Os olhos de Anabel
CAPÍTULO I
_ Deseja
tomar um copo d’água?
_ Não sei.
_ Como não
sabe? _ Ele perguntou espantado. _ Deseja ou não?
_ Está bem. _ Ela disse indecisa. _
Mas só um pouco.
Ele arqueou
as sobrancelhas, como quem não entende nada.
_ Dois
dedos, então?_ Perguntou cinicamente.
_ Que seja.
Ela lhe deu
um sorriso amarelo.
_ Gelada ou
temperada?
_ Gelada.
_ Com cubos
de gelo?
_ Pode ser.
_ Quantos?
_ Que
importa?
_ Quantos?
_ Ele insistiu.
_ Apenas
um.
_ Está bem.
Ele foi até a cozinha e despejou a água num copo e colocou a pedrinha de gelo. Que garota
era aquela? Voltou até a sala e lhe estendeu o copo. Dois dedos apenas. Como
ela havia determinado.
Ela pegou a
água e começou a beber devagar. O suor ainda lhe escorria pela face. Caminhara
no sol e aí estava. E só queria dois dedos de água. Não conseguia entender.
Examinou-lhe
a figura esbelta. Era feia. Não tinha jeito. O cabelo era mal arrumado. As
roupas não lhe caíam bem. Era magra demais. Pouco mais que um menino. Faltara-lhe
graciosidade.
Ela pousou
sobre ele os olhos, mas desviou por perceber que ele a observava. Os olhos! Aí
estava. Era daí que vinha a atenção que ela lhe chamava. Eram verdes, da cor de
jade. Não só isso. Eram luminosos, como se tivessem vida própria. Destoavam de
todo o resto da figura de poucos encantos. Sobrancelhas perfeitas, cílios
longos. Olhos, sobrancelhas e cílios perfeitos, plantados numa figura que
desatinava.
_ Ela se
demora? _ Ela perguntou, desejando quebrar o silêncio que se instaurara entre
eles.
_ Não
tarda. _ Ele disse enquanto se sentava na poltrona à sua frente. _ Foi na casa
de nossa prima deixar um recado. É bem pertinho.
Ele a havia
esperado no ponto de ônibus. Ela se assustara ao vê-lo. Estava quente. Nunca
havia estado na casa da amiga antes. Iam fazer um trabalho de escola. A amiga
precisara deixar um recado na casa da prima e pedira que ele viesse esperá-la
em seu lugar. Ele havia explicado. Dizendo que a irmã não tardava a voltar.
Caminharam até a casa. Ele mancava.
_ O que aconteceu
com seu pé?_ Ela perguntou.
_ Machuquei
no jogo de futebol. _ Ele disse.
Mas ela já
sabia. A irmã dele já havia contado. Assim como uma amiga sua do segundo ano,
que ela conhecera no ônibus. Ela havia dito para a amiga que ele havia se
acidentado e a moça lhe mandara um beijo.
_ Estimo
melhoras. _ Ela havia dito. _ Também Marisa estima. Ela te mandou um beijo.
_ Como ela
sabe?
_ Eu disse.
Pronto.
Fora pega em flagrante. Ela já sabia que ele estava machucado e ainda tecia
comentários com outras garotas. Já era tão convencido. Precisa de mais? Por que
ela não ficara com a boca calada?
Por sorte
chegaram à casa. Ele mandou que ela entrasse. Oferecera a água e fora tão
insistente que ela teve que aceitar. Novo silêncio instaurou-se entre os dois.
Silêncio desconcertante.
Ele pegou
um jornal que estava na mesinha de centro e começou a folhear. Ela pode observá-lo
sem pressa. Era alto, forte, queixo quadrado. Uma mecha de cabelos escuros
caía-lhe sobre a testa. Os olhos eram negros como uma noite sem lua.
Ele
percebeu que ela o observava e olhou diretamente para ela. Ela desviou os olhos rapidamente.
Fora pega no pulo do gato. Ele havia percebido que ela o observava detidamente.
Passeou os
olhos sobre os quadros da parede. O que faria agora? Ele percebera que ela
estava com os olhos sobre ele. Olhou novamente e ele ainda olhava para ela.
Desviou os olhos de novo. O que ele devia estar pensando dela? Examinou os
quadros na parede mais uma vez. Era a única coisa que podia fazer. Um deles lhe
chamou a atenção.
_ É Monet?
_ Ela perguntou.
_ Como?
_ O quadro?
É Monet?
_ O que é
Monet?
Total
ignorância! Então ele não conhecia Monet?! Jogos de futebol e garotas. Este era
o seu universo. Todas as meninas do colégio se desmanchavam por ele, inclusive
ela.
_ Perguntei
se o quadro na parede era de Monet. É um pintor impressionista.
_ Não sei.
Foi mamãe quem comprou em uma loja no centro. Tinha desses aos montes.
_ É
compreensível. É um pintor famoso. Tem muitas reproduções.
_ Vale
muita grana?
_ O
original vale.
_ Quanto?
_ Não sei
estimar. Na verdade nem tenho certeza se é mesmo uma reprodução de Monet.
Ela se
levantou e caminhou até o quadro. Leu a assinatura. Era mesmo uma reprodução de
um quadro de Monet. Ela ganhara um livro sobre pinturas impressionistas quando fizera doze anos. Lera e relera tantas
vezes que ele já estava despencando. Tinha muitas reproduções coloridas.
_ É mesmo
um Monet. _ Ela disse. _ Tem uma assinatura dele aqui.
Ela apontou
com o dedo. Mas ele não olhava para o quadro. Olhava para ela.
_ Quer mais
água? _ Ele perguntou.
Não estava
interessado em pintaras. Não curtia aquelas coisas de meninas.
_ Não,
obrigada._ Disse enquanto se sentava novamente.
Realmente
era feia. Ele concluiu. De que adiantavam os belos olhos e o conjunto de cílios
e sobrancelhas que lhe conferiam um certo ar de mistério? Era feia e ponto.
Das amigas
da irmã, era a mais feia. Mas não sabia o que lhe chamava tanto a atenção. Eram
os olhos! Só podia ser, porque outro atributo não tinha. Helena, a irmã, era
bela. Ele sabia. A irmã era bela. Uma
versão sua em roupas e corpo de menina. Mas não dizia isso para a irmã. Era
exibida demais. Não queria que ela ficasse se achando. Além do mais, como todos
os irmãos, andavam sempre às turras.
As outras meninas, não tanto. Mas eram bem
bonitinhas. Não faziam feio. Uma delas era quase tão bonita quanto sua irmã.
Mas esta era feia. E por que lhe chamava tanto a atenção?
_ Amiga! _ Disse a irmã entrando em casa, com toda sua graciosidade. _ Então já chegou.
_ Pensei
que não vinha mais, Helena. De tanto que demorou.
Sentira-se
desconfortável com ele na sala. Não tinham sobre o que conversar. Todos aqueles
sorrisos que lhe bailavam nos lábios, quando estava na escola, com os amigos,
agora desapareceram. Ele era quieto, seco e com aquele olhar que parecia querer
ler seus pensamentos. Em que pensava ele? Será que ele sabia? Será que Helena
havia lhe dito alguma coisa? E onde estavam as outras meninas que não
apareciam?
_ E as
outras? Não vieram? _ Perguntou Helena.
_ Ainda não
apareceram. _ Respondeu Anabel.
_ Devem
chegar já, já. _ Concluiu Helena.
A irmã já
chegara. Não tinha mais razão dele ficar lhe fazendo sala. No entanto, algo o
prendia naquele lugar. Tinha uma atração por aquela garota feia e aquilo
o amofinava.
Era capitão
do time de futebol da escola. Era bonito e sabia. Todas as meninas se atiravam
para ele, inclusive ela. Não era bobo. Percebia no seu olhar que ela estava
interessada nele. Mas era tão feia e desengonçada. Não tinha o menor charme.
Helena já
chegara. Era melhor caçar o que fazer.
_ Vou pro
quarto fazer o exercício de matemática. _ Falou para irmã.
Acenou com
a cabeça para a garota e saiu da sala.
Chegou ao
quarto e pegou a mochila para fazer o exercício de matemática. Espalhou o
material sobre a cama. Não era difícil. Começou a fazer o exercício. Talvez
conseguisse parar de pensar nela.
Minutos se
passaram e não conseguia terminar a lição. O burburinho na sala, agora cheia,
entrava pelo quarto. Não que o irritasse. Pelo contrário. Puxava-o como um ímã.
Tinha curiosidade de saber quantas e quais delas vieram.
Como seriam
elas sem o uniforme? Será que estavam bonitas?
Levantou-se e foi buscar um copo d’água.
Estava com calor. Sua garganta estava seca.
Foi até a
cozinha. Não sem antes dar uma olhada no que estava acontecendo na sala. Elas
estavam debruçadas sobre uma folha de papel pardo. Gesticulavam e falavam sem
parar, como um doce bando de maritacas.
De repente
foi descoberto. Uma das amigas de Helena olhou diretamente em sua direção.
_ Olá. _
Ela disse. _ Pode nos dar uma ajuda?
Ele sorriu
sem jeito. Ficou sem graça de ter sido descoberto.
_ Venha até
aqui. _ Insistiu a garota._ Nós não mordemos ninguém.
Todas
riram, menos Anabel. Laís já estava começando a jogar sua teia. Sabia que a
amiga estava interessada nele. Também sabia que Laís tinha muito mais chance do que
ela.
Ele se
aproximou timidamente do grupo. Quem o visse assim, não imaginaria quanta
desenvoltura ele tinha na escola.
Ela pegou
uma folha de papel branco e escreveu uma frase em letra de forma. Depois
repetiu a mesma frase em letra cursiva.
_ Não
conseguimos nos decidir qual das duas letras usar. Qual você acha que ficaria
melhor?
Como se
elas precisassem de sua opinião. Sabia que as meninas entendiam muito mais
dessas coisas do que os meninos. Mas se pediam sua opinião, não ia desperdiçar
a oportunidade de estar com elas.
Pegou a
folha em branco e examinou com ar de quem entendia do assunto. Examinou a
letra. Linda! Redonda, feminina, como sua dona.
A garota
esperava por seu veredicto, com um ar atrevido. Era mais bonita que a outra. Se
não linda, pelo menos mais feminina. Corpo arredondado e cheio de curvas, pele
corada e boca bonita. A voz era melodiosa e agradável. Também, como a outra,
parecia estar interessada nele.
_ Esta. _
Disse ele apontando para a letra cursiva.
_ Não
disse, Anabel? _ Disse ela se voltando diretamente para a outra. _ E você
achando que a outra letra ficava melhor.
Ponto para
ela. Pensou Anabel. Ela tinha que ganhar sempre. Não importava o que. Ele
estava do lado dela. Percebera como ele olhara pra ela. Como quem avalia bem
uma propriedade antes de adquiri-la.
_ Letras de
forma são mais fáceis de ler e deixam o cartaz mais organizado. _ Disse Anabel
na defensiva.
Anabel.
Este era seu nome. Não tivera coragem de perguntar à irmã. Seria dar bandeira
demais. Pelo menos o nome era bonito. Anabel. Alguma coisa que combina com mel.
Talvez fosse uma menina doce e agradável. Não sabia explicar porque se sentia
tão atraído por ela.
_ Mas ele
disse que a outra fica mais bonita. _ Disse a dona da letra.
Parecia
haver algum tipo de disputa ali. Ele percebeu. A outra lançava um olhar
decidido para Anabel,que continuava acuada, como um leão que perde a presa.
_ Está bem.
_ Disse Anabel, dando-se por vencida. _ Pode começar a escrever.
Entregou
umas folhas amassadas que lhe serviram de rascunho à outra. Folhas essas que
Laís recebeu como um troféu. Saíra vencedora em seu embate com Anabel.
Ela vencera.
Pensou Anabel. Dera um jeito de trazê-lo à conversa e tripudiar sobre ela. Que
importava um tipo de letra ou outro? Ela só pensava em vencer.
Ele
continuava ali, examinando Laís da cabeça aos pés. Ela o conquistaria. Anabel
já sabia. Tudo o que queria, conseguia. Ela sempre repetia que querer é poder.
Tanto fazia. Podia ficar com ele. Um garoto como aquele nunca lhe daria
confiança mesmo.
Abriu o
livro e recomeçou o resumo.
Ele continuou mais alguns minutos na
sala. Fingia olhar com interesse o que elas faziam. Mas estava examinando todas
elas.
Sete, ao
todo, contando com Helena. Anabel, como agora sabia o nome, a moça da letra
linda, que agora escrevia muito feliz com um pincel atômico na folha de papel
pardo. Uma outra, a mais bonita, que não parecia lhe dar a mínima confiança.
Uma pequena, com sardas no nariz e duas outras, um pouco mais velhas, que
também não pareciam lhe dar muita atenção.
Ele se
despediu das moças e foi beber um copo d’água. Voltou para o quarto e terminou
a lição. Deitou-se de barriga para cima. Não tinha mais nada pra fazer. O
burburinho continuava. Como falavam aquelas garotas.
_ Fernando.
_ Chamou Helena da cozinha. _ Venha, que o lanche está pronto.
Ele chegou
até à sala de jantar, que era contígua à cozinha. As garotas já estavam
sentadas à mesa. As duas mais velhas ajudaram Helena na cozinha.
Eles
começaram o lanche. A conversa continuava. Laís era o nome da atrevidinha. A
mais bonita se chamava Aline. A pequena, não conseguiu descobrir o nome, pois
todas a chamavam, pelo sobrenome, Romão, tão masculino para uma garota tão
delicada.
As mais velhas se chamavam Suely e
Carmem. Pareciam estar anos luz deles. Eram muito adultas, apesar de não serem
muito mais velhas do que ele.
Uma delas
estava noiva e não parava de falar em enxoval e outras coisas relacionadas a
casamento.
Anabel era
divertida. Agora percebia. O que lhe faltava em atributos femininos,
sobrava-lhe em diversão e entretenimento. Tudo o que ela falava soava como uma
piada. Espirituosa, criativa, estabanada, tímida, exibida. Tudo ao mesmo tempo.
Gostou dela. Nunca poderia ser sua namorada. Era feia. Mas podia ser sua amiga.
Relaxou.
Podia ser amigo dela. Que tinha? Quem repararia? Era amigo de tanta gente. Quem
adivinharia que ele tinha um certo interesse por ela?
Poderiam
rir juntos, conversar. Estava tudo bem.
Gostou das
amigas de Helena. As mais velhas não o interessavam. Estavam praticamente em
outro plano.
Romão
também parecia encantada por ele. Mas era quase uma criança. Não valia à pena.
Laís tinha
um olhar sedutor. Com ela talvez pudesse rolar uma paquera ou quem sabe até um
namoro. Quem sabe? Namoro não. Se fosse rolar um namoro, a mais indicada seria
Aline. Era mais bonita e séria. O tipo de garota que serve para namorar. Também
conversou com ele. Não era nenhum bicho do mato. Mostrou-se até amigável.
Amigável apenas. Não demonstrava o interesse das outras três.
Mas Anabel
era o mal dos seus pecados. Interessava-lhe a garota. Mas tinha que ser a mais
feia de todas? E sendo a mais feia, por que lhe chamava tanto a atenção?
Imagine
andar de mãos dadas com ela no pátio da escola? Levá-la ao cinema? Apresentá-la
aos amigos? De jeito nenhum. Não pagaria este mico. Iriam rir dele. Amizade
bastava. Ninguém reparava.
O lanche
acabou e as meninas foram embora. O trabalho ficou bom. Laís tinha uma linda
letra. Helena o colocou em cima do guarda-roupa. No outro dia o levaria para
apresentá-lo ao professor.
CAPÍTULO II
Anabel chegou em casa. Era quase
noite. O trabalho demorara um pouco mais do que imaginara.
Fernando
conversara com ela. Fora tão atencioso. É certo que ficaram meio sem jeito
enquanto estiveram sozinhos. Não era amiga dele. Não tinham conversa para
fluir. Mas na hora do lanche, conversaram bastante. Nunca um rapaz tão bonito
lhe dispensara tanta atenção.
Os rapazes
bonitos da escola, conversam apenas com as meninas bonitas. Meninas do tipo de
Anabel não lhes atraíam a atenção.
Anabel
tinha acabado de se mudar. Isso acontecia sempre. Seu pai era militar e viviam
mudando de um lugar para outro, feito ciganos. Nem bem fazia amigos e tinha que
começar tudo de novo. Aquilo era insuportável para ela.Era estranho cair de
pára-quedas numa escola onde todos se conheciam. Ela não conhecia ninguém.
O primeiro
laço de amizade que travou foi com Laís. Sabia que seriam amigas para a vida
inteira. Mas Laís era sincera demais pro seu gosto. Muitas vezes a deixava em
saias justas. Mas tinha um bom coração. Mentira e falsidade eram palavras que
não existiam no dicionário da vida dela. Podia confiar na garota. Viviam aos trancos
e barrancos, mas não se largavam.
Com Helena
era mais fácil. Era mais maleável. Era irmã do garoto mais popular da escola,
mas não parecia rezar na cartilha deles. Ela podia ficar na turma mais badalada
do colégio. No entanto, preferia ter suas próprias amigas e Anabel estava entre
elas.
Logo
passaram a sentarem-se juntas. Eram como unha e carne. Amigas inseparáveis. Com
a grande vantagem de Helena ser irmã do garoto mais interessante da escola.
Lembrou-se
de um dia em que ele estava jogando vôlei no pátio da escola, na hora do
recreio. Anabel atravessou o pátio e bem nesta hora a bola caiu e os dois quase
se trombaram. Ele olhou diretamente em seus olhos e ela quase parou de
respirar.
Desviou-se
dele sem falar nada. Ele era irmão de sua amiga, mas não era seu amigo. Por que
ele tinha olhado dentro dos seus olhos? Será que ele sabia de alguma coisa?
Mas agora
era diferente. Eles haviam conversado. Eram amigos. Amigos? Não tanto. Mas
conversaram. Isto era fato.
Anabel foi
dormir e sonhou com ele. Fernando, o garoto perfeito do colégio.
No outro dia, acordou inspirada
para ir ao colégio. Nunca estivera tão feliz em acordar e ir à escola. Ele
estaria lá. Tão lindo.
Na hora do recreio, sentou-se nos
degraus do pátio com Romão e Helena. As meninas do segundo ano estavam jogando
vôlei. Marisa acenou para ela.
_ Você a conhece? _ Perguntou
Helena.
_ Ela pega o mesmo ônibus que eu,
algumas vezes.
_ É bonita. _ Disse Helena.
_ É amiga de seu irmão.
_ Quem nesta escola não é amigo
do Fernando? Acha que ela gosta dele?
_ Não sei dizer. _ Disse Anabel. Quem
naquela escola não gostava do irmão da amiga? _ Talvez tenha algum interesse. _
Completou.
_ Como
você. _ Disse Romão.
_ Sem essa,
Romão. _ Defendeu-se Anabel. _ Você é quem está interessada.
_ Não nego.
_ Sorriu a menina. _ Mas com você e Laís é diferente. Eu o acho o máximo. Mas
não estou apaixonada.
_ Nem eu! _
Disse Anabel.
_ Me engana
que eu gosto. _ Disse Romão. _ Você e a Laís estão caidinhas por ele.
_ O que
estão falando de mim, aí? _ perguntou Laís, enquanto sentava-se nos degraus. _
Alguém é servido?
Disse
estendendo o saco de pipocas e a garrafa de refrigerante.
As moças
agradeceram, mas não aceitaram.
_ Estamos
dizendo que você e a Anabel estão gostando do irmão da Helena.
_ Não estamos. _ Disse com veemência,
Anabel.
_ Estamos
sim. _ Disse Laís com sua habitual sinceridade.
Não havia
como desmentir. Todos estavam percebendo. Talvez até o próprio Fernando já o
soubesse.
_ Não conte
nada para ele, Helena. _ Implorou Anabel.
_ Não vou
contar. _ Disse a amiga. _ Meu irmão já é muito convencido. Não vou ficar
enchendo a bola dele.
_ Não acha
que ele já percebeu? _ Perguntou Romão.
_ Talvez. _
Disse Helena. _ Mas não vou ficar tocando no assunto.
Estava
salva. Pensou Anabel. Pelo jeito, Helena não contaria nada para o irmão. Menos
mal.
A conversa
girou sobre outras coisas. Até que Fernando se aproximou. O coração de Anabel
disparou. Ele nunca tinha se aproximado do grupinho delas antes.
_ Olá, meninas.
_ Disse sorrindo.
E se elas
contarem para ele? E se Romão abrisse o bocão? Era tão menina ainda.
Mas ninguém falou nada. Eles ficaram
conversando sobre amenidades. Riram, como qualquer grupo de adolescentes.
Em
determinado momento, no meio da conversa, Fernando segurou no braço de Anabel.
Foi como se uma descarga elétrica passasse por seu corpo. Mas ele estava
relaxado. Nada de mais parecia acontecer com ele. Talvez ela não lhe passasse a
mesma eletricidade que ele passava para ela.
Ela estava
enganada em todos os aspectos. Ele não lhe tocara ocasionalmente, como se tocam
os amigos. Ele esperou a oportunidade para que isso acontecesse. Queria saber
como era tocá-la. O que sentiria com o toque. Preparou-se para isso até que a
oportunidade lhe apareceu. No meio da conversa tocou-a e sentiu uma
eletricidade debaixo de sua pele, como um fio desencapado. Junto com isso,
sentiu um frio na boca do estômago. O que tinha aquela garota para mexer com
ele daquele jeito?
Não se deu
por vencido. Não deixou que nenhum músculo de sua face o traísse. Continuou com
a respiração normal. Não perdeu o fio da meada do que estava falando. Estava
preparado para aquela situação. Só não sabia que ela seria tão intensa.
Ainda bem
que o sinal bateu e eles voltaram para suas salas. Precisava sair de perto
daquela menina. Não era garota para ele. Não ele que poderia ficar com a menina
do colégio que quisesse.
Anabel
estava feliz. Ele tinha ficado com elas uma boa parte do recreio. Será que
agora eram amigos? Sua amizade já lhe bastava. Nunca alguém como ele lhe dera a
mínima confiança.
Era
estranho estar perto dele. Ele usava um perfume forte, que lhe entranhava nas
narinas, com uma marca que era só dele.
Anabel
cheirou o braço na parte em que ele tocara. O cheiro do perfume ficou
impregnado ali.
_ Olha que
cheiro! _ Mostrou para Laís.
_ O cheiro
dele! _ Disse Laís fechando os olhos.
_ Já está
assim? _ Espantou-se Suely.
_ Ele pegou
no meu braço quase sem querer.
_ Sei. _
Disse Suely com o ar de quem não acredita.
_ Uma vez
ele veio pegar uma régua com a Helena e eu emprestei a minha. Quando ela me
devolveu, veio com este cheiro. _ Disse Laís. _ Eu pensei: Que garoto cheiroso!
Todas
riram. Menos Anabel. Estava sem graça por Suely pegá-la em flagrante. E Laís
sempre tinha que vir com as delas. Se ele tinha pego em seu braço e nele
deixado o seu perfume, não importava, ela tinha conseguido algo primeiro.
_ Estão
perdidamente apaixonadas por ele, Suely. _ Disse Helena balançando a cabeça,
enquanto sorria placidamente.
A
professora chegou e a aula começou. A turma não parava de conversar e a aula
não parecia fluir. A professora estava visivelmente irritada. Tinha perdido a
paciência com os garotos. Algumas meninas também não cooperavam.
A
professora passou um sabão na turma. Todo mundo foi baixando a bola. A aula
parecia não render. A professora continuava irritada, mesmo com a turma quieta
e Anabel só conseguia pensar em Fernando. Era melhor prestar mais atenção,
antes que sobrasse para ela também.
CAPÍTULO III
As meninas
estavam no recreio. Suely chegou suspirando e deu um rodopio. Era engraçado.
Geralmente era bem contida e não gostava de se parecer criança como as outras.
_ Oras, o
que aconteceu? _ Perguntou Helena espantada.
_ Hoje vou ver o meu amor. E
quero estar tão linda,tão linda, que dentre as outras moças, ele veja que sou a
mais bela.
_ Falsa modéstia é bobagem. _ Riu
Aline.
_ Mas vocês não se vêem quase
todo dia? _ Perguntou Laís.
_ Mas hoje é diferente. _
Explicou Suely. _ Vamos a uma festa. E com a desculpa de que é festa, quero me
esmerar na arrumação, que não vai ser para nenhum outro, que não seja ele. Já
escolhi com cuidado a roupa, o sapato. Quero que tudo saia perfeito. A
maquiagem, o cabelo, as unhas. Quero estar bem linda. Só para o meu amor.
_ O amor é lindo! _ Suspirou
Romão enleada.
_ Então
sorrirei para ele. _ Continuou Suely. _ O mais doce dos meus sorrisos e ele
sorrirá de volta. Por que também me ama.
Ele também
a amava! Como se pode ter certeza disso? Pensou Anabel. Na certa já devia ter
lhe dito mil vezes. Como devia ser bom ser amada por quem se ama e ter a
certeza disso.
_O meu amor é o mais belo de
todos os rapazes que eu conheço. _ Suely continuava. Parecia que tinha
conhecido o noivo no dia anterior. _ É
tão lindo. Tudo lhe cai tão bem.
Lindo?! Anabel não achava. Não
que o noivo da amiga fosse feio. Já o tinha visto algumas vezes. O Mauro até
que era um rapaz bonitinho. Mas Lindo?! O mais dentre todos?! Se ainda fosse o
Fernando.
O que Anabel não sabia é que
quando se ama, não tem concorrência pra ninguém. O Mauro é o mais lindo para
Suely, assim como o Fernando era o mais lindo para Anabel.
_ Me perco
no seu olhar._ Suely estava com os olhos postos no céu azul daquela doce manhã.
_ Que é de amor e de admiração. Quando ele pega em minhas mãos, sinto como se o
mundo parasse e nada mais existisse em volta. Nada mais que o nosso amor.
_ Gente,
como ela está melosa. _ Disse Aline.
_ Não
conheço ninguém tão lindo quanto o meu amor, meninas._ Disse Suely. _ O seu
nome é música para os meus ouvidos. Hoje
vou estar com ele. E já penso nisso pela manhã. E vou continuar de tarde, até
que chegue a noite. Então eu o verei. Suspiro de amor, porque amar é a coisa
mais linda deste mundo.
_ Chega de
tanto mel. _ Riu Carmem.
_ É chega!
_ As outras concordaram.
Só Anabel
não disse nada. Estava tão espantada com aquilo tudo. Não sabia que Suely
sentia tudo aquilo pelo noivo. Sempre parecera tão serena. Achava que
sentimentos como aquele fosse coisa de gente mais nova, como Laís e ela. Ou
pelo menos que tal sentimento se extinguia logo que se conseguisse obter o amor
do ser amado. Que tão logo, descoberto e desmascarado, o amor se tornava pouco
mais do que uma profunda amizade, com direito a beijo na boca, é claro!
Mas parecia
que estava errada. Suely parecia ainda apaixonada. Tanto ou mais do que ela.
Parecia imersa em seus pensamentos. A
conversa há muito já mudara de rumo.
_ Que marca
é esta? _ Perguntou Romão para Helena, apontando para sua canela.
_ Foi um
tombão que eu levei. _ Explicou a outra. _ O meu irmão teve até que me carregar
no colo, de tanta dor que eu senti.
Ele tinha
força para carregá-la? Espantou-se Anabel. Nunca vira um menino levantar uma
garota nos braços. Aquilo parecia coisa de filme.
_ A marca é
muito feia? _ Preocupou-se Helena.
_ Que nada.
_ Falou Suely, com ares de perita em medicina. _ É apenas um arranhão. Nem sei
por que seu irmão teve que te carregar no colo.
Anabel
pensou em Fernando a carregando. Devia ser legal. Como naqueles filmes
românticos que passam à tarde. Mas Anabel sabia que aquilo não era coisa para
ela. Fernando nunca a carregaria nos braços. Ela não era o tipo de mocinha de
filme meloso da TV.
CAPÍTULO IV
A cada dia que passava, Anabel
estava mais apaixonada por Fernando. Eles agora se falavam, mas na hora do
recreio, ele continuava com a turma dele. A turma dos lindos e poderosos. É
certo que nem todos eram lindos, mas alguns deles sentiam-se como se fossem e
faziam de tudo para estar naquela turma. Quem eram eles para se acharem tanto?
Um bando de súditos de sua alteza. O que mais amofinava Anabel era aquele bando
de meninas que ficavam à volta de Fernando.
Anabel
olhou para o quadro mais uma vez. A folha de papel pardo estava fixada e o
dever era para ser copiado. Mas ela não conseguia concentrar-se no que estava
copiando.
Estava com
tanta fome. Queria que o sinal batesse logo. Iria correndo para a fila da
cantina. Não estava animada com o dever. Fazia tudo como um autômato, sem
interesse algum. Distraíra-se com um trabalho fixado no mural do pátio e não
ouvira o sinal bater. Recebera uma reprimenda da inspetora bem na frente de
todos. Que vergonha! Estava irritada. Não gostava de passar por aquele tipo de
situação. Ela azedara o seu dia. Estragara tudo. Gostava de tudo tão certinho,
que se sentia muito mal quando passava por relapsa.
Seu
estômago dava voltas e a hora não passava. Pouco antes do sinal bater, Laís
veio com a bomba.
_ Disse
para o Fernando que eu e você gostamos dele.
_ O que
você disse?! _ Perguntou Anabel assustada.
_ Isso
mesmo que você ouviu. Não gosto de mentiras.
