sexta-feira, 20 de julho de 2012

APOSTO NELA


APOSTO NELA


            Se é verdade ou mentira que os opostos se atraem eu não sei dizer. Se é verdade ou mentira que só se ama uma vez, eu também não sei dizer. Coisa tão inexplicável esse tal de amor. Só sei contar a história de Carolina. Gostaria que tivesse acontecido comigo. A história de Carolina é uma das mais interessantes que eu conheço. Estávamos na escola por esta época. Não me lembro ao certo, quanto tempo faz isso, só sei que faz muito tempo.
            Ah! O tempo! Pra que falar do tempo? Por que ele tem que passar? Por que as coisas de antigamente tinham um sabor especial? E por que mesmo antigamente se tinha uma sensação em certos momentos de que futuro e passado estavam juntos ao mesmo tempo, deixando em nosso peito uma nostalgia de uma coisa que nos fazia ter saudade de uma coisa pela qual não havíamos passado? Mas pra que falar disso agora? Vamos falar da história de Carolina.
            Estávamos na escola, como já havia dito. Agora me lembro, foi no final do ginásio. Tinha um garoto tão lindo, da outra turma. Devo dizer que nossa escola era mista, mas as turmas eram separadas. Salas só de meninos e salas só de meninas. Isso nos deixava doidas! Só podíamos ver os meninos na hora do recreio. Continuando. Ele era o rapaz mais bonito da escola e aquele seria o nosso último ano. Nenhuma das meninas de nosso grupo tivera oportunidade de ter sequer um olhar dele. Não éramos populares o suficiente, mas isso já é outra história.
            Henrique era alto, musculoso. Gostava de esportes. Tinha um tipo que em nada se parecia com o tipo brasileiro. Era bronzeado, como a maioria dos meninos, mas a semelhança parava por aí. Olhos azuis e cabelos pretos. Pode? Enquanto nós, a maioria dos mortais, tínhamos cabelos castanhos e olhos idem. Todas as meninas babavam por ele. Ele era o máximo. Sonho de consumo de dez entre dez alunas de nossa escola.
            Dos populares, ele era o mais popular. Um líder nato, que atraía todos por onde quer que passasse.
O fato é que o ano já estava terminando e tínhamos que fazer qualquer coisa que marcasse nossas vidas naquele colégio e a escolha foi a conquista de um dos rapazes mais populares do colégio. Nosso grupo era constituído por seis meninas nem barro nem tijolo que nunca havia conseguido nada com nenhum daqueles maravilhosos rapazes populares e lindos da escola. Nós não tínhamos muita beleza, nem muito dinheiro, nem muito talento nos jogos, nem tirávamos notas altas o suficiente para sermos notadas, ou seja, nós não éramos nada. Éramos esse tipo de gente que passa na rua e não é reconhecida pelos colegas de escola. Passamos por lá como se nunca tivéssemos passado. Para um adulto, essa coisa de popularidade parece não ter nenhuma importância, mas vai explicar isso para um adolescente. Ao mesmo tempo que se desdenha aquele grupo que consegue se fazer perceber em uma escola, no íntimo, quer ser parte dele.
            Não sei por que determinado grupo consegue a popularidade, ao passo que outro vive à sombra. Certos rapazes e moças, homens e mulheres e até mesmo crianças brilham por simplesmente existir. Outras pessoas, aquelas que compõem o círculo de súditos desses astros cintilantes, são aquelas que são aceitas no grupo, no entanto, há aquele grupo de gente que por mais que faça, não consegue fazer parte desses grupos, nem mesmo como súditos, são os aparte, que dizem que não se dobram, que não aceita aquele tipo de futilidade, mas tudo o que queriam era fazer parte daquele mundinho, nem que fosse por um segundo, para saber como se é ser popular. 
            Mas nossa despedida seria diferente, iríamos fazer naquele ano algo que tivesse valido por todos.
_ Que tal fazermos uma grande festa? _ Alguém opinou.
_ É claro que ninguém iria. _ Desencorajou alguém. _ Lembram da festa de quinze anos da Ana Maria, que ela saiu convidando todo mundo e só o nosso grupo compareceu?
