APOSTO
NELA
Se é verdade ou mentira que os opostos se atraem eu não
sei dizer. Se é verdade ou mentira que só se ama uma vez, eu também não sei
dizer. Coisa tão inexplicável esse tal de amor. Só sei contar a história de
Carolina. Gostaria que tivesse acontecido comigo. A história de Carolina é uma
das mais interessantes que eu conheço. Estávamos na escola por esta época. Não
me lembro ao certo, quanto tempo faz isso, só sei que faz muito tempo.
Ah! O
tempo! Pra que falar do tempo? Por que ele tem que passar? Por que as coisas de
antigamente tinham um sabor especial? E por que mesmo antigamente se tinha uma
sensação em certos momentos de que futuro e passado estavam juntos ao mesmo
tempo, deixando em nosso peito uma nostalgia de uma coisa que nos fazia ter
saudade de uma coisa pela qual não havíamos passado? Mas pra que falar disso
agora? Vamos falar da história de Carolina.
Estávamos
na escola, como já havia dito. Agora me lembro, foi no final do ginásio. Tinha
um garoto tão lindo, da outra turma. Devo dizer que nossa escola era mista, mas
as turmas eram separadas. Salas só de meninos e salas só de meninas. Isso nos
deixava doidas! Só podíamos ver os meninos na hora do recreio. Continuando. Ele
era o rapaz mais bonito da escola e aquele seria o nosso último ano. Nenhuma
das meninas de nosso grupo tivera oportunidade de ter sequer um olhar dele. Não
éramos populares o suficiente, mas isso já é outra história.
Henrique
era alto, musculoso. Gostava de esportes. Tinha um tipo que em nada se parecia
com o tipo brasileiro. Era bronzeado, como a maioria dos meninos, mas a
semelhança parava por aí. Olhos azuis e cabelos pretos. Pode? Enquanto nós, a
maioria dos mortais, tínhamos cabelos castanhos e olhos idem. Todas as meninas
babavam por ele. Ele era o máximo. Sonho de consumo de dez entre dez alunas de
nossa escola.
Dos
populares, ele era o mais popular. Um líder nato, que atraía todos por onde
quer que passasse.
O fato é que o ano já estava
terminando e tínhamos que fazer qualquer coisa que marcasse nossas vidas
naquele colégio e a escolha foi a conquista de um dos rapazes mais populares do
colégio. Nosso grupo era constituído por seis meninas nem barro nem tijolo que
nunca havia conseguido nada com nenhum daqueles maravilhosos rapazes populares
e lindos da escola. Nós não tínhamos muita beleza, nem muito dinheiro, nem
muito talento nos jogos, nem tirávamos notas altas o suficiente para sermos
notadas, ou seja, nós não éramos nada. Éramos esse tipo de gente que passa na
rua e não é reconhecida pelos colegas de escola. Passamos por lá como se nunca
tivéssemos passado. Para um adulto, essa coisa de popularidade parece não ter
nenhuma importância, mas vai explicar isso para um adolescente. Ao mesmo tempo
que se desdenha aquele grupo que consegue se fazer perceber em uma escola, no
íntimo, quer ser parte dele.
Não sei por
que determinado grupo consegue a popularidade, ao passo que outro vive à
sombra. Certos rapazes e moças, homens e mulheres e até mesmo crianças brilham
por simplesmente existir. Outras pessoas, aquelas que compõem o círculo de
súditos desses astros cintilantes, são aquelas que são aceitas no grupo, no
entanto, há aquele grupo de gente que por mais que faça, não consegue fazer
parte desses grupos, nem mesmo como súditos, são os aparte, que dizem que não
se dobram, que não aceita aquele tipo de futilidade, mas tudo o que queriam era
fazer parte daquele mundinho, nem que fosse por um segundo, para saber como se
é ser popular.
Mas nossa
despedida seria diferente, iríamos fazer naquele ano algo que tivesse valido
por todos.
_ Que tal fazermos uma grande
festa? _ Alguém opinou.
_ É claro que ninguém iria. _
Desencorajou alguém. _ Lembram da festa de quinze anos da Ana Maria, que ela
saiu convidando todo mundo e só o nosso grupo compareceu?
_ É mesmo. _ concordamos
desanimadas.