_ Que
mentira? Você até podia ter falado pra ele que você gostava dele, mas não devia
ter me colocado no rolo. Você não tinha este direito.
_ Agora
está feito.
_ Quando
foi isso?
_ Ontem, na
hora da saída.
_ Não sei
por que você fez isso comigo.
Estava
amofinada. Agora ele sabia de tudo. Por que Laís fizera uma coisa daquelas?
_ Agora é
tarde. Já falei e está falado. Não me arrependo de nada do que fiz, apenas do
que não fiz.
_ O que ele
disse?
Apesar de
envergonhada, Anabel estava curiosa para saber da reação dele.
Laís deu um
suspiro, como se o que acabara de fazer fosse uma coisa muito legal. Era
preciso muita coragem para fazer uma coisa daquelas.
_ Eu falei
tudo pra ele. _ Ela disse sorrindo. _ Mas depois me deu uma vergonha.
_ Não era
pra menos.
_ Aí eu
baixei a cabeça. Então ele segurou no meu queixo para levantá-lo. Então eu
ergui a minha cabeça e o encarei. Não sou do tipo que faz ceninha de garota
envergonhada.
O céu
fechara de vez para Anabel. Mais essa! Laís tinha o conquistado de vez. Por que
ele tentara segurar o seu queixo? Por que queria que ela olhasse para ele?
Estava interessado nela. Era claro como água.
Juntou o
material sem falar mais nada com Laís, que naquele momento tinha um sorriso
zombeteiro no rosto. Que fome insuportável! Queria sair correndo dali e não ver
Fernando e Laís nunca mais. Perdera mais esta. Sobrara outra vez.
O sinal
bateu, finalmente. Foi ao banheiro primeiro. Queria ficar sozinha. Não
suportava o fato do Fernando ter sabido que ela gostava dele.
Se Fernando
escolhesse Laís sem saber que ela também gostava dele, tudo bem. Mas sabendo,
fazia uma escolha entre as duas. Então ficava com vergonha, porque tinha sido
preterida, em relação à outra.
A fila estava enorme, como sempre. Pegou o
lanche e foi se sentar debaixo de um a árvore no pátio. Não queria ficar com
ninguém. Seu dia não estava sendo um dos melhores. Comeu de olhos baixos,
pensando na vida.
De repente
levantou os olhos e viu que ele estava encostado em um carro, bem na sua frente
e olhava para ela. Ele não estava sozinho. Estava abraçado com duas garotas.
Uma de cada lado.
Então ele
piscou para ela. Ele piscou para ela? Não podia acreditar! Baixou rapidamente
os olhos. Estava morta de vergonha.
Fernando
sorriu. Ela havia baixado os olhos. Que bonitinho! Gostara de saber que ela
gostava dele. Era claro que não precisava nem dizer. Estava estampado na cara e
nos gestos dela.
Quando Laís
disse que gostava dele, ficou meio sem jeito. Era bom saber que uma menina
gostava dele. Mas o que ela queria com aquilo? Ele teria que tomar uma decisão?
Mas quando Laís falou que Anabel também gostava dele, tudo ficara mais fácil.
Se duas
amigas gostavam de um mesmo garoto, não se podia decidir por nenhuma delas,
porque uma haveria de ficar ferida.
Gostou de
saber que Laís gostava dele. Sentia-se feliz com isso. Mas também gostou, e
muito, de saber que Anabel gostava dele.
Foi para
casa sentindo-se meio aéreo. Estava feliz. Duas meninas gostavam dele e uma
delas era Anabel. Isto era o máximo!
No outro
dia, estava doido para ver Anabel. Já tinha visto a reação de Laís. Queria ver
a de Anabel. Como ela se comportaria? Não a viu na hora da entrada. Na hora do
recreio saiu como uma bala. Queria saber como ela reagiria. Mas não daria o
braço a torcer. Não queria que ela alimentasse esperanças. Ela não era do tipo
de garota que um garoto como ele apresentaria para os amigos. Era feia. Os
manos iriam cair em sua pele.
Márcia e
Simone, suas colegas de classe estavam por perto. Puxou um assunto qualquer e
saiu com uma de cada lado. Demorou um tempo para que a avistasse debaixo de uma
árvore. Estava lanchando sozinha. Isto não era nada comum. Sempre andava com as
amigas. Estava absorta e olhava para baixo.
Ele levou
as meninas, sem que elas percebessem, para perto de Anabel. Eles se encostaram
em um carro estacionado, bem de frente para ela. Márcia e Simone pareciam não
perceber nada e não paravam de tagarelar. Mas ele não ouvia nada. Só pensava em
Anabel e que ela gostava dele.
De repente
ela levantou os olhos. Que olhos! Eram os olhos de Anabel. Não resistiu e
piscou para ela.
Ela não
falou nada. Baixou os olhos rapidamente e terminou logo o lanche. Em
pouquíssimo tempo saiu dali. O que estava acontecendo? Será que Laís havia
mentido?
Anabel
correu para o banheiro. Piscou para ela porque sabia de tudo. E aquelas
garotas? Sabia que ela gostava dele e agora queria tripudiar sobre ela. Estava
frita.
O sinal bateu e Anabel voltou
para sala. Tinha um teste para fazer amanhã e todas essas coisas haviam
acontecido naquele dia.
_ Que tal
estudarmos juntas para o teste de geografia? _ Perguntou Laís.
_ Ótima
idéia!_ Concordou Aline.
_ Pode ser
na minha casa. _ Disse Helena.
_ Legal! _
Disse Laís já antevendo a oportunidade de ver Fernando.
_ Vai
querer, Romão?_ Peguntou Aline.
_ Tô
dentro! Não estou entendendo nada desta matéria.
_ E você,
Anabel? _ Perguntou Helena.
Não sabia
se deveria ir. Fernando estaria lá. Não conseguia estudar com gente falando o
tempo todo.
_ Não sei.
A resposta
era indecisa. Ao mesmo tempo em que temia desperdiçar uma tarde de estudo
sozinha, o que lhe seria muito mais proveitoso, também pensava em ver Fernando
por um pouco mais de tempo.
_ Vamos,
Anabel. _ Insistiu Romão._ O Fernando vai estar lá.
_ Esta é a
ideia. _ Disse Laís cinicamente. _ A Anabel está a cada dia mais caída por ele.
_ E você
não? _ Perguntou Anabel já irritada. Não a perdoara por ter contado para ele.
_ Mas não
minto.
_ Nem eu
sou mentirosa. Só não sei se será uma boa idéia.
_ Até
parece. _ Disse Aline com um sorriso cínico.
_ Até
parece o quê? _ perguntou Anabel.
_ Que você
não está doidinha pra ir também.
_ Não quero
ir. É verdade.
_ Sei. _ A
outra não parecia mesmo acreditar.
Anabel
estava ressentida. E acabou perdendo, como quase sempre acontecia quando
entrava num embate com qualquer uma delas. Até mesmo Romão, que era quase uma
criança. Era fraca nas argumentações, quando se tratava de ferir alguém com
palavras. Faltava-lhe traquejo para entrar numa batalha verbal e sair
vencedora. Cedia sempre.
_ Deixe de
bobagens, Anabel. _ Disse Carmem. _ Você vai e pronto! Todas nós vamos. Suely
também.
Estava
acabado. Quando Carmem decretava algo, estava decidido. As outras seguiam sem
pestanejar.
CAPÍTULO V
Fernando
olhou o grupo de soslaio. O que aconteceu? Todas estavam ali, menos Anabel. Da
primeira vez que estivera ali, fora a primeira a chegar. Será que não viria?
Elas não se
concentravam no estudo. Jogavam mais conversa fora do que tomavam a lição umas
das outras.
Onde
estaria Anabel, que não aparecia? O grupo não era o mesmo sem ela. Era duro
admitir, mas sentia sua falta.
Ficou muito
impaciente porque ela não chagava. Acabrunhado, irritado. Por que não vinha?
Será que tinha desistido? Por que se importava tanto? Por que essa obsessão?
Por que tudo tinha que mudar? Não podia . Não devia. Não era correto. Por que
pensar nela? Não era direito. Não podia corresponder às suas expectativas. Por
que não deixá-la em paz, como era o correto? Não podia fazê-la sofrer. Seria
uma malfade de sua parte. Mas uma corrente magnética estava o arrastando para
ela, dia após dia. Sentia isso. Por que ela tinha que aparecer em sua vida?
Estava tudo tão bem sem ela. Sabia que aquela história não tinha como acabar
bem.
Ela chegou
depois das outras. Só então respirou tranqüilo. Estava ali. Não tinha esperado
em vão.
_ Veio para
o lanche. _ Disparou Aline.
Todos
riram, inclusive ele. Mas Anabel não pareceu achar muita graça.
Abriu o
livro e começou a estudar. O papo continuava. As duas mais velhas, de vez em
quando até que tentavam manter o foco. Mas elas mesmas caíam na tentação de uma
boa fofoca.
Só Anabel
parecia séria. Não estava com o bom humor costumeiro. Enfiara a cara no livro e
não parecia querer conversa. Será que se aborrecera com Aline?
Como Anabel
já sabia, não conseguiu se concentrar nos estudos. As meninas tagarelavam sem
parar e Fernando estava lá. Jogando charme para todas, como sempre fazia.
Sua cabeça
começava a doer. Por que não ficara em casa? Teria lucrado muito mais.
Ele notou
que ela estava de mau humor naquele dia. Não estava risonha e falante. Estava
séria. Resolveu se aproximar dela.
_ O que
você tem?_ Ele perguntou.
Ela se
assustou com a proximidade. Olhou dentro dos olhos dele. Como ele era lindo!
_ Nada. _
Respondeu finalmente.
_ Como
nada? Você está diferente.
_ Apenas
com um pouco de dor de cabeça.
_ Quer um
analgésico?
_ Não
precisa. Vai passar logo. É apenas uma preocupação com o teste de amanhã.
Era claro
que estava preocupada com o teste. Mas também estava preocupada com o fato de
Laís ter batido com a língua nos dentes. Estava morrendo de vergonha dele.
_ Precisa
relaxar. _ Ele disse com um sorriso. _ Vamos bater um sério?
_ O que é
bater um sério?
_ Não
acredito que você não conhece! É uma brincadeira. A gente fica olhando sério um
para a cara do outro. Quem rir primeiro, perde.
Ela riu.
Parecia brincadeira de criança. Tudo bem. Poderia tentar.
_ Ok. _ Ela
disse. _ Pode começar.
Ficaram
olhando um para a cara do outro, sérios.
Fernando
começou a analisar o rosto de Anabel. Não era bonita, com certeza. Mas se
perdia naqueles olhos.
Ainda estavam imóveis, olhando um
nos olhos do outro, até que seus olhos pousaram em sua boca. Como seria
beijá-la?
Anabel percebeu que ele estava
olhando para sua boca. Lembrou-se do dia em que Laís gabara-se de que Fernando
estava conversando com ela e que então seus olhos foram direto para sua boca.
Anabel morrera de ciúmes e agora estava ali, na mesma situação.
Nenhum dos dois ria e a situação
começara a ficar desconfortável.
_ Ei, vocês dois! _ Chamou
Carmem. _ O que é isso? Um papo pré-beijo?
O rosto de Anabel ficou em
chamas. De repente todas pararam com o que estavam fazendo, para observar os
dois. Laís fuzilou Anabel com o olhar. As outras tinham um sorriso zombeteiro
nos olhos.
_ O garoto está quase beijando a
boca da menina! _ Continuou Carmem.
Anabel estava morta de vergonha.
Carmem parecia ter a sutileza de um elefante.
Ele se levantou rapidamente.
Parecia um menino, pego bem na hora em que ia fazer uma traquinagem. Sorriu sem
jeito e saiu da sala.
Anabel
ficou sem jeito. Mas gostou de ter batido um sério com ele.
Estava
envergonhado. Tivera mesmo vontade de beijá-la.
CAPÍTULO VI
_ Vai à
festa da Paulinha? _ Perguntou Helena a Fernando.
_ Não sei.
Acho que não.
_ Vai. Vai
ser legal. O André está a fim da Aline.
_ Mesmo?
_ Está
quase definido. Esta festa promete. _ A irmã riu._ Vai estar cheia de gatinhos.
Estou pensando em levar a Anabel.
_ Que
Anabel?
Perguntou
espantado. Como se existissem duas. Não queria que Helena arranjasse ninguém
para Anabel. Ficou meio sem jeito.
_ Já pensou
em apresentar pro Naldo? _ Quis disfarçar. Não queria que a irmã percebesse que
ele estava com ciúmes. Nem cabia bem um negócio daqueles.
_ Sei lá.
Pode ser o Tom também.
_ É. O Tom
é um cara legal.
Mudou de
assunto. Aquela conversa não estava agradando.
De todo
jeito. Resolveu comparecer à festa. Queria ver aquilo de perto.
A Aline e o
André trocaram uns beijinhos. Era pena que a garota mais bonita do grupo da
irmã quisesse ficar com seu amigo. Tanto fazia. Naquele momento era Anabel que
estava o preocupando. Ela apareceu também. Laís e as outras meninas não foram.
Já tinham combinado outra parada antes.
Para sua
alegria. Nem o Tom nem o Naldo deram as caras.
_ Vamos
entrar, Anabel? _ Ele perguntou.
_ Vamos. _
Ela respondeu com presteza.
Achou que
talvez ela não quisesse ficar por que as outras meninas não tinham vindo.
Helena
apresentou Anabel para algumas amigas e uns outros carinhas. Mas não pareceu
dar em nada. Ela acabou ficando sozinha. Achou que devia ficar perto dela.
Afinal, era seu conhecido. Mas ficou com vergonha. E se pensassem que ele
estava querendo alguma coisa com ela? Seria o fim de sua reputação.
A festa
estava mesmo caída. Ele e Helena acabaram voltando cedo. Anabel e Aline foram
juntas. Despediu-se dela com uma sensação de dívida. Podia ter dado mais
atenção para ela. Todo mundo ia achar normal.
No outro di, não a viu na hora da entrada. Que
pena. E se ela faltasse naquele dia? Ficou esperando ansioso pelo recreio. Mas
Anabel não estava junto das outras meninas. Ficou de mau humor. O que tinha
demais aquela garota para o deixar assim?
Já tinha
perdido as esperanças, quando a viu junto de Helena na hora da saída.
_ Vamos dar
um pulo na lanchonete pra tomar um suco. _ Disse Helena. _ Quer vir também?
_ Ok. _
Concordou displicentemente. Não queria dar bandeira.
Anabel e
Laís sorriram para ele.
Se Anabel
tinha achado que ele não lhe dera atenção na festa, tinha perdoado. Que bom.
Não queria que ela ficasse com raiva dele.
Eles foram
caminhando. Alguns colegas seus se juntaram ao grupo. Deixou que as meninas
caminhassem na frente. Não queria ficar correndo atrás delas.
Quando
chegou. Elas já estavam sentadas. Caminhou para o balcão para fazer o pedido.
Quando olhou para o grupo, viu que ela estava olhando para ele. Sorriu para
Anabel e ela sorriu de volta.
Acabou
sentando em grupo separado. Os colegas acabaram indo embora. Algumas meninas do
grupo de Helena também já haviam ido. Sentou-se na mesa delas e acabou puxando
papo com Anabel. Precisa se redimir do que fizera com ela na festa.
Ele perguntava
coisas que ela prontamente respondia. Tinha desejo de saber mais coisas sobre
ela.
O grupo se dissipou e ele e Helena também
foram para casa.
Quando
estavam sozinhos, a irmã disparou.
_ Não sei
pra que levar a Anabel pra arranjar namorado em festa. Tem gente pra ficar com
ela lá na escola mesmo.
Ficou
amofinado e nem teve o que responder. Entendeu a indireta. Na verdade, direta.
Não sabia que as pessoas já estavam percebendo. Achava que era tudo muito
natural. Não sabia que seus sentimentos estavam à mostra. Se alguém soubesse
que estava interessado nela, sua reputação estaria arruinada.
E se Helena
começasse a espalhar? E se tudo chegasse aos ouvidos de seus amigos? Anabel sua
namorada? Aquilo estava fora de cogitação. Não poderia mesmo. Nenhum de seus
amigos jamais teria imaginado uma coisa daquelas. Era o capitão do time de
futebol. Era veterano e estava cercado de garotas. Não podia ser namorado dela.
Não mesmo. Precisava se afastar dela, antes que fosse tarde. Mas será que teria
forças?
_ Deixe de
bobagens, Helena._ Cortou a irmã. _ Sabe que com a Anabel não rola.
_ Sei. –
Disse a irmã ironicamente. Mas ela não tocou mais no assunto e ele achou melhor
que aquilo morresse ali mesmo.
CAPÍTULO VII
O trabalho
não parecia render e ninguém parecia estar querendo fazer nada. Só conversa e
mais conversa.
Carmem e
Suely estavam bufando. Às vezes se perguntavam o que estavam fazendo naquele
grupo de meninas tão desmioladas. Só pensavam em meninos e nada mais.
Laís e Anabel
estavam como duas abelhas em volta de uma mesma flor. Fernando estava
manipulando as duas. Como elas não percebiam? Ora dava atenção para Anabel, ora
para Laís. E vez por outra voltava também sua atenção para Aline. Mas esta não
parecia querer entrar no páreo. Romão até tentava jogar sua rede, mas não
recebia nenhuma atenção do rapaz. Ela era muito jovem.
Está
moscando. Pensou Carmem.Em um ou
dois anos desabrochava. E ficaria melhor do que qualquer uma delas. Melhor que
Aline, talvez não. Mas com certeza melhor do que Laís e principalmente Anabel.
Não sabia o que Anabel fazia para despertar a atenção do garoto mais cobiçado
da escola. Ele era capitão do time de futebol. E estava lá, se desmanchando em
atenções com ela. Não conseguia entender o que se passava na cabeça dos
garotos. Mas o que estava fazendo não era certo. O que ele queria? Montar um
harém? As meninas eram muito jovens para perceber esse tipo de coisa. Alguns
rapazes pareciam que eram movidos por olhares melosos de meninas. Se era isso que
Fernando queria. Ali tinha de sobra.
_ Viu o
jogo de futebol hoje? _ Ele perguntou para Anabel.
_ Não.
Estava estudando.
Ele sabia
que ela não assistira ao jogo. Sentira sua falta.
Ela riu.
_ Do que
você está rindo? _ Ele perguntou, sorrindo também.
_ De nada.
_ Ninguém
ri de nada.
Ri sim.
Eles eram muito jovens para saber que os enamorados riem de nada. Anabel estava
enamorada de Fernando, todo mundo sabia. Fernando estava enamorado de Anabel,
mas não sabia ou não queria saber.
De repente
ele a pegou no colo. Ela se assustou. Parecia coisa de filme. Lembrou-se do dia
em que Helena falou que Fernando a pegara no colo. Imaginou que o mesmo poderia
acontecer com ela. Estava acontecendo agora. Mas estava tensa. As meninas
olhavam espantadas. Ficou com vergonha.
_ Me coloca
no chão, Fernando. _ Ela falou. _ Você vai me deixar cair.
_ Tá toda
dura. _ Helena riu.
E estava
mesmo. Morria de vergonha.
_ Me coloca
no chão, Fernando!
Fernando
atendeu ao seu pedido e a colocou no chão. Mas pegou o seu pé e ficou passando
uma pena na sola.
_ Pare com
isso, garoto. _ Falou Anabel.
_ Já para o
seu quarto, garoto. _ Disse Carmem. _ Se continuar aqui, ninguém faz nenhum
trabalho hoje.
Ele saiu
rindo, mas não foi para o quarto. Foi para a varanda. Não sabia por que, mas
tivera uma vontade irresistível de pegá-la no colo. Era esguia, menos pesada
que Helena. E muito mais interessante que a irmã. Pelo menos para ele. Qualquer
amigo seu diria que estava ficando doido se fizesse uma comparação dessas e
Helena saísse perdendo.
Anabel
estava nas nuvens. Ele a pegara no colo, como fazem os galãs com as estrelas de
cinema, nos filmes românticos. Anabel se sentia muito feliz.
Suely e
Carmem colocaram ordem na bagunça e elas finalmente pareceram produzir alguma
coisa.
Estava na hora de ir embora. As
meninas já estavam no portão. Anabel correu. Fernando ainda estava sentado na
varanda.
_ Tchau. _
Ela disse para ele.
Ele sorriu.
Quando ela
passou, ele segurou a sua mão.
_ Solta. _
Disse Anabel.
Mas a
vontade que tinha era que ele não largasse.
Laís a
fuzilou do portão. De onde estava, só dava para ver as pernas de Fernando e as
mãos que não largavam a de Anabel.
Fernando
percebeu que Anabel estava preocupada com as amigas. Então resolveu lhe pregar
uma peça.
Balançou as
pernas e gritou para que as meninas escutassem:
_ Me solta,
Anabel. Me solta.
Mas era ele
quem não largava Anabel.
_ É mentira
dele. _ Ela gritou para as meninas.
Carmem riu
com gosto. Sabia que era uma brincadeira. Mas Laís não achava a mínima graça.
Continuou olhando Anabel com a cara amarrada.
Que
importava? Anabel estava feliz. Muito feliz. Imaginou como seria bom se aquilo
não fosse uma brincadeira. Que ele quisesse a beijar de verdade.
E ele
queria mesmo. Tinha vontade de puxá-la pra si e beijá-la. Mas não tinha
coragem. Anabel acabava com suas defesas. Tinha medo de se entregar.
Como seria
beijá-la? Já beijara tantas outras garotas antes. Era apenas mais uma. E estava
ali, na sua frente. Pronta para ser beijada. Por que não tinha coragem?
Ela puxava
a mão, mas ele sabia que ela não queria partir. Se beijasse Anabel, teria que
se decidir por ela. E como Laís ficaria? Eram amigas.
Sua mão se afrouxou e Anabel
libertou-se. Ela foi embora. Tremia, mas estava feliz.
_ Anabel. _ Riu Carmem. _ O que
você estava fazendo com o Fernando?
_ Nada. _ Disse a garota enleada.
_ Era brincadeira dele.
_ Quem não viu? _ Alfinetou Laís.
Estava irritada. Se Anabel
estivesse no lugar dela, também estaria. Era melhor não ficar colocando lenha
na fogueira.
Todos os progressos de Laís com
Fernando, eram contados para Anabel, nos mínimos detalhes. Mas quando era a vez
da outra, a coisa mudava de figura. Que importava? Ainda sentia a pressão das
mãos de Fernando nas suas. Seria tão bom se ele sentisse por ela o mesmo que
ela sentia por ele.
Mas os sentimentos de Fernando
eram confusos. Enquanto Anabel espalhava aos
quatro ventos, ele ficava na dele. Não queria que ninguém soubesse. Era
uma coisa só dele.
CAPÍTULO VIII
Elas estavam na sala de aula. Laís
trouxera novamente o caderno de perguntas, o mesmo que respondera logo no
início do ano. Anabel folheou o caderno. Algumas outras meninas tinham
respondido o caderno. Anabel reconheceu o seu nome. Virou a folha. A próxima
pergunta era sobre a idade. Ela tinha respondido a lápis. Sua idade fora
alterada com a caligrafia de Laís.
_ Por que você mudou a minha
idade? _ Perguntou Anabel, um pouco desconfortável com a intromissão.
_ Por que você não tem mais
quinze anos, tem dezesseis e eu não gosto de mentiras no meu caderno.
_ Mal eu não menti. Tinha quinze
anos quando respondi.
Laís balançou os ombros, não se
importando muito com a opinião de Anabel.
Anabel continuou examinando o
caderno. O que mais Laís havia alterado? A próxima pergunta era: “Você gosta de
algum menino?” . “Sim.” Era a resposta, com a letra de Anabel. Virou a outra
folha. “Qual é o nome dele?” . “Renan.” Fora a resposta de Anabel. Mas ao lado
do nome Renan, Laís tinha acrescentado o “ou Fernando”.
Aquilo soou mal para Anabel. Era
como se gostasse de dois meninos e tanto fazia um como outro. Mas qualquer um
que olhasse aquele caderno, veria que a letra não era de Anabel. Laís não tinha
o direito de fazer aquilo. Nem sempre a relação das duas era fácil, Laís muitas
vezes falava coisas que feriam Anabel. Com Helena costumava ser mais fácil. Mas
em outras vezes era tão amiga, com uma generosidade bem maior que a da própria
Anabel.
Continuou folheando o caderno. A
próxima pergunta era: “Quantos anos ele tem?” . “Vinte e dois.” Respondera
Anabel. E não havia mais nenhuma intromissão de Laís. Esta era a idade de Renan
na época, Fernando ainda tinha dezessete. Vinte e dois anos, como Renan era
velho. Só agora percebia. Mas que diferença fazia? Ele nunca falara com ela.
Nem mesmo sabia de sua existência.
Lembrou-se do dia em que ele lhe
cumprimentara com um aceno de cabeça. Talvez este tenha sido o único dia em que
não lhe parecera invisível. Achou que não ia suportar nunca mais vê-lo, quando
saíram de Juiz de Fora para voltarem pro Rio.
_ Não quero voltar, papai. Tenho
os meus amigos aqui.
_ Lá é o nosso lugar, Anabel. O
nosso porto seguro. Não quer ficar perto de sua avó? Dos seus primos?
Tinha saudade dos primos. Da avó.
Mas passava tanto tempo fora que não sabia que tinha um porto seguro. Na verdade
achava que era um barquinho com uma pequenina vela, que era levado de um lugar
a outro, ao sabor do vento.
As outras páginas continuavam
intactas. Mas quis ler todas elas. Lembrar-se de Renan. Achava que nunca iria
esquecê-lo. Mas Fernando tomara o seu lugar, e de uma maneira tal, que era se
como aquele caderno tivesse sido respondido há mil anos atrás.
Mais um
trabalho na casa de Helena. Mais uma vez Fernando às voltas com as meninas.
Anabel
estava entretida fazendo um resumo. Laís, a dona da caligrafia mais
irritantemente perfeita, fazia um dos seus belos desenhos em uma folha de papel
pardo. Se era pra escrever, chamavam Laís, que tinha a letra mais bonita. Se
era pra desenhar, chamavam Laís, que sabia desenhar com um pé nas costas.
Em dado
momento viu Fernando pegar o caderno de perguntas que Laís deixara
displicentemente no sofá da sala. Anabel arregalou os olhos. Ele iria ler o que
Laís colocara no caderno.
_ Laís. _
Avisou Anabel alarmada. _ Fernando pegou o seu caderno.
_ E o que é
que tem?
_ Ele vai
ler. _ Disse Anabel num sussurro.
_ Não tenho
medo da verdade.
Ele já
estava lendo. Não havia mais o que fazer.
Anabel
também respondera o caderno, ele constatou. Era a participante número nove.
Virou a folha. Então ela gostava de um menino. Não precisava de lupa, para
saber quem era. Ele sorria interiormente. Na verdade, sorria por fora também.
Renan ou Fernando? Quem era aquele tal de Renan? Não era da escola. Não
conhecia ninguém com aquele nome. Como ela gostava de dois caras ao mesmo
tempo? Mas as letras eram diferentes. Ela escrevera Renan, outra pessoa
escrevera Fernando. Conhecia aquela letra bonita. Era a letra de Laís. Será que Anabel
gostava mais do outro cara do que dele? Será que Anabel gostava do outro cara e
não dele? Ela “parecia” gostar dele, mas nunca dissera isso. Fora Laís quem
dissera. Será que entendera tudo errado? Será que estava fazendo papel de bobo?
Virou a
folha.
_Vinte e dois anos?!_ Falou alto
sem perceber.
Anabel ouviu. Ele estava lendo as
perguntas que ela respondera. Vinte e dois anos era a idade de Renan. Então ele
se interessava sobre o que ela fazia. Então ele tinha ciúmes. Se tinha ciúmes é
porque se importava. Ficou aliviada por saber que Laís não alterara as demais
perguntas. Era bom ele saber que ela não estava com os quatro pneus arriados
por ele. Mas estava. Renan era uma página virada em sua vida.
Fernando continuou lendo as
respostas de Anabel. Nada sobre ele. Apenas o outro cara. “Ele também gosta de
você?”. “Não.” “Vocês já se beijaram.” “Não.” “Já beijou alguém?” “Não.” A cada
pergunta respondida, Fernando ia ficando cada vez mais aliviado. Não tinha sido
nada. O cara não gostava dela. Não a beijara. Ela nem tinha sido beijada por
ninguém. Poderia ser o primeiro a beijá-la. Estava tão caída por ele que não
faria a menor objeção. Mas não tinha coragem. Não era daquele tipo de cara que
usa uma garota só pra se sentir o maioral. Respeitava os sentimentos dela. Não
queria feri-la.
Fechou o caderno. Nada mais o
interessava ali.
Olhou para Anabel. Ela estava
olhando pra ele. Olhos tão verdes e lindos, misteriosos, tão diferentes do
resto. O que tinham aqueles olhos que prendiam tanto a sua atenção?
CAPÍTULO IX
Estavam
quase no final do ano. A professora pediu que fizessem algo para ajudar o
próximo.
_ Podemos
fazer uma gincana para angariar alimentos. _ Opinou Suely.
_ Ótima
idéia.
_ Podemos
entregar no orfanato aqui perto. _ Disse Marcelo, o menino mais inteligente da
classe.
_ Boa,
Marcelo. _ A turma concordou.
_ A gente
pode organizar brincadeiras e peças de teatros. _ Animou-se Laís.
_ Boa. _ A
turma concordou.