_ É mesmo. _ concordamos desanimadas.
_ Poderíamos tentar algo novo, como um concurso de poesia. _ Eu opinei.
Idéia essa combatida de maneira veemente por todo o grupo. Perdi uma grande oportunidade de ficar calada.
_ Tá bom, meninas, talvez não tenha sido uma boa idéia.
Que vontade tive de sumir naquela hora. Odiava dar bola fora.
_ Que tal uma grande conquista? _ Alguém deu a idéia.
_ Que tipo de conquista? _ Perguntamos.
_ Acho que uma de nós deveria conquistar um garoto. _ Disse Ana Maria, com idéias já fervilhando na cabeça. Não gostava quando ela fazia aquela cara. Era problema na certa.
_ E qual a graça nisso? _ Lembro que alguém chegou a perguntar.
_ Não seria qualquer garoto, teria que ser um bem popular, o mais popular de todos. _ Ela disse com ares de importância.
_ O Henrique! _ Dissemos em uníssono.
_ Mas como uma de nós conseguiria tal façanha? Ele nem sabe que nós existimos. _ Lembro-me de ter argumentado.
_ É aí que está o X da questão. Vamos mostrar para todos que o nosso grupo é capaz de uma proeza dessa. Se fosse qualquer um, qual graça teria? _ Se exaltou a Celina.
_ Nenhuma! _ Respondemos todas.
_ Então está decidido! _  Deu Ana Maria o seu voto de Minerva, que sendo a mais velha de todas, se considerava uma espécie de chefe do grupo.
Mas qual de nós ficaria com o Henrique? Todas queriam tentar, afinal, ele era o sonho de qualquer menina do nosso colégio, quer popular ou não.
_ Que tal uma aposta? _ Eu opinei. Idéia essa aceita com animação pelas outras. Agora sim! Valia pela bola fora da poesia, minutos antes.
_ Quem conseguisse ficar com ele, levaria um prêmio. _ Disse Celina.
Como se o próprio Henrique já não bastasse. Apostamos uma certa quantia, que não me recordo.
_ Mas é muito pouco. Que prêmio sem graça.
_ Poderíamos abrir para as outras meninas do grupo. Disse Carol.
Estava lançada a nossa sorte. Para que a grana fosse maior, acabamos abrindo a aposta para outras meninas.
_ Mas elas não vão participar da conquista. _ Decretou Ana Maria. _ Elas só vão poder apostar em alguém, como nas corridas de cavalo.
Concordamos todo. Esta façanha era idéia nossa. Aquelas metidas não tinham o direito de participar. Não como protagonistas. Elas já haviam brilhado demais. Metade do dinheiro seria dado para a vencedora e a outra metade seria dividida em cotas para quem tivesse apostado nela. E a coisa foi tomando proporção tal, que a sala inteira acabou participando da aposta. Com direito a participantes de outras turmas.
            Para que a coisa ficasse mais organizada, colocamos algumas regras: Eu não poderia participar porque era noiva. Isso era óbvio.Pode imaginar alguém noiva na oitava série? Nem eu, hoje em dia, mas me parecia normal naquela época. Devia ter participado daquela aposta, não casei com o Vadinho mesmo. Mas eu não tinha como saber daquilo naquela época, ainda que meu noivado tivesse terminado dois meses depois do ocorrido.
            Além de mim, Carolina também não poderia participar. Ela era o que poderíamos chamar de Or Concur , porque tinha um pouco mais de beleza, um pouco mais de dinheiro, um pouco mais de talento nos jogos e tirava notas um pouco mais altas do que as nossas, ou seja, seria uma concorrência desigual. Até hoje me pergunto porque a Carolina fazia parte de um grupo de rejeitadas como nós.
            Restou apenas quatro no páreo: Simone, Ana Maria, Celina e Lucinha. E Lucinha era a favorita de nós todas. Se houvesse uma remota chance, é claro que o prêmio seria dela. Eu apostei em Lucinha e Carolina também. E então, começamos nossa campanha para conseguirmos o prêmio, pois achávamos que aquele era um serviço muito duro para Lucinha fazer sozinha.
            Henrique, o nosso alvo, nunca havia, se quer olhado para qualquer uma de nós.  Precisávamos fazer algo.