_ Poderíamos tentar algo novo,
como um concurso de poesia. _ Eu opinei.
Idéia essa combatida de maneira
veemente por todo o grupo. Perdi uma grande oportunidade de ficar calada.
_ Tá bom, meninas, talvez não
tenha sido uma boa idéia.
Que vontade tive de sumir naquela
hora. Odiava dar bola fora.
_ Que tal uma grande conquista? _
Alguém deu a idéia.
_ Que tipo de conquista? _
Perguntamos.
_ Acho que uma de nós deveria
conquistar um garoto. _ Disse Ana Maria, com idéias já fervilhando na cabeça.
Não gostava quando ela fazia aquela cara. Era problema na certa.
_ E qual a graça nisso? _ Lembro
que alguém chegou a perguntar.
_ Não seria qualquer garoto,
teria que ser um bem popular, o mais popular de todos. _ Ela disse com ares de
importância.
_ O Henrique! _ Dissemos em
uníssono.
_ Mas como uma de nós conseguiria
tal façanha? Ele nem sabe que nós existimos. _ Lembro-me de ter argumentado.
_ É aí que está o X da questão.
Vamos mostrar para todos que o nosso grupo é capaz de uma proeza dessa. Se
fosse qualquer um, qual graça teria? _ Se exaltou a Celina.
_ Nenhuma! _ Respondemos todas.
_ Então está decidido! _ Deu Ana Maria o seu voto de Minerva, que
sendo a mais velha de todas, se considerava uma espécie de chefe do grupo.
Mas qual de nós ficaria com o
Henrique? Todas queriam tentar, afinal, ele era o sonho de qualquer menina do
nosso colégio, quer popular ou não.
_ Que tal uma aposta? _ Eu
opinei. Idéia essa aceita com animação pelas outras. Agora sim! Valia pela bola
fora da poesia, minutos antes.
_ Quem conseguisse ficar com ele,
levaria um prêmio. _ Disse Celina.
Como se o próprio Henrique já não
bastasse. Apostamos uma certa quantia, que não me recordo.
_ Mas é muito pouco. Que prêmio
sem graça.
_ Poderíamos abrir para as outras
meninas do grupo. Disse Carol.
Estava lançada a nossa sorte.
Para que a grana fosse maior, acabamos abrindo a aposta para outras meninas.
_ Mas elas não vão participar da
conquista. _ Decretou Ana Maria. _ Elas só vão poder apostar em alguém, como
nas corridas de cavalo.
Concordamos todo. Esta façanha
era idéia nossa. Aquelas metidas não tinham o direito de participar. Não como
protagonistas. Elas já haviam brilhado demais. Metade do dinheiro seria dado
para a vencedora e a outra metade seria dividida em cotas para quem tivesse
apostado nela. E a coisa foi tomando proporção tal, que a sala inteira acabou
participando da aposta. Com direito a participantes de outras turmas.
Para que a
coisa ficasse mais organizada, colocamos algumas regras: Eu não poderia
participar porque era noiva. Isso era óbvio.Pode imaginar alguém noiva na
oitava série? Nem eu, hoje em dia, mas me parecia normal naquela época. Devia
ter participado daquela aposta, não casei com o Vadinho mesmo. Mas eu não tinha
como saber daquilo naquela época, ainda que meu noivado tivesse terminado dois
meses depois do ocorrido.
Além de mim, Carolina também não
poderia participar. Ela era o que poderíamos chamar de Or Concur , porque tinha um pouco mais de beleza, um pouco mais de
dinheiro, um pouco mais de talento nos jogos e tirava notas um pouco mais altas
do que as nossas, ou seja, seria uma concorrência desigual. Até hoje me
pergunto porque a Carolina fazia parte de um grupo de rejeitadas como nós.
Restou
apenas quatro no páreo: Simone, Ana Maria, Celina e Lucinha. E Lucinha era a
favorita de nós todas. Se houvesse uma remota chance, é claro que o prêmio
seria dela. Eu apostei em Lucinha e Carolina também. E então, começamos nossa
campanha para conseguirmos o prêmio, pois achávamos que aquele era um serviço
muito duro para Lucinha fazer sozinha.
Henrique, o
nosso alvo, nunca havia, se quer olhado para qualquer uma de nós. Precisávamos fazer algo.