Os meninos
quiseram organizar campeonato de futebol, jogo de damas e outros esportes. O
grupo de Anabel ficou com a peça de teatro. Logo toda turma estava empenhada nisso.
O problema
era que o grupo de Anabel era composto só de meninas. Elas haviam escolhido um
conto de fadas e todo conto de fada que se preze tem um belo príncipe. Mas
nenhum menino topou pagar este mico com elas, de modo que ficaram numa sinuca
de bico.
_ A gente
pode se vestir de menino. _ Opinou Anabel.
_ Nada a
ver. _ Retrucou Aline.
_ Podemos
fazer uma participação especial. _ Opinou Laís.
_ Boa! _
disseram em coro.
Inclusive
Anabel, que achou a solução perfeita.
_ Quem? _
Perguntou Helena.
_ Adivinha?
_ Perguntou Laís com um sorriso significativo.
_ Nem
pensar. _ Disse Helena, entendendo o recado. – É claro que o meu irmão não vai
querer pagar este mico.
_ É claro
que vai. _ Disse Romão. – É só você
pedir pra ele.
_ Não vou
mesmo. _ Disse Helena.
_ Eu peço,
então. _ Disse Anabel. Já amando a idéia de participar de uma peça que tivesse
Fernando como príncipe. Escolha melhor não haveria.
As meninas
não fizeram muito caso de toda esta cara de pau de Anabel de fazer Fernando
participar de uma peça de contos de fada.
_ Temos que
pedir a professora primeiro._ Disse Suely.
A
professora não fez nenhuma objeção e ficou acertado que convidariam Fernando.
No outro
dia, Anabel estava sentada de cabeça baixa e quando levantou-a viu Fernando e Helena
em pé. Eles não a tinham visto e ela os chamou. Em todo este ano, nunca tinha
dado com os dois no ônibus. Eles costumavam ir de carona com o pai para a
escola. Na volta, às vezes tomava o mesmo ônibus com Helena, mas com Fernando, nunca.
Eles começaram
a caminhar para a escola. Era hora de fazer o pedido. Anabel caminhava no meio.
De um lado ia Fernando e do outro Helena.
Helena
colocou a mão no ombro de Anabel e esta colocou a sua no ombro de Fernando.
_Temos que
te fazer um pedido. _ Disse Anabel.
Ela colocou
a mão em seu ombro e ele sentiu um certo estremecimento. Esperava que ela não
tivesse notado. Não sabia o que tinha aquela menina que o transformava em um
garoto tímido.
_ O que é?
_ Perguntou um tanto acanhado.
_ Vamos
fazer uma peça e precisamos de um príncipe.
_ E?
_ Queremos
que você seja o príncipe;
Fernando
soltou uma gargalhada.
_ Não vou
pagar este mico mesmo.
_ Por
favor. _ Insistiu Anabel. _ Vamos ficar eternamente agradecidas.
Ela queria
muito que ele aceitasse.
Ele ficou
em dúvida. Participar de um teatrinho, como príncipe, com um bando de garotas
era mico demais. Mas ela pedia com um jeitinho tão doce que dava vontade de
aceitar. Mas não tinha coragem.
_ Diga que
sim. _ Insistiu a garota. _ Ou pelo menos, diga que vai pensar.
_ Vou
pensar. – Ele prometeu, já certo que não aceitaria, mas acabou aceitando. O que
não fazia por Anabel?
A peça
falava qualquer coisa de madrasta malvada, filha boa, filha má, príncipe e
fada. Mas Fernando não queria pagar mico sozinho e inventou mensageiros e até
um rei. Os colegas toparam a brincadeira.
Aline se
casaria com o Príncipe, claro. Helena ficou com o papel de fada. Romão se
aborreceu por não ser a princesinha e largou a peça. Suely e Carmem ficaram com
o figurino, a maquiagem e o cenário. Anabel achou de bom tom escolher o papel
de madrasta. Não ia ficar disputando papel de heroína principal com Aline. Ia
perder mesmo. Laís aceitou ser a filha má.
Começaram
os ensaios, que foram poucos, por não haver tempo hábil. Anabel quis escolher o
seu próprio figurino. Num dos ensaios, provou toda a vestimenta, para que Suely
e Carmem aprovassem.
Saiu dos
quarto dos pais de Helena com a roupa, as meninas aprovaram. Fernando estava na
sala.
Ele ficou
boquiaberto com o que viu. Ela, sempre desengonçada e feia, com aquele figurino
exótico e antigo, estava linda. A roupa lhe caía bem. Broxes vermelhos, presos
na gola de blusa antiga, lhe dava um ar de pintura do século passado.
_ Parece
uma “filhastra”. _ Disse finalmente.
Anabel
sorriu. Não disse nada, mas entendeu o elogio. Viu a aprovação em seus olhos,
sabia que com aquilo, ele queria dizer que parecia uma filha e não madrasta,
porque estava bonita.
Foi pra
casa pisando nas nuvens, naquele dia. Era a primeira vez que ele dava a
entender que a estava achando bonita.
CAPÍTULO X
O dia tão
esperado da peça chegou. As criancinhas do orfanato estavam muito alegres com
os brinquedos que ganharam e com todas as brincadeiras organizadas pelos
meninos.
Era um
orfanato só de garotos. Era a primeira vez que Anabel colocava o seu pé em um.
Nunca tinha estado de frente para esta dura realidade da vida. Seu coração doeu
de saber que crianças poderiam ser esquecidas em um lugar, sem pai ou mãe.
Como seria
ir dormir, sem ter alguém que o cobrisse de noite. Que lhe beijasse a testa
como fazia o pai e a mãe? Era filha única. Em toda sua vida desejara ter
irmãos. Imaginava como seria ter um irmão mais velho, como Helena. Que a
defendesse quando algum garoto mexesse com ela. Ele lhe daria uma surra e a
diria para nunca mais maltratar sua irmã. Deus! Quantas vezes desejara que este
irmão existisse.
Em outras
vezes. Desejava ter uma irmã mais nova, quase de sua idade, como Elaine, sua
prima, tinha. Eline era apenas um ano mais nova que Elaine. Elas iam juntas
para a escola, para as festas. Dormiam no mesmo quarto e não tinham segredos
uma para a outra.
Eram tão
unidas que casaram no mesmo dia. O engraçado era que tiveram bebê no mesmo dia.
Rômulo e Patrícia estavam sendo criados como quase gêmeos.
Como Anabel
desejou ter uma irmã a quem pudesse fazer confidências, que conhecesse todos os
seus segredos. Que passeasse com ela e tivesse os mesmos amigos. Mas esta irmã
também não existia.
E agora
estava ali, diante daqueles garotos que não tinham pais. Nem pai, nem mãe, nem
casa e muito menos individualidade.
Um
garotinho lhe chamou a atenção. Era tão pequeninho. Tinha um sorriso tão lindo,
devia ter uns três anos, no máximo quatro. Era do tipo que não sorri apenas com
a boca, mas também com os olhos. Como alguém tinha coragem de largar uma
criança tão bonita num orfanato?
_ Qual é o
seu nome? _ Perguntou Anabel.
_ Hernane.
_ Ele respondeu. _ Com os olhos que sorriam, abraçado a um coelhinho de pelúcia
que Anabel trouxera.
Empenhara-se
em trazer coisas. Mais brinquedos do que comida. Mas estivera tão empenhada com
a peça, que pensou que poderia fazer muito mais. Nada do que tivesse feito
seria suficiente para aplacar a dor que estava no seu peito.
A
professora chamou. Era a hora de trocar de roupa para começarem a peça.
Eles improvisaram um palco no
refeitório. Suely e Carmem era perfeccionistas. Trouxeram até uma cortina da
mãe da Suely.
Anabel,
como as outras, estava nervosa. Aline estava impecável. Fernando, um verdadeiro
príncipe. Eles tinham combinado que não haveria beijo na peça. Era um pedido de
Aline. A professora achava também que seria melhor assim. Ia haver apenas um
abraço.
Todos
estavam a postos e a cortina já ia ser aberta.
_ Como você
vai abraçar a Aline? _ Perguntou Anabel para Fernando.
_ Anabel,
não é hora para crise de ciúmes. _ Intrometeu-se Laís.
Anabel
ficou com a cara quente de vergonha. Laís tinha razão. Talvez também estivesse
enciumada, mas não descera do salto como fizera Anabel.
Ela estava
com ciúmes. Riu por dentro Fernando. Apesar de também estar nervoso com a peça.
Teve vontade de abraçá-la e lhe tascar um beijo de novela. Mas beijos eram
proibidos naquela peça. Quer com princesinhas, quer com madrastas enciumadas.
A peça
começou e terminou bem. Fernando ficou tão nervoso que nem abraço teve. Aline
entrou na peça mancando. Carmem errara no número do sapato. “Entre mortos e
feridos, salvaram-se todos.”
Teve
casamento no final da peça, celebrado por um rei de coroa de papel laminado,
por falta de um sacerdote. Um garoto da sala de Fernando, que era o goleiro do
time, se prestara a este papel. Os meninos até que estavam achando tudo
divertido. Júnior, o rei, riu muito. Depois do final da peça, disse para o
Fernando:
_ E o rei,
vai ficar solteiro? Vamos arranjar um casamento aí. Cadê a madrasta?
Anabel
sorriu por dentro. Dentre as meninas que sobraram: fada e irmã má, ele
escolhera ficar com a madrasta. Ponto para Anabel.
Mas
Fernando não gostou da idéia e deu um tapa na coroa do rei.
_ Sai pra
lá, mané. Ninguém vai casar com a minha sogra.
Os dois
riram.
Ninguém
podia ficar com Anabel. Fernando pensou. Nem de brincadeira. Anabel gostava
dele. Era só dele.
CAPÍTULO XI
_ Mas tão
já? _ Perguntou Marilene para Milton. _ Nós bem mal chegamos.
_ Vai ser
rápido. É uma oportunidade de ouro. Vai ser melhor para nós, amor.
_ Nós quem,
Milton?
_ Não fica
assim, amor. É um lugar maravilhoso. Tem praias lindas! Anabel vai gostar
muito.
_ Você sabe
muito bem que ela nunca gosta. Logo agora que ela parecia tão feliz! Arranjou
tantas amiguinhas no colégio. Parece outra menina.
_ Ela vai
arranjar outras amigas lá também. É uma questão de tempo. Tudo se ajusta.
Marilene
suspirou. Não adiantava nada reclamar. Ela já sabia como seria sua vida quando
se casara com ele. No começo parecera tão divertido. Mas logo as constantes
mudanças começaram a cansá-la. E a filha sempre ficava abalada com as
constantes mudanças. Chegar aqui e ali, como um barquinho sem rumo, que nunca
encontra um porto seguro para atracar.
_ Está bem.
Quando contaremos a ela?
_ Amanhã ou
depois. Você decide. Sabe lidar com ela melhor do que eu.
_ Vamos
falar com ela amanhã bem cedo. Não é uma boa idéia ficar protelando um
problema.
_ Não se
trata de um problema. Encare isso como uma boa oportunidade. Vai ser melhor
para todos nós.
Ia começar tudo de novo. Mudar de
escola, fazer novos amigos. Por que tinha que ser desse jeito? E se nunca mais
visse Fernando?
_ Não fique
assim, Anabel. _ A mãe passou a mão nos seus cabelos. _ Desta vez é por menos
de um ano. Seu pai só vai fazer um curso que dura alguns meses. No ano que vem
estaremos de volta. Você pode voltar para a mesma escola. Para a mesma turma.
Vai se formar com eles.
Ter que
entrar em outra escola quase no meio do ano. Os grupos já estariam formados. O
que ia fazer de sua vida?
_ Onde vamos morar, desta vez?
_ Santa
Catarina.
_ É muito
longe, pai.
_ Vai ser
bacana, filha.
O pai era
sempre assim. Otimista até demais. Para ele, qualquer novidade era mais do que
bem vinda.
_ Por
favor, pai. Eu não quero ir.
_ Você vai
gostar de São Francisco do Sul. Fica no
litoral norte de Santa Catarina.
_ Não quero, pai.
_ É uma cidade histórica e tem praias. Você vai amar.
_
O que você tem?_ Perguntou Laís.
_
Nada.
_
Como nada, Anabel? Está com os olhos e
nariz vermelhos. Andou chorando, não foi?
_
Por que estava chorando? _ Perguntou
Romão preocupada. _ Está passando mal?
_
Claro que não, Romão.
_
Então o que foi? _ Perguntou Helena.
_
Deve estar com saudades do seu irmão. _ Disse Aline rindo.
_
Não é nada disso, gente. É que vou ter que me mudar outra vez.
_
Ah, não, Anabel. _ Disse Helena. _ Você não pode largar a gente.
_
Não mesmo. _ Disse Laís revoltada. _ Vai largar os estudos no meio. _ Diga para
o seu pai que você fica na minha casa.
_
Isso mesmo. _ Apoiou Romão.
_
Claro que os meus pais não vão deixar, gente. E eu não vou largar os estudos. É
só pedir transferência.
_
Pra onde você vai? _ Perguntou Suely.
_
São Francisco do Sul.
_
Onde fica? _ perguntou Romão.
_
Fica em Santa Catarina.
_
É legal lá? _ perguntou Laís.
_
Não sei. O meu pai disse que é.
_
Vamos sentir muito a sua falta, amiga. _ Disse Helena. _ Mas pode deixar que eu
escrevo para você.
_
Todas nós vamos escrever. _ Disse Laís. _ Todos os dias e você nem vai ter
tempo para responder.
As
meninas riram, mas todas estavam tristes. Iam sentir falta de Anabel. Ia ser
estranho ter o grupo com uma menina faltando.
_
Anabel vai se mudar. _ Disse Helena de repente pra Fernando.
Ele
levou um susto.
_
O que disse?
_
Disse que Anabel vai se mudar.
_
De novo? Ela não está aqui há pouco tempo.
_
Está. O pai dela é militar. Eles se mudam o tempo todo. Levam uma vida de
ciganos.
_
Que barra! Como ela está?
_
Triste. Não queria ir.
_
Vai ser já.
_
Acho que no mês que vem.
_
E a escola. Vai largar?
_
Claro que não. Ela vai pedir transferência.
_
Chegar à escola depois que os grupos estão formados não deve ser mole.
_
É mesmo.
Percebeu
que o seu coração estava acelerado. Como podia estar assim por uma garota. Logo
uma garota como ela. Não queria que ela fosse. Como seria a bagunça de sempre
sem ela? Era tão divertida. Se ao menos fosse bonita como Aline. Alguém como
Laís já servia. Mas não ela.
Um
mês ainda era muito tempo. Dava pra ficar com ela. E se ela fosse para muito
longe? E se não voltasse nunca mais? Namoros à distância não costumavam dar
certo. Namoro?! O que estava dizendo?! Não queria ser namorado dela. O que os
outros iriam dizer. Não queria que ninguém, nem em sonhos soubesse que ele
estava apaixonado por ela. Apaixonado?! Estava apaixonado por ela? Pra ele não
precisava mentir. Estava apaixonado e pronto. Culpa daqueles olhos que o
prendiam e faziam dele o que queriam. Se ela fosse embora, melhor assim. Não ia
pagar o mico de ser namorado dela. Não ia mesmo.
Mas
o que tinha isso? Não estudava mais naquela escola. Não era mais o capitão do
time de futebol. Podia fazer o que quisesse. Ninguém tinha nada com isso.
Apaixonado por Anabel. Como isso fora acontecer? Não por aquela garota. Podiam
ficar juntos por este mês que restava e então ela iria embora. Talvez até fosse
melhor assim. Se fossem namorados, toda essa neura acabaria e tudo voltaria ao
normal.
Mas
se não voltasse? Se não desse certo? Por que ela tinha que ir embora? Por que
não era normal como todas as outras pessoas? Por que tinha de ser tão
diferente? E se fosse igual? Será que lhe chamaria tanto a atenção?
Olhou
para Helena, que agora prestava atenção de novo na novela e nem parecia se dar
conta do que o consumia por dentro. A amiga ia embora e ela estava ali,
totalmente calma, como se nada de importante estivesse acontecendo. Como se
Anabel entrar e sair de suas vidas como um vento que entra por uma janela e sai
por outra não fosse nada demais.
_
Não está triste?
_
O quê? _ A irmã olhou para ele.
_
Não está triste porque a sua amiga vai embora?
_
Claro que estou, Fernando. A Anabel é tão legal. Vou sentir muita falta dela.
Acho que todos nós vamos, não é?
_
É. _ Ele disse simplesmente.
De
repente levantou-se e disse para a irmã:
_
Vou dar uma volta. Diz para os velhos que não demoro.
Saiu
e andou um pouco pela rua. Não procurou nenhum amigo. Não queria que ninguém
percebesse que estava de bode por uma garota.
Voltou
para casa. Helena já dormia. E se ligasse para Anabel? É claro que Helena tinha
o telefone dela. Mas como pediria isso pra irmã? Não podia dar essa bandeira. É
claro que ela sacaria tudo. E se pegasse sem ela saber? Não podia fazer isso.
Não tinha coragem de mexer nas coisas da irmã.
Era melhor se deitar logo
de uma vez. Não adiantava ficar naquele sufoco. Ligar para Anabel e dizer o
quê? Que estava apaixonado por ela, mas que não tinha coragem de ser seu
namorado? Isso não era coisa de homem e ele já era um homem. Não era um
moleque. Não mesmo.
Era
melhor deixar tudo como estava e dar tempo ao tempo. Eles já não se viam todos
os dias, como no ano passado e agora que ela estava indo embora, ele a
esqueceria rapidinho. Estava acertado. Não iria mexer num formigueiro.
Menos
de duas semanas depois ela partiu para morar em um outro estado. Nem ao menos
se despediram. Não podiam mais se ver todos os dias na escola, como no ano
anterior. Mas as meninas sempre estavam lá.
Ela
partiu sem ao menos lhe deixar um recado e ele ficou pensando que talvez nunca
mais a visse. Era melhor assim. Tiraria aquela garota finalmente de sua cabeça.
CAPÍTULO XII
O primeiro dia de aula para Anabel. Transferida quase no meio do ano.
Aquilo era injusto. A escola era bonita, mas não se sentiu bem ali. Já
adivinhava que teria problemas.
Anabel entrou na sala de aula. Teve vontade de sair correndo. Entrar
numa turma de segundo ano nesta altura do campeonato era uma loucura. Ela sabia
que ia ser pedreira.
Entrou e sentou-se numa cadeira no fundo da sala. A turma era
barulhenta. Alguns estranharam o fato dela entrar na sala, mas ninguém fez
nenhuma pergunta.
A professora entrou com cara de poucos amigos. Tentava falar e ninguém
deixava. Deus! Aquilo parecia um pesadelo.
Um garoto louro não parava de falar. Levantada a todo tempo. Dizia
gracinhas. Será que era sempre assim? Não gostou dele de cara. Conhecia tipos
como aquele. Tão logo descobriria um apelido para ela e não mais a deixaria em
paz. Que saudade da outra escola. Que saudade do Fernando. Ele jamais faria
algo do tipo com ela.
_ Vamos fazer um trabalho em grupo. _ Propôs a professora. _ Dividam-se
em grupos de quatro.
Anabel sobrou. Mas isso ela já sabia. Não conhecia ninguém e nenhuma
menina lhe estendeu a mão. Anabel já estava acostumada. Mas nem por isso doía
menos. Só não contava que sobrasse para
ela a dupla rejeitada por todos. O garoto louro e o amigo. Formavam uma dupla
intragável. Ela teve que se juntar a eles, por ordem da professora.
Um nó subiu em sua garganta. Fazer um trabalho de grupo com aqueles
garotos?! Ela não merecia. Não no primeiro dia. A professora só podia estar
brincando. Ela entregou o texto na mão de Anabel. Os outros dois não estavam
nem aí.
Era melhor puxar algum assunto ou não ia rolar nenhum trabalho.
_ Oi, sou Anabel. _ Ela disse num fio de voz. _ E vocês?
Os dois a mediram de cima a baixo e o louro falou:
_ Eu sou o Alex e este Guri é o Fred.
_ Vamos começar a ler o texto? _ Ela propôs.
Eles não falaram nada. Apenas ficaram olhando para ela com cara de quem
está diante de um ET.
Ela começou a ter o texto em voz alta. Mas eles não estavam nem aí.
Olhou para eles. Tinham uma cara debochada. Tudo de novo! Pensara que tinha se
livrado disso.
O trabalho não andava. Parecia que ela estava lendo para as paredes.
Alex cochichou algo no ouvido de Fred. Os dois riram. Só podia ser
dela. Mas não falou nada. Não queria confusão no primeiro dia de aula.
_ Tu falas muito engraçado, guria. _ Disse Alex, não se contendo.
_ Você é quem fala engraçado, guri. _ Disse Anabel enfatizando a
palavra guri.
Eles riram novamente. Anabel teve vontade de sair correndo. Logo no
primeiro dia! Por que o pai sempre fazia aquilo com ela?
Voltou a ler. Mais baixo, quase que para si mesma. Não estava nem aí para
aqueles moleques.
_ Vou ao banheiro. _ Disse Alex, levantando-se.
Ele falou com a professora e saiu. Ela não parecia gostar dele também.
Deixou ir sem nenhum problema. Parecia querer vê-lo pelas costas.
Ela e Fred começaram o trabalho. Na verdade ela começou, Fred não
contribuía com muita coisa. Na verdade, com quase nada. Mas pelo menos estava
lá. Enquanto Alex parecia ter esquecido da vida.
_ O guri está demorando, não achas?
_ Não pense que vou colocar o nome dele no trabalho se ele não fizer
nada. _ Disse Anabel, com uma fúria que desconhecia. _ Vai buscar o seu
amiguinho.
_ Vai tu, guria. _ Disse Fred, recostando-se na cadeira.
Que raiva daquele garoto também. Não fazia nada e nem pra buscar o
amigo servia. Se ficasse ali, acabaria pulando no pescoço dele.
_ Vou mesmo. – Disse entregando a folha ao rapaz. _ Vai terminado aí.
Geralmente era mais cordata. Mas estava detestando aqueles dois.
Pediu licença à professora e saiu. Precisava mais
esfriar a cabeça do que achar Alex. Foi
ao bebedouro. Uns meninos jogavam futebol no pátio. Alex simplesmente estava
sentado, assistindo o jogo. Como se não tivesse mais nada para fazer. Mas isso
não ia ficar assim mesmo. Foi até ele.
_ Se você quer ficar aí se divertindo, pode ficar. Mas nem pense que
vou colocar o seu nome no trabalho.
_ Qual é, guria? _ Disse Alex com a mesma cara cínica. _ Já estou indo.
Ela virou as costas e ele veio atrás dela. Ganhou um inimigo. Ela
sentia. Por que os garotos faziam aquilo? Não podia entender.
Com Fernando fora diferente. Ele lhe dava atenção. Por que o pai tinha
que viver pulando de galho em galho? Não estaria tão infeliz agora.
Entrou dentro da sala e arrancou a folha de Fred. Ele não escrevera uma
linha. Olhou para ele. Fuzilando-o com o olhar. Não adiantava. Eles que ficassem
pra lá. Meninos! Ia fazer o trabalho sozinha.
Os garotos brincavam o tempo todo. Anabel tinha vontade de chorar. Mas
não ia dar este gostinho a eles.
Terminou o trabalho e colocou o nome dos dois. O sinal bateu e ela
voltou pro seu lugar. Na hora do recreio ficou sozinha. Não abriu mais a boca,
durante toda aula. Quando o sinal bateu, avisando o fim das aulas, se sentiu
aliviada. Odiou aquela escola. Odiou aqueles garotos. Queria nunca mais colocar
os pés naquela escola. Mas sabia que não podia fazer aquilo.
_ Vamos fazer um passeio filha. _
A mãe chamou.
Nada parecia tirar a filha
daquela tristeza.
_ Para onde vamos?
_ Um amigo de seu pai nos
convidou para um passeio de lancha. _ A mãe explicou. _ Na entrada da Barra tem
um arquipélago. É para lá que nós vamos.
_ O arquipélago da Graça?
_ Como sabe?
_ Uma menina da escola falou
sobre ele.
_ É formado por diversas ilhas,
Nós vamos à principal. A Ilha da Paz, Não é legal?
Anabel não estava muito animada.
_ Parece.
_ Se anima, filha. Lá tem um
farol que foi construído em 1905. Era para orientar os navios que chegam ao
Porto. Ele ainda funciona, sabia?
_ Não.
_ Então
vamos.
_ Está bem.
Eles também
foram a um porto.
_ Este é o
quinto maior porto brasileiro em
movimentação de contêineres_ Disse o pai com orgulho. _ Parecia até que era um
filho da cidade.
O pai era sempre assim. Adaptava-se como um camaleão em todo lugar que
chegava. Quem podia dizer que ele não pertencia àquela cidade.
_ Muito interessante. _ Disse Anabel, sem o mínimo interesse.
_ Você sabia que é o melhor porto natural do sul do nosso país? _
Continuou o pai. _ Ele iniciou suas operações em 1920.
Não queria saber de nada disso. O fato era que nunca mais iria vê-lo.
Por que o pai tinha de se mudar tantas vezes? Perder todos os seus amigos.
Nunca mais veria Fernando. Tinha certeza disso.
O passeio não foi ruim. Anabel
chegou até a se esquecer de suas tristezas. Chegou um pouco atrasada na escola.
Todos já estava lá. Alex a viu e sorriu. Aquele mesmo sorriso zombeteiro que os
garotos costumavam lhe lançar. Só Fernando não era assim.
Alex passou pela porta. Anabel estava irritada e
cansada. Começara tudo de novo. Tinha horas que tinha vontade de socar aquele
garoto.
_ Te amo, Anabel._ Ele disse com
o ar zombeteiro de sempre.
Aquilo já estava passando dos
limites.
Simone riu. Todos riam quando ele
fazia aquilo com ela.
Ele tentou a abraçar. Por um
segundo, Anabel pensou que se o abraçasse também, estaria sendo superior a ele.
Mostraria que não estava nem aí para as gracinhas dele. Mas não podia. Não
aceitava aquele tipo de brincadeira e o empurrou, como sempre fazia.
Mas talvez tivesse levado muito
tempo entre decidir se o abraçaria ou não. O problema é que talvez estivessem
muito próximos por tempo demais e a turma notou. Já tinha muita gente na sala.
A turma fez êêê em coro e ela ficou com raiva dele. Mais uma vez ele vencera. A
fizera de tola.
O pior de tudo era que realmente
tivera vontade de abraçá-lo. Um garoto como aquele? Devia estar ficando maluca.
Será que estava atraída por ele?
Não era possível. Não aquele garoto. Por que ele fazia aquilo com ela? Quanto
sofrimento. Que vontade de voltar para o Rio, ter suas amigas de volta. De ver
Fernando novamente. Quanto tempo duraria aquele suplício?
Ficou pensando nele. Devia tê-lo
abraçado. Ele é quem teria ficado sem graça. No outro dia foi para a escola com
o firme propósito de dar-lhe o troco. Retocou o batom. Ainda ia dar um beijo
nele e deixar o seu rosto marcado de batom. A turma não perdoaria. Seria a vez
dele de servir de chacota para os outros.
Quando ela entrou na sala, ele já
estava lá. Com a mesma cara zombeteira de sempre. Logo que a viu, riu e lhe
disse bem alto, para que a turma toda ouvisse:
_ Eu te amo, Anabel. _ E deu a
mesma gargalhada de sempre.
_ Também te amo, Alex.
Mas todos riam dela. Ele não veio
abraçá-la e ela não pode concretizar o seu plano de humilhá-lo em público, como
ele sempre fazia com ela.
Sentou-se a abriu o livro de
Português em uma página qualquer. Na verdade sentiu-se decepcionada. Não pudera
dar o troco que quisera. Não conseguira realizar a vingança que arquitetara.
A quem estava querendo enganar?
Ficara triste por que não conseguira se vingar ou por que eles não tinham se
abraçado? Era melhor tirar aquele garoto da cabeça. Já tinha problemas demais e
não precisava de mais um.
CAPÍTULO XII
_ Vamos pegar onda? _ Perguntou
Simone.
_ Como? _ Anabel não esperava por
aquele convite.
_ Tu não queres pegar onda,
guria? Pega a tua prancha.
_ Eu não tenho prancha. _ Disse
Anabel.
_ Não tens prancha? _ A outra se
espantou. _ Tu não és do Rio?
Nascera no Rio sim, mas era mais
de todo lugar do que de lá. Era como alguém sem pátria. Não tinha a amiga de
desde a infância. O time de futebol. O lugar de sempre. Não tinha raízes.
_ Nunca peguei onda.
_ Como não?
_ Não vou tanto à praia assim.
_ Não tem importância. _ Disse a
outra. _ Minha irmã está na faculdade. Eu pego a dela pra você.
_ Ela não vai se zangar?
_ Ela não tem tempo mais pra
nada. Que dirá pegar onda.
_ Não sei surfar. Como vou
conseguir ficar em pé em cima de uma prancha?
_ Nem eu vou ficar. Que guria
mais estranha. Na sua terra não tem prancha de bodyboard?
_ Aquela prancha de pegar onda
deitada? _ perguntou Anabel.
_ Isso aí.
_ Tem. Mas mesmo assim, nunca
tentei.
_ Pois vai tentar agora. Depois
da aula, nós vamos. Almoça lá em casa, pra gente ganhar tempo.
_ Mas eu estou sem biquíni.
_ Ninguém pega onda de biquíni .
Só se quiser ficar com a barriga toda ralada.
_ Toma banho de roupa?
_ Mais ou menos. Coloca o biquíni
por baixo e toma banho de short e camiseta.
