A unilateralidade do
amor
Qual o
segredo do amor? De onde vem? Para onde caminha? Tema difícil para se fazer uma
redação. Por que será que meu professor escolheu para tema de nossa redação
algo tão difícil de se explicar? O que sabemos nós, jovens em sua maioria de
quatorze anos, sobre algo tão abstrato que nunca ninguém conseguiu, de maneira
satisfatória, definir o que é?
De modo que
agora me encontro: eu, Patrícia Ferreira da Silva, solteira, quatorze anos, estudante
da oitava série do Ensino Fundamental, com o caderno de redação na mão para
escrever sobre algo que muitos filósofos não ousaram tentar explicar. O amor. O
amor? O que é o amor? Será que o amor é o que eu senti pelo Renatinho no ano
passado? Ou será o que eu senti pelo Marcelo no mês retrasado? Sem contar no
William, no Thiago, no Rodrigo. Ah! Mas tudo isso é passado. Penso que amor é
aquilo que sentirei por alguém que encontrarei mais tarde. Não tão tarde, eu
espero. E que me fará andar sobre as nuvens. Que me dará um nó no estômago e
fará com que minha cabeça dê muitas voltas.
Será isso
mesmo o amor ou estou falando de uma doença? Que coisa esquisita, como falarei
sobre o amor? O tempo já está esgotando. Queria tanto terminar essa redação
agora, para não ter que pensar nela durante o bimestre inteiro. Mas o que escreverei.? Não posso
escrever qualquer coisa. E se o professor me mandar ler a redação diante da
turma inteira? Não vou querer pagar mico, senão, todo mundo vai me zoar.
Essa
redação é muito importante. É o trabalho final do bimestre e vale metade da
nota. Por que o professor não deu um refresco? Por que não deu um tema mais
fácil? Se eu fizer esta redação logo, poderei ficar o bimestre inteiro
descansada e não ficarei sofrendo por conta. Mas nada me ocorre. Não tenho
nenhuma idéia. O que faço, agora?
Posso pedir para a tia Suely me
falar algo sobre o amor. Ela é solteira, é claro, mas já tem trinta e cinco anos, na certa terá algo a me dizer.
Ainda mais porque vive lendo romances. Tia Suely deve saber muito sobre o amor.
.................
_ Mãe,
posso ir na casa da vovó?
_ É claro,
minha filha, sua avó anda reclamando que você anda sumida. Mas jante primeiro.
_ Não
precisa, aproveito e janto lá.
_ O que
quer com sua avó?
_ Quero bater
um papinho com a tia Suely. Quero que ela me ajude em uma lição de casa.
_ Tá bem.
Mas não volte muito tarde.
_ Se ficar
tarde eu durmo lá. Pode deixar que eu te ligo. Tchau, mãe.
_ Vai com
Deus, filha.
....................
_ Tia Su!
_ Olá, meu biscoitinho de mel.
Como vai?
_ Vou bem.
Tia, me diz uma coisa. O que você sabe sobre o amor?
_ Sobre o
amor? Ai! Está apaixonada? Me conte tudo! Qual é o nome dele?
_ Não, tia. Não é nada disso. É apenas um dever
da escola. Tenho que fazer uma redação sobre o que é o amor e não sei como
começar. Já que você vive lendo estes livros de amor, pensei que pudesse me
ajudar.
_ Por que
você não fala com a sua mãe? Ele pelo menos se casou.
_ Ah! Tia,
sai dessa. A mamãe vai falar do papai, isso nem tem graça. Quero um treco mais
profundo. Algo que fale do amor de verdade. Desses que você lê nesses livros.
_ A sua mãe
tem um amor de verdade, eu só tenho amores de mentira.
_ O amor da
mamãe? Ela só vive reclamando do papai. Que graça tem escrever sobre isso? Vai,
tia. Fala desses amores que você lê nos livros.
_ Não vou
falar dos amores que leio nos livros, vou falar da minha história de amor.
_ Tia, que
barato! Você tem uma história de amor? Me conta vai. Onde ele mora? Por que
vocês não se casaram? Vai, tia, conta tudo.
_ Está bem,
mas então é melhor se sentar.
_ Me
sentar? Eu vou é deitar de uma vez. Aposto que é uma história bem comprida.
Tia, não faz suspense. Eu quero saber tim tim por tim tim. Pode deixar que eu
não vou contar pro vô. Vai, tia, fala logo.
_ Está bem,
eu vou começar.
_ Gostaria de te contar algo
pomposo. Que tivesse acontecido em algum lugar exótico, ou até mesmo em algum
lugar comum. No entanto, a minha história de amor é bem simples. Talvez até te
deixe um pouco decepcionada, porque a mim também decepciona alguma vezes.
_ Qual é o
nome dele?
_ Não sei.
_ Como,
tia? Por que você não perguntou?
_ Porque
nunca o conheci.
_ Ah! Tia.
Fala sério! Como é que você vai ser apaixonada por um cara que você nunca
conheceu?
_ Eu também
me pergunto o mesmo, algumas vezes. Mas é mais forte do que eu. Não que eu
nunca tenha me apaixonado por outra pessoa. Mas quando tudo acaba é nele que eu
penso.
_ Tia, eu
não estou entendendo nada. Mas me fale sobre esta história. Como esse amor foi
parar em seu coração?
_ Eu não
sei quando veio, só sei que aconteceu. Eu esperava e esperava. Eu ainda espero.
Só sei que nenhum homem conseguiu se encaixar nos moldes desse homem que
imaginei para mim. Algumas pessoas dizem que temos em algum lugar uma alma gêmea,
uma cara metade, um espaço vazio que só pode ser preenchido por uma pessoa,
outras dizem que só se ama uma vez. Mas eu não acredito nessas coisa, no
entanto, ainda não conheci ninguém a quem amasse de verdade a ponto de dizer
que eu o encontrei.
_ Então
você acredita nessas coisas.
_ Não, eu
não acredito em destinos. Não acredito que alguém só possa amar uma vez. No
entanto, quando me interesso por alguém, penso que posso estar o traindo ou que
ele possa aparecer e me encontrar com outro alguém e então partir sem me dizer
nada, tirando-me a única oportunidade de ser feliz.
_ Tia, você
parece doida. E se le não aparecer? Como é que você vai ficar. Já tem trinta e
cinco anos. Mamãe vive dizendo que você está no caritó.
_ Não tem
importância o que os outros digam ou pensem. É bem mais forte do que tudo isso.
Quando ele aparecer, tudo vai ser maravilhoso. Não importa que as pessoas digam
que eu tenho complexo de Cinderela. Que sonho com um príncipe encantado montado
em um cavalo branco. Eu sei que ele é real. Não espero um príncipe, espero um
homem, mais sei que ele é especial.
_ Tia,
fosse eu partia pra outra. E se esse cara não aparecer? Eu pegava qualquer um.
_ E será
que valeria a pena? É melhor viver na esperança de um grande amor do que Ter
que se contentar com qualquer um na desesperança de nunca está ao lado de um
verdadeiro amor.
_ Eu não
sei se vale a pena toda esta solidão. Eu preferia ficar com qualquer um.
_ Esta é
uma decisão que só você pode tomar. Para quando é esse trabalho?
_ Pro final
do bimestre.
_ Então
você tem tempo. Gostaria que conversasse com sua tia Rita. Peça a ela que te
conte sobre a sua história de amor.
_ Ah, Tia!
Eu só vou poder falar com ela amanhã. Eu queria fazer este trabalho logo hoje.
_ Converse
com a sua tia Rita. Você vai entender o
por que.
_ Tá bem.
Amanhã eu vou na casa dela.
.....................