_ O que
vamos fazer? _ Desesperou-se Simone. _ Só de olhar pra ele, me dá um frio na
boca do estômago. Ele é muito lindo! Gente, eu não vou conseguir.
_ É claro
que vai, Simone. _ Disse eu. _ Nem bem começamos e você já está desistindo.
Lembre-se: É a nossa grande despedida. O que fizemos de realmente importante
durante todos esses anos? Não podemos perder essa chance.
_ Isso mesmo! _ Concordou a Carol. _
Não podemos deixar essa chance escorrer pelo ralo. _ Disse como um bravo
soldado pronto e entrar numa batalha.
_ Vocês
falam isso porque não estão participando da aposta. _ Disse a Lucinha. Já com
cara de quem ia chorar. Realmente aquela era um trabalho muito duro para ela.
_ É mesmo!
_ Concordaram as demais. Já desanimando também.
_ Alguém
tem que se aproximar dele. _ Disse Simone. _
Você, Letícia..
_ Gente,
vocês estão loucas? O Vadinho me mata.
_ Por que a
Carol vai sair bem fresca desta história. _ Perguntou Celina, com cara de
poucos amigos.
_ Foram
vocês que deram a idéia de eu não participar. _ Se defendeu Carol.
_ Não
deveríamos ter deixado a Carol fora da aposta. _ resmungou Ana Maria.
_ Isso
mesmo! Você, tudo bem, Letícia, já que é noiva do Vadinho, mas a Carol nunca
namorou ninguém. Não sei porque você achou que ela não deveria entrar na
aposta. Se fosse tão boa assim, já teria arranjado um namorado. Além do mais, nunca
fez parte do grupo das poderosas.
_ Não
precisam humilhar. _ Defendeu-se a Carol. _ Está bem, vou tentar fazer uma
aproximação.
Era pela causa, ela dizia, e
tinha razão. Mas acho que Carol estava agindo em causa própria. Eu já havia
desconfiado na época, e hoje tenho a mais absoluta certeza.
_ O que
você vai fazer? _ Alguém perguntou.
_ Sei lá. Tenho que armar um
plano. Eu nunca falei com o garoto. Preciso pensar em algo bem diferente e que
de preferência, funcione.
Um dia, Carol derramou refrigerante
em Henrique e a partir desse dia eles começaram a conversar. Ainda que ela
tivesse pedido mil desculpas, achei aquilo muito arriscado. Mas acabou dando
certo.
Me lembro de uma vez que a Nana,
uma das bonitonas da sala, colocou o pé na frente de um garoto no colégio. Ele
parou, sorriu pra ela e ainda deu três beijinhos. Achei aquilo o máximo, foi
pouco antes de conhecer o Vadinho.No outro dia, fiz a mesmíssima coisa. Claro
que não foi com o bonitão! Eu era mais humilde. Escolhi um dos garotos mais ou
menos bonitinhos da escola. Se tinha dado certo com a Nana, podia muito bem dar
certo comigo.
Sabem o que aconteceu? O garoto
tropeçou e quase caiu no chão. Vexame total! Tive que pedir mil desculpas para
o garoto. Aquela coisa de conquista não era mesmo pra mim.
Mas parece que a idéia da Carol
de certo, pois no outro dia, no pátio, quando Henrique estava passando por nós,
deu um leve aceno de cabeça para ela. Não era muita coisa, mas era primeira vez
que ele notava uma de nós.
Carol não desistiu das aproximações
e um dia jogou de propósito uma bola na cabeça dele. Eu pensei que ele ia
xingar a garota. Mas ela foi lá, pediu tantas desculpas que ele acabou sorrindo
e conversaram por uns instantes.
O certo é
que a partir daí, a Carol passou a ser vista mais e mais vezes com o garoto
mais popular da escola. Sempre achávamos um jeito de incluir Lucinha na
conversa, mas ela fazia pouquíssimo progresso, ao passo que Carol já estava
íntima. Ela me dizia que só falava em amizade com Henrique e sempre achava um
jeito de elogiar Lucinha. Eu acreditei e continuo acreditando em Carol, ela
nunca mentiu pra mim. Mas acho que ela poderia ter se esforçado mais com
Lucinha, mas eu não a culpo.