_ Nem morta!
_ Vai querer pegar onda de
biquíni. Vai fazer filha de guri pra ver você tomar caixote só de biquíni.
_ Eu vou tomar caixote?
_ Nem sempre dá pra evitar.
_ Acho melhor eu desistir.
_ Deixa de ser boba, guria.
Caixotinho de nada.
_ Então temos que passar na minha
casa pra pegar o biquíni e a roupa.
_ Não precisa. Minha mãe tem uma
confecção de roupas de banho. Você pode escolher o que quiser. E pode botar a
bermuda da educação física.
_ Vou entrar na água de uniforme?
_ Claro que não. Te dou uma
camiseta “Estive em Francisco do Sul e lembrei de você.” A mãe comprou de
montes pra vender junto com as roupas de banho num evento que teve aqui no ano
passado. Daí que ficaram encalhadas.
_ É feia?
_ Tu vais ganhar de presente e
ainda vai reclamar?
_ Não. Eu posso pagar. Só não
tenho dinheiro agora. Mas meu pai me dá e eu te dou amanhã.
_ Pode esquecer. A mãe não vai
aceitar mesmo. Ela dá mais roupa do que vende. Se não fosse o emprego do pai,
ia ficar difícil.
_ Sua mãe não vai zangar?
_ Não, não vai zangar. _ Disse
Simone imitando o sotaque de Anabel. _ Que guria mais medrosa. Onde você mora.
Em um quartel?
Simone não estava muito longe
disso. Era mais ou menos assim. Ela era como Helena, que podia decidir, sem
consultar a ninguém de levar alguém para almoçar na sua casa. Era como se ela
fosse dona de sua própria casa. Como se não tivesse que obedecer a regra
nenhuma. Será que não conheciam hierarquia?
Do que ela estava falando?
Hierarquia era coisa de um quartel. Talvez Simone tivesse razão. Anabel morava
em um quartel. Iria aprender a pegar onda. Será que sua mãe deixaria?
_ Está bem. _ Concordou por fim,
Anabel. _ Vou telefonar para pedir pra minha mãe.
Telefonou para a mãe pedindo permissão.
Teve que contar que iria aprender a pegar onda.
_ Aprender a surfar? _
Assustou-se a mãe. _ De jeito nenhum. Não quero você de pé em cima de uma
prancha.
_ Não vou ficar de pé, mãe. É bodyboard.
A gente pega onda deitada. Minha colega me disse que aqui, até as crianças
fazem isso.
_ Está bem. _ Disse a mãe. _ Mas
tenha cuidado.
Não que gostasse de saber que a
filha estava se metendo dentro do mar, com prancha e tudo. Mas era a primeira
vez que a via animada com alguma coisa, desde que se mudaram para lá. Vivia
amuada pelos cantos e era a primeira vez que saía com uma amiga. Não podia
privar a filha disso. Aquelas constantes mudanças eram difíceis para ela.
Quanto mais para a filha, que era apenas uma adolescente.
Suzana, a mãe da Simone era legal.
Não se importou que a filha levasse uma amiga para almoçar. Conversou com
Anabel. Interessou-se por suas andanças.
Não era como as outras mães, que deixam as filhas com as amigas pra lá. Ela
conversava junto. Era alegre, expansiva. Ria muito.
Ela trouxe vários biquínis para
Anabel escolher. Trouxe várias camisetas também. Não aceitou de jeito nenhum
que Anabel mandasse o dinheiro no outro dia por Simone.
Ao contrário do que pensara, as
camisetas eram bonitas. Anabel não podia entender por que ficaram encalhadas.
Escolheu uma amarela com letras vermelhas. Iriam ficar bem com a bermuda azul
marinho do colégio. No final, nem parecia que era uniforme. O biquíni era um
dos mais simples. Já que ia sair de graça, não pegava bem que escolhesse um dos
melhores. E já que ia ficar por baixo da roupa mesmo, que diferença fazia?
O almoço estava muito bom. A mãe
de Simone, além de legal, era excelente cozinheira.
_ Descansem o almoço um
pouquinho. _ Era disse para as meninas.
Mãe é tudo igual, pensou Anabel,
só muda de endereço.
Elas ouviram um pouco de música.
Gostou da casa de Simone. Era colorida, com um estilo praiano. Era como se a
amiga estivesse o tempo todo de férias.
Suzana chegou com a prancha da
filha mais velha e entregou pra Anabel.
_ Pronto. _ Ela disse. _ Já podem
ir.
_ Sua filha não vai se aborrecer?
_ Preocupou-se Anabel.
_ De jeito nenhum. Pode ir.
A praia estava cheia. O dia
estava cheio de sol. Crianças faziam castelos de areia.
_ Vamos cair na água, guria.
_ Estou com um pouco de medo.
_ Não vai dar pra trás agora.
Vamos que vai dar tudo certo, guria.
Anabel tomou coragem e foi.
_ Hoje só tem marolinha. _ Disse
Simone. _ Está ótimo pra uma iniciante.
Simone lhe explicou como fazia.
Era muito fácil. Como ela dizia. Anabel queria ver na prática.
_ Você vai primeiro, pra eu ver
como é.
_ Está bem. _ Aceitou Simone.
_ Você fica de lado com a barriga
na prancha esperando as ondas que vem lá de baixo. _ Disse apontando para o
horizonte. _ Se a onda tiver com um tamanho legal, você vira em direção da
praia e coloca o corpo mais pra frente e acaba de subir na prancha. Daí é só
partir pro abraço. Essa tá legal. Tô indo nessa, guria.
Simone foi levada pela onda e
chegou até na areia da praia. Devia ser muito legal. Ela iria tentar também.
Quando a amiga voltou, Anabel
decidiu que esta seria a sua hora.
_ Vamos. _ Disse com uma súbita
coragem.
_ Está bem.
As duas se posicionaram.
_ Vamos pegar aquela lá de trás.
_ Disse Simone.
_ Ok.
Quando a onda chegou perto dela,
parecia meio desmanchada.
_ Vamos. – Perguntou Anabel.
_ Não vai dar. _ Disse Simone. _
A onde encheu. Vamos esperar outra.
A onda veio e Anabel fez tudo
como ensinara Simone, mas ficou no meio do caminho. Levou um caixote, como
temia. Saiu rolando por dentro da onda. Teve muito medo, mas depois tudo,
acabou achando graça.
Simone foi parar lá na areia de
novo. Fizera tudo direitinho. Não sabia por que não dera certo.
_ Venha. _ Disse a amiga. _ Vamos
pegar outra.
_ Mas eu não consegui. _ Disse
Anabel decepcionada. _ É assim mesmo, guria. Todo mundo leva caixote. Até quem
é veterano. Tu acabas pegando a manha.
Elas tentaram mais algumas vezes
e finalmente Anabel parou na areia com Simone. Aquilo era muito legal. Iria
pedir seu pai para comprar uma prancha pra ela.
Sentaram na areia para descansar
um pouco. De repente Alex apareceu.
_ Como está o mar?
_ Tri legal. _ Disse Simone.
_ A carioca é boa? _ Perguntou como se ela não estivesse ali.
_ É a primeira vez dela. _ Disse
Simone. _ Mas está indo muito bem.
_ Lá no Rio não tem praia? _ Espantou-se
Alex.
_ Eu ia à praia. _ Resolveu que
estava mais do que na hora de participar da conversa. _ Só não costumava pegar
onda.
_ Gostou? _ Perguntou Alex,
enquanto sentava-se a seu lado.
_ É muito legal.
_ Não vai pegar onda? _ Perguntou
Simone.
_ Deixei minha prancha na casa do
meu tio.
_ Pode pegar a da irmã da Simone,
se ela não se importar. _ Disse Anabel querendo ser agradável. _ Vocês podem
ir. Eu fico daqui olhando.
_ Bodyboard? _ Ele perguntou com
um muxoxo. _ Isso é coisa de garotinhas.
_ Tem muito guri que faz
boyboard. _ Disse Simone.
_ Mas os homens surfam em
pranchas de macho.
_ É revoltante como você é
preconceituoso. _ Disse Simone. _ De onde foi que você tirou uma idéia dessas?
Então fica torrando aí na areia, camarão. Que eu e a Anabel vamos pegar muito
jacaré.
Elas foram para o mar e quando
voltaram, ele já não estava mais lá. Não havia o que fizesse. Nunca conseguia
travar uma conversa civilizada com ele.
_ Pai. _ Pediu Anabel na hora do
jantar. _ Você compra uma prancha pra
mim?
_ Nunca! Não quero filha minha de
pé em cima de uma prancha.
Ele parecia a mãe falando mais
cedo.
_ Não vou ficar de pé, pai. Eu já
expliquei pra mamãe. É bodyboard. A gente pega onda deitada. Já fui com
a minha colega. É muito fácil. Estava cheio de crianças fazendo a mesma coisa.
_ Não sei não. Vou pensar.
Anabel ficou desanimada. Quando
ele dizia que ia pensar era porque não ia fazer. Terminou o jantar e foi logo
se deitar. Estava muito cansada. Era uma pena. Seria bem legal ter uma prancha.
Mais tarde, a mãe conversou com o marido.
_ Milton.
_ O que foi, Marilene?
_ Também não gosto de saber que a
nossa filha está se metendo dentro do mar, com uma prancha. Mas pensa bem. Hoje
foi a primeira vez que a vi animada com alguma coisa, desde chegamos aqui. Já
estava me dando nos nervos vê-la amuada pelos cantos da casa.
_ Mas precisa ser algo tão
perigoso assim?
_ Ela mesma disse que tinha um
monte de crianças fazendo a mesma coisa.
_ Não sei, não.
_ Além do mais, foi a primeira
vez que a vi sair com uma amiga. Você sabe que essas constantes mudanças são
difíceis para ela. É apenas uma adolescente.
_ Está bem. _ Disse Milton. _
Amanhã eu dou o dinheiro. Mas diga para ela ter cuidado.
_ Eu digo. _ Disse a mãe com um
meigo sorriso.
Ele era bravo, mas ela sempre
tinha um jeito de dobrá-lo.
CAPÍTULO XIV
_ Vamos fazer uma excursão. _
Disse a coordenadora._ Vamos visitar uma fábrica de refrigerantes.
Todos aplaudiram.
_ Mas já estou avisando que quer
não se comportar já está cortado. _ Disse a coordenadora lançando um olhar
significativo para Alex e Fred.
_ Daqui pra frente os guris vão
se comportar como duas prendas. _ Disse Simone.
_ Duvido muito. _ Disse Anabel.
_ Tu vais? _ Perguntou Simone.
_ Se o meu pai e a minha mãe
deixarem.
_ É claro que eles vão deixar.
_ Deve ser bem legal visitar uma
fábrica de refrigerantes. Você já foi.
_ Umas três vezes.
_ Que barato! Como é? Eu nunca
fui.
_ Nada demais. Eles deixam a
gente ver os maquinários. Mas a maior parte do tempo tu passas num auditório
ouvindo uma palestra. Propaganda pura. O legal é que tu podes tomar
refrigerante de graça.
_ Mesmo?
_ O quanto quiseres, guria.
Anabel ficou imaginado como seria
visitar uma fábrica de refrigerantes. Imaginou todo mundo espichando uma caneca
pra pegar refrigerante direto de uma torneira.
Como Simone predissera, Alex e
Fred se comportaram como duas verdadeiras moças. Não fizeram nada de
errado.
No dia marcado, partiram bem cedo
para a fábrica. O ônibus estava cheio. Todo mundo não parava de brincar. Fred e
Alex, sentados na última poltrona, já voltaram a ser os mesmos de sempre.
Tudo ocorrera como Simone
relatara. Com a diferença de não ter a torneira que Anabel imaginara, os
refrigerantes eram servidos em garrafas, as mesmas que Anabel adquiria todos os
dias na cantina do colégio.
Eles ofereceram mais
refrigerantes, mas apenas Fred topou uma segunda rodada. Não fora o que
esperava, mas era melhor do que estar na escola.
A excursão acabou e todos
entraram no ônibus. A bagunça recomeçou geral.
Depois todo mundo sossegou e
passaram a admirar a paisagem ou conversarem num tom civilizado.
A excursão estava terminando. Os
meninos voltaram a fazer barulho. Já estavam perto de casa. Alguns alunos
começaram a descer do ônibus.
Alex estava lá trás. Anabel e
Simone estavam sentadas juntas.
De repente, Fred bateu em seu
ombro e falou:
_
O Alex está te chamando, guria.
Anabel olhou pra trás. Ele estava
sentado na última poltrona e agora a chamava para ocupar o lugar que fora de
Fred.
_ O que ele quer? _ Perguntou
Anabel para Fred.
Simone e Fred soltaram uma
gargalhada.
_ Quer ficar, guria._ Disse
Fred._ De que planeta tu vens?
_ Como assim ficar?!
_ Beijar na boca. _ Disse Simone.
_ Lá no Rio os guris não fazem isso?
Sim, faziam, mas ela nunca tinha
feito. Imaginara que o seu primeiro beijo fosse uma coisa muito especial. E nos
últimos tempos imaginou que quem lhe daria o seu primeiro beijo fosse Fernando.
Não o dispersaria o seu primeiro beijo com alguém como Alex, que beijava qualquer
garota que aparecesse na sua frente.
Olhou de novo para ele. Sorria,
com aquele jeito zombeteiro de sempre.
Será que queria beijá-la
realmente ou era apenas uma brincadeira? O que ele ganharia com isso?
_ Fala pro teu amigo que eu não
vou ficar com ninguém. _ Disse para Fred.
Ele riu alto e voltou para seu
lugar.
_ Por que tu não ficaste com o
guri?_ Perguntou Simone.
_ Fica você.
_ Já fiquei. _ Disse Simone.
Anabel ficou espantada.
_ Você gosta dele?
_ Não. Já faz uma pá de tempos,
guria.
_ Mas gostava?
_ Gostava. Mas agora não gosto
mais. Mas não estou falando de mim. Estou falando de ti. Por que não ficaste?
Ele é bem bonitinho.
_ E eu sou feia?
_ Não quis dizer isso.
_ Mas falou.
_ Quantos meninos tu já beijaste,
guria?
Anabel desviou o olhar. Era amiga
de Simone, mas não queria dizer para ela que nunca tinha beijado ninguém.
Revirou-se na poltrona.
_ É melhor eu me levantar. Já
está na hora de descer do ônibus.
_ Ainda falta um pouco guria. Já
desconfiava. Tu nunca beijaste ninguém.
_ Quem te contou?
_ Ninguém. Está escrito nos teus
olhos, Anabel. Eles são transparentes como água.
_ Já está na hora de descer.
Anabel foi pra frente do ônibus.
Duas meninas estavam no banco de trás. Deviam estar acompanhando toda a
conversa, pois de repente ficaram quietinhas. Anabel estava na boca do povo.
Tudo culpa de Fernando. Se ele a
tivesse beijado antes, não estaria numa situação daquelas.
Desceu do ônibus e não teve
coragem de se despedir de ninguém.
_ Te amo, Anabel. _ Ouviu Alex
gritar lá de cima.
Não olhou. Não quis olhar. Se ele
soubesse de tudo estaria perdida.
CAPÍTULO XV
Simone não pudera vir naquele
dia. Era uma pena. Já estava ficando craque. Pegou algumas ondas e depois foi
sentar-se debaixo de uma amendoeira. Não era legal ir à praia sozinha.
Ouviu uma pequena discussão ao
seu lado. Quando olho, levou um susto. Alex puxava uma menina pelo braço.
_ Vamos._ Ele chamava.
_ Não. _ Mas ela estava rindo.
Eles estavam perto de uma canoa e
ele já estava com os remos na mão. Talvez fosse de algum pescador, pai ou irmão
dela. Ela até que emprestava a canoa, mas não tinha coragem de ir com ele, por
mais vontade que tivesse.
_ Vamos? _ Ele chamou Anabel.
Ela acenou que não com a cabeça.
Como ele tinha coragem? Não
importava com qual menina iria. Para ele tanto fazia. Anabel analisou a menina.
Era bonita. Mais que ela, com certeza. Se Anabel fosse Alex, não fazia a troca.
Mas pra ele não importava. Que tipo de garoto era aquele?
Como a menina, também tivera
vontade de ir. Mas como ela, também se negara a fazer o passeio. Ele não era
mesmo do tipo a quem se deve dar a mínima confiança. Nunca conhecera alguém
como ele. Era como se fosse desprovido de sentimentos. Os garotos que conhecera
antes, não lhe devotavam nenhum tipo de simpatia. Já Fernando, era todo atenções,
mas mantinha uma certa distância respeitosa. Já Alex, se mostrara pronto a
beijá-la, sem nenhuma restrição. Mas não
vinha nele sentimento algum. A princípio, chegara mesmo a pensar que era só
brincadeira. Que ele não tinha vontade alguma de beijá-la. Mas ele queria sim.
Será que ele fazia algum tipo de coleção? Mas com ela não colava. Ela não era
nenhum tipo de selo.
Mas a menina acabou aceitando e
os dois partiram para o mar. O problema era dela. Talvez Alex também fosse
algum tipo de selo para ela. Não dava pra dizer que as meninas só beijavam os
meninos quando estavam apaixonadas. Algumas meninas faziam com eles o mesmo que
eles faziam com elas: Foi muito bom beijar você, mas agora adeus, ou até
qualquer dia.
Resolveu entrar no mar sozinha. O
dia estava quente e claro, mas ventava um pouco e fazia frio. Mergulhou, virou
cambalhota. A água estava gelada. Lembrou-se de Fernando. O que deveria estar
fazendo agora? Será que pensava nela? Era claro que não! Ela não tinha a mínima
importância para ele.
Deu algumas braçadas. A água
estava mesmo muito gelada. Será que devia ter aceitado o convite de Alex?
Não,aquilo não era certo. Por que ele deixaria a menina de lado para sair com
ela? O que Alex realmente estava pretendendo. Ele não era como Fernando.
Fernando tinha alguma coisa nos olhos que a fazia se sentir diferente. Alex era
muito enigmático. Não sabia o que ia por seus pensamentos. Ele tinha olhos de
quem não dizem nada.
Resolveu voltar para casa. Não
era legal estar na praia sozinha. Até Alex era uma companhia melhor do que
nada.
Olga foi à frente da classe para
iniciar o trabalho. Não era bem do tipo popular, uma estranha no ninho,como
muitas vezes se sentia Anabel naquela escola.
Olga era estranha, é bem verdade,
mas não tanto para receber tantos agravos como recebia.
Os demais do grupo haviam
faltado. Uma dor de barriga coletiva? O professor não deu moleza. Ou Olga
apresentava sozinha ou ficava sem a nota.
Sentiu que a garota arrastava os
pés. Pareceu não dar confiança para os risos. A turma já começava a caçoar
antes mesmo da garota abrir a boca. Fabríca parecia liderar as alfinetadas.
Logo Fabrícia.Que vontade de rir.Não queria se meter, mas logo Fabrícia. Qual
é? A garota não tinha espelho em casa? E porque Olga não a colocava em seu
devido lugar?
A bagunça estava geral. O
trabalho havia começado e o professor não falava nada. Olhou nos olhos de Olga.
Estava na cara que ela não suportava aquele lugar. Ir à escola não passava de
uma obrigação.
Eles depreciaram sem pena e sem
dó, sem nenhum motivo aparente. Anabel olhava um por um. Fabrícia, Fred, Alex,
cada um tinha uma piadinha para soltar para a menina. Céus, o que uma pessoa
tem que fazer para ganhar pontos? Entendeu a dor de barriga coletiva daquele
grupo. Apresentar um trabalho naquela turma era o mesmo que ser atirado numa
arena de leões.
Olga mantinha-se quase
fria.Falava sobre o trabalho. Escorregava aqui, mantinha-se firme ali. Por hora
brincava também e em outros despejava respostas cáusticas. Ninguém é de ferro.
Olga detestava todos eles. Estava escrito em sua testa.
Fabrícia ficou sem graça, mas não
se deu por vencida. Fred calou a boca logo que foi confrontado com uma resposta
inteligente em rebate a uma coisa errada que ele julgava certa.
Simone ajudava. Simone era uma boa
alma. O trabalho terminou e o professor deu os parabéns.
Anabel sentiu nojo de tudo
aquilo. Nojo de seus amigos, se assim os podia chamar, que diziam toda sorte de
desaforos a fim de unicamente desestabilizar o trabalho da colega. Nojo do
professor que não tinha forças para combater uma turma tão insuportável. Anabel
não era cega. Ele também não gostava deles. Ele simplesmente se deixara vencer.
Entrava na sala. Comentava a matéria em respeito a quem viera realmente
estudar. Recebia outros comentários jocosos e mandava de volta outros, que a
turma nem sempre tinha inteligência para discernir. Passava o dever. Fazia a
chamada. Vez ou outra olhava para o relógio e só dava um leve sorriso quando o
sinal já ia bater.
O pior de tudo fora o nojo que
Anabel sentira dela mesma por não ter defendido Olga. Simone não tivera
coragem? Por que Anabel ficara quieta? Sabia a resposta. Era uma covarde. Não
podia entrar em atrito com aquela gente. Não era como Simone, a queridinha de
todos. Estava do outro lado, como Olga e o próprio professor. Naquela sala,
para sobreviver, era necessário matar um leão por dia.
CAPÍTULO XVI
Anabel preparara com afinco o seu
projeto de Ciências. Estava determinada a dar o melhor de si. Gostava de fazer
suas coisas com perfeição.
_ Já está sabendo, guria? _ Alex
perguntou.
_ O quê? _ Espantou-se Anabel.
_ Teu projeto de Ciências.
_ O que tem ele?
_ Não sei se vai rolar. Só tem
lugar pra uma apresentação. Vão ter que escolher entre a tua idéia e a da
Bianca.
_ Quem te falou isto?
_ A coordenadora.
_ Legal! E o que eu faço com o
meu projeto? Jogo fora? Eu estou trabalhando nele há um tempão.
_ Sei lá. Você não começou
primeiro? Tem o direito de ficar com a vaga.
_ Eu nem vou falar com a
coordenadora. Acho que vou jogar tudo fora.
_ Calma, guria. Não joga nada
fora. Resolve tudo primeiro.
_ Valeu pelo toque. Vou resolver
isso.
Pediu licença e entrou na sala da
coordenadora. Estava trabalhando naquele projeto há um tempão. Se não tivesse
apresentação, não ia mais ficar em cima dele.
_ O Alex me disse que só tem
espaço para uma apresentação e o que eu vou fazer? A senhora sabe que eu estou
trabalhando nele há um mês. A Bianca teve esta idéia na semana passada.
_ Mas a Bianca está tão
interessada.
Não precisava falar mais nada. Já
sabia que a coordenadora ia escolher o da Bianca.
_ Tá legal. Vou jogar o projeto
fora.
_ Calma, Anabel. As coisas não
são resolvidas assim. Vamos esperar.
_ Eu não vou ficar trabalhando
sem saber se vai dar para apresentar o meu projeto ou não.
_ Vamos esperar.
_ Amanhã eu volto para saber a
resposta.
Não ia ficar mais ralando em cima
de um trabalho que já tinha certeza que não ia rolar.
Simone e Alex estavam conversando
perto da cantina.
_ E aí, Anabel._ Chamou a amiga.
_ O que a coordenadora disse?
_ Que vai esperar. Vou jogar tudo
fora.
_ Mas isso não pode ficar assim. _
Indignou-se a amiga. _ Tu estás trabalhando nisso há um tempão. Não está certo,
guria.
_ Deixa pra lá. Jogo fora e
pronto. Valeu por me avisar, Alex.
_ De nada, guria.
_ Tu vais deixar barato? _
Espantou-se Simone.
_ Que jeito? Eu sei como são as
coisas. Já vi que ela está do lado da Bianca.
Isso era desanimador. Irritante
mesmo. Como as coisas podiam ser daquele jeito? Não dava para espernear. Aquilo
era coisa de criança. Não ia dar aquele gostinho a ninguém.
_ Mas o teu projeto é muito mais
legal. _ Argumentou Simone.
_ Se o critério for beleza, tu já
perdeste, Anabel. _ Disse Alex, com um sorriso zombeteiro nos lábios.
Não estava esperando aquilo dele.
Não naquele momento. Fora tão legal se preocupando com ela e avisando-a. No
entanto jogara aquilo na cara dela de forma vil e cruel. Ninguém precisava
dizer-lhe que Bianca era mais bonita que ela. Aquilo estava na cara. Ele não
parecia ter se importado muito com isso. Não estava triste porque a outra ia
levar algum tipo de vantagem sobre ela.
Levou o caso na brincadeira. Não
queria que ele percebesse que a havia magoado.
Não sabia o que doía mais. Se era
o fato de tanto tempo de trabalho escorrer pelo ralo ou um garoto a chamar de
feia. Ele não precisava ter dito aquilo. Achou que ele não a achasse tão feia
assim. Já quisera a beijar uma vez. Qual era a daquele garoto? Tá certo que
mais uma, menos uma, não fazia diferenças para ele. Mas o que fazia um garoto
querer beijar uma garota que ele considerava feia?
Teve vontade de voltar para o
Rio. Para perto de sua avó e seus primos. Da escola onde estavam seus amigos.
Que saudade de Fernando. Ele
jamais lhe dissera uma coisa daquelas.
Queria ir embora e nunca mais
voltar. O que havia de errado com ela? Sentia-se feia. Mas o que ia fazer? Não
haveria mágica que a fizesse ser mais bonita que a Bianca. Era questão de
nascimento.
Recebeu uma carta de Helena. Era
a resposta à última carta que lhe enviara.Que bom. Abriu o envelope e encontrou
a letra que tão bem conhecia. Quanta saudade da amiga.
Amiguinha Anabel,
Respondendo a sua pergunta, eu
estou ótima. Estou com muitas saudades, das farras e das nossas conversas e de
nossas brincadeiras.
Tenho uma ótima notícia.
Conheci um rapaz fantástico. Ele está mudando a minha vida de verdade. Está me
fazendo um bem que você nem imagina. Estamos juntos há apenas quinze dias e já
descobrimos tanta coisa em comum.
Ele é uma pessoa maravilhosa.
Gostaria que você o conhecesse. Espero que tudo aí esteja bem. Espero que você
também arrume alguém e desencalhe logo de uma vez. Te adoro!
Dê lembranças aos seus pais.
Volte logo. Estamos todas morrendo de saudades de você.
Beijos e beijos
Da sua
amiguinha
Helena.
CAPÍTULO XVII
_ Não tem ninguém para ir
contigo, guria? _ O homem perguntou, enquanto ela lhe estendia o bilhete.
_ Não. _ Disse Anabel, sem jeito.
Simone furara. As outras meninas
que conhecia estavam com os namorados. Arrependera-se de ter vindo. Combinaram
de ir ao parque. Anabel não estava muito animada, mas não queria ser desmancha
prazer. Não queria ser apontada como a garota que não entra na turma.
_ Tem uma guria sozinha aqui na
roda-gigante._ Gritou o homem para o parque.
Anabel gelou. Aquilo era uma
vergonha maior do que podia suportar. Além do mais, não iria andar na
roda-gigante com alguém desconhecido.
_ Está bem. _ Disse Anabel já
dando meia-volta. _ Eu desisto.
_ Eu vou contigo. _ Disse Alex,
estendendo o bilhete pra o homem.
Era a primeira vez que realmente
se sentia agradecida a ele.
_ Mas nada de beijo. Entendeu?_
Ela disse enquanto eles sentavam-se.
_ Tu não tens muito pra onde
fugir. _ Ele disse rindo.
_ Pára, moço. _ Gritou Anabel.
Mas já era tarde e a roda começou
a girar.
_ É brincadeira. _ Ele riu.
Eles ficaram em silêncio. Não
tinham o que conversar. Não eram mesmo amigos.
_ Por que você quer me beijar?_
Ela perguntou de repente.
_ Por que você não quer?
_ Sei lá.
_
Tu nunca beijaste nenhum guri, não é?
_ Quem te disse isso?! _ Ela
assustou-se.
_ Todo mundo sabe.
_ Essas garotas são umas
fofoqueiras.
Ele deu uma gargalhada.
_ Não acha que já está na hora de
experimentar? Não sabe o que está perdendo.
Olhou para o rosto dele,
iluminado pelas luzes do parque. Era mesmo bonito. Por que não se importava de
beijá-la? Fernando não toparia. Talvez Alex tivesse razão. Estava na hora de
experimentar.
_ Está bem. _ Ela concordou.
Ele não deu tempo para que ela
pensasse duas vezes e se aproximou. Arrependeu-se na mesma hora em que
aceitara, mas seu rosto já estava próximo demais. Era tarde e ele iniciou o
beijo.
Não foi tão
ruim como imaginara que seria, mas passou longe do que sempre imaginou que
seria o seu primeiro beijo. Pronto! Estava desperdiçado. Não há uma segunda chance
para o primeiro beijo.
A
roda-gigante parou e eles desceram. Era melhor ir para casa.
_ Vou pra
casa. _ Ela disse para Alex.
_ Tá cedo.
_ Estou
cansada.
_ Quer
companhia? _ Ele perguntou com aquele sorriso que ela conhecia.
_ Não,
obrigada.
_ Tchau,
então. _ Disse ele lhe dando um selinho e sumiu no meio do parque.
Realmente
desperdiçara o seu primeiro beijo. Tanto fazia. Podia ter sido pior. Uma amiga
lhe contara que seu primeiro beijo fora horrível, mas com Alex parecia que tudo
tinha saído normal. Tivera medo que ele não gostasse. Mas ele não reclamou de
nada. Então estava tudo bem.