_ Tia Rita,
me conta sobre você e o tio Marquinhos. Como é que foi? Onde vocês se
conheceram? Como foi que vocês se apaixonaram?
_ Que
pergunta é essa, menina? De onde você tirou isso?
_ É para
uma redação da escola.
_ O que
exatamente você quer saber?
_ Fala-me
como foi no dia em que vocês se conheceram.
_ Ah, sei
lá. Acho que foi numa festa de aniversário de uma prima.
_ E como
foi? Você achou ele lindo?
_ Lindo? O
Marquinhos?
_ Ah, tia.
Conta como foi.
_ Bem... eu
estava na festa, então ele pediu pra minha prima me apresentar para ele. Então
ela nos apresentou e...
_ Vocês se
apaixonaram?!
_ Claro que
não!
_ Como foi
então? Me diga como vocês começaram a namorar, como foi que vocês casaram.
_ Sabe que
eu nem sei como é que foi. O Marquinhos começou a insistir e eu acabei
namorando com ele. Depois a gente acabou se casando e aqui estamos.
_ Só isso?!
_ Só.
_ E não
teve nada mais? E a paixão? Como foi que a paixão aconteceu?
_ Que
paixão, garota?
_ Mas vocês
não se casaram?
_ E que uma
coisa tem a ver com a outra?
_ Tia, que
coisa horrível? Então você não se apaixonou? Tia, você nunca amou ninguém?
_ É claro
que amo o seu tio. O amor vem com o tempo. Mas se quer uma história melosa, vai
conversar com a minha empregada. A Sara tem uma história daquelas.
Paty
encontrou sara na cozinha.
_ Oi, Sara.
_ Oi, Paty.
O que manda?
_ Estou
fazendo um trabalho de escola e quero saber quantas vezes você já amou. Quero
uma história daquelas.
_ Querida,
é bom você saber de uma coisa: na vida, a gente só ama uma vez.
_ Como só
ama uma vez? Então você já amou alguém ou ele ainda não apareceu?
_ Bem, vou
te contar a minha história.
_ Conte-me
tudo, Sara.
_ Como eu
já te disse, na vida a gente só ama uma vez e eu tive o azar disso acontecer
aos quinze anos. Teria sido bom se ele tivesse me correspondido, no entanto,
ele nunca quis nada comigo. Deixou-me apenas uma sensação de desalento e a
certeza de que nunca mais iria amar alguém do mesmo jeito um dia.
_ Que
horror, Sara. Como vocês se conheceram?
_ Foi na
escola. Eu já devia ter esbarrado por ele alguma vezes, durante o recreio, mas
nunca tinha lhe dado nenhuma atenção. Um dia, uma menina entrou para minha
classe. Tinha cara de metida, não me causou simpatia. Pouco tempo depois, minha
amiga me mostrou o rapaz no recreio, ela parecia um tanto interessada. Foi como
se eu o visse pela primeira vez. Na verdade era, porque nunca havia reparado
nele. Mais tarde fui descobrir que ele estivera ali o tempo todo. Eu apenas
nunca havia o reparado.
_ Foi nesse
dia que você se apaixonou?
_ Naquela
hora fiquei procurando nele algo que me agradasse, mas não agradou. Eu não me
apaixonei por ele naquele instante, foi aos poucos, mas antes não tivesse sido.
Costumo dividir minha vida em antes e depois dele. Antes nunca havia gostado de
alguém como gostei dele. Depois, nunca mais gostei de alguém como gostei dele.
_ Ninguém?!
_ Já te
disse que a gente só ama uma vez na vida. Alguns dias mais tarde a irmã dele se
aproximou de mim. Ela me convidou para irmos juntas para casa. Encantei-me com
a aproximação. Era prova de que ela não era aquilo que pensava que fosse.
Quando estávamos indo, ela chamou o irmão para lhe dizer algo. Ele se aproximou
com cara de quem é o maioral, julgando que ela ia me apresentá-lo, ou pelo
menos era isso que eu julgava que ele pensava.
_ E ela
apresentou?
_ Para meu
alívio, não.
_ E depois?
_ Depois
nos tornamos grandes amigas e a cada dia eu ia mais me interessando por ele. Um
dia percebi que estava gostando dele.
_ E como
foi?
_ Quando o
conheci, gostava de um garoto. Nada comparado a quanto gostei dele, mas eu
gostava do menino. Eles eram da mesma classe. Um dia estavam em locais
diferentes e eu preferi ficar no local em que estava o irmão da minha amiga,
então percebi que eu gostava dele e não do outro.
_ Só isso?
_ Na
verdade não aconteceu muita coisa diferente disso. Ele nunca se apaixonou por
mim. Mas gostar dele foi algo que revolucionou a minha vida. Eu vivia pensando
nele. Quando via alguém na rua, pensava que era ele.
_ Tipo
aquelas coisas que acontecem só na televisão?
_ Isso
acontece na realidade, pode crer.
_ E o que
mais?
_Mais nada.
Foi só isso!
_ Só isso?A
tia me disse que era uma história daquelas.
_ Ela só
devia estar querendo se livrar de você.
Essa minha
tia. Acho que a sara tem razão. Vou acabar detestando este trabalho.
..............................................................
Essas
histórias estão me deixando louca. Cada um conta de um jeito. E se eu lesse
algo? Talvez pudesse copiar alguma coisa de algum livro. Há tantas coisas que
falam de amor. É isso aí. Vou para a biblioteca lá da escola. Talvez dona Luzia me dê alguma idéia.
_ Oi, Paty.
_ Oi, Cris.
_ Sabe quem
eu vi hoje?
_ Quem?
_ O
A-le-xan-dre.
_ A bola da
vez.
_ Vê se me
erra, Paty. Ele falou comigo.
_ Falou? O
que ele disse?
_ Não disse
nada, só me cumprimentou. Eu disse oi pra ele disse oi também.
_ Então foi
você quem falou com ele, não ele que falou com você.
_ Que
diferença faz, Paty?
_ Muita.
Quando ele fala com você, é você quem cumprimenta ou é ele que diz oi primeiro.
_ Sou eu
quem diz oi primeiro, mas que diferença faz? Ele fica olhando pra minha cara.
Eu tenho que dizer alguma coisa.
_ Como olha
pra tua cara?
_ Olhando,
oras. Hoje, por exemplo, eu estava passando pela calçada e ele estava
conversando com um garoto, aí ele olhou pra minha cara e eu disse oi. Porque as
vezes eu falo com ele e outras vezes não. Ontem, por exemplo, eu passei por ele
e ele ficou olhando pra minha cara e eu olhando pra dele, fica chato, se a
gente não falar nada. Já que ele não toma a iniciativa, alguém tem que tomar.
_ Cris,
quem apresentou vocês?
_ Ninguém.
_ E você
fica falando com ele? Te manca, Cris. Esse cara tá no segundo ano, nem olha pra
tua cara direito. Deve te achar uma bobona.
_ Você é
que é uma bobona, Paty. Acho melhor você segurar o Teo. Ele é o único que te dá
bola.
_ Deixa de
ser ridícula, garota. O Teo é meu amigo desde o jardim de infância, além do
mais, está assim de carinha doido pra ficar comigo.
_ Não
viaja, Paty.
_ Não viaja
você. Acha que todo mundo está caído a seus pés.
_ É duro
ser gatinha.
_ Você me cansa, Cris. Como pode
saber que um garoto está interessado em você só de olhar?
_ Os olhos são espelhos da alma.
_ Onde leu isso?
_ Em algum lugar. Como sabia?
_ E precisa de lupa? Eu acho que
você imagina coisas demais.
