passou com aquela maçã. Se quer um príncipe, corra para aquele salão, que o mar não está pra peixe.”
_ O que fez a senhora?
_ Corri logo pra lá e fui apresentada ao Príncipe pelo Gato de Botas.
_ Então conheceu o Gato de Botas?
_ E não? Era um casamenteiro de marca maior.
_ E que o Príncipe disse para a senhora?
_ Que eu era a princesa mais linda que ele havia visto. Então passou a me visitar e logo estávamos namorando. Mas ao passo que os outros príncipes se casavam logo e viviam felizes para sempre este parecia não se decidir nunca. Quando eu tinha dezessete anos, ele me disse que era muito jovem para se amarrar. Que me amava sim, mas que precisava viver muitas aventuras para ser um príncipe de verdade. Que nunca tinha matado um dragão, nem salvado ninguém.
Um belo dia ele me disse que partiria, mas que esperasse por ele porque voltaria logo. Então ele se foi e com ele vinte anos de minha vida.
_ È uma história muito triste a sua.
_ Mas não pense mais nisso. Passou. E você, já se apaixonou?
_ Ainda não! Tio João disse que para se casar com a sobrinha dele vai ter que pedir consentimento a um tio muito bravo.
_ E desde quando João é bravo? É a pessoa mais doce que conheço.
_ Não é João o irmão de papai , é o tio João irmão de mamãe.
_ Quem era sua mãe?
_ Maria.
_ Maria, dos Meninos Perdidos?
_ Ela mesma.
_ Então Ítalo se casou com a menina que achou a Casa de Doce? Como se conheceram? Achei que eles não existiam de verdade e que era apenas uma lenda. Procuramos aquela casa por tanto tempo e nunca a encontramos. Uma dia já estava quase escuro e acabamos nos perdendo na floresta. Fiquei com tanto medo de encontrar o Lobo Mau. Só achamos o caminho porque Ítalo subiu numa árvore. Ficamos de castigo por muitos dias.     
_ Como seus pais se conheceram?
_  Papai era amigo do tio João e ele os apresentou.
_ Ítalo não teve que salvá-la de nada?
_ Mamãe sempre foi muito esperta. Foi ela quem sempre achou o caminho de volta para casa.
_ É verdade. Sempre gostei da história de Joãozinho e Maria. Quem haveria de dizer que era uma história de verdade? Ela era bonita? Parecia-se com você?
_ Dizem que me pareço muito com a vovó.
_ Isso mesmo! Como não percebi antes? Foi por isso que te achei aparecida com alguém que conhecia. Nane!
_ Estou muito feliz por conhecê-la.
_ Também gostei muito de você, Anita. É uma moça muito gentil.    
 
          
   
_ Espero que tenha passado bem a noite. _  Disse Ítalo.
_ Tirando a parte em que foi me incomodar.
_ Não fui te incomodar. Apenas fui dar boa noite para minha filha como faço desde  que ela nasceu.
_ Parem de brigar vocês dois. _ Disse João. _ Por que não vamos aproveitar este delicioso café? Que bolo delicioso, Anita. Foi você quem fez?
_ Sim, titio.
_ Está me saindo uma ótima cozinheira esta minha sobrinha.
_ Puxou a mãe. _ Disse Ítalo. _ Maria adorava doces e os fazia como ninguém.
_ João casou-se com Maria e Ítalo casou-se com Maria, irmã de João. _ Disse a Princesinha. _ Anita tem dois tios chamados João e Nane tinha duas noras chamadas Maria. Quando falavam Maria de João, de qual Maria estavam falando? Isto não parece um pouco confuso?
Todos riram na mesa.
_ Parece mesmo. _ Disse João.
_ A minha Maria era a mais bonita. _ Disse Ítalo.
_ Não, a mais bonita é a minha. _ Disse João.
_ Como uma menina tão esperta quanto Maria foi cair na conversa de Ítalo? _ Perguntou a Princesinha.
_ Ela não resistiu ao meu charme. _ Disse Ítalo se gabando.
_ Mas esperta foi a Gata Borralheira, que acabou se casando com um príncipe, no lugar de um simples fazendeiro.
_ Ela teve sorte de não ter esperado vinte anos por ele._ Disse Ítalo, que nunca deixava barato para a Princesinha.
Um mal estar instaurou-se na mesa. A Princesinha ficou vermelha. João olhou para Ítalo com cara feia.
_ Desculpe, Laura. _ Disse Ítalo pegando em sua mão. _ Não tive a intenção de te magoar.
_ Tudo bem, Ítalo. _ Disse a Princesinha recuperando o controle. _ Nem todos falam, mas todos pensam. Ítalo não seria Ítalo se não me atirasse isso na cara, tão logo tivesse oportunidade.
_ Sabe que Ítalo sempre perdeu o controle quando o assunto era a Gata Borralheira. _ Disse João com olhar zombeteiro. _ Você não se lembra Laura?
_ Como esqueceria? Ele gaguejava e ficava vermelho. _ Disse Laura rindo.
_ Vão começar vocês dois?_ Disse Ítalo, fingindo irritação.
Mas não estava irritado. Ela sorria de novo.  Era o que importava. Não tivera intenção de magoá-la. Ela passara por maus bocados com toda aquela espera na torre. Não era insensível ao seu sofrimento. Mas que língua afiada tinha. Desde meninos, estava sempre pronta a alfinetar-lhe. E Ítalo sempre tinha uma resposta na ponta da língua. Mas ela nunca ficara constrangida quanto ficara dessa vez. Ela devia ter sofrido muito. Devia lhe dar um desconto. Queria sinceramente que ela fosse feliz de novo. 
_ Quer mais um pedaço de bolo? _ Perguntou Anita à Princesinha.
_ Não, obrigada. Não tenho muita fome pela manhã.
_É mesmo. Vovó já tinha dito, mas me esqueci. Mas ela disse que se não forçar, a senhora não come nada. Um pedacinho de queijo, talvez. Fui eu mesma quem fiz.
_ Sabe fabricar queijos?
_ Sim. Papai me ensinou. Deve conhecê-los muito bem. É papai quem fornece queijos para o castelo.
_ Você tem uma vaca, Ítalo?_ Perguntou a Princesinha espantada.
_ Temos muitas. _ Disse Anita rindo.
_ Lembra-se das contas que fazíamos de quantos ovos teríamos de vender para que você comprasse uma vaca, Ítalo?
Ela parecia esquecida do incidente de poucos minutos antes. Ele se sentiu um pouco melhor. Não gostou do jeito que ela tinha ficado a pouco. Fragilidade era uma coisa que ela não possuía quando criança. Vivia de birra com ele e quando entrava numa discussão era para ganhar. Não aceitava que ele ficasse com a última palavra. Era a princesa, tinha que rebater sempre. Mas ele era o mais velho, não aceitava também. João sempre concordava com tudo, quer com que ele dissesse, quer com que a Princesinha determinasse. Talvez fosse por isso sua predileção sem segredos por João.
João cedia a todos os caprichos da Princesinha e ela lhe retribuía com gentileza e carinho. Mas nem sempre. Era muito voluntariosa e cheia de coisinhas próprias de uma princesa que brinca com os vassalos.      
Ele nunca aceitara que ela montasse nele, como um cavalo. Nunca se dobrara a ela. Não fazia suas vontades. Não aceitava que ela lhe desse ordens. Já não bastava o tempo que sua mãe gastava com ela. Até o seu próprio leite lhe dera. Leite de João que tinha a mesma idade que ela. Talvez viesse daí a profunda ligação que os dois tinham. Muitas vezes Ítalo chegara pensar que a Princesinha era mais irmã de João do que ele mesmo.
Os dois sempre tinham tantas coisas em comum. Estudavam as lições juntos. Liam os mesmos livros. João era o único jardineiro que sabia tocar piano que conhecia. Até o gosto pelas flores eles tinham. Era como se João quisesse copiá-la em tudo.
Muitas vezes olhava para o porte de João e se não fosse as roupas simples, podia-se jurar que era um lorde.
Observou o irmão comendo. Os dois comiam igual. Seguravam os talheres com refinamento. Sempre levavam o guardanapo à boca, de maneira igualzinha. Ítalo nunca quisera aprender essas coisas. Gostava de comer com os criados na cozinha, seus iguais.
Não lembrava do tempo em que chegara no palácio. Ele era muito pequeno. João apenas um bebê. A Princesinha acabara de nascer e precisava de uma ama. Sua mãe servia porque ainda amamentava João.
Foram morar numa casa muito próxima ao castelo. O pai virou jardineiro. Serviço que herdou João. E a mãe tornara-se ama da Princesinha. O rei e a rainha eram bons com os meninos. Tiveram uma vida próspera. Tinham comida em fartura, nunca faltava nada no castelo. Deviam isto a João, a mãe sempre dizia. Se não fora o seu leite, não estariam lá.
João pagara com seu próprio leite tanto refinamento. E de que servia agora? Era um simples jardineiro, como o pai. João parecia-se com o pai fisicamente, ao passo que puxara o gênio calado da mãe. Já Ítalo parecia-se com a família da mãe, mas herdara o gênio indomável do pai. Ele nunca quisera ser um jardineiro. Queria ter uma fazenda, mas as coisas eram muito difíceis naquela época. Podia dar muitas coisas aos filhos naquele castelo. Acabou ficado por lá.
Ítalo gostaria que o pai visse a grande e próspera fazenda que tinha agora, mas ele já se fora há muito tempo. João agora estava em seu lugar.



_ Por que não fica conosco por uns dias? _ Anita perguntou para a Princesinha.
_ Seria uma boa idéia. _ Disse João.
_ Ficar na casa e Ítalo?_ Fez um muxoxo, a Princesinha. _ Nem morta.
_ Deixe de bobagens, Laura. _ Disse Ítalo. _ Será um prazer recebê-la.
_ Até parece.
_ Deixe de ser turrona. Vai querer ficar ou não? Os ares da fazenda farão bem a você. Pode ir, João. _ Disse virando-se para o irmão. _ Ela vai ficar sim.
_ Não pode decidir nada por mim.
_ Posso sim. Fez uma viagem penosa. É muito bem que descanse. Ela fica João.
_ Está bem. Mas fico por Anita.
_ Tudo bem. É um prazer hospedar alguém da realeza.