Ficou com medo que no outro dia
ele espalhasse para todo mundo que havia a beijado. Mas quando chegou, tudo
parecia normal. Ninguém ria ou cochichava pelos cantos. Até Alex a tratou como
nada tivesse acontecido. Talvez o seu primeiro beijo não tivesse acontecido e
fosse apenas um sonho. Como queria que aquilo fosse verdade.
CAPÍTULO XVIII
O mar não
estava pra peixe. Ou melhor, para jacaré. As ondas estavam muito pequenas.
_ Desisto.
_ Disse Fred. _ Vou pra casa jogar um game.
_ Também
vou. _ Disse Simone.
_ E eu. _
Falou Anabel, já se preparando para sair do mar.
_ Vai não,
guria. _ Disse Alex segurando Anabel
pela mão. _ Vamos ficar mais um pouco.
_ Ih,
Simone. Vai ter gente beijando na boca hoje.
_ Então
vamos logo, guri, que já estamos sobrando.
Anabel
tentou ir, mas Alex a segurava pela mão. Ele aproximou sua prancha da dela. E
passou a mão pelos seus cabelos.
_ Tu tens olhos lindos, guria.
São da cor do mar.
Era a
primeira vez que ele falava algo bonito para ela. Nem mesmo quando a beijara na
roda gigante, lhe falara algo assim. Não se incomodou quando ele se aproximou e
a beijou.
Esse beijo
não foi como o primeiro. Foi melhor. Foi quase como se houvesse mesmo algum
tipo de sentimento entre eles. Mas ela sabia que isso não era verdade. Ela não
amava Alex. Ele não amava ninguém.
_ Vamos
embora? _ Perguntou Anabel.
_ Vamos. _
Ele concordou sem nenhuma resistência.
Parecia ser
desprovido de qualquer sentimento. Onde estava o cara sensível que falara de
seus olhos há dois minutos atrás. Já conseguira o beijo. Que mais
importava?
O ano
estava terminando. Logo. O curso do pai terminaria também. Finalmente poderiam
voltar para o Rio. Voltar para a escola e terminar a escola com as meninas.
Parecia que havia se passado um século. E fora apenas meses.Logo tudo voltaria
ao normal. Será? Aprendera um pouco mais
que surf naquele lugar. Sentiria falta de Simone. Será que sentiria de Alex.
Ele havia lhe dado o seu primeiro beijo. Mas o que aquilo realmente significava
para ele? Nada.Não podia julgá-lo. Usara-o da mesma forma que ele a havia
usado. Se igualara a ele. Não era muito melhor que o rapaz. Muito em breve aquilo
seria página virada em sua vida. Será que veria Fernando novamente? E Fernando?
Será que ainda se lembraria dela?
CAPÍTULO XIX
_ Vamos
beijar na boca hoje? _ Alex perguntou.
_ Vamos. _
Ela aceitou.
Já estava
mesmo de partida. Seria a última vez. O que tinha?
_ Está indo
pra casa?
_ Estou.
_ Eu te
levo.
Eles se
despediram de Simone.
Tão logo
chegaram a sua rua, ele a beijou. Não
foi como das outras vezes, nem ao menos como da primeira vez. Não gostou de
beijá-lo pela primeira vez. Fora um erro ter aceitado. Nunca mais iria
beijá-lo.
_ Vamos
logo! _ Ela disse.
Eles
caminharam de mãos dadas. Quem os visse assim, pensariam até que eles eram
namorados. Mas eles não eram. Nunca foram.
_ Tu voltas
para o Rio mesmo?
_ Volto.
_ Quando?
_ Daqui a
uma semana.
_ Lá tem
muita guria bonita.
Era tudo
que ele tinha para dizer. Não pediu para que ficasse. Não pediu seu novo
endereço. Que tipo de relacionamento sujo era aqueles que eles tinham?
Fora um
erro desde o princípio. Não iria ter um relacionamento assim com mais ninguém.
Quando chegaram em sua casa, ele tentou beijá-la novamente, mas ela não deixou.
Ele não pareceu se importar muito. Nunca
se importava com nada.
_ Adeus,
Alex.
_ Adeus,
Anabel.
Naquele
momento soube que não o veria nunca mais. E sentiu-se até aliviada com
isso.
Não fora uma boa idéia ter se
envolvido com Alex. No princípio achara que ele a estava querendo fazer de
boba. Mas ele quisera beijá-la mesmo. Tanto é que o fizera algumas vezes. Mas as coisas continuavam na mesma.
Nenhum tipo de cumplicidade havia entre os dois. Não era como Fernando que a
olhava de um jeito tão diferente que a fazia se sentir nas nuvens. Sentir-se
uma pessoa especial.
Alex não fazia isso com ela e
talvez com ninguém. Alex não sabia amar. Não queria se tornar alguém como ele.
Era hora de colocar um ponto final naquela história. Não tinha começado bem.
Não podia dizer que era a mocinha enganada que se deixara envolver com alguém
que pisara em seus sentimentos. Também não tinha grandes sentimentos por ele.
Ela e as outras meninas
contribuíam para que Alex fosse o que era. No final era tudo chumbo
trocado.
CAPÍTULO XX
Finalmente estava voltando para o
Rio. Pensou que nunca mais voltaria. As aulas já estavam quase começando. Iria
voltar para o colégio. Rever as meninas. Ia ser tão legal.
Finalmente as aulas começaram.
Estava próximo do feriado de carnaval. Poucos alunos estavam lá. Logo que
chegou, encontrou Helena, Laís, Aline e Romão. Foi tão bom revê-las. Ninguém mais chegou. Apenas as
cinco, naquele dia. A professora se espantou que só tivessem as cinco naquela
aula.
_ O nosso grupo é assim mesmo.
Aquilo soou estranho para Anabel.
Ela não se incluía mais naquele grupo. Passara quase um ano fora. Tanta coisa
devia ter acontecido. Sentia-se um peixe fora d’água novamente. Aquele era o
último ano delas na escola. Em breve se lançariam cada uma para o seu lado.
Tinha que aproveitar aquele ano o mais que pudesse.
Mas era como se de repente, não
fizesse mais parte de grupo nenhum. Como estariam Simone, Alex, Fred? Era o
último ano deles também.
Depois do carnaval as aulas
voltaram ao normal. Alguma coisa tinha se partido. Anabel sentia-se uma
estranha no ninho novamente.
O primeiro trabalho de grupo foi
marcado. Ia ser na casa de Helena. Fernando estaria lá. Como ansiara em
revê-lo.
_ Meu primo está lá em casa de
visitas._ Disse Helena._ Ele vem me buscar na escola hoje. É um gato. Aposto
que você vai gostar.
O garoto veio realmente. Não era
um gato, como Helena dissera. Um pouco mais velho do que esperara e bem mais
feio. O coração de Anabel disparou. Fernando estava com ele. Tão bonito, como
sempre.
Então ela realmente voltara.
Pensou Fernando. Estava lá, entre as outras, como antigamente. Teve vontade de
correr até ela. Abraçá-la. Dizer que sentira sua falta e que aquele grupo não
era o mesmo sem ela. Mas tinha alguma coisa em Anabel o fazia se sentir tímido
como uma menina de quinze primaveras. Resolveu tratá-la como se tivessem se
visto pela última vez há dois dias atrás.
Anabel estava com ele depois de
tanto tempo. Seu coração estava disparado. Há quanto tempo isto não acontecia.
Só Fernando tinha este poder sobre ele.
Eles andaram um pouco pela rua.
Riram, brincaram. Talvez tudo voltasse ao normal. Anabel tinha que dar tempo ao
tempo.
Suely e Carmem não participariam
com elas naquele trabalho. Por outro lado, Marina, também participaria. A
professora propôs que era bom fazer alguma variação, para que os grupos não
ficassem sempre os mesmos.
Anabel
sentiu-se estranha, tão logo colocou os pés no portão de Helena. Parecia fazer
tanto tempo em que estivera ali pela última vez.
Como ela já sabia, Fernando
estava lá. Ele nunca perdia um trabalho delas.
Ela está diferente. Ele
pensou. Não é mais a mesma. Parece tão distante. Tão séria. Quase nem me
olha nos olhos. Será que ela não gosta mais de mim? Será que se apaixonou por
alguém lá no Sul?
Aproximou-se
de Laís. Ela sim. Sempre a mesma, com aquele olhar sedutor. Com ela podia
contar.
Ela sorriu
para ele. Conversaram algumas bobagens. Sabia que Anabel os estava observando.
Ainda que tentasse disfarçar.
Ele está
com ela. Finalmente conseguiu. Será que estão namorando?
Não queria
olhar para os dois. Perdera Fernando para sempre. Laís era dona de seu coração.
De repente
Marina arregalou os olhos e apontou os dois. Anabel olhou. Fernando a levantara
nos braços, como fizera um dia com Helena e Anabel. Era a marca registrada
dele. Fazia aquilo para se apresentar. Laís sorria. Devia estar adorando. Pedia
para que Fernando a soltasse, mas não fazia a mínima força para descer. Estava
muito bem agora.
Perdera-o.
Era o fim. Laís conseguira vencer a última batalha e agora recebia o seu
troféu. Tanto quisera voltar para o Rio e agora estava ali. Sem Alex e sem
Fernando. Alex podia até não amá-la, não tratá-la bem, como fazia Fernando. Mas
pelo menos, a beijara algumas vezes. E só não beijara mais vezes por que ela
não quisera. Talvez tivesse errado. Talvez devesse ter investido nele. Nunca o
tratara bem. Como queria ser amada por ele?
Deram uma
pausa para o lanche. Fernando também veio e sentou-se junto com ela. Ela
parecia enfadada com a conversa das outras. Piscou para ela. Mas ela tinha
desviado os olhos. E que olhos! Olhos que não saíam de sua cabeça. Tentava
tirá-la de sua cabeça, mas era atraído por ela. Não entendia por que.
Uma menina
disse uma asneira e ele de repente conseguiu captar seu olhar. Ele sorriu e ela
sorriu de volta. Por uns instantes eram cúmplices em alguma coisa. Por que
tinha que ser atraído por ela? Estava tão estranha. Por hora mostrava que ainda
era interessada nele. E outras, total indiferença.
_ Está
triste? _ Ele perguntou.
_ Me dei mal
numa prova. _ Ela disse.
Em parte
falava a verdade. Dera-se mal e estava muito triste, mas o maior motivo de sua
tristeza era o interesse que ele agora demonstrava por Laís.
Perdera
espaço para a outra. Culpa dos pais que viviam pulando de galho em galho. E o
pior de tudo é que nunca lhe deram um irmão ou uma irmã. Seria bom ter alguém
para dividir suas desventuras. Um irmão a protegeria de caras como Fernando.
Ele a defenderia sempre. Uma irmã podia ser sua confidente e então ela poderia
lhe contar de toda dor que ia em seu peito agora.
Só quem
nascera e crescera sozinho em uma casa é que podia entender a sua solidão.
Ninguém que tinha um irmão era sozinho. Queria tanto ter alguém que tivesse
nascido da mesma barriga que ela. Alguém que tivesse as mesmas características
físicas dela.
Helena se
parecia com Fernando e vice-versa. Mas ela não se parecia com ninguém. Era
sozinha no mundo. Uma pessoa ímpar. Não conhecia ninguém que fosse igual a ela.
Que tristeza sentia por isso.
Terminaram o
trabalho mais rápido do que esperava e pode ir logo pra casa. Talvez não fosse
uma boa idéia ter vindo. Não iria suportar ver Fernando e Laís juntos.
CAPÍTULO XXI
_ Falei do Alex pra o meu irmão. _ Helena
disse de repente.
_ Por quê? _
Anabel perguntou.
_ Sei lá.
Acho que o meu irmão é muito convencido.
_ O que ele
disse?
Anabel
estava curiosa.
_ Acho que
não gostou muito. Ele disse: “Essas garotas são muito estranhas. Ontem mesmo
estava ligadona em mim e agora está gostando de outro cara.”
Que ele
pensasse assim. Anabel estava amuada. Não gostara nada de vê-lo pegar Laís no
colo. Era bom que ele tivesse o troco.
_Por que
você não vai almoçar amanhã lá em casa?_ Helena perguntou.
_ Quem mais
vai?
_ Só eu e
você. Depois podemos dar umas voltas. O que você acha?
_ É. Não
seria má idéia.
Depois da
escola elas foram para a casa de Helena.
A casa
estava vazia. Fernando não estava lá . Era primeira vez que pisava lá, desde o
dia em que fizera um trabalho e o vira levantar Laís nos braços.
Almoçaram e
riram sobre as mesmas piadas. Era estranho estar ali sem as outras meninas. Se
fechasse os olhos, poderia ouvir o barulho das risadas. Tinha sido há pouco
mais de um ano. No entanto, parecia que tinha sido há séculos.
_ Por que você não quis fazer o último
trabalho aqui em casa? _ Perguntou Helena.
_ Por nada.
_ Respondeu Anabel. _ No próximo eu venho.
_ É bom ter você de volta. Achei que nunca
mais voltaria. Escreveu para o Alex?
_ Não.
_ Por quê?
Helena
estava curiosa.
_ Não temos
nada a dizer um para o outro.
_ Você não
gostava dele?
Não. Não
gostava. Pensou que talvez pudesse gostar. Mas não conseguia esquecer Fernando.
_ Não sei.
_ Como você
não sabe?_ A outra se espantou. _ Não se beijaram algumas vezes?
_ Sim.
_ E então?
Se ela não
conseguira se apaixonar de verdade por ele. O mesmo acontecera com Alex. Nunca
demonstrara algum tipo de sentimento por ela.
_ Pra ele
não faz muita diferença.
_ Não tem
saudade dele?
Helena
estava estranhando tanta frieza.
_ Não.
_ Por quê?
Por que fora
um erro desde o princípio. Não devia ter
desperdiçado o seu primeiro beijo com Alex. Ele não merecia. Estava errada. Não
se pode forçar uma situação. Se Alex de alguma forma brincara com os seus
sentimentos, da forma igual ela agira e se sentia errada por isso. Queria
esquecer tudo aquilo. Passar uma borracha em tudo aquilo. Esquecer de tudo.
_ Não quero
vê-lo nunca mais.
_ Tem muita
raiva dele?
Não era
raiva dele. Talvez fosse raiva dela mesma. Mas não queria falar daquele
sentimento para a amiga. Era feio demais. Um erro. Soubera desde o princípio.
_ Não tenho
raiva.
_ E por que
não quer vê-lo?
_ Não sei.
Apenas não tenho vontade.
_ Ele é
feio?
Por que ela
perguntava aquilo? Será que achava que alguém só a beijaria se fosse feio? Será
que Anabel não merecia ser beijada por um garoto bonito.
_ Não. Não
é. Ele até que é bem bonito. Onde está sua mãe? _ Anabel quis mudar de assunto.
_ Foi fazer
compras. Fernando a levou de carro. Logo
estarão aí.
Então ela
veria Fernando? O seu coração parecia que ia saltar pela boca. Poucos minutos
depois, eles chegaram. Anabel e Helena estavam no quarto ouvindo música. Elas
estavam deitadas no tapete.
Fernando
entrou no quarto.
_ Oi,
Anabel.
_ Oi, Fernando.
Ele já não
sabia se ela era tão feia assim. Já estava com dezessete anos. Parecia que
estava desabrochando. Algo nela mudara depois que voltara do Sul. Apenas não
conseguia saber o quê.
Helena lhe
contara do surfista que a beijara. Não gostou do que ouviu. Por que não a
beijara antes? Ela nunca tinha beijado ninguém e talvez esperasse que ele
fizesse isso. Mas ele não fez. Outro veio e tomou o seu lugar. Será que estava
apaixonada por ele? Como pudera mudar tanto em tão pouco tempo?
_ Vamos
logo, Anabel._ Chamou Helena. _ Não vamos ficar traçadas aqui durante a tarde
inteira.
Anabel se
levantou rapidamente, mas bateu com o quadril na quina da cama.
_ Que dor! _
ela falou. E deitou-se no tapete novamente.
A dor ia
passando e ela lembrou-se do dia em que Fernando pegara Helena nos braços,
quando não conseguira levantar do chão de dor. Queria que ele a levantasse
também.
Fernando a
viu se contorcer de dor. Teve pena dela. Lembrou-se da Anabel de antes, que
amava a ele somente. Teve vontade de a levantar dali. Tomá-la em seus braços.
Mas não o fez.
Anabel
levantou-se finalmente. Não ia ficar ali no chão a vida toda. Esperando por um
socorro que não chegava.
Quando se
levantou, Fernando estava muito próximo. E a olhava no fundo dos olhos.
Que olhos
lindos ela tinha. Misteriosos. Ele se perdia neles. Não resistiu e a levantou
nos braços.
_ Ponha-me
no chão, Fernando. _ Ela disse.
Estava sem
graça. Mas de repente era como se tudo continuasse igual. Fernando estava ali e
ela suspensa no ar. Era como se estivessem num filme. Só Fernando tinha o poder
de fazê-la sentir-se assim e mais ninguém. Alex jamais faria uma coisa como
aquela. Alex a beijara algumas vezes, mas só Fernando a olhava com tamanha
intensidade.
_ Alô,
Romeu. _ disse Helena. Quebrando o clima. – Ponha minha amiga no chão que eu
quero sair.
Ele jamais
seria o Romeu de Anabel. Não mesmo. Outro carinha poderia até tê-la beijado.
Mas não ele. É certo que ela já não era tão feia. Ou talvez até nem fosse mais
feia. Mas não era garota pra ele. Ele fora o capitão do time de futebol. O que
pensariam seus colegas? Não pensariam nada. Já fazia quase dois anos que não os
via. Cada um fora pra seu lado. Em breve Anabel e Helena também se formariam e
também não se veriam mais. Talvez assim ele se livraria daqueles olhos
penetrantes que cismavam em o perseguir.
Elas saíram
e nem perceberam que deixaram para trás Fernando perdido em seus pensamentos.
CAPÍTULO XXII
O final do
ano chegou. Ela nem ao menos percebeu. Talvez ninguém tenha mesmo percebido
nada. A preocupação com o vestibular tirou qualquer outro tipo de pensamento da
cabeça de qualquer um.
Até mesmo
Fernando ficara embotado em seus pensamentos, perdido entre um cálculo de
matemática ou uma fórmula de química.
Tudo parecia tão enevoado, envolvido por uma cortina de fumaça. Era como
se todos tivessem sido envolvidos por uma membrana de um mundo particular. Onde
tudo o que importavam era passar no vestibular. Não podiam passar uma vergonha
dessas. Ninguém podia ficar para trás. Dormia e acordavam pensando na tão
temível prova.
De repente
Anabel se deu com os convites da formatura nas mãos. Então tudo realmente
acabara? Como não tinha percebido. A formatura seria antes das provas de vestibular.
Não estava com cabeça para aquilo. Tinha que escolher uma roupa, ensaiar
aquelas musiquinhas de formatura. Como pensar nisso? Ainda tinha o vestibular
pela frente.
A roupa não
foi bem o que queria. Que importava? Queria que aquilo acabasse logo. Como um
robô, recebeu o canudo, tirou fotos com as amigas, a família. Fernando a
procurou para lhe dar os parabéns. Não podia faltar a formatura de Helena.
_ Parabéns._
Ele disse enquanto apertava suas mãos.
Ela estava
tão diferente. Tão distante. Na certa não o amava mais. Talvez pensasse no
surfista que deixara em Santa Catarina. Ou no carinha de Juiz de Fora. Que
importava? Ele não fora nada de significante na vida dela.
Ele segurava
sua mão e ela não o veria nunca mais! Que importava o orgulho? Que importava o
fato de que ele nunca a tivesse amado? Era a última vez que estavam juntos. Às
favas qualquer tipo de orgulho nesta hora. Abraçou Fernando pela primeira e
última vez.
Ela
circundou seus ombros com os braços e ele a apertou, trazendo mais o seu corpo
para junto de si. Era estranho que ele a tivesse nos braços daquele jeito. Era
a primeira vez que eles ficaram tão juntos. Fora ela quem iniciara o abraço,
ele não tinha culpa. O salão estava cheio. Ninguém ia achar estranho que
estivessem abraçados. Ninguém nem mesmo ia reparar neles. Por que não a tinha
abraçado antes? Por que perdera tanto tempo?
Ela sabia
que o abraço estava demorando mais do que o habitual, mas não tinha coragem de
sair dali. Era como se de repente, o mundo a volta deles estivesse parado e
nada mais existisse além da batida do coração dos dois.
_ Venha
tirar uma foto, Anabel. _ Uma amiga a puxou pelo braço.
Deixou-se
levar como uma criança pela mão. Não voltou os olhos para ver Fernando
novamente. Não queria que ele percebesse o quanto ficara tocada com o abraço
dos dois.
Ele ainda
ficou por alguns segundo vendo-a sendo arrastada pela amiga. Mas ela não olhou
para trás. Para ela, talvez o abraço não tivesse significado nada. Talvez nem
lembrasse que era a primeira vez que se abraçavam. Não ia ficar ali como um
tolo. Foi procurar Helena. Nunca mais veria Anabel, nem aqueles olhos
penetrantes.
Quanto
Anabel se virou novamente, ele já havia sumido na multidão. Ela não significava
nada para ele mesmo.
CAPÍTULO XXIII
Passou no
vestibular. Realmente não esperava. Não de cara. Ia mudar de vida, sentia isso.
As coisas finalmente entrariam nos eixos. Ia conhecer alguém que realmente
gostasse dela. Alguém diferente de Fernando e de Alex. Alguém que a amasse de
verdade. Que combinasse realmente com ela.
Mas tão logo
entrou na faculdade, percebeu que as nuvens não eram tão cor de rosa como
imaginara. Logo de cara travou amizade com uma garota chamada Michele. Mas tão
logo as aulas começaram, a menina não apareceu. Será que tinha desistido?
Aproximou-se
de um colega que morava perto de sua casa. Mas ela e o garoto não combinavam em
nada. Logo estabeleceu aquele tipo de amizade forçada e ela preferiu ir pra
casa sozinha. Salvo algumas vezes que iam juntos.
O “cara” da
turma era o Lucas. Ela percebeu de cara. E todas as meninas pareciam zumbir em
volta dele. Até mesmo ela, se ele dessa alguma chance. Mas o Lucas, como todos
os outros, nem fazia caso de sua existência.
A garota
mais ligada no Lucas era a Roberta, carinhosamente chamada de Beta. Logo, logo
as duas se aproximaram e tornaram-se “amigas de infância”.
Tânia morava
perto de Beta e era um pouco menos menina, parecia um pouco com Suely e Carmem.
Michele voltou às aulas e elas acabaram formando um quarteto. Estava formado o
grupo de Anabel.
Tão logo as
aulas começaram, a bomba estourou. O pai queria mudar novamente.
_ Não desta
vez, papai.
_ Você pode
pedir uma transferência, filha.
_ Papai, eu
já não estou mais na escola. Não posso jogar tudo pro alto. É o meu futuro. Vou
ter que ficar aqui.
_ Não sem
mim.
_ Eu não
posso ir.
_ Pode
trancar a matrícula.
_ De jeito
nenhum.
_ Filha
minha não mora sozinha.
_ Ela pode
ficar com outras meninas. _ Interveio finalmente a mãe. _ É uma espécie de
república. Muitos jovens estudantes fazem isso.
_ Não uma
filha minha.
_ Deixe de
bobagens, Milton. Nossa filha tem bastante juízo e não temos outro jeito.
_ Por que
não fica na casa da sua tia?
_ É longe,
papai. E além do mais, ela já está com a vovó. O apartamento é um ovo. Não cabe
mais ninguém lá. Onde vou dormir? No quarto dos garotos?
_ Nem
pensar!
_ Está
decidido. _ Disse Marilene. _ Vamos procurar um apartamento perto da escola e
encontrar algumas meninas.
Beta topou
na hora. Morava um pouco longe. Michele já morava sozinha. Tânia morava perto
do trabalho.Não ia valer a pena.
Uma garota
do quarto ano resolveu o problema. Ainda não tinham encontrado uma substituta
pra menina que tinha se formado no semestre anterior. Apertando um pouco, cabia
Beta. E ficou tudo resolvido.
Um
apartamento quase colado na faculdade. Que beleza!
Uma semana
depois, com os pais já longe e fechada em um apartamento com outras seis
garotas de tudo quanto é parte, que quase nada tinha a ver com ela. Céus! Já
não aprecia tão divertido assim. Geladeira com comida etiquetada. Quarto
lotado. Pouco espaço para guardar suas coisas. Cadê sua individualidade? Feliz
era Michele que morava sozinha. Mas Anabel não tinha idade nem estrutura para
encarar uma barra daquelas.
O professor
se demorava. Anabel lia um livro que pegara na biblioteca.
_ Quero
fazer uma brincadeira com você.
_ O que é? _
Perguntou para a amiga.
Era mais um
daqueles jogos psicológicos que Beta adorava.Um sorrisinho bailava em seus
lábios.
_Você está
numa estrada. _ Disse Beta. _ Encontra dois vasos. Como ele são? Novos ou
velhos?
_ Novos.
_ Como ele
sãos?
_ Branco e
azuis, de porcelana.
_ Você pega
ou deixa?
_ Deixo.
_ Agora você
encontra uma chave. Como ela é?
_ Dourada e
grande.
_ Nova ou
antiga?
_ Antiga.
_ Você pega
ou deixa?
_ Pego.
_ Muito bem.
Os vasos significam as amizades. Você sem facilidade para fazer amigos, mas não
consegue mantê-las por muito tempo?
_ Como
assim?
_ Vasos
novos, amizades novas. Mas você não os levou, como levou a chave..
_ Era
diferente. Estava perdida.
_ Também os
vasos.
_ Eram novos.
_ E daí?
_ Não posso
levar os vasos que pertencem às outras pessoas.
_ Mas levou
a chave.
_ Tá. _
Disse Anabel já impaciente. E essa chave? O que ela significa.
_ Essa chave
é um amor antigo que você carrega com você.
Na mesma
hora Anabel se lembrou de Fernando. Ainda não o esquecera. Talvez nunca
esquecesse.
_ Você
deixou os vasos _ Disse Beta.
Era estranha
a importância que Beta dava àquelas brincadeiras. Eram divertidas, Anabel não
podia negar. Mas não passavam de brincadeiras.
_ E daí? O
que você quer dizer com isso?
_ Que você
não se prende às suas amizades.
_ Não pense
que virou psicóloga com estes testes que você encontra em revistas de fofoca.
Beta sorriu.
Pegara no ponto fraco de Anabel. Ela estava irritada.
O professor
entrou na sala. Anabel abriu o caderno.
_ A aula já
começou. _ Disse para Beta. _ Depois a gente conversa.
Anabel não
conseguiu prestar atenção na aula. Beta tinha toda razão. Anabel não se prendia
mesmo às suas amizades. Qualquer coisa era motivo para se afastar das pessoas. Não
que ficasse brigada com elas. Apenas se afastava e pronto.
_ Perdi
alguma coisa importante? _ Perguntou Michele, que chegou atrasada.
_ Nada de
muito importante. _ Disse Anabel. _ A aula acaba de começar.
Anabel examinou
a outra de soslaio. Sempre tão linda. Tão elegante. Era pouquinho mais velha do
que elas e já parecia uma mulher. Trabalhava fora, morava sozinha. Sozinha
mesmo. Não com um bando de garotas, numa quase república, como Anabel e Beta.
Michele já era uma mulher. Anabel ainda ia ter que comer muito angu para ficar
como ela.
_ Veja, o
Poderoso chegou. _ Disse Beta entre os dentes.
Anabel olhou
para a porta. O Poderoso em questão era o rapaz mais bonito da turma. Não que
fosse tanto assim. Anabel era mais o Fernando. Sempre fora mais o Fernando em
todas as comparações que fazia. Mas o Lucas lhe chamara a atenção desde que
tinha lhe posto os olhos pela primeira vez.
Foi logo no
primeiro dia de aula. A turma não estava cheia. Ninguém parecia querer começar
de fato. Ele não lhe dera a mínima atenção, como já era de se esperar. Michele
começou na semana seguinte, estava viajando a trabalho. Ela e Anabel tinham se
conhecido no dia da matrícula. Os grupos já estavam sendo formados. Michele se
aproximou dela.
As duas
estavam juntas e o Lucas veio puxar assunto com elas, com Michele para ser mais
precisa. Uma semana e nada e no primeiro dia de Michele, lá estava ele, todo
solícito. Mas Michele não pareceu muito lisonjeada com a atenção do rapaz.
Parecia tudo muito natural. Devia ser muito bom ser uma beldade. Tinha muito
que aprender com a amiga.
Na faculdade
os grupos não eram tão fechados quanto no Ensino Fundamental e Médio. Ora se
fazia trabalho com alguma pessoa, ora com outras. Mas, na maioria das vezes,
Anabel, Michele, Beta e Tânia estavam juntas.
Michele e
Tânia pareciam mais adultas, Anabel e Beta ainda conservavam a meninice do
Ensino Médio. Viviam suspirando por Lucas e uns outros garotos do campus.
Talvez Beta se sentisse um pouco mais dona de Lucas, Anabel não levava tanto s
sério. Não ia se deixar levar mais por uma paixão não correspondida como fizera
com Fernando. Além do que, só Beta não enxergava que o Lucas estava com os qutaro
pneus arriados por Michele.
O Lucas
passou por elas e as ignorou como sempre fazia. Mas parou em frente Michele e
segurou em suas mãos.
_ Ele falou
com você. _ Disse Beta com um grande sorriso.