Eles só
falavam de amizade. Andavam juntos. Qualquer um podia ver que rolava um sentimento
mais profundo entre os dois. Mas Carol era determinada. Sempre falava de
Lucinha. Procurava sempre mostrar os pontos bons da amiga para Henrique. Mas
parece que Henrique só conseguia ver os pontos bons da Carol, pois com o passar
dos dias, os dois pareciam cada vez mais ligados.
Acho que demoramos quase um mês
neste plano, o que nos pareceu séculos em nossos arroubos da juventude. Então,
programamos uma festa para ver quem venceria. O fato era que nenhuma de nós
estava realmente animada com o desfecho da história. Lucinha trocava poucas
palavras com Henrique, e as outras nem sequer eram vistas. Enquanto Carol
estava lá, toda amiguinha como Batman e Robin.
A festa foi
marcada na casa de Marina, uma das populares da sala. Era agora ou nunca, ou
qualquer das quatro conseguia alguma coisa, pelo menos um beijo, pois a
conquista tinha sido impossível, ou teríamos de devolver o dinheiro para todas.
Penso hoje em dia que deveríamos ter dado mais tempo pras meninas, mas vai
dizer isso para adolescentes.
Penso que
aquela festa foi a mais emocionante de que participei. Tinha aquela coisa toda
da aposta, nós, finalmente, ainda que eu fosse apenas pano de fundo, éramos o
centro de algo muito especial. Estávamos brilhando. Éramos o assunto da escola.
Nem em sonhos eu podia imaginar uma coisa daquelas.
Eu não sei
dizer bem porque, não sei por impaciência ou pura inveja, o fato é que a certa
altura da festa, a história da aposta foi parar nos ouvidos do Henrique.
Ninguém entendeu nada, muito menos eu, quando viu o Henrique sair puxando a
Carol para um canto e depois beijou a Lucinha no meio do salão. Foi um choque,
mas a Carol me explicou tudo depois. Foi mais ou menos assim:
Ele saiu
puxando a Carol para um canto e perguntou a queima-roupa:
_ Carolina, você tem alguma coisa
a ver com essa aposta?
_
Como?
_ Não
se faça de desentendida. Você tem alguma coisa a ver com a conquista do garoto
mais popular da escola?
_ E você é o garoto mais popular da escola?
_ E
ainda vai se fazer de engraçadinha? Tá todo mundo curtindo com a minha cara!
Como é que você acha que eu me sinto? Você vai me dizer que não tem nada a ver
com essa aposta?
_ Eu
não disse que não tinha.
_
Então você confessa que só se
aproximou de mim por causa dessa aposta.
_ Há
quanto tempo eu te conheço? Desde quando eu me aproximei de você? É claro que
foi por causa da aposta.
_
Naquele dia do refrigerante . . . Você fez aquilo de propósito?
_ . .
.
_ Você
é pior do que eu pensei? Se aproximar de mim por causa de dinheiro. É isso que
eu valho pra você?
_ Não
foi por causa do dinheiro . . .
_ Tá, foi pelo sabor de ganhar uma
aposta. Eu pensei que isso era coisa de
meninos. Aquele papo todo de amizade. E você rindo as minhas custas.
_ Não foi
bem assim. No princípio era mesmo pela aposta.
_ O que
vocês queriam de mim? Por que eu?
_ Deixa
eu explicar . . .
_ Isso não tem explicação!
_ Quer
parar de gritar. _ Disse Carol entre os
dentes. _ Quem é você para nos dar lição de moral? Passou por nós a vida inteira e nem sabia os
nossos nomes. Sempre rodeado das garotas mais populares da escola. Quando é que
você ia dar o ar da sua graça para alguma de nós. É claro que foi pela aposta.
Eu não faria tudo que fiz por outro motivo. Está tão acostumado a ser adorado,
que não suporta a idéia de que alguém faça uma coisa dessas com você. Devia se
sentir lisonjeado, afinal, foi eleito o cara mais bonito e popular da escola.
_ Se
popularidade era o que vocês queriam, já têm. Todas vocês. Isso é patético. Que
mente doentia. Vocês deviam estar internadas em um hospício.
_ Tudo bem.
Seríamos as loucas mais populares de lá.