            _ O que vamos fazer? _ Desesperou-se Simone. _ Só de olhar pra ele, me dá um frio na boca do estômago. Ele é muito lindo! Gente, eu não vou conseguir.
            _ É claro que vai, Simone. _ Disse eu. _ Nem bem começamos e você já está desistindo. Lembre-se: É a nossa grande despedida. O que fizemos de realmente importante durante todos esses anos? Não podemos perder essa chance.
            _ Isso mesmo! _ Concordou a Carol. _ Não podemos deixar essa chance escorrer pelo ralo. _ Disse como um bravo soldado pronto e entrar numa batalha.
            _ Vocês falam isso porque não estão participando da aposta. _ Disse a Lucinha. Já com cara de quem ia chorar. Realmente aquela era um trabalho muito duro para ela.
            _ É mesmo! _ Concordaram as demais. Já desanimando também.
            _ Alguém tem que se aproximar dele. _ Disse Simone. _  Você, Letícia..
            _ Gente, vocês estão loucas? O Vadinho me mata.
            _ Por que a Carol vai sair bem fresca desta história. _ Perguntou Celina, com cara de poucos amigos.
            _ Foram vocês que deram a idéia de eu não participar. _ Se defendeu Carol.
            _ Não deveríamos ter deixado a Carol fora da aposta. _ resmungou Ana Maria.
            _ Isso mesmo! Você, tudo bem, Letícia, já que é noiva do Vadinho, mas a Carol nunca namorou ninguém. Não sei porque você achou que ela não deveria entrar na aposta. Se fosse tão boa assim, já teria arranjado um namorado. Além do mais, nunca fez parte do grupo das poderosas.
            _ Não precisam humilhar. _ Defendeu-se a Carol. _ Está bem, vou tentar fazer uma aproximação.
Era pela causa, ela dizia, e tinha razão. Mas acho que Carol estava agindo em causa própria. Eu já havia desconfiado na época, e hoje tenho a mais absoluta certeza.
            _ O que você vai fazer? _ Alguém perguntou.
_ Sei lá. Tenho que armar um plano. Eu nunca falei com o garoto. Preciso pensar em algo bem diferente e que de preferência, funcione.
Um dia, Carol derramou refrigerante em Henrique e a partir desse dia eles começaram a conversar. Ainda que ela tivesse pedido mil desculpas, achei aquilo muito arriscado. Mas acabou dando certo.
Me lembro de uma vez que a Nana, uma das bonitonas da sala, colocou o pé na frente de um garoto no colégio. Ele parou, sorriu pra ela e ainda deu três beijinhos. Achei aquilo o máximo, foi pouco antes de conhecer o Vadinho.No outro dia, fiz a mesmíssima coisa. Claro que não foi com o bonitão! Eu era mais humilde. Escolhi um dos garotos mais ou menos bonitinhos da escola. Se tinha dado certo com a Nana, podia muito bem dar certo comigo.
Sabem o que aconteceu? O garoto tropeçou e quase caiu no chão. Vexame total! Tive que pedir mil desculpas para o garoto. Aquela coisa de conquista não era mesmo pra mim.
Mas parece que a idéia da Carol de certo, pois no outro dia, no pátio, quando Henrique estava passando por nós, deu um leve aceno de cabeça para ela. Não era muita coisa, mas era primeira vez que ele notava uma de nós.
Carol não desistiu das aproximações e um dia jogou de propósito uma bola na cabeça dele. Eu pensei que ele ia xingar a garota. Mas ela foi lá, pediu tantas desculpas que ele acabou sorrindo e conversaram por uns instantes.
            O certo é que a partir daí, a Carol passou a ser vista mais e mais vezes com o garoto mais popular da escola. Sempre achávamos um jeito de incluir Lucinha na conversa, mas ela fazia pouquíssimo progresso, ao passo que Carol já estava íntima. Ela me dizia que só falava em amizade com Henrique e sempre achava um jeito de elogiar Lucinha. Eu acreditei e continuo acreditando em Carol, ela nunca mentiu pra mim. Mas acho que ela poderia ter se esforçado mais com Lucinha, mas eu não a culpo.