_ Acorda, Princesinha._ Disse Ítalo, do outro lado da porta. _ Se quer mesmo me ajudar nas entregas, terá que se levantar cedo.
Ela olhou pelas frestas da janela. O dia ainda não tinha amanhecido.
_ Ainda está escuro, Ítalo. _ Disse a Princesinha, colocando um travesseiro na cabeça.
_ Se quer dormir, vai ficar aí. Eu vou embora.
_ Acho melhor a senhora levantar. Papai não vai esperar mesmo. _ Disse Anita.
_ Seu pai é um grosseirão. _ Disse a Princesinha resmungando.
_ Não perca o bonito passeio que fará com papai.
_ Como é que é? _ Gritou Ítalo do lado de fora. _ Vai ou não vai?
_ Espere, papai. A Princesinha já está indo.
Anita desceu da cama e puxou as cobertas de cima da Princesinha. E em poucos minutos ela já estava em cima de seu próprio cavalo. Ao lado de Ítalo.
O dia começava a amanhecer e o céu estava de um lindo cor de rosa.
_ Por que tínhamos que vir tão cedo. _ Ela perguntou.
_ Tenho muitas entregas. Não gostou de ter vindo.
_ Ainda não sei. _ Disse com uma cara azeda.
_ Mas vai gostar muito. Precisa ver coisas bonitas.
_ Espero que o que esteja dizendo seja verdade.
Caminharam uns minutos em silêncio. 
_ O que você viu nas andanças com o Príncipe Valente?_ Ela perguntou de repente.
_ Muitas coisas.
_ Matou algum dragão?
_ Não. _ Ele riu.
_ Por que riu?
_ Nada.
_ Ninguém ri por nada.
_ Salvou alguma princesa?
_ Também não.
_ O que fez de tão importante assim? Nenhum dragão. Nenhuma princesa. Sabia mesmo que não ia dar em nada toda aquela empáfia.
_ Que empáfia?
_  Você, todo garboso, dizendo que ia viver muitas aventuras com o Príncipe Valente. Não fez nada.
_ Como não fiz nada?! Eu vivi tantas coisas!
_ Que coisas? Sem dragão, sem princesa.
_ Não me lembro de você e João terem dito que mataram algum dragão ou salvaram alguma princesa na viagem que fizeram a pouco.
_ Bem que tentamos, mas não foi possível. Talvez tenha errado em aceitar João no lugar de André.
_ André é apenas uma criança.
_ Mas é muito valente! Você era pouco mais do que ele quando partiu e Nane deixou. Mas João não deixou. Foi categórico e se ofereceu para ir em lugar dele. Bela troca que fiz.
_ As coisas eram diferentes. Estava partindo com o Príncipe Valente. E mamãe não deixou fácil. Tive que insistir muito.
_ André deveria ter insistido também.
_ Arrependeu-se de ter voltado?
Ela pensou um pouco.
_ Não. _ Disse finalmente. _ Não era bem o que eu esperava. As aventuras não tem tanta graça assim. Quanto tempo durou suas aventuras com o Príncipe Valente? Quando subi para a torre, você ainda não havia voltado.
_ Voltei poucos meses depois de você ter ido para lá.
_ Tinha dezesseis quando partiu. Então levou três anos.
_ Exatamente.
_ O que fazia em suas aventuras?
_ Corríamos o mundo em cima de um cavalo. Dormíamos ao relento ou em estalagens mal cheirosas. Muitas vezes dormíamos em estábulos ou no rancho dos empregados. Um nobre recebe bons quartos quando hospedados em alguma casa ou castelo, mas os escudeiros se arranjam como podem.
Ela ficou com peã dele. Como devia ter sofrido.
_ Deve ter sido bem ruim. Por que demorou tanto para voltar?
_ Queria fazer fortuna. Ter minha própria terra. Mal ou bem, foi com o dinheiro que ganhei que comprei minhas terras.
_ Parece um bom negócio. Mas se queria terras, por que não falou com papai? Ele te daria. Temos tantas.
_ Não seria a mesma coisa. Queria vencer por mim mesmo. Além do que, não foi tão mal assim. Vi muitas coisas interessantes, que jamais teria visto se não me lançasse naquelas aventuras.
_ Se apaixonou enquanto esteve fora?
_ Muitas vezes. _ Disse Ítalo, dando uma gargalhada.
_ Foi durante este tempo que conheceu Maria?
_ Não. Conheci Maria depois que voltei. Ela era irmã de um amigo que conheci nos meus tempos de andanças. Foi ele quem me apresentou Maria.
_ João, o Menino Perdido. Sua filha me contou. Lembra que demoramos tanto tempo procurando a casa toda feita de doces? Achei que ela não existia.
_ Também achei.
_ Sabe, Ítalo. Nunca desejei realmente encontrar aquela casa. Tinha medo que acontecesse conosco o mesmo que aconteceu com João e Maria.
_ Também tinha medo. _ Ele confessou.
_ Então por que procurava com tanto afinco?
_ Não sei. Apesar do perigo, me parecia algo muito bom.
_ Não deveríamos ter procurado por aquela casa. Foi muita sorte não a encontrarmos. Poderíamos ter nos dado muito mal.
_ É verdade. – Ele disse. _ Se fosse hoje, passaria bem a largo daquele lugar. Uma vida bem calma é o que quero agora. Tocar minha fazenda e acabar de criar minha filha. E espero que ela tenha a sorte de arranjar um bom marido, para que me dê muitos netos.
_ Eu não terei netos. _ Ela disse com um olhar distante.
_ Não fale assim.
Não gostava quando ela assumia aquele olhar melancólico. Ele nunca a vira assim antes. A torre a transformara em uma criatura frágil. Sempre fora tão cheia de vida e determinada. Ela não merecia aquilo.
_ Quando tiver netos. _ Disse com um débil sorriso. _ Leve-os até a torre para me visitar.
_ Você nunca mais vai voltar para a torre. _  Ele disse com veemência.
_ Tenho pensado muito nisso. _ Ela disse baixando os olhos. _ Vivi lá durante muitos anos. Não me acostumo mais com as pessoas. Tudo está tão diferente agora.
_ Sinta a brisa em seus cabelos, Laura. Você não pode deixar de viver a vida. Ainda tem tanta coisa pela frente.
_ O filho de João já é quase um homem. Você já está falando em netos. Como quer que eu comece a viver agora, Ítalo? Meu tempo já passou.
_ Não passou, Princesinha. Ainda pode fazer muitas coisas.
_  Até mesmo você quer estar recolhido em sua fazenda.
_ Fazendo o que sempre sonhei desde menino. Não me lembro de você, quando menina, ter dito que queria viver em uma torre pro resto da vida.
_ Passei a maior parte da minha vida lá.
_ Mas não toda ela. Sua vida não acabou. Pode fazer muitas coisas, eu repito.
_ Não sei fazer nada. Nem para viver aventuras eu servi. Não deveria ter levado João.
_ Deixe de culpar João por suas escolhas. Você escolheu levar João o lugar de André.
_ Ele não me deixou escolha. Não deixou André ir. Ou ia com João ou não ia.
_ Não fosse. _ Ele disse. _ Não deixa de ser uma escolha. Arrumasse outro, esperasse André virar  homem. Somos responsáveis por nossas próprias escolhas.
_ Talvez você tenha razão. Que importa agora? Não quero viver nenhuma  aventura. Volto para a torre.
_ Pare com isso, Laura. Fique com os seus pais, volte para suas aventuras, fique comigo na fazenda, mas nunca mais diga que voltará para aquele lugar.
Ficar com ele na fazenda? Será que ele estava falando sério? Como seria viver na fazenda com Ítalo? Um lugar calmo, sem badalações. A vida simples. A companhia agradável e tagarela de Anita. Ítalo à mesa na hora das refeições. Não podia! Como seria aquilo? Uma princesa vivendo na casa de um vassalo. Seria o fim! Ou o começo? A vida a fazenda parecia-lhe muito agradável.
_ Veja!. _ Disse Ítalo, a tirando de seus pensamentos. _ Estamos chegando. O vilarejo é muito animado. Pode conversar com as pessoas. Comprar coisas bonitas. Todos gostam de estar aqui.
Ele viu que seus olhos brilharam como brilhavam nos tempos de menina. A Princesinha estava de volta. Fora muito bom tê-la trazido. Quem sabe ela não se animaria e acabaria tirando da cabeça aquela idéia maluca de voltar para a torre?
Entraram na cidade e viram muitas coisas. Fizeram algumas entregas. Ela parecia muito feliz. Parecia que tinha voltado no tempo. Quando eles e João iam juntos para fazer as entregas de ovos. Uma princesa trabalhando junto com um vassalo. Era o que ela estava fazendo agora. Ela parecia se divertir muito naquela época. Como parecia se divertir agora.
Não permitiria que ela voltasse para torre. Era tão cheia de vida. Tão bonita. O tempo não lhe roubara a beleza, como fizera com tantas outras. Ainda tinha aquele jeito esnobe de balançar as mãos, como se quisesse pegar tudo pelas pontas dos dedos, como fazia em criança. A mesma pele alva, que parecia feita de porcelana. Os mesmos cabelos encaracolados, que pareciam raios de sol.  Os mesmos olhos tão azuis, que pareciam fazer concorrência com o céu. Mas antigamente, eles nunca ficavam turvos de tristeza, como ficavam agora. Como o Príncipe tivera coragem de fazer isto com ela? Por que a fizera sofrer tato? E ela? Por que permitira que ele lhe fizera tal coisa? Por que não lutara contra isso? Não era do feitio dela. Sempre tão voluntariosa e pronta para começar uma briga.
Por que as pessoas deixavam que outros apagassem o seu brilho? Por que deixam que outros tornem suas vidas sombrias? Os puxem para baixo? Não conseguia entender por que alguém colocava nas mãos de outra a sua felicidade.
_ Veja, Ítalo!_ Disse Laura, o arrancando de seus pensamentos. _    Uma loja de brinquedos! Podemos entrar?
_ Claro! Este homem tem um boneco que fala de verdade.
_ Não é possível! _ Disse a Princesinha incrédula.
