ARRIETE
A festa
havia sido horrível. Tudo estivera tão bem até que ela aparecera, com aquela
cara de boazinha. Sofia e sua mãe fingiram que não a reconheceram, mas Arriete
sabia tão bem quanto as outras que aquela era Cinderela. Só não sabia como ela
arranjara aquele lindo vestido. E o seu sapato, então? Arriete podia jurar que
eram de cristal. Os cabelos de Cinderela pareciam ter sido penteados por uma
fada.
Arriete
sempre soube que Cinderela era mais bela do que ela. Simplesmente tinha vontade
de esganá-la. Por mais que fizesse roupas e penteados, não era capaz de se
igualar à enteada de sua mãe, mesmo vestida em panos pobres. Mas aparecer
vestida daquele jeito, aquilo tinha sido fatal. Arriete olhou-se no espelho,
realmente sua beleza não competia com a da moça.
O pior de
tudo era que Cinderela arrebatara o príncipe de suas mãos, seu amado William.
Arriete sabia que, na verdade, nunca conseguiria Willy, mas tê-lo como quase
cunhado era realmente insuportável. Como Cinderela pode fazer aquilo com ela?
Desde os dez anos que amava Willy, que nem ao menos se dignara a olhar para
ela. E agora aquela falsa o tomara para sempre. Arriete teve vontade de chorar.
Como ele
podia ter jeito aquilo com ela. Que vergonha! Que horror! Quem suporta ser
preterida? Tantos anos de amor em segredo. Que segredo? Esse amor nunca foi
segredo pra ninguém. Todos sabiam. Todos sempre souberam. Tanto que ela sentia
que ele lhe pertencia.
Tinha
vontade de esmurrá-lo. Tirar satisfações. Mas que direitos tinha? Tinha apenas
que conviver com aquela humilhação.
Como não
conseguira enxergar durante todo este tempo. Tantos anos do só pensar nele.
Tantos anos de sonhos, castelos de areia construídos em nuvens de sonhos. E no
final, o que tinha? Apenas dor e humilhação. Por quê? Por quê? Que dor que não
passa. Quanto sofrimento.Quanta infelicidade.
Se pudesse
voltar no tempo, não teria o amado nunca. E agora não estaria sofrendo.
Estava
nessas divagações quando, de repente, bateram na porta. Todos foram para a
sala, menos Cinderela, que estava cuidando das roupas. Arriete sabia que hoje
Cinderela não pararia de trabalhar. Sua mãe não comentara nada, mas Arriete
sabia que ela estava uma fera. Sofia abriu a porta e por ela entrou um
mensageiro do rei.
Arriete
teve uma contração no estômago, sabia que ele viera buscar Cinderela e levá-la
para os braços de Willy. Sentiu um arrepio ao pensar em tal hipótese. Ele seria
dela para sempre. Cinderela o teria em suas mãos. Cinderela era dona do seu
amor. Dona do seu coração.
_ Com
licença, senhoras. Venho da parte do rei e trago aqui o sapato da moça que
dançou com o príncipe. A moça que calçar este sapato, certamente será a esposa
do príncipe, visto que sua identidade é desconhecida a ele.
Arriete
entrou em pânico. Sabia que o sapato era de Cinderela, pois não havia no reino
moça de pé tão delicado. Aquele sapato parecia ter tido o próprio pé de
Cinderela como fôrma.
_ Oh, por
favor! _ Arriete sabia que tinha que fazer alguma coisa _ Certamente que o sapato é meu, eu o perdi
ontem à noite.
Sentiu o
olhar de repreensão da mãe. Sabia que estava fazendo papel de tola. Um sapato
de Cinderela nunca caberia em seus pés.
_ Veja! Eu
vou calçá-lo.
O homem fez
uma cara irônica e apresentou-lhe o calçado. Sabia que aquele sapato nunca lhe
caberia.
Arriete
tentou, em vão, calçá-lo, mas sabia que ele nunca entraria.
_ Oh! Bem ... que horror! De tanto dançar, meu
pé inchou, ou o sapato encolheu. Ele é meu, não sei por que não entra.
Disse isso
entre lágrimas.
Sofia sabia
que ela sempre amara William. Teve pena da irmã e tentou ajudá-la.
_ Senhor,
deixe-me calçar este sapato. Minha irmã mente, certamente que o sapato é meu.
Arriete a
olhou espantada, sabia que Sofia fazia aquilo somente para não deixá-la
encabulada depois daquela loucura e queria estar junto dela, nessa hora. Sofia
sempre a ajudara, tinha pena dela, por ser a mais feia. E a situação piorava
com a exuberante beleza de Cinderela. As duas tornaram-se assim, cúmplices na
raiva que tinham da moça tão formosa.