            Eles só falavam de amizade. Andavam juntos. Qualquer um podia ver que rolava um sentimento mais profundo entre os dois. Mas Carol era determinada. Sempre falava de Lucinha. Procurava sempre mostrar os pontos bons da amiga para Henrique. Mas parece que Henrique só conseguia ver os pontos bons da Carol, pois com o passar dos dias, os dois pareciam cada vez mais ligados.
Acho que demoramos quase um mês neste plano, o que nos pareceu séculos em nossos arroubos da juventude. Então, programamos uma festa para ver quem venceria. O fato era que nenhuma de nós estava realmente animada com o desfecho da história. Lucinha trocava poucas palavras com Henrique, e as outras nem sequer eram vistas. Enquanto Carol estava lá, toda amiguinha como Batman e Robin.
            A festa foi marcada na casa de Marina, uma das populares da sala. Era agora ou nunca, ou qualquer das quatro conseguia alguma coisa, pelo menos um beijo, pois a conquista tinha sido impossível, ou teríamos de devolver o dinheiro para todas. Penso hoje em dia que deveríamos ter dado mais tempo pras meninas, mas vai dizer isso para adolescentes.
            Penso que aquela festa foi a mais emocionante de que participei. Tinha aquela coisa toda da aposta, nós, finalmente, ainda que eu fosse apenas pano de fundo, éramos o centro de algo muito especial. Estávamos brilhando. Éramos o assunto da escola. Nem em sonhos eu podia imaginar uma coisa daquelas.      
            Eu não sei dizer bem porque, não sei por impaciência ou pura inveja, o fato é que a certa altura da festa, a história da aposta foi parar nos ouvidos do Henrique. Ninguém entendeu nada, muito menos eu, quando viu o Henrique sair puxando a Carol para um canto e depois beijou a Lucinha no meio do salão. Foi um choque, mas a Carol me explicou tudo depois. Foi mais ou menos assim:
            Ele saiu puxando a Carol para um canto e perguntou a queima-roupa: 
_ Carolina, você tem alguma coisa a ver com essa aposta?
              _  Como?
              _  Não se faça de desentendida. Você tem alguma coisa a ver com a conquista do garoto mais popular da escola?
              _  E você é o garoto mais popular da escola?
              _  E ainda vai se fazer de engraçadinha? Tá todo mundo curtindo com a minha cara! Como é que você acha que eu me sinto? Você vai me dizer que não tem nada a ver com essa aposta?
              _   Eu não disse que não tinha.
              _    Então você confessa que  só se aproximou de mim por causa dessa aposta.
              _    Há quanto tempo eu te conheço? Desde quando eu me aproximei de você? É claro que foi por causa da aposta.
              _  Naquele dia do refrigerante . . . Você fez aquilo de propósito?
              _  . . .
              _  Você é pior do que eu pensei? Se aproximar de mim por causa de dinheiro. É isso que eu valho pra você?
             _  Não foi por causa do dinheiro . . .
             _ Tá, foi pelo sabor de ganhar uma aposta.  Eu pensei que isso era coisa de meninos. Aquele papo todo de amizade. E você rindo as minhas custas.
             _  Não foi bem assim. No princípio era mesmo pela aposta.  
             _  O que vocês queriam de mim? Por que eu?
             _  Deixa eu explicar  . . .
             _ Isso não tem explicação!
             _  Quer parar de gritar. _  Disse Carol entre os dentes.  _  Quem é você para nos dar lição de moral?  Passou por nós a vida inteira e nem sabia os nossos nomes. Sempre rodeado das garotas mais populares da escola. Quando é que você ia dar o ar da sua graça para alguma de nós. É claro que foi pela aposta. Eu não faria tudo que fiz por outro motivo. Está tão acostumado a ser adorado, que não suporta a idéia de que alguém faça uma coisa dessas com você. Devia se sentir lisonjeado, afinal, foi eleito o cara mais bonito e popular da escola.
            _ Se popularidade era o que vocês queriam, já têm. Todas vocês. Isso é patético. Que mente doentia. Vocês deviam estar internadas em um hospício.
            _ Tudo bem. Seríamos as loucas mais populares de lá.