_ Não imagino não. Um homem e uma
mulher sabem quando um interessa ao outro.
_ Homem e mulher?!
_ Tá bom, menino e menina, garoto
e garota, tanto faz. Isso é um segredo só deles.
_ Você está cheia de coisinhas
hoje. Que história é essa de segredo? Desde quando você guarda segredos?
Não consigo entender a Cris e
detesto quando ela começa a bancar a adulta pra cima de mim. Dá uma raiva. Me
lembra minha prima Renata. Éramos tão amigas, sempre que íamos na casa da vó
Dirce aprontávamos todas. Eu, ela, a Laurinha, nossa outra prima. Papai tem
tantos irmãos, a casa ficava cheia.
A Renata tinha um ano mais que
eu, quando ficou mocinha, arranjou um namorado na escola e ficou se sentindo o
ser mais maduro da terra. Então ela deixou eu e a Laurinha e passou a dar
atenção pra Lúcia, uma de nossas primas mais velhas.
A Laurinha ficou tiririca. Também
fiquei com muita raiva e disse pra Laurinha que não tinha problema que a gente
estava muito bem sem ela. A Laurinha pareceu aceitar e nunca mais tocamos no
assunto. Resolvemos dar um gelo na Renata e menos de um ano depois, começamos a
crescer também, a gente não tinha idéia de como se cresce tão rápido. Mas
nenhuma de nós duas voltou a ser tão amiga da Renata.
No último aniversário da vó
Dirce, meu pai e os tios deram uma churrascada. Conversei com as duas, é claro
que ainda sou mais ligada na Laurinha, mas também acho que nossos caminhos
começaram a se afastarem. Não houve uma ruptura, apenas se desgastou.
Nesse dia, a Laurinha me fez uma
confissão. Ela me disse que não falava nada porque sabia que eu ia brigar com
ela, mas que ela tinha ficado muito triste porque a Renata tinha abandonado a
gente.
“Enquanto você ficou jogando
vídeo game com os garotos, lá na sala, eu fiquei na cozinha ajudando as tias e
as primas com a comida.” Disse ela. “ A
Renata estava lá, e nós ficamos conversando. Eu fiz de tudo para impressioná-la
e fingir que era muito adulta. Depois ela me disse que eu estava muito mudada e
bastante madura. Fiquei um pouco feliz, mas no fundo sei que sou uma farsante.
Não me sinto tão adulta assim, as vezes até brinco com as mais novas”. “Também
brinco com elas, Laurinha.” Eu disse. “ Não é porque a gente cresceu que vai
dar às costas pros menores. Você não precisa da aprovação da Renata pra nada” .
“É estranho, Paty, mas acho que a gente não tem nada a ver, achei a Renata tão
bobona, eu é que não quero mais papo com ela. Vamos jogar com os meninos?”
Passamos a tarde inteira
misturadas com os moleques. Brinquei até de terra com os pequenos. Quem perdeu
foi a Renata.
_ Terra chamando Patrícia. Ouviu
o que eu falei?
_ Desculpa, Cris. Pode repetir?
_ Deixa pra lá, não vou perder a
oportunidade de ver o Alê. Depois a gente se fala. Fui.
_ Ei, onde
você está indo? Vou na biblioteca. Vou ver se a Luzia me arranja um livro sobre
amor. Pode me ajudar na redação. Quer ir comigo?
_ Sem essa,
Vou é pra cantina. Quem sabe eu não esbarro com o Alexandre, ou o Felipe, ou
...
_ Com a
torcida do Flamengo.
_ Perdeu
uma bela oportunidade de ficar calada, Paty. Até mais.
_ Beijos,
Linda.
.......................................................
_ Oi ,
Luzia.
_ Pra você
é dona.
_ Ai, dona
Luzia, só estava querendo agradar. Quando eu chamo os outros de senhor e dona
na rua, faltam pouco me bater.
_ Eu também
não gosto, que me chamem de dona na rua. Só tenho trinta e dois anos.
_ Então?!
_ Aqui é
diferente. Impõe respeito.
_ Tá legal!
Não entendi nada, mas tá legal. A senhora pode me arranjar um livro que fale de
amor?
_ Tantos
livros falam sobre amor. Que tipo você quer?
_ Ah, sei
lá. É para uma redação que o meu professor pediu. Já perguntei para algumas
pessoas , mas não chego a nenhuma conclusão.
_
Posso procurar em algum livro.
_ E a
senhora, não tem nenhuma história de amor para contar?
_ Prefiro
as dos livros.
_ Não é
casada? Nunca esteve apaixonada?
_ Não. Eu
não sou casada. E sim. Eu já estive apaixonada.
_ Ah! Então
me conte como foi. Aposto que é uma história daquelas!
_ Garanto
que não tem nada de interessante.
_ Conta!
_ Está bem.
Mas depois não reclame. Eu já avisei que a história não foi interessante.
_ Onde o
conheceu?
_ Foi na
escola. Não me interessei muito por ele. Quer dizer, me interessei sim, mas não
queria admitir. Achava que ele era meio feio.
_ E?
_ Minha
melhor amiga disse que ele era perfeito para mim e eu fiquei irritada. Achava
que merecia algo bem melhor. E cheguei até encontrar alguém mais bonito que
ele. Um rapaz que conheci numa festa. Mas o namoro não durou nada.
_ Então se
apaixonou por ele.
_ Não. Foi
aos poucos. Percebi que ele era um cara legal e ele me fazia tantos elogios.
_ Levou a
senhora na conversa?
_ Mas ou
menos por aí. Ele me olhava muito. Dizia que eu era linda. Eu acreditava.
_ Todas as
mulheres acreditam, dona Luzia. E o que aconteceu? Vocês namoraram?
_ Não. Um
dia estávamos voltando juntos da escola. Nós estávamos meio sem jeito. Tínhamos
nos desentendido no dia anterior, mas parecia que o desentendimento estava
passando. De repente me pareceu que ele ia se declarar e ele me disse que
estava namorando uma garota do tipo popular, de nossa escola. Levei um choque.
O engraçado foi que eu pensei que nessa hora ele dizer que gostava de mim.
_ Que coisa
horrível! Não acho nada disso engraçado. Decididamente sua história não vai
servir. Pode me dar um romance, por favor?
_ Eu disse
que não ia gostar. Vou buscar seu livro.
Grande
história, essa da doma Luzia. Como vou escrever sobre uma coisa dessas? Que
coisa horrível. Coitadinha. Vai ver é por isso que ela é tão mal humorada.
_ Aqui está
o livro. Espero que sirva.
_ Obrigada, dona Luzia. Até
mais.
_ Não
esqueça de assinar o empréstimo. E não vá perder o livro.
_ Está bem,
dona Luzia.
Lá vem o
mau humor de novo. Agora eu já sei a razão. Ninguém merece o que esse cara fez
com ela.
_ Tchau,
dona Luzia.
_ Tchau.
..........................................................
_ O que
você está fazendo?
_ Oi ,
Deyse. Está há muito tempo aí? A tia está lá na área de serviço.
_ Eu sei.
Ela está terminando de estender umas roupas. Disse que você estava aqui.
Resolvi te dar um alô. Atrapalho?
_ Não,
Deyse. Que é isso! É uma redação muito encrencada. É para falar sobre o amor.
_ Ah, o
amor!
_ O que
você sabe sobre o amor, Deyse. Vai dizer que gosta de um homem que não conhece
igual a tonta da minha tia?
_ Não fala
isso da minha amiga.
_ Fala
sério, Deyse. Você tá que nem ela.