_ Você só pensa nisso. Por que não me disse que
era isso o que você queria? Eu poderia ter te dado uma forcinha.
_ É mais
emocionante quando conseguimos pelos nossos méritos.
_ Você é a
pessoa mais cínica que já conheci. Você pode até ficar com a fama, mas de
perdedora e se depender de mim, não vai ver um centavo daquele dinheiro.
Lucinha pra cá, Lucinha prá lá. Você vai ver só uma coisa.
Dito isso, Henrique saiu. Carol
pensou até em correr atrás dele. Mas correr atrás de um menino?! Isso
era coisa que não fazíamos mesmo.
Podíamos até não ser populares, mas tínhamos o nosso orgulho. Eu também não
teria corrido, se fosse ela, mas também não estava apaixonada por ele. É certo
que ele fazia qualquer uma de nós suspirar, mas paixão era uma coisa bem
diferente. E foi com lágrimas nos olhos que Carol viu Henrique beijando a
Lucinha no meio do salão.
A festa foi geral. Como quase
todo mundo tinha apostado em Lucinha, quase todo mundo ganhou a aposta. A
maioria dos meninos não entendeu nada, pois a nossa aposta era segredo, ou pelo
menos julgávamos que fosse. Alguns meninos já estavam sabendo, inclusive
Henrique, mas não sabíamos disso na época.
Não me arrependo daquela aposta.
Foi a melhor coisa que fizemos durante todo o ginásio. Pensando bem, talvez
esta foi a única coisa que fizemos de realmente importante. Te todos nós, acho
que quem levou a pior foi a Lucinha. Estava muito perplexa, de mãos dadas com
Henrique, quando a Solana, muito afobada, como sempre, pegou um microfone e
começou a distribuir as cotas. Não sei por que a Solana fez isso, ela nem mesmo
era do nosso grupo. A Lucinha ficou vermelha como um pimentão.
Solana tinha uma lista muito
grande, quase toda a sala, poucas foram as que votaram nas outras. Eu nem me
lembro quanto ganhei naquela aposta.
_ Venha, Carol, receber a sua
parte. _ chamou Solana pela segunda vez.
_ Deixa que eu recebo por ela. _
Eu disse, pois sabia que ela devia estar sofrendo. Todas nós sempre tivemos um
faniquito por ele, mas Carol estava muito envolvida ultimamente. Sabia que ela
estava apaixonada por ele, ainda que ela não tivesse me confessado. Carol era
muito fechada para essas coisas.
Era sua amiga, podia entender
como se sentia. Nenhuma mulher agüenta ser rejeitada. É uma dor muito grande.
Já sabia daquilo na época. Entendo mais ainda hoje em dia. O que fazer por
minha amiga? O que fazer para acabar com aquela dor tão grande?
Até podia ver o seu coração
estrangulado no peito, ao ver Henrique preferir outra. Sabia que ela tinha
vontade de sumir, vontade de chorar, vontade de sair correndo, como qualquer
uma de nós faria. Mas Carol não saiu correndo, como eu também não sairia.
Por que tínhamos de fazer aquela
estúpida aposta? Carol não estaria sofrendo agora. E eu não me sentiria tão
culpada. Pobre amiga. Aquilo era vergonha demais para qualquer uma de nós
agüentar. Carol me parecia agora tão frágil, tão vulnerável. Tudo culpa de
Henrique. Como ele teve coragem de fazer aquilo com a Carol?
Eles pareciam tão próximos agora.
Faziam um par perfeito e de repente, tudo desmoronado. Aquela angústia pairando
no ar. Parecia um pesadelo. Se eu pudesse mudar tudo aquilo. Se eu pudesse
voltar no tempo. Nada do que foi dito seria dito e a Carol não estaria naquela
situação agora.
_ Não vem não, Lara._ disparou a
Solana. _ A Carol está aí. Por que ela
não vem receber o prêmio? Tá doída por causa do Henrique? Ela não ia conseguir
nada mesmo. Nem tava participando da aposta.
_
Solana, cala a boca. _ Revidei._ Você nem é do nosso grupo. Quem
inventou isso foi a gente. Tá se metendo por quê?
Como aquelazinha era intrometida.
Quem ela pensava que era? Não era a amiga dela que estava naquela situação.