_ Ele é meu
amigo. Nada mais que isso. _ Disse Michele, tentando parecer nada afetada com
aquilo.
Mas Anabel sabia que não era só amizade. Não
era só amizade que via nos olhos do Lucas, quando ele olhava para a Michele.
Toda mulher sabe quando um homem está interessado nela. É um segredo entre os
dois. Segredo que muitas vezes vaza, porque os olhos costumam falar muito alto quando
se trata de amor. E os do Lucas estavam gritando, ainda que os de Michele
falassem baixinho, mas falavam. Anabel percebia e não ia se meter desta vez.
Ela e Laís
haviam disputado Fernando e nenhuma das duas levara nada. Mas no caso de
Michele e Lucas era diferente. Lucas estava interessado em Michele. Não cabia a
ela ou Beta se meterem. Não é justo se meter entre uma história de amor. É
feio, insuportável. As pessoas que se amam tem o direito de serem deixadas em
paz. É claro que a Michele não era tão interessada pelo Lucas quanto ela e
Beta, mas uma raiz de interesse estava lá, ainda que remota. O Lucas tinha o
direito de ser feliz.
CAPÍTULO XXIV
As meninas
resolveram lhe fazer uma visita. Há quanto tempo não se viam? Pareciam séculos.
Mas apenas se passara um ano.
_ Como está
a faculdade? _ Perguntou Helena.
_ Bem. _
Respondeu Anabel._ Você parece diferente.
_ Diferente
como?
_ Não sei. _
Alguma coisa em você.
_ Deve ser o
novo corte de cabelo.
_ Talvez.
_ É legal
morar sozinha?_ Perguntou Romão. _ Minha mãe jamais deixaria.
_ Não moro
sozinha. Moro com um monte meninas da faculdade. Na verdade, isso passa longe
de morar sozinha. Não podia acompanhar
papai.
_ Deve ser
legal ter liberdade. _ Disse Laís.
_ Sinto
falta dos meus pais.
_ Onde eles
estão agora? _ Perguntou Aline.
Ela estava
com as mãos em seu ombro e Anabel estranhou o gesto de carinho.
_ Em Manaus.
_ Longe! _
Espantou-se Romão. _ Já foi lá?
_ Neste
último feriado. _ Respondeu Anabel. _ Saí daqui de casaco e lá estava o maior
calor.
_ Viu o
peixe boi? _ Perguntou Carmem.
_ Vi. Tinha
também um filhotinho.
_ Que
gracinha. _ Disse Suely.
_ Nadou no
Rio Negro? _ Perguntou Romão.
_ Não.
Estava ventando muito, no dia em que fui. Lá é um pouco estranho. De repente
está sol, de repente está chovendo. O tempo é abafado, dá vontade de dormir o
dia inteiro.
_ Quando
seus pais voltam? _ Perguntou Laís.
_ Não sei.
_ Quando
eles voltarem, voltará a morar com eles?
_ Vou.
A conversa
girou sobre amenidades. De repente Helena lhe fez um convite.
_ Por que
você não vai almoçar comigo, amanhã?
_ Quem mais
vai?
_ Só nós
duas. Precisamos colocar a conversa em dia.
No outro
dia, logo após a faculdade, Anabel foi até a casa de Helena. Olhou algumas
vitrines antes de pegar o ônibus. Tinha medo de chegar cedo demais. Será que
Fernando estaria lá?
Chegou ao
portão e a amiga atendeu. A casa estava vazia. Sem os pais, sem Fernando.
Fechou os olhos e lembrou-se do primeiro dia em que estivera lá.
O tempo
passava velozmente. Tudo mudava. Menos o seu grande amor por Fernando.
Conversaram
um pouco. Almoçaram sozinhas. Era tudo muito estranho.
A mãe de
Helena chegou junto com Fernando. Eles sorriram, lhe fizeram festa.
Ele sabia
que ela viria. Helena avisara. Mas a mãe pedira que lhe levasse ao dentista.
Depois cismou de fazer umas compras. Ele tinha medo que Anabel fosse embora.
Conversaram
um pouco, riram. Mas ela estava diferente.
_ Mostre
para Anabel o retrato que tirou. _ Disse a mãe.
_ Retrato
para documento.
_ O que tem?
Está lindo!
Ele riu, sem
graça. Tirou os retratos da carteira. Nunca dera uma foto para ela. Nem ela
fizera o mesmo. Isso era coisa de namorados e os dois nunca seriam namorados.
Teve vontade de dar uma foto para ela. Será que guardaria em sua carteira? Mas
teve vergonha de lhe oferecer o presente.
_ Olha como
ficaram lindas.
Anabel olhou
para as fotos. Todas iguais. Ele realmente estava lindo. Mesmo com aquela cara
séria. Ele ficava lindo de qualquer jeito. Teve vontade de lhe pedir uma foto
para guardar de lembrança. Lembrança? Para que precisava de lembrança se não
deixara de pensar nele um só dia? Mas guardaria em sua carteira e poderia
contemplar o seu rosto todos os dias.
_ Sim.
Ficaram boas. _ Ela disse simplesmente.
Ela não lhe
pediu uma foto, como ele esperava que fizesse. Era bem capaz que não sentisse
mais nada por ele. Devia estar namorando um carinha da faculdade.
_ Não quer
comprar uma?_ Ele perguntou.
_ Claro que
não. _ Ela respondeu.
_ Pensa bem.
_ Ele ria._ Mas por dentro sofria com o seu desprezo.
Ela
realmente queria uma foto sua, mas tinha vergonha de pedir. Se ele simplesmente
tivesse lhe dado, aceitaria. Mas se aceitasse comprá-la, estaria admitindo para
todo mundo ali que ainda o amava.
Anabel teve
medo que adivinhassem o seu pensamento. Sorriu e mudou de assunto.
Ela parecia
mais adulta agora. Ele concluiu. Simplesmente o esqueceu. Onde estava aquele
brilho em sues olhos que sempre via quando estavam na escola? Os tempos eram
outros agora.
A mãe o
chamou para almoçar. Comida requentada. Odiava. Não se dá pra requentar o amor.
Ela estava fria. O esquecera. O que estava falando? Nunca lhe prometera nada.
Nem ao menos lhe dera o primeiro beijo. Um outro qualquer se encarregara de
fazer a tarefa. Se ela o amasse mesmo, não teria aceitado. Mas quanto tempo ela
teria que esperar por ele?
Acabou o
almoço e resolveu se deitar. Estava cansado. Um pouco deprimido. Por que ela
tinha que ter aparecido novamente? Estava muito bem sem ela. Ela não lhe fazia
falta nenhuma.
Uma outra
amiga de Helena chegara, podia ouvir as três conversando lá na sala. Que
importava? O tempo estava pesado. Logo, logo choveria. Que a chuva levasse
embora Anabel e todos esses pensamentos. Que importava? Acabou caindo no sono.
Helena tinha
uma nova melhor amiga, Anabel constatou. Analisou a moça da cabeça aos pés. Não
era bonita como Helena. Será que também gostava de Fernando? E este? Será que
também não se desfazia em atenções como fazia com ela e Laís.
Sentiu-se
triste, desencaixada, como um peixe fora d’água. Não conhecia as pessoas de
quem falavam. Era mais uma espectadora do que uma participante da conversa.
Fernando não aparecera mais. Não ligava mais pra ela. Logo, logo a chuva
cairia. Era melhor ir pra casa.
_ Vai
chover. _ Disse para Helena. _ É melhor eu ir pra casa.
_ Mas tão
cedo. Não íamos assistir a um filme?
_ Fica para
uma outra vez.
_ Está bem.
Vou te levar até o ponto de ônibus.
A mãe de
Helena veio se despedir, mas Fernando não apareceu.
Anabel,
Helena e a nova amiga caminharam até o ponto. Elas eram as novas amigas agora.
Anabel não passava de uma estranha. Olhou para o céu. A chuva não tardaria.
Então lembrou-se de que esquecera a sombrinha.
_ Minha
sombrinha. _ Disse Anabel. _ Esqueci. Vou lá buscar.
_ A gente
espera aqui.
Correu até a
casa. Procurou pela sala e então lembrou-se que a deixara no quarto de Helena.
Correu até lá. Na ida, passou pelo quarto de Fernando. A porta estava aberta e
ele dormia como um anjo. Sentiu um aperto no coração. Se ele a amasse, jamais
estaria dormindo agora. Ela não dormiria se soubesse que Fernando estava em sua
casa. Perdera-o para sempre. Na verdade
nunca o tivera. Mas antigamente, pelo menos ele lhe dedicava alguma atenção,
mesmo dividindo entre ela e Laís. Era melhor do que aquela indiferença.
Foi até o
quarto de Helena e achou a sombrinha, quando passou pela porta do quarto do
Fernando, não olhou. Não queria vê-lo nunca mais.Não fora uma boa idéia ter
vindo. Nada mais era como antigamente.
Helena e a
nova amiga a esperavam. Caminharam até o ponto. O ônibus já vinha e não tiveram
tempo para despedidas. Era melhor assim. Queria virar esta página de sua vida.
_ Apareça. _
Gritou Helena, do lado de fora.
Anabel
apenas acenou-lhe em adeus. Sabia que não mais apareceria. Suas vidas tomaram
novos rumos. Era hora de crescer.
CAPÍTULO XXV
_ Alô. _
Disse Anabel.
_ Anabel?
Aqui é a Helena.
_ Helena.
Quanto tempo! Nem acredito que é você.
Fazia tanto
tempo que não se viam.
_ A Aline e
a Romão estão aqui em casa. A Aline disse que está com saudade de você. Ela
disse que quer te ver.
Aline com
saudade dela? Aquilo era estranho. Na verdade, não dava mesmo para acreditar.
_ A Aline?!
_ É. Dá uma
passadinha aqui, Anabel.
_ Não sei.
_ Deixa de
preguiça, Anabel. _ Disse a amiga. _ Vai ser legal. Por que é que você não vem?
Helena tinha
razão. Tinha tanto tempo que não se viam. Devia se divertir um pouco. A vida
não era só faculdade.
_ Está bem._
Concordou por fim.
Arrumou-se
rapidamente e foi para a casa da amiga. Fazia tempo que não as via. O tempo
costuma separar mais do que a distância.
Abraçou as
amigas. Que saudade. Era engraçado como a saudade aumentava mais quando se
chegava perto do objeto saudoso. Fernando também estava lá. Abraçou-o.
Ela estava
mais bonita, agora. Ele percebeu. O que era magreza e falta de graça, na adolescência,
se transformara em elegância e feminilidade nos seus primeiros raios de mulher.
Mas Aline continuava mais bonita, não tinha o que comparar.
Ele ficou o
tempo todo perto de Aline. Pareciam tão íntimos. Eles nunca foram assim.
Romão estava
bonita. Transformara-se. Parecia que finalmente crescera.
Sentou-se no
sofá. Conversaram sobre amenidades. Romão dominava a conversa. Tinha tanta
coisa pra contar.
Aline e
Fernando estavam sentados juntos no chão. Ele segurava as mãos dela. Aquilo era
tão estranho. De onde surgira, tão de repente, tanta intimidade?
Ele deitou a
cabeça no colo dela. Aquilo já era demais. O que estava acontecendo ali? Em
dado momento, Anabel pareceu até ver que ela beijara seus lábios. Só podia ser
coisa da sua cabeça. Aline jamais beijaria Fernando nos lábios.
O que estava
fazendo ali? O que tinha a ver com aquilo tudo? Tinha que ir embora o quanto
antes.
_ Já está na
minha hora. _ Disse Anabel.
_ Mas tão
cedo? _ Reclamou Helena.
_ Tenho que ir mesmo.
Despediu-se
das amigas. Despediu-se de Fernando. Não tinha mais o que fazer ali. Estava
enciumada. Tinha que admitir. Não era do tipo que mente para si mesma. No
entanto, mais do que enciumada,estava decepcionada com Aline. Será que ela
fizera de propósito? Não podia crer numa coisa daquelas. Seria sórdido demais.
Por que Laís não estava ali? Será que não a chamaram? Será que Helena tinha
alguma coisa a ver com aquilo tudo?
_ Tenho que te falar uma coisa estranha. _
Disse para Beta.
_ O que foi?
Perguntou a
amiga, bastante interessada. Beta estava sempre preparada para uma boa
conversa.
_ Ontem
recebi um telefonema da minha amiga.
_ E?
_ Ela estava me convidando pra ir à casa
dela. Disse que uma amiga nossa estava com saudades de mim.
_ Você foi?
_ Claro.
Mais o mais estranho é que essa nossa amiga estava o maior grude com o irmão
dela. O Fernando. Aquele carinha que eu já te falei. Teve uma hora que até
achei que ela tivesse dado um beijo nele, na boca. Mas foi super rápido. Não
deu para ver direito. Acha que eles podem estar juntos?
_ Pode ser.
_ Mas o pior
não é isso. Acha que ela pode ter feito isso só pra me mostrar que eles estavam
juntos? A Helena me disse que era ela quem estava com saudade de mim e queria
me ver. Acha que ela fez isso de propósito?
_ Acho sim.
_ Eu não acredito
que ela fez isso comigo. A gente já não se vê há tanto tempo. Não ia fazer
diferença.
_ Mas talvez
para ela faça.
_ Eu não
posso acreditar numa coisa dessas.
_ Pois pode
acreditar.
Uns meses
mais tarde, Anabel e Aline se encontraram. Ela estava tão bonita, como sempre.
Anabel tinha acabado de começar um estágio. A firma era grande. Se fizesse tudo
direitinho, com sorte, poderia estar empregada, tão logo se formasse.
_ Vamos
tomar um café? _ Aline convidou.
Fazia tempos
que não se viam. Era a primeira vez, depois daquele dia, na casa da Helena.
Conversa
vem, conversa vai e Anabel não resistiu.
_ Aline,
posso te perguntar uma coisa?
_ O quê?
_ Lembra
aquele dia que a gente se encontrou na casa da Helena.
_ Lembro. Já faz um tempão.
_ Naquele
dia, você estava namorando o Fernando?
Aline riu.
_ Mais ou
menos.
_ Como
aconteceu?
_ A gente se
encontrou um dia e eu falei com ele. Acho que ele não se lembrou de mim.
Ponto para Anabel. Fernando sempre se lembrava
de Anabel, quando se encontravam.
_ A gente se
encontrou algumas vezes, mas depois ele sumiu.
Ela falava
com total desinteresse. Não tinha sido nada nem pra ele, nem pra ela.
Preocupava-se
à toa. Apenas ela e Laís eram realmente apaixonadas por ele. Que importava
agora? Fernando era parte de seu passado.
CAPÍTULO XXVI
Era comum o
pessoal deixar para xerocar os textos em cima da hora e geralmente quando um se
levantava, os outros pediam que o colega xerocasse pra eles também.
_ A Anabel
não gosta de xerocar os textos. _ Reclamara Tânia, um dia.
Anabel riu.
_ Xeroco
sim.
_ Nada
disso. _ Concordou Michele. _ Ela sempre vai mais do que você.
_ Ela acha
que só ela não pode perder aula. _ Disse Tânia._ A gente também não gosta de
ficar naquela fila.
As amigas
tinham razão. Anabel não ligava de ficar na fila se chegasse mais cedo, mas não
suportava sair da aula para ficar na fila da xerox.
Naquele dia,
quem se levantou para tirar xerox foi o Lucas. Anabel procurou algumas moedas
dentro da bolsa. Quando conseguiu achar, o Lucas já tinha saído.
_ Lucas! _
Ela o alcançou no corredor.
_ Você vai
comigo? _ Ele perguntou.
_ Vou. _ Ela
respondeu sem titubear.
E caminharam
juntos para o lugar onde tirariam a xerox. Deu uma vontade de rir. Sua intenção
era entregar as moedas para o Lucas xerocar o seu texto, mas não iria recusar
nenhum convite do Lucas, mesmo que fosse para ir tirar xerox. Sentiu-se meio
estranha, como se tivesse passado a perna nele. Mas não era mentira. Queria que
ele fosse tirar xerox pra ela, mas ir com ele lhe parecia mais interessante,
mesmo que tivesse que perder alguns minutos de aula.
Eles
caminharam um pouco sem dizer nada. Era claro que ele sabia que havia uma certa
eletricidade entre os dois. Muito mais da parte dela do que dele, é claro.
Lucas era um tipo de Fernando. Um pouco mais metido a besta. Ainda que Fernando
não a amasse, tinha por ela um certo apreço. Já Lucas não. Gostava mesmo era de
aparecer. E olha que não era tão bonito assim.
Todo corpo
feminino da classe nutria algum tipo de sentimento por ele. Algumas não o
toleravam por se achar a “última bolacha do pacote”, o que não era mesmo. Isso
até Anabel compreendia. Outras eram amiguinhas dele, mas fingiam não ter
interesse algum. Ela e Beta eram fãs. Admitia e ponto. Não era mais uma
menininha pra ficar fingindo sentimento. Além do mais, não estava apaixonada
por ele. Nem ficaria. Não ia cair naquela outra vez.
Lembrou-se
de um dia em que ele estava na porta e ela o observou. Ele perguntou: “O que é
que está olhando?” Ao que Anabel respondeu: “Estou admirando. Não pode?” Ele
riu e disse que podia. Só aquilo já era motivo para Anabel nunca mais olhar pra
cara dele. Mas não estava nem aí. Lucas não era do tipo que se leva a sério. E
ela não levava mesmo.
Lucas não
era do tipo amigável. Se achava e pronto. Aceitava a corte de Beta sem o menor
pudor, mas estava claro que seu interesse era Michele.
Conversa
vai, conversa vem e o papo acabou recaindo sobre ela. Eles tinham que conversar
sobre alguma coisa, naquela fila interminável.
_ Será que
tenho alguma chance com ela? Aquela mulher é tudo.
Lembrou-se
de Beta. Talvez não fosse legal alimentar algum tipo de esperança de Lucas com
Michele. Podia até ser que a Michele não fosse indiferente ao Lucas, mas o
interesse de Beta era bem maior. Das três, era a mais interessada. Talvez
estivesse mesmo apaixonada por ele. Ainda que negasse.
Anabel não
tinha chance alguma. E nem queria correr o risco. Se alguém podia ficar com
alguém ali, esse alguém era a Michele. Lucas nunca escondera o aberto interesse
que tinha por ela. Se Beta lutasse um pouco, poderia ganhar o Lucas. Mas se o
Lucas lutasse um pouco, poderia ganhar a Michele. Não era justo dissuadi-lo da
ideia por causa da amiga. Além do mais, Michele também era sua amiga. Era ela
quem devia decidir se dava uma chance para Lucas ou não.
_ Ei,acorda!
_ Chamou Lucas com o seu jeitinho “doce”, todo especial. _ E aí, tenho chance
ou não?
_ É claro
que você tem. Investe e vê no que dá.
Sentiu-se um
pouco culpada em relação à Beta. Mas o que fazer? O Lucas e a Michele mereciam
ser felizes.
Se ele
investiu nela ou não, Anabel nunca teve a certeza. A Michele não era do tipo
que faz confidências. O certo é que uns tempos depois, a Beta lhe segredou:
_ Acho que a
Michele e o Lucas ficaram?
_ Estão
namorando? _ Anabel quis logo saber.
_ Se estão
juntos ou não. Eu não sei. Mas é quase certo que eles já andaram dando uns
beijinhos. Estou com raiva dela.
_ Por que
ela o beijou? Você sabe que ele sempre
arrastou uma asa pro lado dela, desde a primeira vez que a viu.
_ Não é por
isso. Eu não fiquei com raiva por ela ter ficado com ele e sim porque não me
contou.
_ Acho que
ela não quis te magoar. Se fosse ao contrário, você teria dito?
_ Claro que
sim. As amigas tem que ser sinceras com as outras.
Quase no
final do curso. Quando Lucas e Michele já haviam se tornado quase inimigos, a
situação pareceu se repetir. Dessa vez foi a Beta quem beijou um rapaz no
qual Anabel estava interessada.
Foi a Tânia
quem deixou escapar, quase que sem querer. Ela e Michele se entreolharam um
pouco assustadas.
_ Qual é gente? Eu não
sou dona dele.
As duas estavam um
tanto desconfortáveis. Anabel se lembrou do incidente do Lucas e da Michele,
mas não quis comentar nada.
Uns dias
mais tarde, não se conteve.
_ Soube que você
beijou o Miguel.
Beta ficou meio sem
graça.
_ Por que não me
contou?
_ Eu não queria te
magoar.
_ Agora você entende
por que a Michele não te contou sobre o lance do Lucas?
_ Não é a mesma coisa.
_ É sim.
Anabel abriu o livro e
começaram a estudar para a prova. Tomando o ponto uma da outra, como sempre
faziam. E nenhuma das duas tocaram mais no assunto. Entre o Miguel e a Beta,
ficava com a Beta. Não valia a pena trocar uma amizade de tanto tempo por um
quase calouro que chegara às vidas delas há tão pouco tempo. Se Miguel preferiu
a Beta,tanto fazia. Há muito que Anabel se transformara em quase uma outra
pessoa. Com Beta aprendera a ser descontraída e leve, quando se tratava de
coisas do coração. Com Tânia aprendera a se dedicar ao trabalho e há muito na
empresa em que estagiava, já era considerada uma profissional. Com Michele
aprendera a ser bonita e elegante. Michele não andava, deslizava. Logo ensinou
a Anabel como coordenar as peças de um guarda-roupa. O jeito elegante de ser,
ela captou por osmose. Elas três fizeram de Anabel uma nova pessoa: leve,
bonita, elegante, responsável e feminina. Que Miguel fosse às favas, a fila
anda.
CAPÍTULO XXVII
Finalmente
estava formada. Era uma arquiteta de verdade. Começara o estágio por uns
tempos, mas acabou ficando. Outros estagiários que chegaram depois dela, há
muito já haviam partido.
Sem surpresa
alguma, foi contratada pela empresa. Os pais finalmente resolveram criar
raízes.
_ É um ótimo
apartamento. _ Disse a mãe. _ Por que não volta para casa?
_ É mais
perto do trabalho.
_ Mas é
muito menos confortável.
_ Está bem,
mamãe. Você venceu. Não posso viver a vida inteira numa república de estudantes
e ia ficar caro montar um apartamento. Mas se decidirem ir, eu fico. Agora
tenho um emprego.
A mãe riu.
Anabel voltou para casa. Era estranho depois de tanto tempo, mas acostumar-se
com a vida boa era muito fácil. Como era bom ter alguém para cuidar dela.
O pai não
mudava mais. Tinha sido reformado. Mas o sangue de cigano continuava a correr e
muitas vezes os dois fizeram longas viagens. Mas Anabel não os acompanhava.
Tinha o seu trabalho. E muitas vezes teve que ficar naquele enorme apartamento
sozinha. Mas o que tinha? Era uma mulher de raízes. Não tolerava ficar pra lá e
pra cá como os pais.
Quando eles
voltavam, ela estava lá com tudo no lugar, a espera deles. Agora ela é quem era
o porto seguro deles. Com o passar do tempo, aquele apartamento tornou-se muito
mais dela do que deles. Orgulhava-se de ser assim.
E então o
tempo passou e quando acordou, já estava com trinta e criara tantas raízes, que
já era impossível sair do lugar. Nunca mais vira Beta, Tânia ou Michele. A
maioria dos colegas de faculdade, não vira nunca mais depois da formatura.
Sabia o telefone de todos, mas não os procurava. Não sentia falta deles. Como
tudo, era parte de seu passado. Lembrou-se dos vasos novos de Beta. A garota
estava coberta de razão.
CAPÍTULO XXVIII
O carro
estava na oficina. Teve que pegar um ônibus. Na volta, resolveu pegar o metrô. Sentou-se
na estação à espera do trem. Não tardaria. A voz no alto-falante já afirmara
isso. No entanto, não estava tão perto assim, que não lhe desse tempo de se
sentar e pensar na vida.
Fora ao médico. Tudo estava bem.
Ele já marcara sua próxima consulta. Ainda dava tempo de comparecer ao
trabalho. Um trem na direção contrária chegou à estação. Que pena que não era o
seu. Uma música antiga tocava no alto-falante. Era como se de repente fosse
transportada de novo ao passado. Quantas vezes estivera sentada naquele mesmo
banco, a espera do mesmo trem?
A música falava de chuva. Antes
de descer à estação, tinha olhado para o céu. Em breve ela cairia também.
Sentia o corpo um pouco dolorido. As pernas que cansavam. Os pés que queriam
estar envolvidos por um quente e macio par de chinelos.
O trem chegou e Anabel entrou.
Vários lugares. Poderia até escolher. Não queria fazer baldeação, um ônibus a
deixaria bem mais perto. Era melhor sair
da estação e pegar um. Que falta lhe fazia o carro agora.
Ventava lá fora. A chuva começou
a cair. Fina e triste como um lamento. Vapores brancos envolviam os cumes dos
montes.
Por sorte, o ônibus logo chegou.
Sentou-se junto de uma janela. Aspirou o ar frio que entrava por ela. Ainda
faltavam dez minutos para que a viagem terminasse. Minutos eternos e
incansáveis. Pesados como patas de paquidermes, que custavam tanto a passar.
Os passageiros tagarelavam,
indiferentes ao silêncio que pesava lá fora. Era como se o tempo lá fora
estivesse branco e seco. Queria tanto que a viagem acabasse logo, mas não
acabava.
Um menino, lá fora, passou
gritando:
_ Amendoim, amendoim.
Uma jovem no banco da frente
reclamava com a amiga por não ter contado que ela estava namorando um rapaz. O
que ela tinha com isso? Por que as amigas tinham o dever de contar tudo uma à
outra? Ninguém pode ter um segredo? Um minuto de privacidade?
Trabalhou como um robô. Estava
cansada. Chegou em casa, tomou um banho quente e deitou-se na cama. Queria
dormir cedo, mas não tinha sono.
O telefone tocou.
_ Alô, Anabel?
_ Laís? É você? Não pode ser.
_ Sou eu mesma. Quanto tempo,
Anabel.
_ O que tem feito?
_ Nada de novo. Estava vendo umas
fotos antigas. Deu tanta saudade. Combinei com a Helena de visitá-la amanhã.
Não quer vir comigo?
O coração de Anabel deu um salto.
Não dava pra pensar em Helena sem pensar em Fernando.
_ Não sei. – tentou se esquivar.
_ Vamos, Anabel. Vai ser legal.
_ Tá bem. A que horas?
_ Vamos de tarde.
_ Nos encontramos onde?
_ Na casa dela mesmo.
_ Está bem.
No outro dia, foi até a casa da
amiga. Ainda morava no mesmo lugar. Sempre morara ali. Desde criança. Aquelas
paredes faziam parte de sua vida. Anabel morara em tantas casas que sentia que
não fazia parte de nenhum lugar. Helena a recebeu na porta. Continuava tão linda,
como sempre. Elas duas sentaram-se na sala. Aquela mesma sala em que estivera
tantas vezes.
Conversaram amenidades. A
conversa não fluía. Quando adolescentes tinham uma conversa que não tinha fim e
agora lhes faltava assunto.
De repente ele chegou à porta.
Vinha da rua. Ainda estava ali. Anabel pensou que não mais o encontraria. Faziam
tantos anos. O coração de Anabel deu um salto, como sempre.
_ Anabel. _ Ele sorriu.
Era ela mesma. Nunca a vira tão
linda. Linda?! Sim . Linda. Acostumara-se tanto em vê-la feia, desgraciosa. Que
era muito estranho vê-la assim. Bela.
Abraçou-a e beijou-lhe as faces.
_ Então, Anabel. _ Fernando
perguntou de repente. _ Já casou?
Estava curioso.
_ Não.
_ Tem filhos?
_ Não.
_ Namorado?
Ele parecia insistir.
_ Não.
_Onde você mora só tem homem
bobo?
Ela não soube o que dizer.
Assustou-se. Como assim “homem bobo”? Então ele achava que ela era bonita? Era
a segunda vez que aquilo acontecia com ela na mesma semana. Encontra-se com um
amigo de infância que lhe fizera as mesmas perguntas. Finalizando com a mesma
pergunta de Fernando. “Aqui só tem homem bobo?”
Anabel sorriu sem graça. Nisto
chegou Laís e foi aquela festa. Laís sabia como encher e iluminar um ambiente.
Contou tantas aventuras. Anabel não tinha nenhuma para contar.
Ela e Fernando conversavam como
se tivessem se visto na semana passada. Para Anabel, tudo tinha um toque de
surreal. Ela, Laís, Helena e Fernando ali. Conversando, rindo, como se ainda
fossem adolescentes.
_ E você, Laís. Já se casou?
_ Estive noiva há dois anos atrás,
mas não deu certo.
Ela deu uma gargalhada. Não
estava ligando.
Fernando percebeu que Anabel
estava em alerta,como ficava sempre que ele se aproximava de Laís, quando eram
adolescentes. Resolveu provocá-la.
_ Já beijei a Laís, Anabel.
Quando a gente estava na escola. Um monte de vezes.
Anabel sobressaltou-se. Aquilo
não podia ser verdade. Laís teria lhe contado. Contavam tudo, uma a outra. Laís
sempre fora muito transparente, com um apego obsessivo pela verdade e lealdade.
Podia confiar cegamente em sua amizade.
Até por que, Laís não esconderia este triunfo de Anabel.
_ É mentira dele. Você sabe. Nós
duas gostávamos dele, mas nunca aconteceu nada.
_ Você também gostava de mim,
Anabel? _ Disse Fernando olhando-a fixamente.
Como se ele não soubesse. Era
impossível que tivesse esquecido. Todos sabiam. Laís até lhe dissera com todas
as letras.