_ Não, mas
eu a entendo. É por isso que somos amigas. A gente gosta das pessoas apesar de
e não por causa de. Eu não concordo por ela pensar assim. Nunca concordei. Acho
que ela jogou fora os melhores dias de sua vida e continua jogando. Mas se eu
não posso mudar o seu jeito de pensar, então tenho que respeitar.
_ Acho que você tem um pouco de
razão, mas estou preocupada com essa história da minha tia. Mas me conta o que
você sabe sobre o amor. Espere aí que eu vou pegar uma caneta.
_ Que
caneta, garota? Tá com a doença da vaca louca? Eu não sei nada sobre o amor.
_ Nada?!
Como não sabe nada?
_ Eu não sei nada porque do amor nada
se sabe, apenas se sente.
_ E o que
você sente sobre o amor?
_ Amor ...
Como colocar em palavras? O amor é como tomar banho de piscina à noite. É como
chupar gelo. Se pendurar numa árvore de cabeça para baixo. Andar de montanha
russa. Pular ondas. Derreter um sorvete debaixo da língua.
_ Isso não
tem nada a ver com o amor.
_ Como não?
_ Isso são
apenas coisas gostosas e divertidas de se fazer. Amor tem que ter homem e
mulher, e muito sofrimento.
_ Quem te
falou isso? O amor não tem nada a ver com o sofrimento.
_ Só se for
para você. Tenho ouvido e lido algumas coisas muito tristes sobre o amor.
_ Acho que
você só tem ouvido as pessoas erradas. O amor é lindo e muito bom. Não pode
estar ligado a dor.
_ Então me
conte algo agradável sobre o amor. Conte-me uma história feliz.
_ Parece-me
que você foi contaminada pelos poetas românticos. O que andou lendo? E o que
andou escutando? Já amou alguém?
_ Minha mãe
diz que não.
_ Como a
sua mãe?
_ Ela diz
que quando a gente tem dúvida se já amou alguém é porque nunca amou de verdade.
_ Talvez
ela tenha razão ou não. Eu não tenho todos as respostas. Tudo o que eu sei é
que amar é muito bom e em nada se assemelha com a dor.
_ Você tem
alguma história de amor? Já esteve apaixonada?
_ Acho que sim. Ou será que não? Sei lá. A cada
semana estou apaixonada, mas na outra percebo que não era nada.
_ Você está
pior do que eu.
_ É. Talvez
você tenha razão. Que coisa! Ser comparada com uma adolescente. Acho melhor ir
conversar com sua tia. Acho que não consegui ajudar muito.
_ Que nada,
Dedé. Você tem uma teoria muito ligth sobre
o amor. Me ajudou bastante.
_ Estou
feliz por ter ajudado. Beijinhos, Fofy.
.......................................................
_ Oi, Super
Gatinha!
Não credito
que o Teo esta´ falando isto pra mim. Geralmente ele só gosta de me detonar.
Mas é muito bom ouvir um elogio de vez
em quando.
_ Ai, Teo. Fala de novo.
_ Linda!
_ Obrigada.
_ Todo
animal precisa de carinho!
_ Teo, você
é no-jen-to.
Estava
demorando. Eu devia ter desconfiado. Quando a esmola é muita o santo desconfia.
_ Vamos no
cinema?
_ Só morta!
Sair com o
Teo! Eu é que não vou pagar este mico. Se as meninas sabem, não vão me deixar
em paz.
_ Por quê?
_ Teo, você
é ridículo. Só isso. Além do mais, é horrível sair com amigo homem.
_ Por quê?
_ Ele perguntou indignado.
_ Não
lembra daquele dia que nós fomos ao shopping?
_ Lembro.
Foi legal.
_ Só se foi
pra você. Nenhum gatinho me paquerou porque devem ter pensado que eu era sua
namorada.
_ Arg!
_ Como se
você fosse alguma coisa.
_ Eu não
sou alguma coisa. Eu sou alguém.
_
Engraçadinho. Pois, pra mim, você não é ninguém. Sem contar naquela blusa horrorosa
que você disse que estava boa em mim. Gastei meu dinheiro atoa. Depois ainda
teve a cara de pau de dizer, na frente das meninas, que na hora tinha achado
que ela estava meio larga. Que raiva!
_ Você não sabe escolher suas
roupas?
_ Eu só
pedi sua opinião. Se fosse uma menina teria dito que não estava legal.
_ Que nada!
Vocês meninas, são todas umas falsas.
_ Teo, pela
camada de ozônio que ainda resta sobre a Terra, vê se me erra!
..................................................
_ Como foi
que você conheceu o Alexandre, Cris?
_ Foi aqui
na escola.
_ Eu sei,
mas como vocês começaram a se falar.
_ A gente
ainda não se fala, é só oi.
_ Mas como
começou o oi?
_ Sei lá.
Acho que já tinha visto ele algumas vezes por aí, mas não tinha prestado
atenção. Eu dia eu fui ao shopping com a
Tidinha para ela trocar uma calça, passei por ele e dei aquela sacada. Foi o
dia que reparei nele pra valer. Ele é tudo.
_ Nisso
você está coberta de razão.
_ A gente
estava esperando o elevador e ele estava sentado numa sorveteria. Eu fiquei
olhando pra cara dele e ele pra minha. Eu não podia acreditar que aquele gato
estava me dando ponto. Aí, a Tidinha disse que ele estava me olhando.
Confirmou, não é?
_ É,
confirmou. E aí?
_ Aí a
Tidinha disse que ele era daqui da escola, que era do Ensino Médio. Ela disse
que o via sempre na cantina do Bloco A.
_ E você?
_ Nunca
mais lanchei no Bloco B.
_ Mas a
cantina do Bloco A é nossa, você que nunca quis comer lá porque diz que no
Bloco B a cantina é melhor.
_ E é
mesmo, tem muito mais gatinhos, no A só tem pirralhos.
_ E o que o
Felipe vai fazer lá, se é do Ensino Médio.
_ A mãe
dele é dona da cantina. Ele dá uma mão pra ela. As vezes ele me atende. É o máximo.
_ Você não
tem jeito, Cris. Acha que ele está a fim de você?
_ As vezes
acho que sim, outras que só está atendendo uma cliente com educação. Você
acredita que ele me chama de fofinha?
_ Não é
legal?
_ Acorda,
Paty. É como ele e a mãe dele chamam todas as pirralhas da quinta série.
_ Então
está mal.
_ Mas as
vezes ele ri pra mim, ou fica me olhando quando estou na fila. Eu tento
disfarçar. Tem dias que eu vou à cantina e nem olho pra ele, outros
cumprimento, depende. Não dá pra saber ao certo. Sei lá. Por que está me
perguntando essas coisas.
_ Pensei
que talvez fosse legal escrever a história de vocês.
_ E que
história nós temos, Paty?
_ Nenhuma.
È muito inconsistente para uma história de amor.
_ Mas pode
vir a se tornar uma. O que você acha? Que devo ficar na minha, fingindo que ele
não é nada ou será melhor investir na amizade?
_ Voto pela
amizade. Se você não conseguir nada, pelo menos fica com um amigo.
_ Acho que
você tem razão. Mas não é bem amizade que eu quero dele.
_ Eu sei,
mas acho mais fácil começar pela amizade.
_ Pra
depois ficar que nem você e o Teo.
_ Sem essa
de Teo, Chis.
_ Vamos lá
pra casa, hoje? Quero te mostrar a roupa que irei ao aniversário da Rayssa. Os pais do Felipe são
amigos do meu tio, aposto que ele vai estar lá também. Com aquela lombriga da
namorada dele, é claro.
_ Ainda não
esqueceu desse cara.
_ Esqueci,
mas de vez enquanto lembro. Vamos ver meu vestido?