            _  Você só pensa nisso. Por que não me disse que era isso o que você queria? Eu poderia ter te dado uma forcinha.
            _ É mais emocionante quando conseguimos pelos nossos méritos.
            _ Você é a pessoa mais cínica que já conheci. Você pode até ficar com a fama, mas de perdedora e se depender de mim, não vai ver um centavo daquele dinheiro. Lucinha pra cá, Lucinha prá lá. Você vai ver só uma coisa.
Dito isso, Henrique saiu. Carol pensou até em correr atrás dele. Mas correr atrás de um menino?! Isso
era coisa que não fazíamos mesmo. Podíamos até não ser populares, mas tínhamos o nosso orgulho. Eu também não teria corrido, se fosse ela, mas também não estava apaixonada por ele. É certo que ele fazia qualquer uma de nós suspirar, mas paixão era uma coisa bem diferente. E foi com lágrimas nos olhos que Carol viu Henrique beijando a Lucinha no meio do salão.
A festa foi geral. Como quase todo mundo tinha apostado em Lucinha, quase todo mundo ganhou a aposta. A maioria dos meninos não entendeu nada, pois a nossa aposta era segredo, ou pelo menos julgávamos que fosse. Alguns meninos já estavam sabendo, inclusive Henrique, mas não sabíamos disso na época.
Não me arrependo daquela aposta. Foi a melhor coisa que fizemos durante todo o ginásio. Pensando bem, talvez esta foi a única coisa que fizemos de realmente importante. Te todos nós, acho que quem levou a pior foi a Lucinha. Estava muito perplexa, de mãos dadas com Henrique, quando a Solana, muito afobada, como sempre, pegou um microfone e começou a distribuir as cotas. Não sei por que a Solana fez isso, ela nem mesmo era do nosso grupo. A Lucinha ficou vermelha como um pimentão.
Solana tinha uma lista muito grande, quase toda a sala, poucas foram as que votaram nas outras. Eu nem me lembro quanto ganhei naquela aposta.
_ Venha, Carol, receber a sua parte. _ chamou Solana pela segunda vez.
_ Deixa que eu recebo por ela. _ Eu disse, pois sabia que ela devia estar sofrendo. Todas nós sempre tivemos um faniquito por ele, mas Carol estava muito envolvida ultimamente. Sabia que ela estava apaixonada por ele, ainda que ela não tivesse me confessado. Carol era muito fechada para essas coisas.
Era sua amiga, podia entender como se sentia. Nenhuma mulher agüenta ser rejeitada. É uma dor muito grande. Já sabia daquilo na época. Entendo mais ainda hoje em dia. O que fazer por minha amiga? O que fazer para acabar com aquela dor tão grande?
Até podia ver o seu coração estrangulado no peito, ao ver Henrique preferir outra. Sabia que ela tinha vontade de sumir, vontade de chorar, vontade de sair correndo, como qualquer uma de nós faria. Mas Carol não saiu correndo, como eu também não sairia.
Por que tínhamos de fazer aquela estúpida aposta? Carol não estaria sofrendo agora. E eu não me sentiria tão culpada. Pobre amiga. Aquilo era vergonha demais para qualquer uma de nós agüentar. Carol me parecia agora tão frágil, tão vulnerável. Tudo culpa de Henrique. Como ele teve coragem de fazer aquilo com a Carol?
Eles pareciam tão próximos agora. Faziam um par perfeito e de repente, tudo desmoronado. Aquela angústia pairando no ar. Parecia um pesadelo. Se eu pudesse mudar tudo aquilo. Se eu pudesse voltar no tempo. Nada do que foi dito seria dito e a Carol não estaria naquela situação agora.

_ Não vem não, Lara._ disparou a Solana. _  A Carol está aí. Por que ela não vem receber o prêmio? Tá doída por causa do Henrique? Ela não ia conseguir nada mesmo. Nem tava participando da aposta.
_  Solana, cala a boca. _ Revidei._ Você nem é do nosso grupo. Quem inventou isso foi a gente. Tá se metendo por quê?