_ É verdade! Eu o vi quando estive aqui da última vez. Seu nariz cresce quando prega mentiras.
­_ Então o seu nariz deve estar enorme, Ítalo. Não acredito mesmo nesta história.
_ Vamos entrar. _ Disse Ítalo a puxando pela mão. _ Você vai ver com os seus próprios olhos.
A loja era pequenina e apertada. Uma profusão de brinquedos coloridos saltaram aos olhos da Princesinha. Todos feitos em madeira, pintados com cores vibrantes. Era uma verdadeira festa para os olhos. Um velhinho parecia trabalhar no que seria uma carroça de brinquedo, puxada por boizinhos que de tão perfeitos, pareciam de verdade.
_ Ítalo! _ Disse o velhinho saudando o amigo._ Que bom ter você de volta! Veio buscar mais uma boneca para Anita?
_ Não desta vez. Trouxe uma amiga. Ela quer conhecer o boneco que fala de verdade.
_ Ele não está. _ Disse o velhinho. _ Foi para a escola. _ Emendou com um grande sorriso.
_ Um boneco na escola! _ Espantou-se a Princesinha. _ Cuidado para o seu nariz não crescer também. _ Disse rindo.
_ Já cresceu bastante. _ Disse o velho apontando para o próprio nariz. E olhe que não para de crescer.
_ Ouvi dizer que as orelhas e o nariz nunca param de crescer. _ Disse Ítalo.
A Princesinha arregalou os olhos e tocou as próprias orelhas.
_ Ainda estão delicadas. _ Disse o velhinho.
Todos sorriram.
_ Onde arranjou companhia tão bonita? _ Perguntou o velhinho para Ítalo.
Mas de repente um lampejo iluminou os olhos do velhinho, como se lembrasse de alguma de alguma coisa.
_ Não é possível. _ Ele disse. _ Dizem que ela saiu da torre. Essa é a Princesinha da Torre?
_ Em pessoa. _ Disse Ítalo.
_ Então ela existe mesmo!_ Disse o velhinho boquiaberto. _ Pensei que fosse uma invenção desse povo. Eles inventam cada coisa.
A Princesinha ficou vexada. Não gostava quando tocavam nesse assunto. Ítalo percebeu.
_ Olhe que linda boneca. _ Ele apontou para um canto da loja, para desviar sua atenção.
A Princesinha foi ver a boneca de perto, mas logo sua atenção foi dirigida para outro foco.
_ Veja, Ítalo! Uma caixinha de música. Não é linda? Tal qual a de Anita.
Ela abriu a caixinha e logo um som melodioso encheu ao ambiente.
_ Gosto tanto de música. _ Ela disse. _ Foi uma pena não ter podido tocar piano durante o tempo em que estive na torre. _ Uma nuvem de tristeza cobriu seus olhos novamente. _ Vamos, Ítalo. Não podemos nos demorar. _ Disse enquanto fechava a caixinha e encaminhava-se para a porta. Virou-se para o velhinho, já do lado de fora e disse. _ Até mais, senhor. Foi um prazer conhecê-lo. Sua loja é um amor. Nunca vi coisas tão lindas.
_ Espere um pouco. _ Disse Ítalo _ Eu já estou indo. Apenas preciso resolver umas coisas.
_ Está bem._ Ela disse. _ Importa-se se eu der uma olhada naquela barraca de frutas?
_ Tudo bem. Já te encontro lá. Não demoro.
Ela deu poucos passos até a barraca de frutas. Aspirou o perfume das uvas que a chamou de longe. Escolheu alguns cachos e os entregou ao vendedor.
Ítalo se demorava. Olhou para a porta da loja. Será que ele já havia saído? Olhou em volta.
  Não podia ser! Não estava preparada para aquilo. Será que era mesmo ele? Estava do outro lado da rua e ainda não a tinha visto. Estava se aproximando. Será que ele a veria. Por que Ítalo se demorava tanto? Precisava sair correndo dali. Antes que ele a visse.
Pronto! Seus olhos se cruzaram. Baixos os seus. Não sabia o que fazer.
Ítalo finalmente apareceu. Que bom! Precisava sair rapidamente dali.
_ Vamos logo embora, Ítalo.
_ O que aconteceu? _ Ele perguntou preocupado. _ Você está pálida.
_ Não é nada. _ Ela se apressou em esclarecer. _ Vamos logo daqui.
_ Mas por ...
Ítalo não precisou terminar a pergunta. Porque o viu também.
_ Então este é o motivo. _ Disse Ítalo. _ O Príncipe em pessoa. Mas por que está assim. Ele é quem deveria querer sair correndo.
O Príncipe passou por eles, mas propositalmente olhou para o outro lado. Fingiu que não a viu.
_ Não fala mais com os conhecidos, Alteza? _ Perguntou Ítalo de uma forma bastante irritada para o Príncipe.
_ Como meu rapaz?
_ Não sou nenhum rapaz. _ Ítalo estava bastante irritado. Sempre fora impulsivo.
_ Ítalo. _ Disse ela intervindo. _ Vamos embora.
_ Não vamos, não. Não até vê-lo de pedindo desculpas.
_ Não é preciso.
_ É preciso, sim.
_ Eu vou indo. _ Disse o Príncipe já se retirando.
Mas Ítalo o deteve.
_ Não vai sair até que peça desculpas a ela.
_ Como ousa, seu insolente!_ Disse a Príncipe para Ítalo e virando-se para a Princesinha disse. _ Vejo que não perdeu a mania de andar na companhia dos vassalos. Quem é este? O jardineiro que costumava te seguir como um cão.
Ítalo o agarrou pelo colarinho.
_ Veja como fala do meu irmão. Ele tem mais nobreza do que jamais você terá em toda sua vida. Você não vale o chão que ele pisa. Aquilo se chama lealdade. Mas você jamais poderia reconhecê-la, por que não faz parte de sua educação.
_ Solte-me ou...
_ Ou o quê? Pensa que tenho medo de você? Peça perdão a ela.
A Princesinha examinou os dois homens a sua frente. Um nobre por nascimento, criado no mimo e riqueza. O outro, como bem disse o Príncipe, nada mais que um vassalo. Mas onde estava a nobreza? Talvez Ítalo tivesse razão. Onde estava a nobreza? Ítalo estava ali a defendendo e defendendo seu irmão. Ele se preocupava com sua honra.
Olhou para o Príncipe e o comparou com fisicamente com Ítalo. O fazendeiro estava ganhando em disparada.
Nunca vira alguém mais bonito que o Príncipe em sua vida. Todos diziam que eles faziam o casal perfeito. Mas como estava o Príncipe agora? Envelhecera e sua beleza se fora com os anos. Ao passo que Ítalo parecera melhorar com os anos. Estava mais forte, mais bonito. Conseguira vencer com o seu próprio trabalho. Ítalo era um vencedor! Pobre Príncipe compará-lo com Ítalo era até uma humilhação. Fora por aquilo que esperara por vinte anos? Teve sorte dele não ter voltado.
Aproximou-se dos dois. Deu o braço a Ítalo e sorriu.
_ Deixe o senhor, Ítalo. Você é muito forte. Poderá machucá-lo.
Sorriu para o Príncipe.
_ Não precisa se incomodar com Ítalo. É um pouco estourado mas SEMPRE foi uma ótima pessoa._ Frisou a palavra sempre_ Recebeu ótima educação.
Ítalo soltou o Príncipe e agora parecia se divertir com a situação.
A Princesinha ajeitou as roupas do Príncipe como se as quisesse desamarrotar.
_ Parece melhor agora, não?_ Disse-lhe dado o melhor dos sorrisos._ Espero que não esteja machucado. Ítalo, às vezes parece desconhecer, a força que tem. Mas não foi sua intenção machucá-lo. – Virou-se para Ítalo. _ Não é mesmo, Ítalo?
Nele agora sorria e voltara ao seu habitual bom humor.
_ Não era. Peço que vossa alteza me perdoe.
O Príncipe estava com cara de mofa.
_ Tudo bem. Mas da próxima vez controle melhor os seus criados.
_ Ítalo não é meu criado. Eu é quem sou sua hóspede. Tem uma linda e próspera fazenda que construiu com seu próprio trabalho. Ítalo sempre foi determinado e fico feliz que tenha vencido na vida. Espero que você também tenha vencido.
O Príncipe estava visivelmente perturbado. Ela deu o braço a Ítalo e disse-lhe:
_ Podemos ir?
_ Agora mesmo._ Disse-lhe com um sorriso que nunca lhe parecera tão encantador._  Alteza. _ Disse ele em guisa de despedida.
_ Alteza. _ Imitou-o, despedindo-se do Príncipe.
_ Passar bem. _ Disse o Príncipe e ficou parado vendo os dois partirem.
Eles caminharam alguns metros, até que caíram na gargalhada.
_ Era ele mesmo, Ítalo? _ Ele perguntou rindo.
_ Em pessoa.
_ Parecia tão mudado.
_ O tempo cobra sua fatura.
_ Mas não para todas as pessoas. _ Disse a Princesinha percebendo como Ítalo era bonito.
_ Não para todas as pessoas. _ Disse Ítalo olhando com uma intensidade com que nunca a tinha olhado antes.
Sentiu que tinha enrubescido. Era melhor mudar logo de assunto.
_ Como sabia que era ele? Você já tinha partido quando ele apareceu.
_ O conheci numa das andanças que fiz com o Príncipe Valente.
_ E como sabia que ele era o meu Príncipe?
_ A história da Princesinha da Torre cruzou muitos reinos. Todos conhecem vocês.
Todo o bom humor de minutos atrás evaporara-se. Era motivo de falatórios em vários reinos. Por que se trancara na torre? Tudo o que conseguira era transforma-se em motivo de chacota para todos. Seus olhos encheram-se de lágrimas.
_ O que fiz de minha vida, Ítalo?
_ Não é tempo de lamentos. _ Disse Ítalo enxugando seu rosto com as costas das mãos._ É tempo de alegria. Além do mais estou morrendo de fome. E você?
_ Estou faminta. _ Disse ela sorrindo.
_ Sempre que venho aqui, como na pensão da Celeste. Depois da mamãe, é a melhor cozinheira que conheço.
_ Nane nos acostumou mal, não foi Ítalo? Nenhuma comida é tão boa quanto a dela.
_ Mas Celeste cozinha muito bem. Você vai gostar. Veja, é logo ali.
Apontou para um lugarzinho de dois andares, com mesas e cadeira ao ar livre.
_ Que tal comermos aqui fora?
_ É uma boa idéia.
Uma mulher de uns cinqüenta anos e um grande sorriso na cara apareceu para servi-los.