_ Não vai dar, mas aposto que é lindo.
_ E é
mesmo. Tem certeza de que não quer ir à festa?
_ Não vou
numa festa que não fui convidada.
_ Eu estou
te convidando.
_ Você é
prima da Rayssa, não a mãe dela. Se fosse pelo menos irmã. Mesmo assim, acho
que não iria.
_ Vou dar
um soco na Rayssa, ela devia ter convidado a minha melhor amiga.
_ Sem essa,
Cris. A Rayssa mal me conhece.
_ Você que sabe, então, tchau.
_ Tchau.
Divirta-se, ouviu?
_ Farei
isto por nós duas.
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Na hora do
recreio, como sempre, saí com a Cris. É certo que temos as nossas diferenças,
mas somos inseparáveis.
_ Vamos
comer alguma coisa na cantina?_ Ela me perguntou.
_ Estou tão
nervosa, com essa redação, que não consigo nem comer.
_ Deixa de
ser boba. Ainda temos um bimestre interinho. Vai rolar muita coisa. Vê se
desencana. Estou morta de fome. Vamos logo, que aquela fila vai ficar
impraticável. Depois, nem vou conseguir ver o Alexandre direito. Te contei da
festa de ontem?
_ Da tua
prima ?
_ De quem
mais podia ser? Você nem vai acreditar quem estava lá.
_ Quem? O
Alexandre?
_ Não, o
Felipe.
_ Qual o
espanto? Você não me disse que os pais dele eram amigos dos seus tios.
_ É. Mas
pensei que talvez ele não fosse. É tão cheio de coisinhas.
_ Como,
cheio de coisinhas?
_ Sei, lá.
Num dia tá legal, diz que você é linda. No outro nem vê que você existe. Aposto
que o Felipe é um garoto do tipo carro velho.
_ Como
assim, carro velho?
_ Do tipo
que demora a ligar.
_ Já te
ligou alguma vez?
_ Não tem o
meu telefone.
_ Por que
não deu o número?
_ Qual é,
fofinha? Está me achando com cara de oferecida?
_ Tô!
_ Você me
deprime, sabia? Não sei por que ainda sou sua amiga?
_ Porque
você me ama e sabe que não há melhor amiga do que eu. Agora me fale sobre a festa. Ele falou com
você?
_ Não. Mas
também não falei com ele.
_ Tava
bonito?
_ Assim,
assim. Nada de mais. Uma roupinha social básica.
_ Estava
feio?!
_ Claro que
não! Estava normal. Mas eu, minha filha, estava linda!
_ Elogio em
boca própria é defeito, Cris.
_ Deixa de
ser boba, Paty. A verdade é pra ser dita. Eu coloquei uma roupa tão linda! A
minha mãe me levou no cabeleireiro. Ele fez um penteado super fashion. E a maquiagem, então? Eu fiquei
demais!
A Cris é
assim mesmo. Não poupa elogios a si mesma. Pelo menos é sincera. Acho que ela
sempre diz o que pensa. E sempre pensa que todos os garotos são apaixonados por
ela.
_ Cara!
Quando ele me viu, ficou babando.
_ Tava
sozinho?
_ Não.
Estava com aquela chata, pendurada no braço dele.
_ A chata
que você quer dizer é a namorada dele?
_ Vê se me
erra, Paty. Você sabe que ele está namorando ela, porque ela deu em cima dele.
_ Mas na
verdade ele gosta mesmo é de você, não é Cris?
_ Pode ser
que agora não. Porque eles já estão juntos há um tempinho. Mas quando eles
começaram foi porque ele ficou com raiva de mim.
_
Igualzinho aconteceu com o Bidu, né Cris?
_ Com o
Bidu foi diferente. Eu fiquei com o Bidu e depois esnobei. Aí ele começou a
namorar a Mayra. Mas ele fez isso só pra me provocar.
_ Sei.
_ Não
amola, Paty. A Tidinha mesmo me disse que o Bidu namorava a Mayra, mas gostava
de mim. Que ele olhava pra mim de um jeito diferente, de um jeito que ele não
olhava pra Mayra. Foi a Tidinha mesmo que me perguntou se eu e o Felipe
estávamos namorando. Porque ele, na hora do recreio não tirava os olhos de mim.
_ A Tidinha
é muito sua amiga.
_ É mesmo.
_ Tanto que
tá namorando o Renato.
_ A gente
já tinha terminado há um tempão.
_ Mas você
ficou mordida de ciúmes.
_ Só no
começo, mas depois me acostumei. A Tidinha é super minha amiga.
_ E que
amiga!
_ Chega
desse assunto, Patrícia. O Renato já é passado. Nós estamos falando do Felipe.
_ E da
Carol.
_ Deixa
aquela sapa da namorada dele de fora. Eu não sei por que ele ainda esta com
ela. Eu estava achando que ele estava na minha e ele veio com aquela notícia
bomba de que estava namorando ela. Traidor!
_ Esquece
esse cara.
_ Você não
acha que eu sou mais bonita que ela?
_ Sei lá,
Cris.
_ Você é
minha amiga. Devia dizer que sim. Mas eu também, as vezes, tenho dúvidas quanto
a isso. Eu acho que eu sou. Muita gente diz pra mim que eu sou bonita, mas eu
não vejo ninguém dizendo isso pra ela.
_ É porque
você é mais exibida.
_ É ...
talvez. Mas mesmo assim, eu acho que sou mais bonita, mas sei que ela tem
algumas coisas melhores do que eu. Talvez sejam essas partes que ele valorize
mais em uma garota e é por isso que ele resolveu ficar com ela e não comigo.
É por isso que eu gosto da Cris.
Ela é totalmente sincera. Sempre diz o que pensa. Mesmo que aos olhos dos
outros se pareça pedante ou coitadinha. Agora me parece coitadinha.
_ Por que é um bobo. Devia dar
valor as suas partes melhores. Ia se dar muito melhor.
_ Você acha
mesmo, amiga?! Você nunca me elogia, Paty.
_ Quase
nunca elogio. Também, você faz isso o tempo todo por mim. Olha lá quem está saindo da cantina, com o
Marco!
_ O Felipe!
Acho que vou morrer.
Quando
chegamos perto, o Felipe riu pra ela e me ignorou. As vezes chego a pensar que
a Cris faz mesmo sucesso com os meninos. Eles vivem a rodeando. Ou será ela
quem os rodeia? O fato é que eles vivem a elogiando, mas sempre escolhem outras
garotas para namorar.
_ Oi, Cris.
Gente! Ele parece vidrado nela.
Como a Cris consegue esta façanha com os garotos?
_ Oi, Felipe.
_ Eu não
tive oportunidade de te falar ontem. Você estava arrebentando. Não tava, Marco?
_ Tava
mesmo. _ Disse o Marco com os olhos grudados na Cris.
_ Que nada.
São os olhos de vocês.
_ Nossos
olhos nada. Você estava demais. Não é, Marco?
_ Maior
gata.
_ Que nada.
Tchau, meninos. Eu e a Paty vamos comprar um lanchinho. Até logo.
A rainha da sinceridade fazendo
fita com os meninos. Parece que os homens têm o poder de despertar o que há de
pior nas mulheres. Talvez a Cris tenha razão. Os meninos sempre a elogiam. Vai
ver é por isso que ela é tão convencida. Talvez o Felipe goste mesmo dela. Ou
talvez seja apenas coisa de menino que
quer se dar bem com todas. O certo é que eu realmente não consigo entender essa
gente.
..................................................................................