Como aquelazinha era intrometida. Quem ela pensava que era? Não era a amiga dela que estava naquela situação. Solana só sabia olhar para o próprio umbigo. Fazia-se de boazinha, mas na verdade, não era amiga de ninguém. Amiga que é amiga não tripudia em cima dos outros. Estava lá, com aquele belo sorriso no rosto, como se ninguém estivesse sofrendo.
_  Foram vocês quem abriram a aposta. _ disse para mim com um muxoxo.
Nisso a Carol se aproximou. Ai, gente, foi um show. Lembro como se fosse hoje.
_ Deixa, Lara. Eu vou pegar a minha parte.
Sabia que ela estava se fazendo de forte. Que estava mesmo era com vontade de sair correndo daquele lugar.
Ela pegou o dinheiro e jogou todo em cima do Henrique.
Ele ficou dar cor de um papel. Acho que não esperava aquilo da Carol.
 _ Pode ficar com ele todo pra você. Não disse que eu não ia ficar com nem um centavo dele?
 E então saiu correndo. E o bárbaro é que o Henrique saiu correndo atrás dela. A Lucinha tentou segurar o Henrique, e aí foi outro barraco. Aquela foi decididamente a festa da história. Nem nossa festa de despedida foi um sucesso assim.
_  Henrique, onde você vai? _ Lucinha pediu satisfações da qual não tinha nenhum direito. Se tivesse ficado de boca calada, não teria passado por aquela humilhação.
_  Vou atrás da Carol. _ Ele lhe disse como quem dá explicações a uma criança.
_ E vai me deixar aqui? Nós não estamos namorando?
_ Você pirou, garota? Quem disse que eu estou te namorando?
_  Mas você me beijou e . . .
Lucinha me pareceu confusa e naquele momento também senti pena dela. Não deveríamos ter brincado com fogo. Na verdade, saímos todas um pouco queimadas.
_  Tá legal! E você ganhou a aposta. E não tá bom? Se você se sente melhor, agora estamos desmanchados. Eu estou fazendo muito pór alguém que botou a minha cabeça a prêmio como um cavalo de apostas. Agora me deixa.
Eu queria ser uma formiguinha pra saber o que o Henrique foi falar com a Carol. Mas eu a obriguei me contar tudo o que aconteceu no outro dia. E olhe que isso com a Carol era muito difícil, mas eu consegui que ela contasse tudo tim tim por tim tim.
Quando o Henrique alcançou a Carol, ela já tava quase em casa.
_ Espera, Carol. Eu quero falar com você.
_ Eu não tenho mais nada pra ouvir de você.
_ Por que você não me disse que não tinha nada a ver com aquela aposta?
_  Mas eu tinha.
_  Eu tô falando de outra coisa. Por que você não disse que não estava não estava no páreo?
_ Isso não muda muito as coisas. Eu sabia de tudo e não falei nada pra você. Não sabia que você ia ficar tão furioso. Pensei que os rapazes até gostassem dessas coisas.
_  Ninguém gosta de ser usado, Carol.
_ Nos desculpe. Não fizemos por mal. Você não sabe o que é viver apagado enquanto todos parecem se divertir tanto. Nós só queríamos um pouco de brilho de vocês. E parece que conseguimos, não é? Não fica com raiva da gente, por favor.
_  Eu não estou com raiva de ninguém.
Disse Henrique mais aliviado.
_  Está sim, você parecia furioso quando falou comigo. Nós não tivemos a intenção de usar você. Desculpe. Você também é uma pessoa, como nós. Você tem todo o direito de está magoado.
_ Não chora, Carol. _  Disse Henrique, enquanto a abraçava. _ Eu não estou magoado com ninguém.
_  Está sim, você estava com muita raiva.
_  Estava, não estou mais. Isso foi antes de saber que você não estava no páreo.
_ Mas eu também tive culpa. Eu participei de tudo. Não teria me aproximado de você se não fosse por causa disso.
_  Isso muito me consola. _ Zombou ele. _ Carol, olha pra mim.
_ Não posso, meus olhos devem estar horríveis.
_  E daí? Você não quer me conquistar mesmo, não é?