_ Vejo finalmente arrumou uma mulher, Ítalo. _ Disse a mulher.
A Princesinha sentiu a cara quente. Nem precisava olhar num espelho para saber que estava vermelha.
Ítalo também pareceu meio desconcertado. Aquilo era novo para ela. Na verdade, não tão novo assim. Estava com aquele mesmo jeito que ficava quando chegava perto da Gata Borralheira.
Ela e João não deixavam barato e caçoavam dele o mais que podiam.
_ Deixe de bobagens, Celeste._ Tenho que manter a minha cabeça em meu pescoço. Sou apenas um pobre fazendeiro e esta é a única filha do meu rei.
_ Não pode ser! _ Disse a mulher tomada de um enorme susto. _ Então ela saiu mesmo da torre? Tinha ouvido sobre isto, mas não tinha acreditado.
Ela olhou para a Princesinha com um olhar de compaixão. O que a deixou um pouco desconfortável.
_ Pobrezinha._ Disse a mulher. _ E é mesmo tão bonita como sempre tinha me falado.
_ Então vamos cuidar bem dela. _ Disse Ítalo querendo consertar as coisas. _ Que tal um saboroso almoço, para mostrar para a Princesinha que não menti quando disse o quanto você era boa cozinheira?
_ Ótima idéia, Ítalo. Aposto que ela vai gostar. É uma pena que seja uma princesa. Vocês fazem mesmo um belo par.
Ela entrou para buscar a comida e deixou os dois avexados um com o outro pela primeira vez em suas vidas e sem ter o que falar.
_ Parece que vai chover. _ Ela disse.
Ítalo olhou para o céu e sorriu.
_ Parece meio difícil. O céu está sem nuvens.
Os dois riram e a conversa começou a fluir livremente, como era costume dos dois. Celeste voltou com a comida e era mesmo deliciosa. A Princesinha lembrou-se do encontro com o Príncipe. Como pudera ter esperado tato tempo por ele? Como tivera coragem de estragar a sua vida por tão pouco? Como não percebera o seu caráter? Por acaso estava cega? Tudo era tão claro agora. Como não percebera antes?
Logo que terminaram o almoço, Ítalo tirou um embrulho da capanga e o colocou em cima da mesa.
_ O que é isso? _ Ela perguntou curiosa.
_ Abra. _ Ele disse com um largo sorriso.
_ É para mim? _ Ela sorriu também.
_ Sim.
Ela abriu o embrulho e encontrou a caixinha de música que vira a pouco.
_ Em lugar da outra que comprei. _ Disse Ítalo com um olhar de ternura.
_ Como assim? _ Ela pareceu não entender.
_ Em minhas andanças com o Príncipe Valente, encontrei algo que me fez lembrar estar em casa. Era uma caixinha de música com um trechinho de uma música que você costumava tocar no piano. Eu comprei a caixinha e pensei em dá-la a você. Mas quando tinha saudades de casa, abria o presente e ouvia a música. E o fiz tantas vezes que o presente ficou um tanto gasto. Quando voltei não pude ir até a torre e também não tive coragem de enviá-lo. Talvez você achasse que era um cacareco e o atiraria pela janela.
_ Deu meu presente para Maria? _ Perguntou espantada.
_ Não dei o seu presente. _ Ele riu. _ Quando me casei, levei todas as minhas tralhas e a caixinha de música estava entre elas. Um dia Maria a encontrou a passou a usá-la. Nunca ocorreu a Anita que a caixinha era minha e não de sua mãe. Não vai querer tomar a caixinha da menina, vai? _ Perguntou Ítalo rindo.
_ Não. _ Sorriu a Princesinha também. _ Além do mais, esta está bem mais novinha.
Ela ouviu a música e voltou a ficar pensativa.
_ O que foi? _ Ele perguntou preocupado.
_ Sabe, Ítalo. Não ia me importar de receber um presente gasto. Aquela caixinha de música teria me confortado durante meus intermináveis dias. Seria quase como estar ao piano novamente.
_ Desculpe-me, Laura. _ Disse Ítalo enquanto pegava em sua mão. _ Se eu soubesse, teria enviado por mamãe.
Ela balançou a cabeça como quem tenta espantar as tristezas e disse sorrindo:    
_ Não tem mais importância. Vamos pra casa? _ Ela perguntou.
Parecera tão natural, como se fosse a casa deles. Mas não era. A fazenda era casa de Ítalo, não sua.
_ Quero dizer, vamos para sua casa?
Ela estava envergonhada. Como pudera dizer aquilo?
_ Milha casa, vossa casa, Alteza. _ Disse-lhe Ítalo fazendo uma mesura.
Mas a Princesinha não se sentiu feliz com isso. “É uma pena que ela seja uma princesa”. Disse a mulher. Não sabia por que isso a incomodava agora.
Chegou cansada da viagem e tirou uma soneca, antes do jantar. Foi até à cozinha e encontrou Anita lá.
_ Quer ajuda, Anita?_ Perguntou a Princesinha.
_ Não é preciso. Posso dar conta sozinha. Imagine! Uma princesa em minha cozinha.
_ Faço questão. André disse que me ensinaria a cozinhar.
Anita deu uma risada.
_ E André sabe cozinhar?
_ Disse que sabia. _ Disse a Princesinha decepcionada.
_ Uma bela gororoba é o que sabe fazer. Isto sim.
_ Já provou sua comida?
_ Costumávamos brincar de cozinhadinho quando crianças. Era muito ruim.
_ Mas deve ter melhorado filha. _  Disse Ítalo divertindo-se com o assunto.
 _ Duvido muito. Mas é melhor aprender comigo. Cozinho muito bem. Não é, papai?
_ Como gente grande!
_ Mas já sou gente grande. Já, já, vou me casar.
_ E vai deixar o papai sozinho? _ Perguntou Ítalo com um muxoxo.
_ O senhor fica com a  Bila.
_ É velha e ranzinza. _ Disse Ítalo. _ E não cozinha tão bem como você.
_ O senhor pode se casar de novo. Por que não se casa com a Princesinha? Ainda não sabe cozinhar, mas eu posso ensiná-la.
Aprender a cozinhar para se casar com Ítalo! Onde estava com a cabeça aquela menina? Todos pareciam loucos naquele dia.
_ Não posso me casar com seu pai.
_ Por quê?
_ Ele não tem sangue azul. _ Disse a Princesinha um tanto desconsertada.
_ E a senhora tem?
_ Sim.
Anita arregalou os olhos assustada.
_ Mesmo! Não sabia. Seus pais sabem?
_ Claro! Eles também tem o sangue azul. Toda nobreza tem.
_ Isto é mesmo um problema. Vai ter que arranjar outra esposa, papai. E já, pois não quero ficar para tia.
_ Verei o que posso fazer. _ Disse Ítalo rindo.
Então ele ia mesmo seguir o conselho da filha. Para que casar-se? Parecia estar tão bem assim. Era senhor da casa. Senhor de si mesmo. Veja João, sempre tão preocupado com a esposa.
_ Vamos logo com esta comida. _ Disse a Princesinha cortando o assunto._ Por onde começo? _ Perguntou enquanto pegava uma faca.
_ Pode partir as batatas em quatro. _ Disse Anita lhe entregado um tacho. _ Já estão descascadas.
_ Está bem. _ Disse a Princesinha começando o ofício, um tanto desajeitada.
_ Ela parece levar muito jeito, não é Anita? _Disse Ítalo sorrindo.
_ Deixe de histórias, papai. Não é todo dia que se come uma comida feita por uma princesa.
_ Ai! _ Gritou a Princesinha.
_ O que foi? _ Assustou-se Ítalo.
_ Cortei minha mão.
_ Deixe que eu cuido disso. _ Disse Ítalo envolvendo o corte com um pano._ Abriu o pano e lhe mostrou. _ Veja, Laura. Não é nada. Foi superficial.
_ Papai. _ Anita puxou Ítalo para um canto segredando-lhe algo no ouvido.
_ O que foi? _ Perguntou a Princesinha assustada. _ O corte não é tão pequeno quanto parece?
Ítalo deu uma gargalhada. Anita parecia aborrecida.   
_ Mentiu para nós. _ Disse a moça para a Princesinha.
_ Como assim?
_ Disse que tem o sangue azul.
_ E tenho.
_ Não. Não tem. É vermelho como o nosso. Não se casa com papai porque não quer.
_ A Princesinha não mentiu, Anita. Trata-se de convenções sociais. Uma princesa tem que se casar com um príncipe porque é um igual a si. O sangue azul é apenas um modo de falar.
_ Tanta besteira por causa de nada! Pensei que não podia se casar com papai porque tinham sangues diferentes e isso podia causar algum problema. Mas tem sangue vermelho como nós. Não se casa com ele porque não quer.
_ Anita. _ Disse o pai com cara muito séria. _ Você já não é mais criança e mesmo que fosse, não é assim que se trata uma pessoa que está debaixo de nosso teto, tenha ela sangue azul ou não.
_ Desculpe-me, Alteza. _ Disse a moça de olhos baixos. _ Não foi minha intenção...
_ Não tem de que. _ Disse a Princesinha constrangida. _ Preciso cuidar deste corte.
Saiu apressadamente da cozinha.     
Limpou bem o corte. Não era grande coisa realmente. Não tinha mais vontade de ajudar na cozinha. O que fizera de errado? Parecia tudo tão bem.
Minutos depois ouviu uma batida na porta.
_ Quem é?
_ Sou eu, Ítalo. Vim te chamar para jantar.
_ Não estou com fome.
_ Laura, deixe de bobagens. Não seja mais criança do que Anita.
_ Está bem, já vou.
_ Estou esperando na porta.
Passou uma água no rosto e ajeitou os cabelos. Realmente não estava animada para o jantar. Abriu a porta e levou um susto com Ítalo que a espera.
_ Quase me matou de susto. _ Ela disse.
_ Eu disse que ia te esperar. _ Disse rindo. _ O que aconteceu? Não está zangada com Anita, está?
_ Está tudo bem. Mas estou um pouco sem graça. Não esperava que Anita tomasse uma atitude dessas.
_ É apenas uma menina, eu já disse. Venha, Laura. _ Disse Ítalo a puxado pela mão. _ Anita é tão criança que pensou que você tinha mesmo. _ Disse Ítalo soltando uma gargalhada._ Dê um desconto para ela.
A Princesinha também riu. Não devia ter ficado como ficou. Às achava que era tão ingênua como uma moça da idade de Anita.
 