Ele voltou a um passado remoto e
lembrou-se do dia em que Laís lhe dissera que as duas gostavam dele. Laís lhe
dissera isto, mas Anabel nunca admitiu. Não com palavras.
Ela riu sem graça e mudou de
assunto. Isto era bem típico dela. Não mudava nunca. Não ia admitir, nem agora,
que fora apaixonada por ele. Examinou-a detalhadamente. Lembrou-se do dia em
que fizera isto naquela mesma sala, no primeiro dia em que ela pisara em sua
casa. A figura continuava esbelta. Mas agora com contornos definidos de mulher.
As pernas eram torneadas. A garota, que antes era feia, se transformara em uma
mulher linda. A história do patinho feio se repetia, e ele nunca beijara aquele
lindo cisne que estava na sua frente. Os cabelos eram bem cuidados.
Emolduravam-lhe esplendidamente o rosto. As roupas eram elegantes, lhe davam um
ar de mulher sofisticada. Era linda demais. Uma mulher na essência da palavra.
Esbanjava graciosidade.
Como na
primeira vez, ela pousou sobre ele os olhos, mas desviou por perceber que ele a
observava. Pareciam que tinham voltado no tempo e repetiam a mesma cena de
muitos anos atrás. Os olhos de Anabel! Que tantas vezes o prenderam.
Continuavam os mesmos.Verdes, de um profundo jade. Com a mesma luminosidade da
menina que se transformara em mulher, como se tivessem vida própria. O que antes destoava de todo o resto da
figura de poucos encantos, agora caía perfeitamente nesta nova mulher.
As sobrancelhas eram as mesmas,
com lindos cílios longos. Olhos, sobrancelhas e cílios perfeitos, plantados
numa figura que agora era linda.
Arrependeu-se de não tê-la
beijado algum dia. Lembrou-se da época em que ela mudara-se para o sul e
voltara quase um ano mais tarde, apenas um pouquinho menos feia e devidamente
beijada por um carinha qualquer. Helena lhe contara e ele morrera de ciúmes. O
cara não era bobo nem nada. Devia ter vislumbrado na garota quase sem encantos,
no belo mulherão em que ela se transformaria.
Helena chamou para o lanche. Era
como se ele acordasse de um devaneio. Bonita ou feia, Anabel sempre tivera o
poder de tirá-lo dos eixos. Lá estafa ele, como um adolescente, com os quatro
pneus arriados por ela.
Se Laís percebeu alguma coisa,
não falou nada. Mas Anabel percebera, estava visivelmente sem graça e não sabia
onde colocar as mãos. Eles lancharam na sala mesmo. Resolveu quebrar o clima.
Não era mais um garoto.
_ Acho que você devia se casar
comigo, Anabel. _ Ele disse em tom de brincadeira.
_ Como?! _ Ela levou um susto.
_ Isto mesmo. Ainda não se casou.
Já está na hora. Se vai ser com um cara qualquer, é melhor que seja comigo, que
sou seu amigo.
Amigo? Eles nunca foram amigos.
Amara-o demais para que a palavra amigo fosse posta entre eles. Mesmo depois de
tantos anos, ainda não o esquecera e não houvera um só dia em que não tivesse
pensado nele.
_ Deixe de bobagens. _ Disse
Anabel.
Estava mesmo sem graça. No
entanto, era como se de repente recebesse um presente que por tanto tempo
ansiara. Ele a queria. De brincadeira ou não, ele a queria. Não se dividia mais
entre Laís e ela, como fazia antigamente. Estava ligado nela, somente nela. Até
brincara com Laís, mas estava com sua atenção voltada somente para ela. Ela
vencera Laís finalmente. Mas já não eram mais garotos. O tempo havia passado
para os dois. Era muito tarde para qualquer coisa.
Ficou tarde e ela e Laís
partiram. No caminho, acabou tocando no assunto. Será que estivera cega o tempo
todo? Será que eles haviam namorado? Ele namorara Aline. Por que não namoraria
Laís?
_ Aquilo que o Fernando falou é
verdade? _ Finalmente perguntou Anabel.
_ Sobre?
_ De vocês terem namorado.
_ Claro que não! Era brincadeira.
Você não viu?
_ Mas podia ter sido verdade.
_ Eu não teria coragem de fazer
isso com você.
Não precisava dizer mais nada.
Confiava totalmente em Laís. Ela jamais mentira para ela. E jamais mentiria. Só
não sabia que ela não tinha coragem de beijar Fernando. Este sempre fora o
sonho de Anabel . Julgava que fosse o sonho de Laís também. Será que tivera
oportunidade de beijá-lo? Anabel nunca tivera. Julgava que com Laís tivesse
acontecido o mesmo. De qualquer forma, não comentaria. Não queria perguntar
mais nada. Não queria mais saber de nada. Não dá pra recuperar o tempo. Nunca
tivera Fernando e ele nunca seria seu.
Despediram-se e se foram. Olhou
mais uma vez pra trás. A amiga lhe acenou. Quando é que seus caminhos se
cruzariam novamente? Não sabia dizer. Uma vez Beta lhe dissera uma coisa que
ficara guardada em seu coração. Anabel gostava de fazer novos amigos, mas não
costumava carregá-los. Vasos novos e lindos, que sempre ficavam no meio do
caminho. Onde estaria Beta agora?
CAPÍTULO XXIX
_ O que você tem? _ Perguntou
Samara.
_ Nada.
_ Como nada?
_ Só estou um pouco cansada.
_ Quer que eu pegue um café para
você?
_ Não é necessário.
_ Um lanchinho talvez.
Realmente estava com fome, mas
não gostava de explorar Samara. Era sua estagiária. Uma estagiária da firma,
mas precisamente. Não sua empregada. Estava ali para aprender com ela, não para
ser sua serviçal.
_ Isso não faz parte de suas
atribuições, Samara.
_ Eu sei. Só gostaria de ajudar.
_ Tudo bem.
Deu um sorriso amarelo para a
moça. Olhou para ela. Tão jovem, tão esperançosa das coisas que poderia fazer
na vida. Ela também já fora assim um dia.
_ Quantos anos você tem, Samara?
_ Vinte. Por que a pergunta?
_ Nada.
Também tivera vinte anos. Quisera
ser uma grande arquiteta. Olhou a sala em volta. Era ampla, bonita. Tudo o que
um arquiteto gostaria de ter. Ganhava um salário bem razoável. Não tinha do que
reclamar. Mas às vezes sentia que estava faltando algo.
_ Você está distante outra vez. _
Disse a moça.
_ Sempre sonhou em ser arquiteta?
_ Sempre. _ Disse a moça com um
largo sorriso. _ É o sonho de toda vida. Sempre quis ser arquiteta como o
papai.
Seu pai não fora um arquiteto.
Fora um militar. Sempre pulando de galho em galho. Mas ela não queria seguir
sua profissão. Queria criar raízes, com bases sólidas. Talvez fora por isso que
começara a carreira.
Quando era adolescente, achava
que esse era o sonho de sua vida. Queria ser uma arquiteta. Nunca se desviara
de tal idéia. Tão logo começou o curso, sentia-se feliz, orgulhosa. No entanto,
tão logo se deparou com os trabalhos, percebeu que aquilo não era a profissão
que sempre desejara. Não era tão legal assim, como pensava.
Mas não desistiu. Seguiu em
frente, fazendo o melhor possível. E fazia bem. Tão bem, que fora contratada,
tão logo se formou, pela firma que lhe oferecera o primeiro estágio. Todos
elogiavam o seu trabalho, mas no fundo, não era bem aquilo que queria.
_ Está se sentindo mal? _ Perguntou Samara, já
um tanto preocupada.
_ Não, por quê? _ Perguntou
Anabel com um débil sorriso.
_ Você me parece um pouco pálida
e está tão distante.
_ Apenas não estou satisfeita com
o trabalho que fiz durante quase um dia inteiro.
_ O que há de errado?
_ Não ficou como eu esperava. No
início, parecia que ia tão bem. No entanto, não ficou bom.
Samara olhou para a tela do
computador.
_ Para mim, parece muito bom.
_ Comum é a palavra. Se quer ser
uma grande arquiteta, fuja do lugar comum.
_ Isto se aplica a todas as
profissões.
A garota estava coberta de razão.
_ Exato.
_ Mas o que te desagrada tanto?
_ Não é apenas o objeto final.
São os caminhos percorridos que não deram em nada.
_ Como assim?
_ Sei lá. Às vezes tenho saudade da boa e
velha prancheta. O computador é assim. Num minuto te poupa horrores, como você
nem imaginava antes da era digital.
_ Eu nem consigo imaginar como
era antes da era digital.
_ Você escrevia cartas para os
seus amigos. Tirava fotos e mandava revelar e então mostrava as fotos pros seus
amigos.
_ Quase todas as minhas fotos
estão presas no computador.
_ Eu já nem tiro mais fotos.
_ Mas em compensação, pode tirar
muito mais fotos e enviar para os seus amigos.
_ Banalizou de um modo tão geral,
que nem tem mais graça.
_ Acho que você está muito
nostálgica, hoje.
_ Talvez. Mas no tempo da
prancheta, não teria trabalhado um dia inteiro e no final dele, achar que perdi
todo o meu tempo.
_ Engraçado. Agora que você
falou, muitas vezes fico com uma sensação estranha quando desligo o computador.
_ Que sensação?
_ De ter desperdiçado o meu
tempo. Tempo em que poderia ter construído algo ou mesmo ter descansado. Você
desliga o monitor e tudo desaparece. Então você se pergunta: O que eu fiz da
minha vida?
_ É exatamente como estou me
sentindo agora.
_ Não fique deprimida com isso.
Não está com fome?
_ Estou.
_ Podemos sair mais cedo hoje.
Que tal comermos alguma coisa juntas? Podemos também dar um pulinho no
shopping.
_ Não é para tanto, Samara.
_ Só o lanche, então?
_ Você me convenceu.
_ Mas não vá se acostumando. No é
todo dia que a estagiária deixa a chefe sair mais cedo.
As duas riram.
Samara tinha uma coisa que ela
nunca tivera. Humor invariável e auto-confiança. Ou seriam duas? Quando ela
falaria com tanto desembaraço com sua chefe? Lembrou do primeiro dia em que ela
debruçara-se em sua prancheta.
_ Você está tremendo? Está
nervosa? _ Glória havia perguntado.
_ Não, eu tremo assim mesmo. _
Ela respondera.
_ Resposta mais desastrosa não
poderia haver. Uma menina comentara rindo com os outros estagiários uma vez,
tempos depois. Anabel teve que rir também. A garota tinha razão. Mas naquele
tempo, já não era mais uma iniciante e Glória há muito já estava longe dali.
O tempo se passara e naquela
firma já não havia um estagiário daquela época. Uns por não serem o suficiente
capazes, outros por quererem voar mais
alto. Glória quisera voar mais alto e muitos de seus amigos também. Apenas
Anabel continuara ali, feito um jatobá. Breve Samara também voaria e outro
ocuparia seu lugar. Abrigaria-se em sua sombra e depois voaria. Mas ela
continuaria ali, firme, sem ter coragem para voar. Algumas pessoas são
pássaros, seus pais eram uns deles. Outras eram árvores, como ela. Achava que
era mais feliz quem era árvore. No entanto, agora chegava a duvidar.
CAPÍTULO XXX
Estava desconfiada. Ou tinha
plena certeza. Samara estava apaixonada por Danilo. Desde que ele entrara para
a empresa, ela havia modificado o comportamento. Eles já se conheciam daépocado
colégio e se reencontraram agora no estágio da firma.
Vinha sempre mais arrumada. Com
um redobrado cuidado com a maquiagem, que retocava sempre.
Estava um pouco mais apreensiva e
constantemente olhava para a porta. Como se a qualquer momento, Danilo fosse
entrar por ela.
Ele entrou meio sem jeito. Os
olhos de Samara se iluminaram, mas não quis dar o braço a torcer e os dois se
cumprimentaram quase que friamente. Será que suas suspeitas eram
infundadas?
Sentiu um agradável perfume no
ar. Se Samara estava se esmerando, Danilo não ficava atrás. Talvez suas
suspeitas não fossem tão infundadas assim.
_ Trouxe este projeto pra você
dar uma olhada. _ Ele disse para Anabel, lhe mostrando o laptop.
Anabel examinou cada detalhe. Ele
realmente tinha talento.
Samara não se mostrou muito
interessada, ou não quis demonstrar isto foi até o bebedouro pegar um copo
d’água.
_ Estão muito bons, Danilo. Acho
que o chefe irá gostar.
_ Obrigado, Anabel.
O rapaz ficou radiante e se
encaminhou para porta, cantarolando. Mas olhava diretamente para Samara. E
céus, ele sorria. Bingo! Anabel tinha razão. Estavam apaixonados.
_ Parabéns, Danilo. _ Disse Samara
um tanto meio sem jeito, enquanto apertava a mão do rapaz. _ Estou gostando de
ver.
_ Obrigado, Samara._ Ele disse. E
saiu com um grande sorriso.
Quando Danilo se retirou, o perfume
continuava no ar. Anabel não se conteve.
_ Acho que vai dar namoro!_ Disse
Anabel num cochicho.
Samara riu,
mas ficou pensativa. Ela parecia um pouco trêmula. O que era mais um sinal
_Será que
estou me apaixonando por ele?
Ela fez a pergunta, mais para si
mesma do que para Anabel
Ela podia até ter dúvidas, mas
Anabel tinha certeza.
_ Não sei. Acho que quem deve me
responder é você.
_ Capaz.
Talvez Samara estivesse mesmo
convencida de que ainda não estava apaixonada por ele. A quem ela estava
querendo enganar?
_ Capaz?
_ É._ Ela admitiu finalmente._ Eu
me conheço. Mas espero que não dê em nada.
_ Como assim?
Anabel não conseguia entender tal
pensamento.
_
Quero que não vá a diante.
Será que ela estava falando
sério? Anabel não podia acreditar.
_ Por quê?
_ Não quero que eu me machuque,
ou que machuque alguém.
_ Não acha que está sendo
pessimista? Eu acho que ele está interessado em você.
_ Não posso
dizer que ele seja indiferente a mim. Talvez não seja, talvez me admire como
pessoa. Não como mulher.
Olhou
dentro dos olhos da garota e encontrou neles sinceridade. Ela não estava
fingindo. Ela tinha mesmo medo de tais sentimentos. Estava um tanto aflita.
Anabel teve dó dela.
_ É claro que ele te admira como
mulher. O que deu em você? É quase palpável a eletricidade que há entre vocês
dois.
_ Dá pra perceber?
Ela abriu bem os olhos e Anabel
viu neles uma luz de esperança.
_ Tem a sutileza de um elefante.
As duas riram.
_Tento agir como agir
naturalmente. Mas acabo dando bandeira. Não é mesmo?
_ Vocês namoraram no colégio?
Anabel queria saber tudo.
_ Claro que não!_ Ela parecia
muito surpresa com o que Anabel dissera.
_ Por quê? Não gostava dele?
_ Não! Sei lá. É claro que ele
sempre me chamou a atenção. Mas acho que agora rola uma sintonia diferente.
_ Eu conheço esta história. _ Riu
Anabel. _ Já vi acontecer tantas vezes.
_ O caso é que sempre acabo dando
com os burros n’água. É tão estressante.
_ Deixe de bobagens, Samara.
_ Eu já conheço todo o enredo. No
começo tudo são flores. Olhos nos olhos. Olhos que fogem. Olhos que procuram.
Olhos que dizem. Olhos que deixam de dizer. E de repente tudo se acaba. Como um
balão de sorvete. Que se derrete tão logo você o procura no céu.
_ Olhe lá um balão de sorvete!. _
Disse Anabel apontando para a janela.
Samara olhou para janela,
parecendo não entender nada.
_ É uma brincadeira da minha
época. “Olha lá um balão de sorvete!” Diziam as crianças apontando pro céu.
“Onde está?”. Perguntava a outra, procurando em vão. “Derreteu.” Era a resposta
desanimadora.
_ No nosso
caso parece mesmo assim. Como este balão de sorvete. Está fadado ao insucesso.
_ Já disse pra você deixar de ser
pessimista.
_ Não é uma questão de
pessimismo. É uma questão de encarar os fatos de frente.
_ Não vejo problema algum.
_ Mas não há mesmo futuro,
Anabel. É caso de não se ter esperanças.
_ Sempre há esperança.
Não queria ver a garota
deprimida. Era tão bonitinho ver os dois juntos.
_
Mesmo que tivesse, sei que não é aquilo que quero. Então, por que deixar
crescer esta plantinha? Que de broto tenro, parece uma linda planta. Mas está
claro que vai nascer uma erva daninha.
_ Erva daninha?! Não acha que
está pegando muito pesado?
Quem enchera a cabeça de Samara
com pensamentos tão sombrios?
_ Não consigo encarar de outro
jeito.
_ Quanto drama!_ Disse Anabel com
um sorriso complacente.
_ Por que
vivo me apaixonando o tempo todo? E sempre pelas pessoas erradas? As mais imprevisíveis
e as que menos se pode alcançar. Por que não se apaixonar por aqueles que as
pessoas julgam que é o mais certo pra você?
_ Não sei por que ele não é o
certo para você. Muito pelo contrário. Ele me parece bem interessado.
Samara olhou para o alto. Como se
estivesse mesmo vivendo mesmo um drama interior. Talvez estivesse mais
apaixonada do que elas duas julgavam.
_ O pior disso tudo é que eu sei
que se fizer uma forcinha. Pequena que seja. Ele vai correr pra mim.
_ Esta é a Samara que eu conheço!
_ Anabel bateu palmas, com um largo sorriso.
_ Mas o que faço com isso? Como
administrar tal sentimento? Por que ele tinha que estar tão bonito? Por que eu
tinha que nutrir este sentimento tão mesquinho por ele?
_ Paixão agora é um sentimento
mesquinho?
_ Paixão? O que é isso?! É claro
que não estou apaixonada por ele. Não ainda.
Ela parecia mesmo assustada com a
conclusão a qual chegara Anabel.
_ Se não está, Samara. Está bem
perto disso.
_ Paixão. _ Disse Samara
divagando. Como se Anabel não estivesse ali._
Sentimento mesquinho que estraga qualquer tipo de sentimento ou relação.
Uma vez que ela aparece, acaba-se todo o respeito e qualquer tipo de amizade.
Talvez Samara estivesse mesmo
certa. Quantas vezes não vira aquilo acontecer?
_ E dura tão pouco._ Disse Anabel
_ Depois é cada um pro seu lado e você com aquela cara de pastel, com um
sorriso amarelo, com gosto de cabo de guarda-chuva.
_ Você parece ler meus
pensamentos, Anabel.
_ Ora, querida._ Disse Anabel,
quase maternalmente. _ Não dê ouvidos a esta mulher amarga.
_ Não. Você tem razão. Nós duas
temos. E o pior de tudo é que eu sei que não vou fazer nada contra isso. Vou
deixar que tudo aconteça, até que se complete o ciclo. Vou me apaixonar.
Conquistá-lo ou não. Por inteiro ou pela metade. Não importa. E depois vou
perdê-lo. Como sempre me acontece.
_ Não fale estas coisas. Não vai
acontecer nada disso.
_ Deixa
estar por hora, Anabel. Ainda não estou apaixonada e talvez nem me apaixone.
_ Talvez você tenha razão,
Samara._ Disse Anabel, finalmente. _ Por hora vamos nos concentrar no trabalho.
Mas esta história está apenas começando.
As duas se atiraram no trabalho e não
mais tocaram no assunto. Cada uma imersa em seus próprios pensamentos.
Anabel não
podiam se colocar em cima de um pedestal e encarar os sentimentos de Samara
como frívolos e próprios da idade. As dúvidas eram verdadeiras. Aquilo podia
mesmo acontecer. Com ela não acontecera de modo igual? Quantas vezes tentara
amar e não dera certo? Por que Fernando, mesmo depois de tantos anos ainda
povoava seus pensamentos? Por que amar não era fácil?
A semente
do amor estava brotando entre Samara e Danilo. Era tão fácil ver. Só um cego
não veria. Mas tudo não parecia ter acontecido igual entre ela e Fernando e o
que acontecera no final? Nada.
Não ia mais
se meter na vida de Samara e Danilo. Talvez a garota tivesse mesmo razão. Era
melhor que ela não brincasse com fogo.
Mas a paixão
era inevitável. A própria Samara tinha consciência disso. Que deixasse o tempo
correr e as coisas acontecessem naturalmente. E se tivesse que sofrer,
sofreria. Depois o tempo se encarregaria de cuidar disso. Só o tempo cura as
feridas. Mas as marcas ficavam, ou nunca mais teria pensado em Fernando.
CAPÍTULO XXXI
A turma do trabalho marcou uma
festinha pra depois do expediente. Era aniversário da Luana. Quase todo mundo
foi. Estava muito animado. Foi bom para Anabel espairecer um pouco.
No outro
dia, chegou em sua sala e encontrou Samara calada. Aquilo não era típico dela.
Devia ter alguma coisa a ver com o Danilo.
_ O Danilo
não foi na festa da Luana, não é? _
Perguntou para Samara. _ Eu senti falta dele.
_ Pois eu
não senti. _ Disse a outra com uma indiferença que estava longe de sentir.
_ Não seja
boba. Eu conheço você.
_ Está
certo. _ Ela entregou os pontos. _Eu jurava que ele ia. Mas não foi. Será que
ele tem namorada? Se não foi é porque tinha algo melhor pra fazer. Eu não quero
fazer papel de tola. Ficar curtindo um sentimento por um acara que de repente
vai chagar para mim e me apresentar uma namorada.
_ É um
risco que se tem que correr.
_ Você não
é do tipo que corre riscos.
_ Não. Eu
não sou.
Elas
ficaram por um breve instante caladas. Como se cada uma pesasse suas vidas em
uma balança. Até que Samara retomou a conversa.
_ Hoje,
quando cheguei, o Danilo já estava na empresa. Ele geralmente chega depois de
mim.
_ E...
_ Eu me arrumei cuidadosamente
pensando nele. Quero que ele me veja bonita. Não olhei diretamente para ele.
Sei lá, uma timidez que não sentia antes.
_ Isso está me cheirando a amor.
_ Não seja boba. É claro que não.
Está certo que as coisas são diferentes agora. Ele já não é aquele rapazinho
que conheci na escola. Assim como eu já não sou aquela menina boba. Agora ele é
um homem e eu sou uma mulher.
_ Nossa!
Samara uma mulher! Aquela era pra
rir.
_ Não faça esta cara.
_ Está bem. _ Riu Anabel. _ Me
desculpa. Conte tudo.
_ Depois eu
me virei pra ele e o cumprimentei. Ele sorriu e me acenou prontamente. Ele não
se faz de difícil, como outros caras que conheço. Ele está olhando quando eu
estou olhando. Será que estou me apaixonando por ele, Anabel?
_ Quer uma resposta sincera?
_ Será que os sentimentos dele
mudaram em relação a mim? Pode ser amizade e eu apenas estou vendo coisas.
Talvez eu queira que ele me olhe de maneira diferente.
_ Deixe que
as coisas aconteçam naturalmente.
_ A gente tava tomando um café e
de repente olhei e ele estava olhando pra mim. Será que ele tem o mesmo tipo de
sentimento?
_ E você ainda pergunta?
_Na hora que nós já estávamos
saindo, ele não veio falar comigo, como pensei. Então eu me sentei na mesa para
terminar o café. Não vou ficar correndo atrás. Mas então a Luana chegou me pediu pra eu o chamar e eu
prontamente chamei.
_ Ela estava pedindo uns papéis que
o Vítor tinha deixado com ele. Mas ele disse que havia esquecido os papéis.
Então eu fiz “tóin”! Que coisa mais infantil e sem graça. Ele ficou olhando pra
minha cara e não disse nada. Eu fiquei envergonhada, me despedi e saí.
_ Não era
pra menos, Samara.
_ Eu sei, Anabel. Mas não parei
de pensar nisso. Não quero que ele fique aborrecido comigo. Nem que me ache uma
idiota. Então eu voltei lá e pedi desculpas.
_ No que fez muito bem. Mostra
maturidade.
_ Ele disse
que tava tudo bem e apertou a minha mão, como pra selar uma amizade. Senti-me
uma boba. Mas ele ficou segurando mais do que o usual. Então eu me pergunto se
ele sente alguma coisa por mim ou não.
_ Ta na cara que sim. Não é,
Samara?
_ Não tenho tanta certeza,
Anabel. Ele estava contando algo pra Luana e me disse: “Fica aí também pra
ouvir!” E continuou com o assunto. Assim, me dando uma ordem, como um homem dá
pra sua mulher. Ele já não é mais um menino, Anabel.
_ Nem você. Não é?
_ Então o chefe passou e eu o
apresentei como um amigo de escola. Queria que a Luana ouvisse isso. Que já
somos conhecidos e que somos apenas amigos. Quando estou apaixonada, fico tão
transparente. Não quero ser alvo de fofocas. Não quero que ninguém diga que eu
gosto dele. Que perceba que nós somos um possível casal. Isso me dá arrepios
porque não quero dar com os burros n’água.
_ Não fique
preocupada, com isso Samara. É tudo muito recente. Deixe que o tempo irá se
encarregar de ajeitar as coisas.
Onde estava
aquela menina alegre e segura que alegrava seus dias? Bastou Danilo aparecer e
em dois tempos transformar Samara naquela mulher cheia de dúvidas. A paixão tem
o dom de transformar as pessoas. Esperava que as coisas dessem certo pra
garota. Estava na cara que Danilo estava e muito interessado. Por que Samara não
estava conseguindo administrar aquilo?
Chegou em casa alarmada. As
preocupações de Samara lhe fizream se lembrar de Fernando.
Fernando. Fernando. Fernando. Por que pensar
nele agora? Por que depois de tanto tempo? Por que não o esquecia? Por que não
virara a página como fizera com todas as outras pessoas de sua vida?
E se nunca mias amasse ninguém? E
se não tivesse a chance de amar em sua vida? Não queria acordar de repente uma
velha sem ninguém, que só amou um homem na vida e que não teve coragem de abrir
o seu coração para mais ninguém. Fernando era uma coisa muito distante de sua
vida. Por que tanta fixação?
Sentia
agora, tantos anos depois, o mesmo aperto no peito de saudade que sentem os
apaixonados.
Revirou velhas cartas. Achou o
que procurava. Uma foto de Helena e Fernando. Aí estava. Pareciam tão meninos.
Era mesmo este homem?
Dois dias depois todas as
preocupações de Samara pareciam sem o menor fundamento. Danilo se declarara e
os dois iniciaram um namoro.
CAPÍTULO XXXII
Estava andando distraída pela rua. Precisa
comprar copos. Protelara o máximo que pudera, mas não podia fugir disso agora.
Coisas da vida adulta. Ouviu alguém chamando de dentro de um carro, por ela.
Olhou e teve uma agradável surpresa. Era Fernando e Helena.
_ Como vocês estão? _ Perguntou
Anabel com um sorriso.
Se soubesse que o encontraria,
teria se arrumado um pouco melhor. Pensou. Era sempre uma festa encontrar
Fernando. E se ele estava com Helena, a festa era completa. Eles eram tão
unidos. Achava que quando os irmãos ficavam adultos, se separavam, vivendo cada
um a sua vida. Mas com Fernando e Helena era diferente. Eles não se separavam
nunca.
_ Estamos bem. _ Disse Helena com
um largo sorriso.
_ Já casou? _ Perguntou Fernando.
Era esta a sua preocupação de sempre.
Que ela se casasse. E ele jamais tivesse uma chance de ficar com ela. De que
outro viesse e arrebatasse o seu coração para sempre.
_ Não. _ Ela disse.
Mas não perguntou se ele já havia
se casado. Não daria o seu braço a torcer.
Conversaram sobre várias coisas.
Quando se encontravam, era como se o tempo não tivesse passado.
_ Por que você sumiu? _ Perguntou
Helena. _ Por que não liga mais?
_ Perdi minha caderneta de
telefone. _ Confessou Anabel.
_ Pega o meu número. Também quero
o seu.
Elas trocaram os números de
telefone. Anabel notou que Fernando também anotou o seu número, quando ela o
passou para Helena.
_ Agora que tenho o seu número. _
Ele disse. _ Vou ligar para você, para a gente sair qualquer dia desses.
Anabel sentiu um sobressalto.
Será que ele estava falando sério? Ele sempre brincava com ela. E estava
brincando naquele momento. Como podia ter certeza?
Ela não escaparia desta vez.
Pensou Fernando. Já passara dos trinta. Se tivesse que ter casado, já o teria
feito. Ele tão pouco se casara. Nenhuma beldade aparecera para ele. Nunca
estivera com alguém com quem tivesse vontade de constituir uma família e ter
filhos.
Não quisera ter nada com Anabel
no passado por julgá-la indigna dele. Era feia e estava acabado. O que iria
dizer pros seus colegas? Iriam rir dele. Onde estavam os seus colegas agora?
Não tinha contato com mais nenhum. E se estivessem por perto agora, iriam ver o
mulherão em que se transformara. Bonita, interessante, elegante e sempre com
aquele olhar misterioso, que tinha a capacidade de prendê-lo aos seus.
Anabel achou que ele ligaria
mesmo. Nem mesmo esperou o telefonema de Helena. Apenas o de Fernando. Mas as
horas passaram e nada. Foi dormir um pouco deprimida. Ele apenas estava
brincando com ela. Como sempre fizera. Quem era ela. Uma garotinha. Nem mesmo
Samara agiria assim.