Solana só sabia olhar para o próprio umbigo. Fazia-se de boazinha, mas na
verdade, não era amiga de ninguém. Amiga que é amiga não tripudia em cima dos
outros. Estava lá, com aquele belo sorriso no rosto, como se ninguém estivesse
sofrendo.
_
Foram vocês quem abriram a aposta. _ disse para mim com um muxoxo.
Nisso a Carol se aproximou. Ai,
gente, foi um show. Lembro como se fosse hoje.
_ Deixa, Lara. Eu vou pegar a
minha parte.
Sabia que ela estava se fazendo
de forte. Que estava mesmo era com vontade de sair correndo daquele lugar.
Ela pegou o dinheiro e jogou todo
em cima do Henrique.
Ele ficou dar cor de um papel.
Acho que não esperava aquilo da Carol.
_ Pode ficar com ele todo pra você. Não disse
que eu não ia ficar com nem um centavo dele?
E então saiu correndo. E o bárbaro é que o
Henrique saiu correndo atrás dela. A Lucinha tentou segurar o Henrique, e aí
foi outro barraco. Aquela foi decididamente a festa da história. Nem nossa
festa de despedida foi um sucesso assim.
_
Henrique, onde você vai? _ Lucinha pediu satisfações da qual não tinha
nenhum direito. Se tivesse ficado de boca calada, não teria passado por aquela
humilhação.
_
Vou atrás da Carol. _ Ele lhe disse como quem dá explicações a uma
criança.
_ E vai me deixar aqui? Nós não
estamos namorando?
_ Você pirou, garota? Quem disse
que eu estou te namorando?
_
Mas você me beijou e . . .
Lucinha me pareceu confusa e
naquele momento também senti pena dela. Não deveríamos ter brincado com fogo.
Na verdade, saímos todas um pouco queimadas.
_
Tá legal! E você ganhou a aposta. E não tá bom? Se você se sente melhor,
agora estamos desmanchados. Eu estou fazendo muito pór alguém que botou a minha
cabeça a prêmio como um cavalo de apostas. Agora me deixa.
Eu queria ser uma formiguinha pra
saber o que o Henrique foi falar com a Carol. Mas eu a obriguei me contar tudo
o que aconteceu no outro dia. E olhe que isso com a Carol era muito difícil,
mas eu consegui que ela contasse tudo tim tim por tim tim.
Quando o Henrique alcançou a
Carol, ela já tava quase em casa.
_ Espera, Carol. Eu quero falar
com você.
_ Eu não tenho mais nada pra
ouvir de você.
_ Por que você não me disse que
não tinha nada a ver com aquela aposta?
_
Mas eu tinha.
_
Eu tô falando de outra coisa. Por que você não disse que não estava não
estava no páreo?
_ Isso não muda muito as coisas.
Eu sabia de tudo e não falei nada pra você. Não sabia que você ia ficar tão
furioso. Pensei que os rapazes até gostassem dessas coisas.
_
Ninguém gosta de ser usado, Carol.
_ Nos desculpe. Não fizemos por
mal. Você não sabe o que é viver apagado enquanto todos parecem se divertir
tanto. Nós só queríamos um pouco de brilho de vocês. E parece que conseguimos,
não é? Não fica com raiva da gente, por favor.
_
Eu não estou com raiva de ninguém.
Disse Henrique mais aliviado.
_
Está sim, você parecia furioso quando falou comigo. Nós não tivemos a
intenção de usar você. Desculpe. Você também é uma pessoa, como nós. Você tem
todo o direito de está magoado.
_ Não chora, Carol. _ Disse Henrique, enquanto a abraçava. _ Eu não
estou magoado com ninguém.
_
Está sim, você estava com muita raiva.
_
Estava, não estou mais. Isso foi antes de saber que você não estava no
páreo.
_ Mas eu também tive culpa. Eu
participei de tudo. Não teria me aproximado de você se não fosse por causa
disso.
_
Isso muito me consola. _ Zombou ele. _ Carol, olha pra mim.
_ Não posso, meus olhos devem
estar horríveis.
_
E daí? Você não quer me conquistar mesmo, não é?