  


A Princesinha estava na sala de leitura. Fazia uma semana que Ítalo a trouxera de volta. No castelo não era como estar na fazenda. Sentia falta da tagarelice de Anita. Da vida mais calma e simples. Na torre era tudo muito simples. Demorara tanto tempo sozinha que muitas vezes não sabia se estava se comportando bem ou não diante dos outros. Na fazenda era bem mais fácil.   
_ Princesinha.
Uma criada se aproximou de olhos baixos.
_ O que foi? _ Perguntou a Princesinha.
_ Tem uma visita para a senhora.
_ Em que sala está?
_ Não está em nenhuma sala, alteza. Ítalo está na cozinha. Veio trazer as provisões da semana e deseja falar com a senhora.
Ítalo queria falar com ela! Sentira sua falta. Teve vontade se sair correndo, mas isto não lhe cairia bem.      
_ Diga que já estou indo.
Era melhor respirar um pouco. Não queria que Ítalo pensasse que ela estava ansiosa por vê-lo.
Entrou na cozinha. Logo o divisou, rodeado de moças. Ele sorria para todas, jogando o charme costumeiro e todas pareciam derretidas por ele. Não sabia por que, mas se sentiu desconfortável com aquilo. De repente ele a viu.
Ela estava tão linda. Como sentira sua falta. A fazenda se tornara vazia depois que ela partira.
_ Alteza. _ Disse Ítalo lhe fazendo uma mesura.
_ O que você quer? _ Disse a Princesinha com sua habitual rispidez. Não gostara de ver Ítalo rodeado de moças.
_ Não quero nada. _ Disse Ítalo irritado com  a má recepção. _ Apenas trouxe-lhe uma encomenda que Anita lhe mandou.
_ O que Anita mandou para mim? _ Perguntou a Princesinha curiosa.
_ Abra e veja. _ Disse Ítalo enquanto empurrava em sua direção uma travessa cuidadosamente amarrada num pano.
A Princesinha abriu e encontrou uma cheirosa torta de maçã ainda não tocada.
_ Ela fez especialmente pra mim? _ Perguntou a Princesinha enternecida.
Ela era assim. Num minuto, altiva e ríspida e no outro parecia uma criança. Estava feliz apenas porque Anita lhe mandara uma simples torta de maçã.
_ Parece deliciosa, Ítalo. _ Disse a Princesinha com o mais belo dos sorrisos. _ Diga a Anita que agradeço muitíssimo. Vou provar um pedaço agora.
_ Quer que leve para a sala de jantar, alteza? _ Perguntou uma jovem criada. Logo a que parecia mais atirada para o lado de Ítalo._ Prefere chá ou refresco para acompanhar?
Não gostou da jovem. Não gostava de moças atiradas. Aquilo não era correto.
_ Leve para a mesa que fica no jardim.
_ Mas o dia não parece bom para uma refeição ao ar livre, senhora. Está cinza e venta. É bem capaz que chova.
_ Não perguntei sua opinião. Prepare a mesa e pronto. Leve chá para dois.
_ Sim, senhora._ Disse a moça vermelha e com olhos baixos.
_ Acompanhe-me, Ítalo.
Ele a acompanhou. Estava irritado com o que ela fizera. Por que tratara Célia daquela maneira? A moça era quase uma menina. Era uma esnobe. Sempre fora. Não mudara nada. Vinte anos naquela torre não amoleceram o seu coração.
_ Por que falou com Célia daquele jeito?
_ Não tenho satisfações para dar a você. Por que está se doendo?
_ Por que me dói vê-la tratar mal alguém que não pode se defender de você.
Ela viu desprezo em seus olhos e aquilo a feriu mortalmente. Tratara mal a moça porque era uma oferecida. Mas não devia ter feito isso. Arrependeu-se por tê-la tratado mal.
Chegaram ao jardim e ela sentou-se. Ítalo continuou de pé.
_ Sente-se. _ Ela ordenou.
_ Estou bem de pé.
Célia e uma outra moça chegaram com uma toalha, a torta e o chá.
_ Quer que sirva? _ Perguntou Célia.
_ Não é necessário, querida. _ Disse a Princesinha com um sorriso. Ela tocou na mão da moça. _ Vocês fizeram um bom trabalho, obrigada.     
A moça se surpreendeu com a mudança de tratamento. Ítalo também se surpreendeu. Ela se arrependera, sabia. Aquilo era o mais próximo de um pedido de desculpas que ela conseguiria.
_ Vocês estão dispensadas._ Ela disse. _ Pode deixar que Ítalo me servirá.
Quem ela pesava que ele era? Era o dono de sua própria fazenda, não um criado seu. Nunca a servira quando criança. Não era agora que começaria a fazê-lo.
_ Não vou servir a ninguém! _ Disse irritado.
As moças estacaram.
_ Podem ir, eu já disse. Ele vai me servir, sim.
_ Não vou mesmo!
As moças saíram apressadas. Sabiam que uma tempestade estava se formando ali e era maior do que a estava se formando no céu.
_ Não sou seu criado, Laura.
_ Deixe de bobagens e sente-se de uma vez, que o chá já está esfriando. Está bem! Eu sirvo o chá e você serve a torta. _ Disse a Princesinha, enquanto despejava a bebida fumegante nas xícaras.
_ Por que você vai ficar com a parte mais fácil?
_ Porque sou uma princesa. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
_ Nunca vou obedecer a você, Laura. _ Disse Ítalo irritado.
_ Por favor, Ítalo. _ Disse Laura com um meigo sorriso. _ Estou louca para provar a torta que Anita me mandou.
Sabia como dobrá-lo. Ele constatou. Como ia ter coragem de lhe negar alguma coisa? Serviria a torta. Que ninguém ficasse sabendo. Aceitaria até lhe servir de criado para poder ficar mais um pouco com ela.
_ Está muito grande, este pedaço. _ Ela reclamou como sempre.
_ Não está nada. Você é quem come feito um passarinho. E se queria um pedaço menor, por que não o partiu você mesma.
Ela lhe laçou um daqueles olhares de menina birrenta que estava acostumada a lançar desde de menina. Mas não falou nada. Pegou o garfo e levou a torta à boca. Fechou os olhos e sorriu.
_ Como isto é bom.
_ Minha filha é excelente cozinheira.
_ É verdade. Como vai Anita?
_ Com saudades de você.
_ Também sinto falta dela.
_ Pode nos visitar mais vezes.
_ Não atrapalho?
_ Só um pouco. _ Disse rindo.
_ Mal educado! Nunca mais boto os pés em sua casa.
_ Deixe de bobagens, Laura. É apenas uma brincadeira. É um prazer recebê-la. Está mesmo muito boa esta torta.
_ Não é? _ Disse a Princesinha animada.
Era bom vê-la sorrir. Animar-se. Comer um pouco. Conversaram por alguns minutos, mesmo depois que terminaram a torta. Ele sabia que tinha que ir, mas não se animava a sair de perto dela.
Ela dissera alguma coisa que ele não prestara atenção por não conseguir parar de olhar para ela. Deus! Como era linda! Sempre fora. Mas agora estava linda de uma maneira especial.
_ E então? _ Ela perguntou.
_ O que disse?
_ Não estava prestando atenção no que eu falei, Ítalo?_ Perguntou com uma cara azeda. _ Estou enfadando você?
_ Claro que não, Laura!          
Como poderia se enfadar com ela? Por muitas vezes o irritava, mas enfadar, nunca!
_ Não falo mais nada. _ Disse cruzando os braços.
_ Deixe de bobagens. _ Disse enquanto segurava sua mão.
Uma descarga elétrica assustou os dois e ambos puxaram as mãos.
Voltaram a falar de amenidades. O tempo passava e eles tinham uma conversa que não acabava mais.
O vento tirava o cabelo de Laura do lugar. Ítalo olhou para o céu. Uma tromba d’água não tardava a cair. Tinha mesmo que partir. Levantou-se de chofre.
_ Está ficando tarde e já vai chover. Tenho que partir. Até mais, querida.
Dito isso, beijou seus cabelos como fazia com Anita. Só então se dera conta de que a chamara de querida e que beijara seus cabelos. Tinha sido um insolente. Ela devia estar irritada.
Olhou em seus olhos. Não viu fúria, mas ela estava assustada. Estava vermelha. Ele passara dos limites, sabia. Mas não tinha coragem de pedir desculpas. Era o mesmo que admitir que estava interessado nela. Seria pior. Que ela pesasse que fora uma despedida casual.
_ Até mais, Ítalo. _ Disse a Princesinha recuperando o sangue frio.
Ficara mexida com o toque dos lábios de Ítalo em seus cabelos. Ele a chamara de querida. O que ele queria dizer com aquilo?
Ele partiu e ela continuou por um tempo sentada no jardim. Estava frio, mas não se animava a se levantar dali. Algo estava acontecendo. Por que estava daquele jeito na presença de Ítalo? Sempre fora tão irritante. Por que sua companhia lhe causava tanto prazer agora? Por que seu coração se apertara ao vê-lo partir? Por que sentia tanta falta da fazenda?
Grossos pingos de chuva começaram a cair e ela correu para o castelo. Subiu para o quarto. Era bom deitar mais um pouco. Quem sabe se dormisse tudo não voltaria ao normal? Mas não dormiu. Ainda era manhã, era cedo para uma soneca. O que mais a incomodou foi o fato de Ítalo não sair de seus pensamentos.              
  
