Anamara
Anamara
olhou no relógio. Melhor, não estava atrasada. Partia de novo para mais um dia
de trabalho. Escolheu uma roupa ao acaso. Olhou no espelho. Bem não estava, mal
também não.
Se fosse
pelo menos caixa. Podia ficar sentada. Mas sendo atendente de balcão. De pé o
dia inteiro, tinha que optar pelo conforto. Sapatos baixos era a pedida. Não
tinha pra onde correr. Ainda que saltos altos fossem muito melhores.
Acrescentavam-lhe alguns centímetros que a natureza encarregara-se de lhe subtrair. Tanto fazia. “É nos menores
frascos que estavam os melhores perfumes.” A avó não cansava de dizer. Ainda
que a avó fosse alta e esguia, mas Anamara puxara a família do pai. Pequena,
torneada, por pouco não seria “cheinha”, como costumavam dizer as tias, que há
muito já estavam bem mais que cheias.
O cabelo
era liso, negro, comprido. Era o que lhe dava maior graça. “Cabelo de neném”.
Como costumara dizer a antiga amiga de colégio, Marina.
Anamara não
gostava que lhe chamassem de neném. Era pequena, sim. Mas tinha garra. Ia vencer
na vida. Aceitara o emprego de
balconista. Mas era por pouco tempo. Logo se tornaria caixa e mais pra frente,
gerência! Quem sabe? Não nascera para ficar estagnada na vida.
Não gostava
do serviço de balconista. Não tinha paciência com os clientes. Ficava quieta,
não respondia. “O cliente sempre tem razão.” Dizia o chefe. Mas isto não era
coisa pra ela. Pensava em coisas maiores.
Era melhor
ir, se não quisesse chegar atrasada. O patrão não gostava de atrasos. Ela não
gostava de fazer coisas erradas. Caminhou pela rua. Mais um dia de
trabalho.
Ela
apressou o passo. Não que estivesse muito atrasada, mas havia somente um ônibus
no ponto. Não queria esperar. Detestava esperar.
“Já era. “
Pensou. O motorista já havia se sentado ao volante. Não correria. Era melhor
desistir. E se fosse ele? O rapaz bonito? Se fosse ele, talvez a esperasse. Era
melhor apressar o passo.
O ônibus
ainda não havia partido. Devia ser ele. De outro modo, já teria partido. Mas
então, o ônibus foi ligado. Era melhor correr. Ele não partia, mas ligava o
ônibus. Parecia que gostava de vê-la correr para alcançá-lo. Se tivesse alguma
consideração, não faria isso. Mas se esperava, era porque gostava que ela
viajasse com ele.
Chegou à
porta do ônibus. Sim era ele.
_ Posso
entrar?_ Perguntou Anamara.
Que
pergunta era aquela? Claro que podia! Se o ônibus estava de porta aberta era
porque podia entrar. Mas estava quase partindo. Tinha medo de entrar num ônibus
em movimento.
_ Bom dia.
_ Ela disse.
Fazia isso
com todos. Sempre que entrava em um ônibus, cumprimentava trocadores e
motoristas. A mãe lhe ensinara que era feio tratar com pessoas sem lhes
cumprimentar. Via pessoas entrarem nos ônibus, darem o dinheiro e receber o
troco sem ao menos olhar para o cobrador ou motorista. Anamara achava aquilo
muito triste. “Falta de civilidade”. Diria a avó.
_ Bom dia.
_ O moço bonito também respondeu.
Anamara
colocou o cartão no leitor. Ainda não se acostumara muito com aquilo. Tentou
passar e a roleta não cedeu. Que vergonha! Tinha que se enrolar logo perto
dele? Teria que pegar o dinheiro na bolsa.
_ Acho que
não passou, não, ném! _ Ele disse.
Ném.
Espantou-se Anamara. Ném era diminutivo de neném. Ela não era neném. Nunca
gostara de ser chamada assim. Era pequena, mas era forte e decidida. Mas ele
lhe chamara de ném. Ela, ném? Teve vontade de rir. Não combinava com ela.
Mas ele lhe
chamara de ném. E nunca ném lhe soara tão doce.
Sentou-se
perto da porta, como sempre fazia, e desta vez, sentar-se perto da porta era
sentar-se perto dele. Era bonito, sim. E a chamara de ném. Tratamento
carinhoso, ela bem sabia.
Chegou ao
trabalho mais feliz, de bem com a vida. Sorriu para as clientes mais
implicantes. Era assim. Ele tinha o dom de colorir sua vida. De deixá-la de bom
humor. Não se importava de ser ném, não pra ele. Ele a chamara de ném e ela não
se importara. Tudo bem, ele podia.
FIM
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