Nada do que
eu ouvi me agradou. É tudo tão complicado. Precisava de alguém.... É claro! Por
que não pendei nisso antes? Tenho que falar com um homem. Isso mesmo! Com o
papai? Ou seria melhor o vovô. Não! Chega de parentes. Já sei! Vou falar com o
seu Josias, o vigia da escola. Ele já passou dos quarenta e deve estar cheio de
coisas para contar, ao mesmo tempo, não está tão caidinho quanto o vovô.
Isso mesmo!
Seu Josias deve ter uma história daquelas.
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_Seu Josias, me conte sobre sua história de
amor.
_ Minha
história de amor? E isso é lá assunto para uma menina?
_ Também
acho, né, seu Josias? Mas vai falar isso pro professor Afrânio, foi ele quem
nos passou esta redação ridícula.
_ Sobre a
minha história de amor?!
_ Não, seu
Josias. Relaxa! É sobre qualquer história de amor. É uma redação pura e
simplesmente sobre o amor.
_ Como se o
amor fosse simples.
_ Na
verdade me está parecendo um tanto complicado.
_ E é.
_ Pensei
que fosse um pouco mais simples.
_ Eu também
pensava até conhecê-la.
_ Quem?
Eu?!
_ Claro que
não, pirralha. Cresça e apareça.
_ Ih! Seu
Josias, não precisa humilhar e além do mais, quem gosta de antigüidade é museu.
_ Agora
quem está humilhando é você.
_ Tá, seu
Josias. Cada macaco no seu galho. Agora me fala da poderosa.
_ Que
poderosa?
_ A mulher
que pisou no seu coração e fez dele picadinho.
_ Fez
mesmo, a ingrata.
_ O que
aconteceu?
_ Eu a
conhecia há alguns anos. No início não gostava muito dela. Ela tinha o nariz
muito empinado. Depois fui acostumando com ela. Passei a gostar dela um
pouquinho. U dia a gente estava no forró...
_ Vocês
foram juntos para um forró?!
_ Não
exatamente. Foi a turma toda. Na época eu tinha levado um chute de uma namorada
e estava na pior. Ela tinha namorado e estava sentada perto de mim. Como ele
não chegava ela segurou na minha mão sorriu e me disse que eu estava muito
bonito naquela noite e se o namorado não chegasse, ela ia ficar perto de mim.
_ Que
mulher, seu Josias. Não viu logo que ela não prestava?
_ É, devia
ter visto.
_ E vocês
ficaram juntos aquele dia?
_ Não, o
namorado chegou.
_ Coisa
mais sem graça, seu Josias. E o senhor ficou de bode até hoje por causa disso?
_ Claro que
não! Eu nem dei idéia, mas acho que passei a ficar interessado nela, depois
disso, mas não tanto assim, na verdade era apenas uma ligeira impressão.
_ Ligeira
impressão de quê?
_ Mas você
é ruim de entender mesmo, hein, menina? Um ligeiro estar interessado em alguém,
nada que tire o sono nem faça disparar o coração. Entendeu?
_ É, agora
deu pra sacar. E o resto?
_ Aí,
depois de algum tempo os nossos caminhos acabaram se descruzando e eu fiquei
sem vê-la por bastante tempo. Quando voltei a vê-la, ela estava um pouco mais
acabadinha, mas parecia bem mais interessada em mim do que antes.
_ Então
vocês finalmente ficaram juntos?!
_ Não. Aí
eu é quem não quis dar mole. Eu é quem estava por cima. Nem, dava idéia pra
ela.
_ Apoiado,
seu Josias. Ela ficou correndo atrás do senhor?
_ Jogava
apenas umas indiretas. Um dia fomos para uma festa de um amigo e ela pediu pra
que eu lhe levasse em casa.
_ O senhor
levou?
_ Não,
estava sem carro. Também não estava muito a fim. Ela acabou indo com outra
pessoa.
_ Com outro
cara?
_ Não. Uma
amiga. Depois disso ficou de ovo virado pro meu lado. Só depois de um certo
tempo é que voltou a falar comigo. Ela sempre fazia isso.
_ Quer
dizer que vocês nunca ficaram juntos?
_ Eu a
beijei uma vez.
_ Que
máximo! E como foi?
_ Não te
interessa minha vida pessoal.
_ Tenha dó,
seu Josias. Agora vai ter que contar. Eu estou morta de curiosidade.
_ Foi num
dia que eu não tinha nada pra fazer e nem ela. Estávamos numa festa e ela veio
e me beijou.
_
Atiradinha a moça, hein? E aí?
_ Aí foi
que eu gostei.
_ E o que
mais?
_ Ela olhou
bem dentro dos meus olhos e disse: “Josias, eu te vou conquistar!”
_ E o
senhor, o que fez?
_ Ri na
cara dela.
_ Isso
mesmo, que ousada. E então?
_ Uma semana depois, estava apaixonado por ela.
_ Então por que não estão juntos?
_ Agora ela
está dando uma difícil pro meu lado.
_ E por quê
o senhor não fica com ela?
_ Não
quero. Não vou correr atrás dela.
_ Ah! Seu
Josias, o senhor é muito esquisito, viu? Devia era procurar essa talzinha e se
acertar com ela de vez. Ela ainda te dá bola?
_ Fica num
chove não molha. Não quero saber dessa talzinha.
_ Fala
sério, seu Josias, a sua história não tá com nada. Fui. Não entendo esse povo,
viu? Gosta da mulher e não quer ficar com ela. Tô fora!
Por nenhuma
destas histórias parece ser a ideal? É cada uma mais estranha que a outra.
Lá vem a
Cris. Pelo sorriso de tocar as orelhas, deve ter acontecido algo de muito bom.
Também, sempre acontece algo de bom na vida da Cris. Por incrível que pareça,
ela sempre tem uma novidade para contar, e em noventa por cento delas, tem
algum garoto envolvido.
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_ Adivinha, Paty.
_ Tem
garoto?
Todas as histórias da Cris, ou
pelo menos as que ela acha mais interessante tem garotos no começo, no meio e
no fim.
_ Tá quente.
_ Não posso
acreditar. _ Disse ironicamente.
_ Se ficar
de bobeira, não conto. _ Falou em tom aborrecido.
_ Conta,
vai?
_ Está bem.
Acho que estamos ficando amiguinhos.
_ Você e
quem?
_ O Alê, é
claro.
_ Sobre o
que conversaram?
_ Sobre
nada. Ainda estou rondando. Mas quando ele me viu, veio correndo pra me
atender.
_ Jura,
Cris?
_ Deixa de
ser invejosa. Quando ele me deu a coxinha, perguntou se estava tudo bem. Não é
um grande progresso? Agora, quando passo por ele, eu digo oi.
_ Isso é
tudo?
_ Melhor
que nada.
_ Acha que
esse já está caído por você?
_ É cedo
para dizer, mas acho que está interessado.
_ Quem não
está interessado em você, Cris?
_ Falando
em interessado, sabe quem me chamou pra ir ao cinema?
_ Quem?
_ O Pudim.
Fiquei de dar a resposta amanhã.
_ Você vai
sair com aquele cara?
_ Claro que
não. Mas é falta de educação dispensar
alguém de cara.
_ E é
sempre bom ter alguém na reserva, não é mesmo?
_ Falou e
disse, Amiguinha.
.....................................................................
_ Eu acho
que o Teo gosta de você. _ Disse a Cris de repente.
_ Corta
essa, Cris. Não acha que ele gosta de você, não?
_ Não sei
por que você esta falando isso.
_ Sei lá.
Você diz que todo mundo paquera você.
_ Você está
ficando amarga, sabia? Deixa pra lá. Você não merece o Teo.
_ Não sei
por que.
_ Porque
ele é legal e além do mais, é um gatinho.