         


Estava abafado lá dentro. Não se sentia bem naquela festa. Desacostumara-se da convivência com muitas pessoas. Não havia festas na torre. Sentia-se como um peixe fora d’água. Ainda mais com todas as pessoas a olhando daquele jeito como se ela fosse um animal raro trazido de um lugar exótico. Precisava respirar. Resolveu dar uma volta no jardim.
Sentou-se um banquinho, escondido por um arbusto. Estava melhor assim. Não queria ser incomodada por ninguém. Ouviu vozes não muito longe dali. Uma mulher falava muito interessada com alguém. Não dava pra ver direito do lugar ode estava.
_ Por que se demora tanto a vir, Ítalo?
_ Tenho muito o que fazer na fazenda.
Então era Ítalo quem conversava com a sujeita. O que faziam ali? Estava perto da cozinha, agora percebia. Na certa esta era uma das jovens que trabalhava a cozinha.
_ Mas hoje você veio.
_ Estou a trabalho. Vim fazer algumas entregas para o banquete. Demorei-me por que estava um pouco com mamãe.
_ É uma pena sua mãe não morar com você. Sua fazenda é tão bonita.
_ Já pedi muitas vezes, mas mamãe nunca quis largar o trabalho.
_ Devia, agora que a Princesinha saiu da torre. Eu gostaria muito de morar numa fazenda como aquela.
Oferecida! Insinuando-se para Ítalo. E como ousava tocar em seu nome.
_ Mamãe é muito teimosa.
_ Gostaria muito de visitá-lo qualquer dia desses, Ítalo.
_ Será um prazer, Célia. Apareça quando quiser.
Que oferecida! Assim já era demais. E Ítalo ainda estava dado corda!
_ Ítalo, venha até aqui._ Ordenou a Princesinha.
_ Onde está, alteza?_ Ele pareceu espantar-se
_ Aqui, no banco do jardim.
_ Estou indo, alteza. Com licença, Célia. A Princesinha me chama. Foi um prazer revê-la. Até qualquer dia desses.
_ Até breve, Ítalo.
Ele chegou até o banco em que ela estava.
_ Chamou-me, alteza?
_ Não, chamei por João. Quantos Ítalos você conhece por aqui?
_ O que deu em você, Laura? _ Perguntou Ítalo irritado.
_ Nada. Só não acho correto você ficar de conversinhas com as cozinheiras do palácio.
Ele deu uma risada.
_ Então está com ciúmes?
_ Ciúmes de você?! Tenha dó._ Disse a Princesinha com desdém.
­_ Está certo. Como uma princesa iria sentir ciúmes de um pobre fazendeiro como eu? Mas o que há de errado em eu conversar com a Célia?
_ Não vê que ela está se insinuando pra você?
Ele fez uma cara divertida.
_ É mesmo? Sabe que não tinha percebido?
_ Dissimulado! Devia mesmo se casar com ela.
_ Casar-me com Célia? Só pode estar brincado. Tem quase idade para ser minha filha.
_ Não parecia pelo que pude ouvir daqui.
_ Está mesmo enciumada, não?
_ Não me irrite, Ítalo.
_ Perdão, majestade. Mas o que faz aqui sozinha, quando seus pais fizeram um banquete para você? Costumava gostar tanto das festas.
_ Não é mais a mesma coisa, Ítalo. _ Disse a Princesinha desanimada. _ Foram tantos anos na torre. Não me acostumo mais com as pessoas.
Ele pareceu sentir pena dela. Mas não deixou transparecer. Ela era muito orgulhosa para deixar que alguém sentisse pena dela.
_ Deve estar bem quente, lá dentro, não?
_ Insuportavelmente quente.
_ Vamos dar um passeio no jardim então. Que tal?
Ela pareceu animar-se.
_ Boa idéia, Ítalo. _ Disse ela levantando-se. _ Adoro as flores. Foi uma pena terem mudado o jardim de ala. Senti muita falta dele quando estava na torre.
Ela pareceu ficar triste novamente.
_ Mas agora está aqui. _ Disse Ítalo pegando-a pela mão. _ E pode até passear por ele. Vamos.
Ela aceitou o convite e não se importou por Ítalo não soltar a sua mão, enquanto caminhavam. Ítalo estava longe de ter boas maneiras. Não tinha a docilidade de João, mas era filho de Nane. Sabia que era bom homem. Quem sai aos seus não degenera. Percebera que ela estava triste e resolvera animá-la.
A brisa da noite roçou em seus cabelos. Pela primeira vez naquela noite se sentiu confortável. Era bom estar com Ítalo ali. De repente ele estacou.
_ O que foi? _ Ela perguntou.
_ Não tem idéia de quanto está bonita, banhada pela luz deste luar.
_ Ainda me acha bonita, Ítalo. Mesmo depois de tantos anos?
_ Ainda mais agora do que nunca. _ Disse ele passando as mãos em seus cabelos.
_ Mas não sou mais jovem, Ítalo. Outras são mais belas do que eu.
_ Nenhuma mulher é mais bonita que você, Laura.
João também havia dito isto. Mas no caso dele era apenas uma constatação. Com Ítalo a mesma afirmação tinha uma tonalidade diferente.
_ Obrigada, Ítalo. Você também é o homem mais bonito que conheço.
Ele riu.
_ Este é o primeiro elogio que você me faz desde que me conheço por gente. Acho que devo beijá-la agora.
_ Beijar-me?! _ Ela  assustou-se. _ Não está correto, Ítalo. Você não é um príncipe.
_ E daí? Princesas não beijam até sapos para transformá-los em príncipes?_ Perguntou rindo. _ Talvez se você me beijar pode me transformar em príncipe.
Um raio de esperança surgiu em sua mente. Se o beijasse e o transformasse em príncipe poderia se casar com ele. Está certo que muitas vezes era um grosseirão. Mas também era bonito, forte e pra falar a verdade, estava mesmo com vontade de beijá-lo.
_ Posso mesmo transformá-lo em príncipe, Ítalo? Isto é maravilhoso! Nunca vi uma transformação! Vamos, beije-me agora.
Ele ficou sério.
_ Não posso fazer isso com você. Às vezes me esqueço que você foi tão jovem para aquela torre. Não pode me transformar em príncipe com um beijo, Laura.
Ela ficou decepcionada. Por alguns instantes pensou que todos os seus problemas estariam resolvidos.
_ É uma pena. _ Disse a Princesinha cabisbaixa.
_ E por que quer me transformar em um príncipe? Por acaso está pretendendo se casar comigo?
_ Não seja ridículo!
_ Há um minuto atrás estava querendo que eu a beijasse.
_ Não queria, não.
_ Queria sim.
Era verdade. Não só estivera com vontade de beijá-lo, como ainda estava. As favas príncipes e plebeus. Se Ítalo tinha intenção de beijá-la, a hora era agora.
_ Tudo bem. Pode me beijar então.
Ele pareceu não acreditar.
_ Quer mesmo que eu a beije? Sabe que não vou me transformar em um príncipe.
_ Nunca teve mesmo jeito mesmo para príncipe. Mas tudo bem. Vai querer me beijar agora ou não?
_ Claro que quero. Mas por que resolveu me beijar agora?
_ Não quero desperdiçar um luar romântico como esse. Se fosse um príncipe já teria me beijado.
Ele sorriu.
_ Então é pra já. _ Disse enquanto se aproximava._ Mas só uma coisa.
_ O que foi? _ Ela perguntou.
_ Tem certeza de que não vai me transformar em um sapo?
Os dois caíram na risada. Por um momento pareciam que tinham voltado no tempo e eram crianças novamente.
_ Pare de rir. _ Ele disse. _ Assim não vou conseguir beijá-la.
_ Foi você quem começou. Está bem. _ Disse a Princesinha fazendo uma cara séria. _ Pode beijar agora.
Mas quando Ítalo se aproximou, ela caiu na risada novamente.
_ Está vendo? _ Ele riu também. _ Você não está cooperando.
_ Princesinha!
Era João quem chamava.  
_ Estou aqui João. _ Respondeu a Princesinha.
Ele se aproximou, mas estacou quando viu Ítalo.
_ Então você também está aqui.
_ A Princesinha me chamou. _ Disse Ítalo embaraçado como se fosse um menino de quinze anos.
_ É verdade, João. Fui eu quem o chamou.
_ Não estou questionado nada. Todos estão procurando por você, Laura. Já estou indo. Ítalo pode acompanhá-la até a porta do castelo. Com licença. _ Disse retirando-se.
_ Ítalo. _ Disse João virando-se para o irmão. _ Embora vinagre e azeite combinem tão bem como um tempero de salada sabe que os dois nunca se misturam. Você já não é nenhuma criança, nem ficou preso por vinte anos numa torre. Posso crer que dos dois é o que deveria ter mais juízo. Chega de sofrimentos para Laura.
Ela ficou mortificada. Não teve coragem de dizer nada para João ou para Ítalo. Comportara-se mal. João tinha razão. Não podia se jogar para cima de Ítalo como uma das cozinheiras do castelo.
Olhou para ele. Também parecia envergonhado. O luar ainda banhava os dois no jardim, mas o clima de romance tinha terminado.
_ Eu a levo até a porta do palácio. _ Ele disse com os olhos baixos.
_ Não é necessário Ítalo. Pode ir.
Saiu correndo. Estava muito envergonhada.
_ Por onde esteve? _ Perguntou a mãe.
_ Estava tomado uma fresca no jardim.
_ Todos perguntam por você.
_ Por favor, mamãe. Deixe-me ir para o meu quarto.
_ Não pode. Será uma desfeita com todos.
_ Deixe-me, mamãe. Por favor! Eu imploro.
Lágrimas começaram a brotar dos seus olhos.
_ Está bem. _ A mãe se compadeceu. _ Eu resolvo tudo.
Atirou-se na cama quando chegou ao quarto. Agira mal como uma princesa. Quisera beijar Ítalo. Princesas só podem beijar príncipes. Mas não tinha vontade de beijar príncipe algum. Queria era beijar Ítalo para o resto de sua vida. Por que saíra da torre? As coisas eram bem mais fácies quando estava lá. E se voltasse para lá? Não! Nunca mais voltaria para a torre! Enfrentaria todos os seus problemas. Torre nunca mais.




Dormiu pouco aquela noite. Pensou em Ítalo e os dias agradáveis em que passara na fazenda. Seria tão bom se pudesse ficar lá para sempre. Não tinha ninguém cochichando ou rindo ás suas custas.  Tudo era tão calmo e agradável.
Lembrou de como fora sufocante o banquete da noite anterior. Perdera toda sua vida trancada em uma torre, quando poderia ter constituído uma família. Tudo estava perdido para ela agora.
Mas Ítalo quisera beijá-la. E teria beijado se João não tivesse aparecido. Ele ficara zangado, ela pudera perceber. João tinha boas maneiras, era sensato. Jamais em sua vida agira de modo não condizente. João era um verdadeiro príncipe. Talvez tivesse mais sangue azul do que ela. Herdara a sobriedade de Nane.
Quanto a ela. Era um sangue quente, como Ítalo. Os dois sempre faziam tudo o que lhes vinha na telha, sem pensar nas conseqüências. Onde já se viu beijar Ítalo. Deus! Por que João tinha que ter aparecido àquela hora? Desejara muito que Ítalo a beijasse. Pouco importava se era um plebeu ou não.  Jamais desejara tanto beijar um homem em toda a sua vida.
Como seria bom beijar Ítalo todos os dias, pro resto de sua vida! Era melhor para de pensar nisso. Era uma relação impossível. Deixasse que o tempo apagaria.
No outro dia caminhou até o jardim. João estava trabalhando. Ela se aproximou e sentou-se em uma pedra.
_ Está zangada comigo? _ Ela perguntou.
_ E por que estaria?
Ela não tinha coragem de tocar no assunto. Estava envergonhada demais. Tinha muito vergonha de saber que ele a considerava como uma das criadas atiradas.
_ O que está fazendo? _ Ela queria mudar de assunto.
_ Mudando rosas.
_ Você sempre gostou das flores, não é, João?
_ Nós dois sempre gostamos.
_ Nós dois sempre gostamos das mesmas coisas. Muitas vezes me perguntei por que você se parecia mais minha irmã do que Ítalo.
_ Ele sempre foi tão diferente de nós._ Ela concordou.
_ Mas nunca deixamos de andar grudados nele, só por causa disso.
_ Ele era tão forte. Não tínhamos medo de nada, quando ele estava conosco.
_ É verdade.
_ Tudo era tão mais simples, antigamente.
_ O mundo dos adultos é bem mais complicado.
_ Ítalo se tornou um bom homem, João?
_ O melhor que eu conheço.
_ O melhor sempre será você, João!
_ Apenas para você e Maria.  _ Ele sorriu, mas olhando em seus olhos, completou. _ Mas agora vejo que Maria está sozinha.
Ela ficou vermelha. Estava sem jeito. Sempre amara mais a João do que a Ítalo. João sempre lhe parecera superior em tudo. Ainda que não fosse cega ao fato de que Ítalo era superior em altura, beleza e força, com relação a João. Mas que diferença faz beleza, foca e altura quando se trata de alma irmãs? João sempre gostara das mesmas coisas que ela, sempre fora dócil e gentil. Um irmão perfeito.
Aceitaria com gosto ser irmã de João. Mas não de Ítalo. Os sentimentos que agora lhe confundiam a mente em nada se parecia com os sentimentos de uma irmã. As coisas que não tinham a menor importância quando eram crianças, agora assumiam proporções gigantescas. Nunca admirara tanto a beleza de Ítalo. Nem tão pouco desejara tanto ser protegida por seus braços fortes.  Ele a defendera do Príncipe. Era forte, corajoso. Não tinha medo de nada.
O que João teria feito em seu lugar se tivesse encontrado com o Príncipe, no lugar de Ítalo? João não teria aquela insolência. Aquilo era coisa própria de Ítalo. João era muito comedido e educado para tratar o Príncipe daquele jeito. Mas fora da insolência de Ítalo que precisara naquele dia. Precisara de Ítalo, como nunca precisara de ninguém.
_ As coisas mudaram, João. Ítalo já não é mais o mesmo.
_ Ele continua o mesmo de sempre.
_ Já não é tão irritante agora.
_ Nem você, nem Ítalo mudaram. Continuam os mesmos. Foram os sentimentos que mudaram, Princesinha. Mas você mais do que eu que as coisas não são tão simples assim.
Talvez João tivesse razão. João sempre estava certo. Não ia mesmo dar em nada. Ele disse que Ítalo não mudara. Talvez soubesse de alguma coisa que ela não sabia. E se Ítalo, por essas andanças, tivesse se tornado um conquistador barato? Estava sozinho há tanto tempo. Por que não se casara? E por que escolheria alguém como ela, se podia ter para si uma pessoa normal? Quem ia querer ter sua vida ligada a uma pessoa que só servia de chacota para todos?
_ O sol está muito quente, João. Acho melhor entrar.
João percebeu que os olhos de Laura estavam marejados. Talvez as coisas com Ítalo estivessem mais sérias do que ele pensava. Será que ela estava apaixonada por ele? Se demorasse mais um segundo, pegaria os dois se beijando no jardim. Ítalo e Laura juntos, quando poderia imaginar uma coisa dessas? Sempre viveram às turras. Mas não dizem que os opostos se atraem? Mas Ítalo e a Princesinha não eram opostos. Eles sempre tiveram o gênio muito parecido. Eram iguais.
Mas era uma união impossível. Ítalo e Laura sempre foram tão impulsivos! Nunca pensavam antes de agir. A princesa e o plebeu! Não conhecia coisa mais clichê. Era claro que não ia dar certo! Fazia tempo que Ítalo estava viúvo e sempre escorregar de todas as investidas. Não era Laura, com toda aquela ingenuidade que conseguiria dobrá-lo.
No entanto, Laura não era qualquer uma. Era a filha de seu rei. Mas Ítalo nunca se importara com este tipo de coisa. Qual era a intenção de Ítalo ao tentar beijar Laura? Aquilo parecia inacreditável para ele. Precisava saber quais eram as verdadeiras intenções do irmão. Laura já sofrera o bastante. Não via nenhuma chance daquilo dar certo. Era melhor Ítalo afastar-se o quanto antes.