_ É, ele
não cabe. Não sei por que. O que será que houve?
Arriete
teve vontade de morrer. Sabia que Sofia tentara ajudá-la, mas não tinha
consolo. Era muita dor, muita humilhação. Não merecia aquilo.Estava ferida pela
olhar de compaixão que Sofia lhe lançava. Tudo, menos compaixão. Tudo por causa
dele. Seu amor jogado na lata de lixo por um homem que durante tantos asnos só
soubera despreza-la e coloca-la em situação de vexame. Tantas vezes a mesma
coisa e Arriete não queria enxergar. Indiferença e desprezo em paga de um amor
devotado.
Um amor que
Arriete não soubera como começara a existir. Parecia que havia uma onda magnética
que sempre a puxava para perto de William. Ele as vezes a via. Mas na maioria
das vezes era Arriete quem o via. Lindo, imponente. A grande maioria das vezes
em cima do seu cavalo. Sempre a cavalo. Quase nunca a pé. Tantas vezes que
Arriete achava que ele já fazia parte dele.
Ao ouvir um
trotar de cavalo, Arriete pensava: É ele. E muitas vezes era. Se entrasse por
aqui, ou saísse por ali. Lá estava William passando, sempre pronto a fazer
alguma coisa. Arriete o amou desde sempre. Na primeira vez que o viu, seus
olhos se prenderam naquele rosto e Arriete o achou a criatura mais linda da
face da terra. Lindo e perfeito e ao mesmo tempo tão inalcançável para ela.
Seu intelecto lhe dizia que Willian
não poderia ser dela. Mas o seu coração... Ah! Coração, coração. Diz que ama e
não tem jeito. Ama e apenas ama. Ama sem poder amar. Ama mesmo quando a mente
diz não. Arriete amava
William. Ainda que não tivesse o direito de amá-lo.
_ Bem ... _
Disse o mensageiro, já se aprumando. _ Não haverá na casa alguma outra jovem?
_ Não! _
responderam a mãe e Sofia.
Não
adiantava querer esconder. Esconder para quê? Cinderela era a vencedora.
Quantas vezes durante todos esses anos ele a havia procurado? Nunca! E no
entanto lá estava ele, mandando mensageiros
a procura de sua amada. Cinderela venceu. De que adiantava ter raiva
dela? Que culpa Cinderela tinha de ser amada? O príncipe não a queria? Então
que ficasse com ela. Sentia vergonha, humilhação. Tudo bem. Por que não
acordara antes? Por que acalentara um amor por tantos anos? Por que nutria em
coração amor por quem nunca demonstrara nenhum afeto por ela?
_ Há sim. _ Desmentiu Arriete. _ eu já vou
chamá-la.
Sua mãe e
Sofia não podiam entender, mas era a única coisa a fazer. Cinderela era bela e
Willy também, eles se casariam e teriam filhos lindos. Era a lei natural das
coisas. Coisa penosa era se meter entre o amor de duas pessoas que se amam.
Ninguém pode amar sozinho. Não é justo para quem ama. Não é justo para quem é
amado.
_
Cinderela._ Chamou por aquela que poderia ter sido sua irmã. Alguém que perdera
boa parte da infância e juventude por pessoas que não sabiam amar. Essa era a
verdade. Arriete não sabia amar. Como queria ser amada por Willy?
Para certas
pessoas, o orgulho vem sempre em primeiro lugar. Não importa os sentimentos das
pessoas. Se tivesse sido um pouco mais compreensiva. Agora era tarde. Willy não
era seu. Era de outra pessoa. Era Cinderela quem iria construir uma família com
ele. Com o seu orgulho tentara separa-los durante anos e não conseguira nada.
Não se pode tentar mudar o curso das coisas. Nem tudo está sob o nosso
controle. A vida corre o seu curso natural. As pessoas têm vida própria.
_ Sim. _
Respondeu Cinderela.
_ Vá para a
sala, tem uma pessoa que deseja ver-te.
Depois de
falar com a moça subiu correndo para o quarto. Estava tudo acabado. Cinderela
seria uma princesa e se casaria com o seu grande amor. O que adiantara a terem
escondido por tanto tempo do príncipe? Nos jogos da corte, sempre haviam dado
um jeito para que Cinderela não fosse. Mas o que por tantos anos ela tentara
impedir acabara acontecendo. Cinderela e Willy acabaram se conhecendo e se
apaixonaram.
Não
precisou da resposta quando Sofia entrou no quarto, o sapato coubera, ela
sabia. Tudo o que tinha agora era o
ombro amigo da irmã mais velha, que sempre fora cúmplice do amor não
correspondido pelo belo príncipe William.
FIM
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