_ O Teo, um
gatinho. Que horror! Parece mais o mosquito da dengue.
_ Tem horas
que não dá pra conversar com você, Patrícia. Além do mais, eu acho que você faz
um par perfeito com ele.
_ Com o
Teo?
_ Não. Com
o mosquito da dengue.
_ Você me
cansa. Sabia? Tem horas que você consegue ser pior do que o Teo.
_ Ih,
garota, vê se me erra.
_ Vê se me
erra você.
_ Vou dar
uma voltinha. So-zi-nha.
_ Vai mesmo. Quem sabe você
não cruza com um gatinho. Aposto que ele vai ficar com os quatro pneus arriados
por você.
_ Já cruzei
com um gatinho, agora mesmo.
_ É? Foi
com o Felipe?
_ Não. Foi
com o Léo. Ele falou comigo, sabia? Ele sempre fala comigo.
_ Aposto
que está apaixonado por você.
_ Acho que
não. Mas se fizesse uma forcinha, era bem capaz dele ficar na minha.
_ Cris, tem
horas que acho que você não existe. Tem razão. Se você fizer uma força, é bem
capaz do Léo ficar na tua. Ele também fala comigo, sabia?
Não vou
ficar por baixo. A Cris pensa que todos os garotos do mundo só têm olhos pra
ela. O Léo também fala comigo. Tá certo que só é de cortesia, mas a Cris não
precisa saber disto.
_ Sei. Ele fala com todo mundo. _
Disse com desdém.
Tem horas que tenho vontade de
bater na Cris. Não sei porque somos amigas. Mas sinto tanto a sua falta quando
não estamos juntas.
_ Acha
mesmo que ele pode ficar na tua?_ Perguntei só pra ver qual era a dela.
_ Com
certeza! Quer dizer, as vezes acho que ele é muita farinha pro meu pirão.
_ Também
acho.
_ Obrigada
por me chamar de feia.
_ Que nada.
Até que você é bonitinha.
_ Bonitinha
é uma feia arrumadinha.
_ É. Você
anda bem arrumadinha.
_ Você
também, queridinha.
_ Está me
chamando de feia?
_ Não. Só
de bonitinha.
_ Vamos dar
uma volta, Cris. Jun-tas! Quem sabe o Léo não fala com a gente.
_ É uma
chance.
.......................................................
_ Oi,
meninas!
_ Oi,
Paulinha! O que manda?_ Respondeu a Cris. A Paulinha é nossa colega de classe.
Uma das poucas que a gente suporta. Tem horas em que os meninos sabem ser mais
amigos do que as meninas. Talvez porque não estejam a fim de concorrência. Ou
por que têm uma leve esperança de ficarem com a gente. No fundo, no fundo,
também não dá pra confiar nos meninos.
_ O de sempre.
Cris, você que é fera no assunto. Acha que o Fábio está na minha?
_ Sei lá,
Paulinha. Ainda não desencanou desse cara?
_ Eu gosto
dele de verdade.
_ E eu
falei que é de mentira?
_ Cris,
algumas meninas costumam gostar de um menino por um período maior do que uma
semana._ Me meti na conversa.
_ Paty, se
você não percebeu, o papo está reto.
_ Me
desculpe pela vergonha que passei. Não está mais aqui quem falou.
A Cris é sempre assim. Tem a
sutileza de um elefante. Quando quer dar um fora, não poupa ninguém. Mesmo eu
que sou sua melhor amiga.
_ Deixa prá
lá. Agora que já se meteu, continua.
_ Agora
também não quero.
_ Ai,
gente! Deixem de besteiras. Eu aqui com um problemão e vocês com essa briguinha
de jardim de infância.
_ Não
precisa humilhar. Né , Paulinha?_ A Cris falou.
_ E aí, o
que vocês acham? O Fábio está ou não na minha?
_ Pelo
tempo já deu pra sacar. Não é Paulinha?_
_ Ai, Cris.
Deixa de ser uruca.
_ Tudo bem,
gente. Mas a Paula tá moscando. Devia ser mais agressiva.
_ Vocês
acham?! Acho que não ia ter coragem.
_ Acho que
você deveria fazer alguma coisa pra pegar esse gato.
_ É,
Paulinha. Dessa vez tenho que concordar com a Cris.
_ Se bem
que ...
_ O que,
Cris? _ A Paulinha perguntou arregalando os olhos.
_ Sei lá.
Acho o Fábio meio baixinho. Podia trabalhar como salva vida de aquário. Na verdade, se homem alto fosse dinheiro, o
Fábio seria troco.
_ Qual é,
Cris? _ Explodiu a Paulinha _ Até parece que você é muito alta.
_ Eu tenho
um metro e cinqüenta e seis, minha filha.
_ Melhor
arredondar para um metro e meio. Isso é tamanho de gente? Parece até metragem
de pano.
_ É, um
metro e meio é o suficiente pra fazer uma blusinha GG, pra você?
_ Que GG,
Cris? O meu tamanho é M.
_ M?! Só se
for M de maior.
_ Minha
casa tá em obra. Quer pintar o rodapé?
_ Vai querer humilhar, é,
Paulinha? Não te ajudo mais.
_ E quem
disse que você está me ajudando? Só fica puxando pra baixo. Até parece que tá
na dele?
_ Eu,
gostando do Fábio? Te orienta, Paulinha. Ele é que é doido por mim.
_ Vai
começar, Cris? _ Eu perguntei.
_ Pra me
defender você não se mete, não é, Paty? Mas se é pra ficar contra mim, logo
mete o bedelho.
_ É que
ninguém merece tanta presunção. Todo mundo é caído por você.
_ Quem não
tem competência não se estabelece, queridinha.
_ Gente,
vamos parar com esse papo, porque já encheu. _ Disse a Paulinha, pondo um fim
na discussão. _ Além do mais, eu me garanto. O que vocês acham que eu deveria
fazer?
_ Sei lá.
Descolar umas roupas transadas? _ Disse a Cris.
_ Por que
você não solta o cabelo? Ia ficar legal, Não é, Cris? _ Dei também um palpite.
_ Isso
mesmo, Paulinha. Vive só com esse cabelo preso. – Concordou a Cris.
_ Vocês
estão loucas?! Nem morta! Meu cabelo é igual bandido: quando não tá preso, tá
armado. Aí que ia espantar o Fábio de vez.
Nisto o
sinal tocou. Nos despedimos. Acho que a Paulinha não tem jeito. Encanada
naquele cara tanto tempo. Eu e a Cris
fomos pra cantina. A Paulinha preferiu ver os meninos jogarem bola. Quando o
Fábio está no jogo, pelo menos uma torcida é certa.
.......................................................
E se eu
pegasse um desses livros que falam sobre amor? Um desses com uma história bem
bacana. Já sei! Romeu e Julieta! Isso mesmo! Vai dar o que falar. Vou
procurá-lo na biblioteca.
_ Onde
está? Deixe-me ver ... Aqui! Encontrei!
Acho que
não vou conseguir ler este livro todo até o dia de entregar a redação. Mas eu
já sei da história. Fizemos uma peça na escola. Eu não gostei deles terem
morrido. É muito estranho. Quando as pessoas se gostam devem ficar juntas.
Não queria que eles tivessem
morrido. Acho que ninguém queria. Por que então essa história faz tanto
sucesso? Por que as pessoas gostam de tragédias? O que há de bonito no
sofrimento alheio?