_ Preciso falar com você. _ Disse João, alcançando Ítalo, que acabava de sair da casa da mãe.
_ Vim dar uma olhada em mamãe. É uma pena que ela não queira ir comigo com a fazenda. Os ares de Verdes Prados fariam muito bem a mamãe. Você também poderia ir para lá, João. Já te pedi tantas vezes.
_ Nosso lugar é aqui, Ítalo.
_ Não passam de vassalos, neste lugar.
_ Você pode até ser um próspero fazendeiro, Ítalo. Mas lembre-se de que sua condição não difere muito da nossa.
_ O que está querendo dizer com isso?
_ lembre-se de que vi você e Laura no jardim. Se não tivesse chegado, teria a beijado.
_ Qual a importância disso? Sou viúvo e ela solteira.
_ Você é filho da babá e ela a filha de seu rei.
_ E daí?
_ É melhor pararem com isso, antes que alguém saia ferido.
_ Ninguém vai se ferir.
_ Não está brincando com ela, está Ítalo?
_ Como brincando?!
João olhou nos olhos do irmão. Conhecia-o como a palma da mão.
_ Está apaixonado por ela, não está?
Ítalo estava envergonhado.
_É claro que não!
_ Como não, Ítalo. Conheço você. Foi assim com a Gata Borralheira, foi assim com Maria, dos Meninos Perdidos. Está apaixonado por Laura.
_ Pare com isso, João. Como posso estar apaixonado por alguém como Laura?
_ Não minta pra sim mesmo, Ítalo.
Não precisava mentir. Estava apaixonado por ela e pronto. Pensara que o seu coração estava fechado para o amor, quando Maria partira. Mas Laura o fizera pulsar de novo. Mas talvez João tivesse razão. O que queria? Colocar uma princesa dentro de uma fazenda o tocar sua vidinha como antes?
A fazenda não era a mesma, depois que Laura partira. Até Anita se sentia mais solitária agora.
Ele suspirou e João ficou penalizado. Que idéia fora aquela de colocar Laura na fazenda de Ítalo? Ele fora o culpado de tudo aquilo. Fora ele quem fizera a burrada. Só queria que Laura se distraísse um pouquinho. Quando iria que Laura e Ítalo acabariam apaixonados um pelo outro? O que ia fazer agora?
Abraçou o irmão. Nunca vira Ítalo tão frágil.
_ Não fique assim, Ítalo. Tudo vai acabar dando certo no final.
_ Como, João?
Ítalo tinha os olhos desolados.
_ Desculpe-me, Ítalo. Não podia imaginar que tudo isso aconteceria, quando levei Laura até sua fazenda.
_ Não foi sua culpa, João. Tinha que acontecer. É melhor eu me afastar um pouco.
Ítalo partiu e mais uma vez João se culpou por tudo aquilo.






João estava com os olhos bem abertos no escuro.
_ Não está conseguindo dormir, não é? _ Maria perguntou.
_ Como sabe?
_ Somos casados há tanto tempo. O que te preocupa?
_ Estou preocupado com Ítalo e a Princesinha.
_ Mais com ele ou mais com ela?
_ Com os dois. São igualmente importantes para mim.
_ Não devia se importar tato com ela. Apenas Ítalo é seu irmão. É com ele que devia se preocupar. Não gosto que outra mulher ocupe os seus pensamentos.
_ Não venha com esta história de novo. Sabe que Laura é como uma irmã para mim.
_ Não deveria ser o mesmo para Ítalo?
_ Sim. Mas não sei o que aconteceu. O fato é que estão apaixonados um pelo outro agora e não vejo como isto pode dar certo.
_ Por que não?
_ Não vejo como um rei daria a mão de sua filha para o filho de sua babá.
_ Ítalo é um bom homem. É honesto, trabalhador e muito próspero. Não vejo por que não pode se casar com ela.
_ Sabe que não é assim.
_ Deixe de bobagens. Conhece bem seu irmão. Se ele a quer, e ela também. Sabe que ele não vai desistir.
_ Este é o meu medo.
_ Medo de quê?
_ O rei não vai deixar. Ele não é homem para ela.
_ Como não é homem para ela? Ítalo é o homem por quem ela esperou por todos esses anos naquela torre. Como não consegue enxergar isso? Você cresceu com os dois. Conhece almas tão parecidas como estas?
_ Nunca consegui diferir um do outro. Não conseguia saber a quem amava mais, ou a quem mais queria agradar. Todos amavam Ítalo e Laura, mas eles amavam a mim. Depois de Laura, você foi a primeira pessoa que me amou mais que a Ítalo. Não posso condenar ninguém. Eu também sempre o amei. Ele e Laura são o tipo de pessoa que atrai o olhar e a amizade de todos.
_ Eles são iguais.
_ A mesma altivez, a mesma teimosia e o mesmo carisma. Como não percebi antes?
_ Pois devia ter percebido. Ninguém será bom o suficiente para Laura, que não uma cópia dela mesma. Ninguém conseguiu dobrar sua vontade quando resolveu se trancar na torre. Ninguém vai dobrá-la quando decidir ficar com Ítalo. Tem certeza de que ela o ama?
_ Está claro como o dia. Ambos ainda não estão à vontade com este sentimento novo que surgiu entre eles, mas isto é questão de dias. Tão logo enxerguem o quanto se amam, não vão dar ouvidos a ninguém.
_ Então deixe que se amem. Os dois merecem ser felizes de novo.
_ Eles vão sofrer, Maria.
_ Vão ser é muito felizes. Logo, logo, se casam e vão encher aquela fazenda de filhos.
_ Acha que ele conseguirá levá-la para a fazenda?
_ Pelo que André me disse, ela se deu muito bem por lá.
_ Acha que ela vai abrir mão de tudo por ela?
_ Se bem a conheço, não vai abri mão de nada, muito menos de Ítalo. Os dois sempre arranjam um jeito de ter tudo o que querem agora é um ao outro. Durma que tudo se ajeita. Está se preocupando sem motivos.      
 _ Tem toda razão, mulher. ´
_ Só Ítalo pode dobrar Laura e só Laura pode dobrar Ítalo. Andam de mexericos por aí e já até soube que Ítalo serviu Laura numa mesa de chá.
_ Não pode ser verdade. Ele nunca aceitou servi-la.
_ Ele pode até não se render aos caprichos de uma princesa, mas se rendeu aos caprichos da mulher que conseguiu enlaçá-lo. Tantas moças aos pés de Ítalo e ele escorregando feito um quiabo. Bastou a Princesinha descer da torre e já o colocou uma coleira.
_ É verdade.
_ E não para por aí. Os mesmos olhos que viram Princesinha sendo servida por Ítalo, viram-na servindo chá para ele.
_ Uma princesa servindo a um vassalo?
_ Substitua isso por um desjejum de namorados.
_ Estava perdendo meu sono por nada. O caso já vai mais adiantado do que imaginava. Vá arrumando um belo traje, Maria. Logo, logo, teremos uma princesa na família.
  
     



            _ É verdade o que ando escutando por aí? _ A mãe perguntou de chofre.
            _ O que disse? _ Perguntou João.
            _ Você não é surdo. O que mais estariam falando por aí? O que está acontecendo entre a Princesinha e o seu irmão?
            _ Não sei ao certo.
            _ Como não sabe? Andam de mexericos. É claro que você deve saber.
            _ Preciso saber ao certo. Ainda não conversei direito com Ítalo. Pode ser apenas uma bobagem entre os dois.
            _ Eles não são mais crianças.
            _ O amor não tem idade, mamãe.
            _ Nem pense numa coisa dessas, João. Sabe quem não vai dar certo.
            _ Eu sei.
            _ Tantas vezes temi que isso acabasse acontecendo entre você e ela. Sempre juntos para onde quer que fossem.
            _ Eu e a Princesinha?! Só pode estar brincando! É como uma irmã para mim.
            _ Também era para Ítalo.
            _ Não. Eles nunca foram irmãos. Brigavam por tudo e por nada. Nem mesmo se suportavam algumas vezes. É de admirar que estejam nesta situação agora.
            _ Não dizem que os opostos se atraem?
            _ Mas não são opostos. São iguais em tudo. Conhece muito bem os dois, melhor até do que eu. Quando põem uma coisa na cabeça, quem poderá tirar?
            _ Acha que vão levar isto adiante?
            _ Ainda não posso dizer.
            _ Não quero ver meu filho sofrendo.
            _ Também não quero, mamãe. Nenhum dois merece sofrer. Já apanharam demais da vida. Não é hora de serem felizes.
            _ Um com o outro. Custa-me a crer, meu filho.
            _ Vamos pagar pra ver. Por hora basta que não ponhamos mais lenha na fogueira. Já tem gente o suficiente para fazer isso.
            _ Tomara que não passe de um capricho dos dois.
            _ Custo a crer. Antes fosse. Agora tenho que ir. Não preocupe mais a sua cabecinha com isso. Deixa que o tempo resolverá isso.
            _ Deixar o tempo resolver? Só se não fosse Ítalo.
            _ E nem Laura.
            João partiu, mas Nane não deixou de ficar preocupada com aquela história. Não tinha como dar certo. Um vassalo e uma princesa? Não mesmo. Onde Ítalo estava com a cabeça? Poderia ter a mulher que quisesse e fora se envolver logo com uma que estava fora de seu alcance! Por que o filho estava fazendo uma coisa daquelas? 
 