Carol riu e Henrique falou:
_  Assim está melhor. Eles não estão tão horríveis assim. Seus olhos falam muito mais do que você imagina. Aquele papo todo de amizade e de Lucinha nunca colou pra mim. Desde o dia do refrigerante, seus olhos estavam me dizendo que você estava apaixonada por mim.
A Carol me disse que quase morreu de vergonha nessa hora. Ela nunca tinha dito nada pra ninguém. Como é que ele sabia? Ela ia sair correndo, mas ele a segurou.
_  Não seja criança, Carol. Não acha mesmo que eu não tinha percebido nada?
_ Mas você não disse nada.
_  Esperei que você continuasse a conquista. Eu já havia te visto antes, mas não tinha reparado muito em você. Foi no dia que olhei nos seus olhos que percebi algo diferente. Quando você quase me derrubou é que tive a certeza. E pensei: “Bem, ela deve estar muito afim de mim, para fazer tudo isso!”. Como você acha que me senti quando descobri que aquilo não passava de uma aposta? Meu ego ficou ferido. Não sabe como fiquei feliz quando soube que você não estava mentindo.
_  Mas eu estava. Lembre-se que eu estava envolvida na aposta.
_  Não me importo com suas palavras. Só quero saber o que dizem os seus olhos, e eles continuam me dizendo que você continua apaixonada por mim, assim como estou apaixonado por você. No princípio eu só me sentia muito orgulhoso por uma garota estar fazendo tudo aquilo só pra chamar a minha atenção. Mas depois que fui passando a te conhecer, fui me apaixonando. Queria dizer isso pra você. Mas achava que aquela era uma conquista sua e era você quem devia tomar a iniciativa, eu não sabia muito bem como me portar com meninas atiradas.
_ Mas eu não sou atirada. _   Defendeu-se Carol.
_ Eu sei. É por isso que eu não entendia muito bem aquela empreitada. Não sabe como fiquei louco ao perceber que não era correspondido. Eu não podia acreditar. Eu amo você. 
Dito isso, ele a beijou, e ele foi o primeiro e único homem que fez isso, pois eles não se largaram desde então. Hoje estão casados, têm dois filhos e vivem muito felizes.
_ Carol, só me diga uma coisa. Por que você não participou da aposta?
_  Ora, meu bem, eu sou irresistível e elas sabiam disso. E por mais que eu quisesse, não me deixaram participar. Foi eu quem deu a idéia da aposta. Sempre fui apaixonada por você, aliás, eu  e a torcida do Flamengo. Não tive a intenção de atrapalhar a Lucinha. Eu queria mesmo ajudar, com aposta ou sem aposta, você nunca me daria atenção.
_ Você não acabou de dizer que era irresistível?
_  Isso apenas com os normais, você não conta, é caminhão demais para minha areinha.
Henrique riu e a beijou novamente  e nunca mais parou de beijar. Para desespero das poderosas e esperanças das simples mortais como nós. Se ela conseguiu, por que não conseguiríamos também? Talvez tenha sido por isso que desmanchei com meu noivo poucos meses depois. Talvez por que achasse que conseguiria algo melhor. Talvez por que não o amasse. Talvez por querer viver uma paixão como a de Carolina e Henrique. Afinal, o que é o amor? Não é por ele que se move o mundo?
O bonito daquela paixão foi que não se apagou como as muitas que vimos por aquela época. Aquilo foi mais bonito do que um conto de fadas que diz que eles foram felizes para sempre e depois não vemos mais nada. Eles foram felizes para sempre e acabou. Será que a princesinha e o príncipe foram felizes mesmo? Quem pode testemunhar isso? Quanto a Carol e Henrique, eu testemunhei. Vi o iniciar do namoro, a primeira briga,  o reatar. O noivado. O casamento. O primeiro filho. É certo que já não somos mais tão amigas assim, mas ainda fico feliz quando os vejo em algum festa, num mercado fazendo compras, na porta do colégio das crianças, de mãos dadas como os vi na escola na segunda-feira, depois daquela festa. Fiquei feliz, independente do dinheiro, independente de também como as outras, ganhar dinheiro, que foi muito pouco, às custas de Lucinha. Eu, no fundo, no fundo, sem estar ganhando nada com isso, tinha apostado em Carolina.  



FIM


JAN/2003

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