_ O que você tem? _ Perguntou a
estagiária no outro dia.
_ Nada.
_ Sempre a mesma resposta. Algo
deixou você triste.
_ Não foi nada, querida. Apenas
probleminhas de adultos.
A outra não falou nada. Apenas sorriu.
_ Não pareço muito adulta, não é?
_ Perguntou Anabel.
_ Sinceramente...
_ Não quero ouvir, Samara. Volte
para o seu trabalho.
_ Está bem.
Não estava com vontade de se
abrir com ninguém. Por que Fernando, mesmo longe, parecia sempre pronto a lhe
causar problemas? Não valia mesmo a pena. Nem mesmo os copos conseguira
comprar. Nada estava a seu gosto.
Enfiou a cabeça no trabalho e
acabou esquecendo de tudo. Como sempre fizera a sua vida toda. Quando tinha
problemas pessoais, enfiava a cara no trabalho e parecia esquecer de tudo. Até
quando viveria assim? Tempos modernos. De pressa, de ter sempre algo pendente
para fazer. Queria ter tempo de fazer nada. De procurar o que fazer. Queria ter
tempo para si mesma.
_ Vai sair para almoçar ou quer
que traga algo para você? _ Perguntou a estagiária.
Anabel olhou para o relógio. Já
estava na hora do almoço. Como o tempo corria. O tempo estava passando.
Precisava de tempo para si mesma.
_ Pode deixar. Vou almoçar com
você.
A outra pareceu espantar-se.
_ Vamos ao japonês da esquina?
_ Que tal irmos ao shopping?
Podemos dar uma olhadinha na vitrine.
_ O patrão não vai zangar?
De repente Anabel foi
transportada para anos luz de distância no tempo. Viu-se ainda adolescente, em
São Francisco do Sul, sendo convidada para almoçar na casa de Simone.
_ Não, não vai zangar. _ Disse
imitando o tom de Samara, como fizera Simone um dia. _ Que garota mais medrosa.
Onde você trabalha? Em um quartel?
Essas foram as mesmas palavras de
Simone.
Crescera, conquistara sua
independência. Já podia decidir, sem consultar a ninguém, onde poderia almoçar
e a hora em que poderia voltar. Era dona de sua própria vida. Mas ainda assim
sabia que tinha que obedecer regras. Interfonou para o patrão.
_ O que foi, Anabel? _ Ele
perguntou.
_ O senhor se importa de eu e
Samara nos demoramos um pouco na volta para o almoço? Preciso fazer umas
compras.
Ele soltou uma gargalhada.
_ Mulheres! Podem tirar o resto
da tarde de folga. Mas não é para acostumar.
_Obrigada. _ Disse Anabel.
No mundo dos adultos, não tinha
mesmo jeito de ficar sem obedecer à regra nenhuma. Ela conhecia hierarquia.
_ O que ele disse? _ Perguntou
Samara.
_ Que podemos tirar o resto da
tarde de folga.
As duas riram e saíram.
_ Vamos rachar um táxi?
_ Vim de carro.
_ Oba!
Ás vezes Samara parecia sua mãe.
De tão adulta que era. Em outras era apenas uma menina. Almoçaram no shopping e
depois fizeram compras. Chegou mesmo a esquecer de Fernando.
Mas naquele mesmo minuto, ele
pensava nela. Estava com o telefone, pensando se deveria ligar ou não. Como
ficara na noite anterior. Teve vontade de chamá-la para jantar. Mas onde é que
arranjaria coragem? O que diria para ela? O que ela pensaria dele? Não era mais
aquela menina desajeitada que vivia suspirando por ele. Já era uma mulher. Ele
não deveria ficar se comportando como um garoto. Não pegaria bem.
Como dizer para ela que ainda
depois de tantos anos, era para ela que voavam seus pensamentos? Muitas outras
mulheres apareceram em sua vida. Mas era apenas um imenso borrão. Era nela em
quem pensava em todos os seus dias.
Como quisera que tudo tivesse
sido diferente. Como queria estreitá-la em seus braços. Sentir o seu calor e o
perfume de seus cabelos. O que fizera de sua vida? Por que Anabel tinha o poder
de fazer o tempo parar? O que ela tinha de diferente das outras? Por que nunca
conseguira esquecê-la.
Deixaria passar um tempo. Não
queria parecer muito afoito.
CAPÍTULO XXXIII
Esse sempre fora seu mérito: a
ingenuidade. Quantas vezes não fora enganada? Abria a porta de seu coração e
falava a verdade e pronto. Estava entornado o caldo. Quanto tempo levaria para
aprender a grande realidade da vida: “Que em boca calada não entra mosquito”?
O chefe sabia de tudo. Como
fizera aquilo?! Samara estava assustada. Ela não tinha mesmo culpa. Fora
enganada tanto quanto ela.
_ E então? O que vocês me dizem
disto? _ Ele apontava para os e-mails em suas mãos. Não precisava ser adivinha
para saber que era a “correspondência secreta” que haviam trocado a respeito de
uma decisão tomada pelo chefe que não lhes parecia muito correta. Alícia sorria
de um modo zombeteiro. E por que estava tão à vontade? Não fora ela quem
iniciara tudo aquilo? O que fizera para sair ilesa e estar tão calma? Coisas de
Alícia.
Tudo bem que Samara tivesse
caído, mas ela? Como fora tola. Quase uma menina.
Lembrou-se de uma vez, no Ensino
Médio, quando as amigas tentaram afastar um professor da classe. É certo que
ele não era um dos melhores, mas naquele tempo, Anabel julgava que ser o melhor
era passar a mão na cabeça dos outros. Isto ele não fazia. Não mesmo. Então não
era um dos melhores. Nem pra ela, nem pra ninguém. Muito menos para um certo
aluninho que estava sendo defendido. O professor era implacável com ele. Quem
mandou perseguir um dos alunos mais bonitinhos e agradáveis da classe?
“Façam um documento e ponham tudo
isso escrito nele”. Alguém dissera de forma tão sincera que parecera o mais
justo e certo a fazer. A princípio Anabel julgara que aquilo não seria o certo,
o professor não era tão ruim assim. Vai que sairia prejudicado? No entanto, se
esse era o único jeito de fazê-lo se tornar um pouco mais “tolerante”, que fosse.
Quando o documento chegou às suas mãos, assinou. A decisão fora tomada em
grupo, se a turma toda concordara, não ia puxar pra trás.
Na outra semana, lá estava o
professor com o documento nas mãos. Como aquilo fora acontecer? Então foram
traídos. Ele estava triste e magoado. Sua “tolerância” ficara menor ainda. Os
abaixo-assinados foram todos colocados em seu devido lugar. O pobre aluninho em
questão, “perseguido” de forma “arbitrária”, não colocara o seu nome no
documento e saíra ileso na questão e até louvado pelo professor, porque o
garoto não agiu em causa própria. Será?! Naquele momento, Anabel percebeu que o
professor era tão ou mais ingênuo do que ela! Realmente teve pena dele e
arrependeu-se de ter feito parte daquilo tudo.
Era hora de fazer alguma coisa. A
turma estava mais insuflada ainda. Deixou que todos fossem embora, não queria
que ninguém fosse testemunha do que iria fazer. Pediu para ter uma conversa
particular com o professor e pediu-lhe humildemente desculpas, que não tinham
feito aquilo de forma a vê-lo prejudicado e que erraram com ele. Talvez se a
turma a visse se reportando a ele de forma tão humilde, a levariam direto para
o tronco. No final da conversa, o professor apertou sua mão de forma quase que
agradecida e Anabel se condoeu realmente dele. É certo que também pensava em si
e no castigo, mas também achara que realmente a turma devia um pedido de
desculpas deveria ser feito ao professor. Mas no calor da indignação, ninguém
faria isso.
No outro dia, o castigo foi
suspenso e tudo voltou ao normal. E a turma nunca ficou sabendo do seu feito.
Ninguém veria com bons olhos alguém que volta atrás de uma decisão tomada, como
um cachorro que lambe as mãos de seu algoz. Mas o professor não era um algoz,
eles é que deixaram ser manobrados por mentes brilhantes, ainda que jovens.
Jovens como Alicia. Naquele dia, Anabel colocara como regra de vida que não
assinaria nem mesmo um “Salvem as baleias!”. Mas não cumpriu com o prometido.
Muitas vezes deixara-se manobrar por mentes mais astuciosas do que a dela. E
ali estava ela, em risco de perder o seu emprego e também o estágio de Samara.
Tudo por conta de sua língua comprida e sua grande ingenuidade.
Se você concorda em falar da vida
de alguém e ainda confirma com o que você sabe. Bem, estourando a fofoca. É
claro que você tem que assumir o crime. Não tem pra onde correr. Você não pode
dizer: “Ei, eu não tenho nada com isso. Eu não falei nada. Foi fulano.” Bem, se
o fulano disse e você confirmou. Você falou sim. E não vale dizer que o fulano
falou. Já que ele pediu segredo. Se a batata está quente. Sinto muito,
filhinha. Vai ter que ficar com ela na mão. Quem mandou ter a língua solta?
Da próxima vez fique calada. Por
que se alguém te perguntar uma coisa, você pode bater no peito e dizer: “Da
minha boca não saiu nada..” Mas se saiu. É fofoqueira e pronto. Aprenda a ficar
de boca calada.
_ Eu posso explicar tudo. _ Disse
para o chefe. Precisava do emprego.
E mais uma vez teve que se
humilhar, assumir toda a culpa sozinha. O que não deixava de ser verdade. Mas
uma vez abrira a porta de seu coração e ingenuamente dera voz para alguém mal
intencionado fazer dela o que quisesse.
É certo que o chefe não tinha o
direito de ter aqueles e-mails em mãos. Como ele conseguira aquilo? Alicia,
esta era a resposta. Mas e daí? Não era a vida dele? Ela que aprendesse a se
calar.
O chefe perdera a confiança nela.
É certo que conservaria o seu emprego por saber de sua capacidade profissional.
Ele não era tolo. Não fora assim que chegara ao topo da cadeia alimentar. Tinha
que passar por cima de certas coisas para chegar ao ponto principal: o lucro. E
isso nada tinha a ver com a vida pessoal. Anabel em seu lugar, teria a colocado
na rua, mas ele não faria isso. Precisava dela, assim como ela precisava dele.
Ela tinha contas para pagar e ele tinha muito dinheiro para ganhar.
Eles nunca foram realmente
amigos, precisavam um do outro para ganhar dinheiro. Mas a conta dele sempre
crescia muito mais do que a dela. Era a vida. Uns na vida vem para serem
raposas e outros para serem galinhas. Anabel era, e sempre fora uma galinha.
Produzia seus ovos religiosamente todos os dias, mas nunca ficava com nada a
mais do que sua porção de milho de cada dia.
Por que não se lançara de peito
aberto ao mercado para receber muito mais do seu quinhão? Quantas vezes o pai
não lhe incentivara a abrir a sua própria firma? Sabia que seu pai lhe ajudaria
financeiramente, mas não tinha a mínima coragem para isso. Raposas correm,
assumem riscos. Vivem soltas na floresta, debaixo e sol e chuva, são castigadas
pelo vento frio. Galinhas vivem deitadas de forma pachorrenta sobre seus
próprios ninhos, protegidas pelas telas protetoras de seus galinheiros,
recebendo o seu quinhão de água e milho, todos os dias. As galinhas são mesmo
indivíduos “admiráveis” pela forma com que “lutam” por suas vidas.
Fizera o que tinha que ser feito.
Não se arrependia por sua atitude de galinha. Devia um pedido de desculpas ao
chefe, afinal, ele era uma pessoa. Fora leviana ao se deixar levar pelos
comentários de Alicia. Ela e Samara foram tolas e levianas. Ter compromisso com
a verdade não significa se deixar levar pela conversa de um fofoqueiro. Além do
que, em se tratando de mexericos, nunca se sabe se está se tratando com um tolo
que fala pelos cotovelos ou um armador de intrigas, no caso de Alicia, logo se
viu que a moça se enquadrava no segundo caso. Como Anabel fora tola.
Não estavam condições de pedir
alguma regalia. O que pretendia era sair na hora do almoço e não voltar mais.
Mas não estava em condições de fazer nenhum pedido. Deixaria para depois do
trabalho. Os pais tinham acabado de voltar de uma viagem, não queria que elas a
vissem com aquelas cara de cachorro que acaba de derrubar o pote.
_ Samara, ligue para meus pais e
diga que vou me demorar para chegar em casa.
_ Está com muito serviço? _ A
garota parecia muito preocupada.
_ Não. Só quero dar umas voltas.
_ Quer companhia?
_ Não vai ser preciso.
A menina parecia preocupada. Um
pouco arrependida talvez. Sabia que fora ela quem começara toda aquela
confusão.
_ Mesmo?
_ Mesmo. E não fique com essa
cara. Você não tem culpa de nada. Ou melhor. Sou tão culpada quanto você. Volte
ao serviço. Não quero ficar presa por muito tempo aqui.
Dedicou-se ao trabalho. Era o que
sempre fazia quando tinha alguma preocupação. Por que não ficar de boca
fechada? Como pudera cair numa daquelas? Era muito bem feito para ela. Que da
próxima vez tivesse mais cuidado. Não era nenhuma menininha.
A hora da saída chegou. Que bom
que não viera de carro. Precisava caminhar um pouco. Precisava colocar a cabeça
no lugar.
CAPÍTULO XXXIV
Ele estava caminhando pela rua.
Estava cansado. O trabalho tinha sido extenuante. Tinha que dar umas voltas.
Espairecer um pouco. Sua vida só era trabalho e mais trabalho. Só pensava
nisso. Só se dedicava a ele. O que construíra? Nada.
Helena já se casara e tivera um
filho. A maioria de seus amigos também. Em alguns meses completaria trinta e
cinco anos e não fizera nada de sua vida. Não tinha uma casa, uma esposa, nem
filhos.
Pra que ficar pensando em tanto
orgulho? Por que não ter aceitado quando o amor batera em sua porta? Por que
não disse sim e pronto? Tudo seria tão diferente agora. Como seria sua vida se
a tivesse todo o tempo por perto? É certo que os amigos não iriam entender. Que
achariam que ele merecia algo muito melhor. E este algo melhor aparecera? Não.
De maneira nenhuma. Tantas outras apareceram em sua vida depois dela. E por
quantas delas se julgou apaixonado. Mas quando tudo acabava. Lá estava Anabel,
mais uma vez, povoando os seus pensamentos.
Nunca a esquecera, nem mesmo um
só dia. Comparando-a com as outras, muitas vezes, ela perdia por um ou mais
pontos. Mas era ela que estava ali. Prendendo os seus pensamentos.
Era em Anabel em quem pensava.
Eram os seus beijos que imaginava. E não ousava nunca em dizer que a amava.
Guardava o seu amor para uma mulher ideal que nunca aparecera em sua vida.
Só percebeu que uma pessoa vinha
em sua direção quando já era tarde demais. Os dois acabaram dando um encontrão.
_ Desculpa. _ Ele disse.
_ Perdão. _ Ela falou na mesma
hora e o olhou com aqueles olhos que nunca saíram de seu pensamento.
_ Anabel.
_ Fernando.
Eles se reconheceram na mesma
hora e estreitaram o abraço que já tinha começado entre dois desconhecidos que
querem evitar uma queda em um encontrão.
_ Não vi você._ Ele disse
enquanto aspirava o doce perfume dos seus cabelos.
_ Não foi sua culpa. Eu estava
tão distraída. _ Disse Anabel tentando se desvencilhar, sem muita vontade, do
abraço que já estava se tornando longo demais para o abraço de dois amigos.
Mas Fernando não a soltou e ela
se esqueceu de quem eram e de onde estavam e aninhou sua cabeça em seu ombro.
Era tão bom estar com ele naquele momento.
Ela deu um suspiro.
Ela estava tensa. Ele podia
sentir. Vira tristeza em seus olhos.
_ Problemas?_ Ele perguntou sem
se mover.
Era muito bom tê-la nos braços.
Céus! Como desejara aquilo durante toda a sua vida. E como fora tolo de
desperdiçar tanto tempo com tanta bobagem. Se pudesse voltar no tempo, faria
tudo diferente. Ela o amava, sabia. Eles poderiam ter ficado juntos a vida
inteira. Poderiam ter se casado. Poderiam ter filhos. Filhos de lindos olhos,
como ela. Filhos lindos como ela, agora sabia. Mas não poderia saber que aquela
menina desengonçada iria se transformar naquela linda mulher. Mas o que os seus
olhos não podiam ver, o seu coração já sabia e era por isso que tinha se ligado
ao dela, mesmo quando tudo parecia tão irreal.
Gostara dela mesmo naquele tempo.
Num tempo em que tudo parecia impossível. Em que qualquer relacionamento entre
os dois seria tachado de impossível e improvável. Quem aprovaria que ele a
amasse? Quem não iria dizer que ele estava louco? Quem não iria rir dele?
Mas ninguém acharia improvável
agora. Ela estava ali, com ele. E ele nunca mais a deixaria escapar. O destino
a colocara em suas mãos de novo. Era melhor não repetir o erro. Dois raios não
caem numa mesma árvore. E agora tinha caído. Era melhor não dar bobeira de
novo.
_ Quer tomar um café? _ Ele
perguntou. _ A gente pode conversar. Ou não, se você preferir.
Ela riu e aceitou o convite. Já
nem lembrava mais sobre o que a deixara tão triste. Tristeza com Fernando por
perto? Quem era Alicia? Quem era Samara, a estagiária linguaruda? Quem era
mesmo o seu chefe e por que estava irritado?
Ela deu uma gargalhada.
_ Deve gostar muito de café. _
Ele disse. _ Você me parece bem melhor.
E estava mesmo. Os olhos estavam
vivos de novo. Luminosos quando os percebeu pela primeira vez, quando ainda
eram adolescentes. Mal sabia ele que o café em nada tinha a ver com aquela
mudança. Era ele quem tinha o poder de iluminar os olhos de Anabel. E era por
isso que sempre os via tão vivos.
Eles caminharam para um café e
sentaram-se numa mesa do lado de fora. A noite estava quente e a brisa noturna
era muito bem vinda.
_ A lua está linda. _ Ele disse.
_ É mesmo. _ Ela concordou.
Examinando a lua pela primeira vez naquele dia.
_ Lua de apaixonados. _ Ele
disse, enquanto olhava fundo nos seus olhos.
Ela riu, achando que era mais uma
de suas brincadeiras, mas ele estava sério.
Foi levada de volta ao passado,
num dia muito distante. “Vamos bater um sério?” Ele propusera com um sorriso.
“O que é bater um sério?” Ela havia perguntado Ele se espantara de ela não
saber do que se tratara. “É uma brincadeira. A gente fica olhando sério um para
a cara do outro. Quem rir primeiro perde.” Ele havia explicado. Ela achou graça
por perceber que era uma brincadeira de criança, mas acabou aceitando. Ficaram
olhando um para a cara do outro, sérios. Eles ficaram imóveis, olhando um nos
olhos do outro, até que os olhos de Fernando pousaram em sua boca e ela
percebeu. Lembrando-se, na mesma hora,do dia em que Laís gabara-se de que
Fernando estava conversando com ela e que então seus olhos foram direto para
sua boca e Anabel morrera de ciúmes, naturalmente. A brincadeira parecia se
repetir e os dois estavam imóveis, como daquela vez, e os olhos de Fernando
novamente estavam pousados em sua boca.
_ O que vão pedir? _ Perguntou o
garçom, quebrando o clima.
Eles pareciam dois adolescentes
de novo. Estavam desconcertados. Ambos pegaram o cardápio muito sem jeito e não
sabiam o que escolher.
O garçom percebeu tudo e sorriu
interiormente. Chegara numa má hora.
_ Volto mais tarde, então. _ E
afastou-se. Deixando-os mais constrangidos ainda.
_ Quer suspender o café e pedir
uma pizza? _ Ele perguntou.
_ Vai demorar._ Ela
desanimou. _ Não vim de carro hoje.
_ Eu te levo em casa.
_ É fora do seu caminho. Não
quero te dar trabalho.
_ O que é isso? Para que servem
os amigos? Não quer a pizza? Que tal um jantar? Tem um restaurante bom ali na
esquina.
Não queria perdê-la. Queria
aproveitar o máximo de tempo que pudesse ficar ao lado dela.
Ela não estava preparada para
aquilo. Não sabia o que fazer. Não sabia como se comportar.
_ Hoje não vai dar mesmo.
_ E que tal amanhã?
Ela abriu a boca, mas não sabia o
que responder. Estava entendo mal ou ele estava a convidando para sair? Não
podia acreditar. Não tivera tempo de processar aquilo.
_ Vou tomar um expresso mesmo e
você? _ Ela disse mudando de assunto.
Então ela não queria sair com
ele? Ela não estava casada. Encontraram-se semanas antes. Mas talvez estivesse
interessada em alguém. Talvez tivesse mesmo um namorado e não tivera coragem de
contar. Perdera a oportunidade quando a tivera em mãos. Agora era tarde.
_ Vou tomar um expresso também. –
Ele disse um pouco desanimado e chamou o garçom.
_ Vão querer mais alguma coisa?
_ Não...
_ Um sanduíche não vai demorar. _
Ele a interrompeu. _ E eu estou morrendo de fome.
_ Está bem. _ Ela sorriu. _ Eu
acompanho.
Eles escolheram os sanduíches e
ficaram conversando sobre amenidades. Falaram sobre Helena, o filho dela. Sobre
os amigos de escola que já haviam se casado.
_ Você ainda não casou. Não é? _
Ele perguntou.
_ Não.
_ Não pretende se casar?
_ Não pretende se casar?
_ Talvez.
_ Tem alguém em vista?
Sim. Sempre tivera. E ele estava
sentado ali na sua frente.
A brisa se transformara em um
vento e o tempo começava mudar. Estivera quente e abafado durante o dia todo.
Era mesmo sinal de que iria chover. Ela olhou para o céu.
_ É, parece que vai chover.
O velho assunto sobre o tempo.
Ela não queria falar sobre isso. Talvez já tivesse alguém em vista. Quem seria
o sujeitinho? Ela estava triste quando a encontrara. Ela não dissera porque.
Talvez tivesse triste por causa dele. Que raiva! Raiva não, ciúme. Era melhor
começar a dar nome aos bois daqui pra frente. Perdera Anabel porque quisera
mascarar os seus sentimentos.
Eles terminaram os sanduíches e o
tempo só parecia piorar.
_ Vou ter que ir. – Ela disse
pesarosa. Era tão bom estar na companhia dele.
Em algumas horas ele parecia o
Fernando de sempre. Em outras parecia pensativo e desanimado. Será que estava
entediado com a companhia dela?
_ Vamos, então.
Ela procurou a carteira para racharem
a conta e ele pareceu a fuzilar com o olhar. Ela ficou com o rosto em chamas.
Não sabia como se comportar. Quando um homem se oferecia para pagar a conta,
sentia-se desconfortável, mas acabava aceitando, para não ser descortês.
_ Deixe comigo. _ Ele disse.
_ Obrigada. _ Ela agradeceu.
_ Meu carro está num
estacionamento aqui perto. Vamos?
_ O que é isso, Fernando? Eu vou
de táxi.
_ Deixa de marra, Anabel. Vai
cair uma tromba d’água. Eu vou levar você.
Eles continuaram conversando
sobre amenidades durante o trajeto. Ela lhe ensinara o caminho. Conhecia o
lugar. Era perto. Chegou a desejar que fosse mais longe. Só para estar com ela
durante mais alguns minutos. Será que a perderia de vista de novo? Não podia
deixá-la escapar. Por que em se tratando de Anabel, agia sempre como um menino?
A chuva começou a cair antes que
tivessem chegado ao prédio dela.
_ Obrigada, Fernando. _ Ela disse
enquanto abria a porta do carro.
_ Espere. _ Ele disse pegando o
paletó que jogara no banco de trás. Vai se molhar.
Eles se cobriram com o paletó e
chegaram à entrada do prédio.
_ Obrigada mais uma vez. _ Ela
disse.
_ Não foi nada.
Eles se despediram com os
costumeiros três beijinhos. Mas então ele não resistiu. Não dessa vez. Como um
ímã, a boca de Anabel atraiu a sua.
Ela não entendeu muito bem o que
estava acontecendo. Não esperava aquilo. Não depois de tantos anos. Mas não
resistiu ao beijo. Ansiara por aquilo durante todos aqueles anos. Sempre
imaginara como seria um beijo entre os dois e a realidade superou as suas
expectativas.
Finalmente Fernando a beijara e
foi o melhor beijo de sua vida.
Ele não queria que aquele beijo
acabasse nunca. Era suave e ao mesmo tempo tão emocionante. Seu coração estava
aos pulos, como acontecia quando ainda era adolescente. Precisara viver quase
trinta e cinco anos para saber o que era um beijo de verdade e valera a pena.
Anabel era a mulher de sua vida. Fora uma pena que levasse tanto tempo para
perceber isso. Não a deixaria escapar nunca mais.
O beijo terminou, mas os dois não
se soltaram. Ficaram olhando um para o outro, como se nada mais no mundo
importasse.
Ela tinha os olhos mais lindos
que ele já vira e nunca os tinha admirado de tão perto. Aqueles mesmos olhos
que prendiam os seus há tantos anos atrás. Ela era sua. Não podia deixá-la
partir nunca mais.
_ Você quer se casar comigo?_ Ele
se ouviu perguntando.
_ O que você disse? _ Ela não
podia acreditar no que estava ouvindo.
Fernando não quis parecer que
estava indo com muita sede ao pote, não queria assustá-la. Mas não podia deixar
que ela escapasse. Era a mulher de sua vida e cruzara o seu caminho tão cedo,
que ele não havia tido maturidade para aceitar. Quantas pessoas passam sua vida
inteira sem amar daquele jeito e Anabel aparecera em seu caminho quando ainda
era primavera.
Mas ela não parecia aceitável
naquele tempo. Quem poderia torcer o nariz para ela agora?
_ O que foi? _ Ela perguntou
diante de seu silêncio.
Os dois continuavam abraçados e
ele tinha medo de soltá-la.
_ Não quero perder você. Eu te
amo, Anabel. Sempre amei. _ Ele disse.
Ela não podia acreditar no que
estava ouvindo. Ela nem ousara sonhar com uma coisa dessas durante toda a sua
vida. Aquele era o homem que povoava os seus pensamentos há quase vinte anos e agora estava ali, na
porta de seu prédio, pedindo-a em casamento depois de um primeiro beijo quase
ao acaso e que agora dizia que tinha medo de perdê-la. Aquilo só podia ser um
sonho.
_ Não acha que as coisas estão
correndo depressa demais? _ Ela perguntou finalmente.
Ele lhe deu mais um beijo e as
dúvidas de Anabel acabaram.
_ Bem. _ Ele sorriu depois
enquanto a abraçava mais forte e lhe beijava os cabelos._ Esperamos quase vinte
anos para darmos o primeiro beijo. Se continuarmos no mesmo passo, podemos nos
casar daqui a quarenta. O que você acha?
Ela sorriu. Fernando tinha razão.
Era hora de encarar sua vida de frente. Não tinham tempo para mais esperar.
_ O que o faz pensar que iria me
casar com você? _ Ela perguntou com um sorriso zombeteiro.
_ Sempre foi apaixonada por mim.
_ Ele riu com vontade.
_ É verdade. _ Ela concordou.
_ Tão fácil assim? _ Ele
perguntou. _ Admite e pronto?
_ Sim. _ Ela sorriu.
_ Essa é a minha garota. _ Ele
disse antes de beijá-la mais uma vez.
EPÍLOGO
Helena levantou o bebê para uma
foto. Era a cara de Fernando. Mas os olhos eram de Anabel. Quem podia imaginar
tudo aquilo nos tempos de colégio. Fernando e Anabel juntos. Olhou para a cunhada
sentada no sofá, enquanto o marido a paparicava. Todo trabalho da festa ficara
para ela. Mas o que Anabel podia fazer com um barrigão daqueles? Julinho estava
completando um ano e Larissa já estava a caminho. Não se surpreenderia se a
menina chegasse agora. Anabel já estava com nove meses. Parece que tinham
pressa!
Espantara-se quando o irmão lhe
apresentara a “nova” namorada. Anabel finalmente conseguira. Mas não ficou nem
um pouco espantada quando o casamento fora anunciado seis meses depois. Então
veio o bebê e logo depois o outro. Parece que não queriam perder mais nada
nesta vida.
_ Como você está? _ Fernando
perguntou para Anabel pela milésima vez.
_ Estou bem. _ Ela disse,
enquanto segurava sua mão. _ Apenas um pouco pesada._ Disse enquanto passava a
mão na grande barriga.
Ele beijou sua barriga.
_ Aguente mais um pouquinho,
filhinha. _ Ele falou. _ Ainda temos que partir o bolo.
_ Ela vai esperar. _ Disse Anabel
enquanto passava a mãos no cabelo de Fernando.
_ Já disse que amo você? _ Ele
perguntou, enquanto a beijava.
_ Não nos últimos dez minutos._
Ela sorriu.
_ Estou muito ocupado com a
festa. _ Ele riu.
_ Helena ficou com todo o
trabalho. _ Falou Anabel. _ Devemos recompensá-la.
_ Brevemente. _ Ele disse. _
Vamos lhe dar uma linda sobrinha.
_ Como sabe que será linda?
_ Caprichamos bem da primeira
vez. Não vamos desapontar na segunda. Aposto que terá os seus olhos e vai ser a
coisa mais linda que alguém já viu. Amo você, Anabel.
_ Também te amo, Fernando.
FIM
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