_ Princesinha!
Seu coração deu um disparo. Era sua impressão ou Ítalo a chamava?
_ Não é a voz de Ítalo, o fazendeiro filho de sua babá? _ Perguntou Cachinhos de Ouro.
_ Parece que sim. _ Disse a Princesinha tentando disfarçar a emoção.
Cachinhos de Ouro chegou da janela.
_ Que bons ventos o trazem, Ítalo?
_ Como está, Cachinhos de Ouro? _ A Princesinha ouviu sua voz lá de fora. _ Vim buscar a Princesinha. André prometeu que o faria, mas teve que acudir uma vaca no pasto.
_ Entre e tome um refresco.
_ Fica para uma outra vez, Cachinhos de Ouro. A Princesinha está pronta para ir?
_ Acabamos de lanchar.
_ Estou pronta, Cachinhos de Ouro. Diga a Ítalo que já indo.
As duas se despediram, prometendo-se uma outra visita.
Ele estava em seu cavalo esperando-a e nenhum príncipe lhe parecera tão lindo como Ítalo lhe parecia agora. Ele sorriu para ela e lhe pareceu mais lindo ainda.
_ André não pode vir.
_ Eu ouvi.
Ele desceu de seu cavalo para ajudá-la a montar no seu. Suas mãos se tocaram e ela sentiu um aperto no coração. Por que Ítalo não era um príncipe?
Caminharam juntos em silêncio até que ela quebrou a barreira do silêncio.
_ Por que não voltou mais?
_ Não quero lhe arranjar problemas, Laura. Longe de mim magoar você.
_ E por que me magoaria? Esteve brincando comigo todo esse tempo, Ítalo?
_ Por Deus, Laura! Sabe que não! Mas não somos crianças. Sabe que é impossível.
_ O que é impossível?
_ Não torne as coisas mais difíceis, Laura. Tenho que me manter longe.
_ Por que aceitou o pedido de André? Outro poderia vir.
_ Não foi André quem pediu. Foi eu quem me ofereci.
_ Por quê?
_ Estava morrendo de saudade.
_ Também estou com saudade, Ítalo.
_ André me disse que você tem andado triste.
_ Pensei mesmo em voltar para a torre.
_ Não faça isso, Laura!
_ Não farei, Ítalo. Eu nunca mais voltarei para a torre.
Ela olhou para o céu rosado. A tarde caía. Logo o sol se poria.
_ Vamos parar para ver o por do sol?_ Ela perguntou.
_ Está bem.
Ítalo desceu a  ajudou a desmontar. Ele foram até perto do rio que tingia-se com as cores do sol que se punha.
_ Eu esperava todos os dias o sol nascer. É tão lindo. Mas fiquei vinte anos sem ver o por do sol. Não se pode ter as duas coisas.
_ Pode sim, Laura. Basta você querer.
Ele tinha razão. Bastava ela querer. Fora ela quem quisera ficar na torre. Não podia culpar ninguém por isso. Queria Ítalo agora. E se ele também queria. Ia lutar por isso.    
_ Amo você, Ítalo. _ Ele disse de chofre.
_ O que disse? _ Ele parecia não acreditar.
_ Isto mesmo que você ouviu. Amo você.
_ Também te amo tanto, que meu coração chega a doer. Mas o que vamos fazer? Se me casar com você, sabe que perderá tudo. Nunca ouvi dizer de uma princesa que se casou com um plebeu. Abdicaria de sua posição por mim, Laura?
_ Pode-se ter as duas coisas, lembra?
_ Ninguém aceitaria.
_ Vamos pagar pra ver.
Ele olhou para ela com muita ternura.
_ Você fica linda quando a luz tinge de prata os seus cabelos e mais linda ainda quando o sol tinge os tinge de ouro. Devo avisá-la que vou te beijar agora.
Ele a beijou e na mesma hora ela percebeu que tomara a decisão correta. Encontrara o amor quando tudo parecia perdido, não o ia deixar que escapasse agora.
_ Como se sente, majestade?_ Ela perguntou.
_ O que disse, Laura?_ Ele parecia não entender.
_ Perguntei como se sente agora em que o transformei num príncipe com um beijo.
_ Pare com isso. Não acredita mesmo nisso, acredita?
_ Claro que acredito, Ítalo. Você é o meu príncipe e não tem nada de encantado. É real, Ítalo. Assim como é real o meu amor por você.
Ele a abraçou e a beijou mais uma vez.
_ Amo você, Laura. Não quero mais ficar longe. Case-se comigo.
_ Eu me caso com você, Ítalo.
Eles se abraçaram e viram as últimas réstias de sol esconderem-se na montanha.
Depois subiram os cavalos e foram para o palácio. Tinham muita coisa para enfrentar.


_  Papai, estou tão feliz. _ Disse a Princesinha abraçando o rei. Podemos fazer um jantar amanhã?
_ Claro, minha filha! É bom vê-la sorrir de novo. Quem virá?
_ De fora apenas Ítalo, a filha e a babá. Mas gostaria que Nane, João e a família também estivessem presentes.
_ Não quer que eu jante com os criados, quer? _ Irritou-se a mãe.
_ Quero sim, mamãe.
_ Não venha me dizer que esses boatos da criadagem que finjo não escutar são verdadeiros.
_ Não tem boato nenhum, mamãe. Ítalo vem pedir minha mão amanhã.
_ Isso só pode ser mais um de suas cismas, Laura. Não vai deixar que sua filha case com o filho da babá?
_ É um homem honrado, trabalhador. Venceu por seus próprios méritos. É um caso a pensar. Você o ama, Laura?
_ Sim, papai. E ele me ama também.
_ Tudo bem. Mas não posso dar a mão de minha filha a um plebeu.
_ Mas papai...
_ É sensato. _ Ponderou a mãe.
_ Mas o jantar está de pé. Chame quem quiser. Mas deixe o pedido para o mês que vem. É preciso de um tempo para que se espalhe que Ítalo de tornou o Barão Verdes Prados.
_ Ótima idéia, papai. _ Disse a Princesinha batendo palma.
_ Não pode fazer isso! _ Irritou-se a rainha.
_ Sou o rei e posso fazer o que quiser. E tenho dito! E palavra de rei não volta atrás.
  

  
Ítalo e a filha chegaram para o jantar.
_ Princesa Laura. _ Saudou a mocinha. _ Como está linda. Nem pude acreditar quando papai me disse. Vão mesmo se casar?
_ É claro que vamos.
_ Papai veio para fazer o pedido. Não acha que o rei ficará bravo?
_ De modo algum, Anita. _ Virando-se para André que se encontrava não muito longe, a Princesinha chamou. _ André, veja quem está aqui. Sua prima Anita. Por que não a leva para ver Nane e vejam se já estão todos prontos.
_ Anita. _ Disse o rapaz abraçando a prima. _ Como está? Faz tempo que não aparece. Vamos ver a vovó. _ Disse enquanto puxava Anita pela mão.
_ Vamos até o jardim dar um passeio, Ítalo?_ Convidou a Princesinha.
_ Vamos.
Caminharam um pouco calados até que Ítalo quebrou o silêncio.
_ Vejo que as coisas não deram muito certo. Se fosse o contrário, não teria tanto tempo em se livrar de Anita.
_ Não quis me livrar de Anita. Quis apenas um tempo a sós para conversarmos.
_ Não haverá mais casamento. Não é assim?
_ O casamento continua de pé. Apenas não me peça hoje.
_ Posso saber por quê?
_ Papai não dará a mão de sua filha a um plebeu.
_ Estava demorando. Eu sabia que não seria tão fácil assim. Se seu pai não dará a mão da filha a um plebeu, como nos casaremos?
_ Papai vai transformá-lo em um barão.
_ Um barão, eu? _ Ele soltou uma gargalhada. _ Você só pode estar brincando. O filho da babá e irmão do jardineiro agora vai ser um barão?
_ Isso mesmo. A partir dessa noite você será o Barão de Verdes Prados.
Ítalo soltou uma sonora gargalhada.
_ Você está brincando, não é?
_ Nunca falei tão sério em toda a minha vida.
_ Por que inventou isso, Laura? Não pode me aceitar como sou?
_ Não fui eu quem inventou isso. Foi papai. Mas não me opus.
_ Mas por que não se opôs? Barão de Verdes Prados? Isto é ridículo. Não vou aceitar uma coisa dessas.
_ Por que não vai, seu cabeça dura?
_ Não fale assim comigo, Laura.
_ Falo como quiser, sou uma princesa.
_ Já começou de novo?
_ Foi você quem começou. Por que não pode aceitar a vontade de papai? É apenas um título.
_ Todos vão rir às minhas custas.
_ Bem vindo ao clube.
Os olhos de Laura estavam marejados. Ítalo tocou em seu rosto. Ela já sofrera tanto. Por que estava brigando com ela agora?
_ Não chore, Laura.
_ Talvez você tenha razão. Por que ligar-se a alguém que serve de chacota para todo mundo? Ítalo, o Barão de Verdes Prados que se casou com a Princesinha da Torre. Compromisso desfeito. Pode partir, Ítalo.
_ Sabe que amo você, Laura. Não quero deixá-la. Apenas acho uma bobagem essa coisa de Barão de Verdes Prados.
_ Se acha uma bobagem, que diferença faz? Para papai é tão importante. Meus pais também sofreram muito por causa da torre, Ítalo. Se pudesse voltar no tempo, jamais teria entrado lá. Mas ao posso mudar o passado. Tudo que posso fazer agora é ser mais tolerante. Se papai faz questão de um título, o que tem? Não vai fazer mesmo diferença. Não pedi pra que você desistisse de sua família por mim, Ítalo. Não me peça para fazer o mesmo.
_ Tem razão, Laura. _ Disse  Ítalo enquanto a abraçava._ É apenas um título. Chega de intolerância. Quando pode se tornar a Baronesa de Prados Verdes?
_ Tão logo se apregoe por todos os cantos que você é um próspero barão. Não vai demorar muito, já que as notícias costumam correr por aqui.
_ Verdes Prados não é uma fazenda tão próspera assim.
_ O povo também costuma aumentar bastante.
Os dois riram.
_ Venha cá e me dê um beijo, futura baronesa.
_ Será um grande prazer. Mas agora que será um nobre lembre-se sempre de se manter longe das cozinheiras atiradas.
_ Só gosto das princesas atiradas.
_ Não vou te dar beijo nenhum.
_ Laura, não faça isso. É uma brincadeira.
Ele a abraçou e a beijou e sabia que a beijaria para sempre. Princesa, baronesa ou plebéia. Não importava. Laura era a mulher que amava.
_ Amo você, Ítalo. É uma pena que tenha demorado tanto tempo para enxergar isso. Se tudo isto tivesse acontecido há muitos anos, tanto sofrimento teria sido evitado. Perdemos tanto tempo.
_ Você mesma disse que não podemos mudar o passado. Além do mais, éramos muito jovens e dávamos valor demasiado para coisas tão pequenas que hoje já não fazem mais sentido. Não perdemos tempo algum, Laura. Ainda temos muito a viver juntos.
_ Tem razão, Ítalo. Não vamos mais pensar no passado. Agora vamos entrar. Papai me parece muito contente, mas mamãe ainda está contrariada.
_ Ela nunca encontrará um genro tão bonito quanto eu.
_ Não seja pretensioso, Ítalo.
_ Agora que serei um nobre posso ser sim.
_ Você nunca precisou de nobreza para ser um exibido.
_ Tem razão.
_ Diga para as cozinheiras que você agora tem dona.
_ Onde fui arranjar uma mulher tão ciumenta?
_ Ainda está em tempo de desistir.
_ Amo você, Princesinha._ Disse Ítalo enquanto a beijava mais uma vez.
_ Também te amo, Barão de Verdes Prados.

Eles entraram de mãos dadas e todos já estavam a espera. Ítalo se tornou o Barão de Verdes Prados e logo se casaram. E foram muito felizes. Eles tiveram um filho em quem botaram o nome de João. O menino herdou a beleza da mãe, a coragem do pai e a docilidade do tio.
A rainha, que não havia ficado muito feliz com a escolha da Princesinha tão logo pegou o bebê nos braços se apaixonou. E nunca mais largou o menino, nem mesmo se importou com a humilde origem de seu pai. A Princesinha finalmente estava feliz. Sua mãe também ficou feliz por ela.
O Barão de Verdes Prados foi um nobre próspero e feliz, junto com sua esposa querida. Mas seu filho não herdou seu título de barão, porque antes herdou o reinado de seu avô. E foi um rei próspero e respeitado. E eles foram felizes para sempre.


FIM
 
 
       
 

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