Carol riu e Henrique falou:
_
Assim está melhor. Eles não estão tão horríveis assim. Seus olhos falam
muito mais do que você imagina. Aquele papo todo de amizade e de Lucinha nunca
colou pra mim. Desde o dia do refrigerante, seus olhos estavam me dizendo que
você estava apaixonada por mim.
A Carol me disse que quase morreu
de vergonha nessa hora. Ela nunca tinha dito nada pra ninguém. Como é que ele
sabia? Ela ia sair correndo, mas ele a segurou.
_
Não seja criança, Carol. Não acha mesmo que eu não tinha percebido nada?
_ Mas você não disse nada.
_
Esperei que você continuasse a conquista. Eu já havia te visto antes,
mas não tinha reparado muito em você. Foi no dia que olhei nos seus olhos que
percebi algo diferente. Quando você quase me derrubou é que tive a certeza. E
pensei: “Bem, ela deve estar muito afim de mim, para fazer tudo isso!”. Como
você acha que me senti quando descobri que aquilo não passava de uma aposta?
Meu ego ficou ferido. Não sabe como fiquei feliz quando soube que você não
estava mentindo.
_
Mas eu estava. Lembre-se que eu estava envolvida na aposta.
_
Não me importo com suas palavras. Só quero saber o que dizem os seus
olhos, e eles continuam me dizendo que você continua apaixonada por mim, assim
como estou apaixonado por você. No princípio eu só me sentia muito orgulhoso
por uma garota estar fazendo tudo aquilo só pra chamar a minha atenção. Mas
depois que fui passando a te conhecer, fui me apaixonando. Queria dizer isso
pra você. Mas achava que aquela era uma conquista sua e era você quem devia
tomar a iniciativa, eu não sabia muito bem como me portar com meninas atiradas.
_ Mas eu não sou atirada. _ Defendeu-se Carol.
_ Eu sei. É por isso que eu não
entendia muito bem aquela empreitada. Não sabe como fiquei louco ao perceber
que não era correspondido. Eu não podia acreditar. Eu amo você.
Dito isso, ele a beijou, e ele
foi o primeiro e único homem que fez isso, pois eles não se largaram desde
então. Hoje estão casados, têm dois filhos e vivem muito felizes.
_ Carol, só me diga uma coisa.
Por que você não participou da aposta?
_
Ora, meu bem, eu sou irresistível e elas sabiam disso. E por mais que eu
quisesse, não me deixaram participar. Foi eu quem deu a idéia da aposta. Sempre
fui apaixonada por você, aliás, eu e a
torcida do Flamengo. Não tive a intenção de atrapalhar a Lucinha. Eu queria
mesmo ajudar, com aposta ou sem aposta, você nunca me daria atenção.
_ Você não acabou de dizer que
era irresistível?
_
Isso apenas com os normais, você não conta, é caminhão demais para minha
areinha.
Henrique riu e a beijou
novamente e nunca mais parou de beijar. Para
desespero das poderosas e esperanças das simples mortais como nós. Se ela
conseguiu, por que não conseguiríamos também? Talvez tenha sido por isso que
desmanchei com meu noivo poucos meses depois. Talvez por que achasse que
conseguiria algo melhor. Talvez por que não o amasse. Talvez por querer viver
uma paixão como a de Carolina e Henrique. Afinal, o que é o amor? Não é por ele
que se move o mundo?
O bonito daquela paixão foi que
não se apagou como as muitas que vimos por aquela época. Aquilo foi mais bonito
do que um conto de fadas que diz que eles foram felizes para sempre e depois
não vemos mais nada. Eles foram felizes para sempre e acabou. Será que a
princesinha e o príncipe foram felizes mesmo? Quem pode testemunhar isso?
Quanto a Carol e Henrique, eu testemunhei. Vi o iniciar do namoro, a primeira
briga, o reatar. O noivado. O casamento.
O primeiro filho. É certo que já não somos mais tão amigas assim, mas ainda
fico feliz quando os vejo em algum festa, num mercado fazendo compras, na porta
do colégio das crianças, de mãos dadas como os vi na escola na segunda-feira,
depois daquela festa. Fiquei feliz, independente do dinheiro, independente de
também como as outras, ganhar dinheiro, que foi muito pouco, às custas de
Lucinha. Eu, no fundo, no fundo, sem estar ganhando nada com isso, tinha
apostado em Carolina.
FIM
JAN/2003
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