Gostaria de escrever um novo
final para Romeu e Julieta. Um final em que os dois vivessem felizes para
sempre. Mas então a minha história já não seria Romeu e Julieta e sim uma outra
coisa qualquer que ficariam pegando poeira em uma biblioteca. Aqueles livros
que as pessoas compram , mesmo sabendo que não vão ler, só para terem uma
biblioteca bem cheia. Arg! Que complicação. Como eu gostaria de acordar e ter
essa redação pronta. Isso já está me deixando de cabelo em pé. Eu não sei nada sobre o amor. O que poderia
escrever. Não me aparece nenhuma idéia brilhante.
Acho melhor ir dormir. Quem sabe
amanhã não acordo com uma brilhante idéia?
...............................................
_ Fez o exercício da professora
Tânia?
_ Oi, Lana. Não! Acabei
esquecendo. Não consigo pensar em mais nada a não ser na redação desse professor
malvado. Já fez a sua?
_ Que nada! Ainda tem muito
tempo.
_ Não sei como você pode deixar
tudo pra cima da hora.
_ Lembre-se do meu lema, querida
amiga: Não faça hoje o que você pode deixar para manhã.
_ Um dia você acaba se dando mal.
_ E você, Teo? Já fez?
_ Também não. Mas essa é barbada.
Já sei até de cabeça.
_ Então me diz.
_ Simples. Amor é uma flor roxa que
nasce no coração dos trouxas.
_ Ai, Teo. Você é ridículo.
Ninguém merece! _ Respondi.
_ Do que vocês estão falando,
gente?_ Perguntou o Jean.
_ Da redação sobre o amor, Jean.
Já fez?
_ Já. O ano passado. O professor
passa esse trabalho todos os anos. Vou copiar a mesma.
O Jean foi reprovado o ano
passado. Tem todos os trabalhos. Não parece ser burro.
_ Jean.
_ Fala, Paty.
_ Qual é a sensação de ser
reprovado?
_ É horrível, Paty. Eu não
esperava por isso. Eu estava lá, com todo mundo. Só esperando pra pegar o
boletim. E de repente, veio aquela bomba na minha cabeça. Me deu vergonha,
vontade de chorar. Mas eu não podia pagar aquele mico.
Eu não tinha coragem de falar
nada. Sabia que se falasse, não ia conseguir segurar a barrar. Ia chorar ali
mesmo.
Um ano ralando, achando que
estava tudo bem. E na última, hora, bem na última hora. A casa caiu em cima da
minha cabeça.
_ Que coisa!
_ Todo mundo pegando o boletim,
sorrindo satisfeito e eu ali, com cara de pamonha. O Rubico, que era meu chapa,
ficou me mostrando as suas notas, fazendo comentários. Eu fiquei com vontade de
falar pra ele que não estava com vontade de ver as notas de ninguém. Mas eu não
tive coragem de roubar a alegria do meu melhor amigo. Ele não tinha culpa de
nada.
_ Mas ele podia te entender. Será
que ele não viu que você estava mal?
_ Eu também pensei isto na hora.
Mas o Rubico me ajudou a segurar a barra. Eu sabia que ia chorar. Eu estava
doido pra correr pra casa. Já tinha visto tanta gente passar por aquela
situação, mas nunca tinha acontecido comigo. Isto é coisa que acontece com os
outros, não com a gente. Quando a gente pegou as bicicletas e começou a
pedalar, eu comecei a chorar. O Rubico
falou que era pra eu chorar mesmo.
_ Ele tinha era que te dar força,
não mandar você chorar.
_ Acho que ele quis dizer com
isso que entendia a minha dor, que se estivesse no meu lugar, também ia chorar
do mesmo jeito.
_ Acho que você tem razão.
_ Quando cheguei em casa, fui
direto pro banheiro. Eu não conseguia e nem queria parar de chorar. Foi o
Rubico quem contou pra minha mãe que eu tinha sido reprovado. Eu não tinha
coragem de fazer isso. Eu sabia que podia contar com ele pra fazer isso por
mim.
_ Ele é teu chapa mesmo.
_ Agora já é bola pra frente, não
dói mais como doeu na hora, mas ainda á barra. Tem horas que eu não acredito
que isto aconteceu comigo.
_ Eu não sabia que era tão barra
assim.
_ Mas é. Vou voltar pro meu
canto. Se precisar de alguma ajuda, conte comigo, afinal, deve-se dar ouvidos à
voz da experiência.
Por fora eu ri com a piadinha do
Jean, mas por dentro eu queria chorar. Deve ser horrível passar por uma
situação daquelas. Mas, ainda bem que ele teve o Rubico pra ajudar a segurar o
tranco. Eu nunca tinha visto um menino dizer que tinha chorado. Nem outro
mandar o colega chorar mesmo, porque entendia. Os meninos parecem tão
insensíveis. Pensei que chorar fosse coisa só de meninas e que os meninos não
entendessem isso. Mas o Jean e o Rubico entendiam. Talvez porque chorar e
entender que chorem não seja coisa realmente de meninos e sim de homens. Acho
que o Jean e o Rubico já não são mais meninos.
............................................
_ Bom dia, pessoal.
_ Bom dia, professora Tânia. _
Respondeu a turma em coro.
_ Fizeram o exercício?
_ Fizemos. _ Soou novamente o
coro
_ Tânia, desculpa. Eu esqueci.
_ Patrícia, não é assim que a banda toca. Se eu pedi para fazerem os
exercícios era...
_ Por favor, Tânia. No final da
aula eu te explico.
No final da aula acabei
explicando pra ela. Pensei que ela ia me dar uma canja, mas não foi bem assim.
_ O amor não existe, querida! É
tudo química. Serve para a preservação da espécie.
_ Não acha que está levando o seu
trabalho a sério demais?
_ Não, só estou explicando o que
você já devia saber.
_ Teve alguma decepção amorosa?
_ Não.
_ Nunca amou?
_ Não.
_ Nunca se interessou por alguém.
É indiferente ao sexo oposto?
_ Claro que não! Sou
completamente a favor da preservação da espécie.
_ Não estou entendendo nada.
_ Como eu já disse, é pura
química. Você está numa calçada, um homem passa, você olha pra ele e ele olha
pra você. È como um ímã, ninguém consegue explicar. Nunca aconteceu com você?
_ Já.
_ Então. Não tem outra
explicação. O resto é apenas conversa fiada.
_ Como assim?
_ O amor não existe. È tudo um
conto de fadas. Você olha pra alguém e bum, fica muito ou pouco interessada.
Você quer ficar perto dela, quer que essa pessoa fique interessada em você.
Tudo isso quer dizer que você quer acasalar com essa pessoa e mais nada, o
resto é tudo balela.
_ Que horror, professora. Não é
bem assim. Eu não quero acasalar com ninguém. Se minha mãe ouve isso.
_ Acho que você não me entendeu
bem. Eu não quero dizer que você queira fazer sexo agora, mas sim algum dia.
Você não pretende se casar um dia?
_ É claro!
_ Então! Você quer se casar
porque precisa fazer sexo, para preservar a sua espécie. É uma coisa inerente a
todo ser humano. Faz parte do subconsciente coletivo.
_ Não consegui entender muito
bem. Achei tudo muito nu e cru. A senhora está querendo descrever o amor de uma
maneira muito científica. Isso não dá ibope, minha redação não vai dar nem pra
saída.
_ Procure um professor de
literatura, de arte, sei lá. Eu só disse o que eu penso. Você não acha que
tenho razão?
_ Claro que sim, professora, só
não sei se meu professor vai gostar. Ele pediu uma redação sobre o amor e eu
vou dizer que o amor não existe. Acho que não vai dar certo. Em todo caso,
muito obrigada pela ajuda. Até mais, professora.
Imagine se
eu vou dizer que ela não tem razão. Todo professor acha que está sempre com a
razão. e ai de nós se discordarmos disso.
Tenho um
lema na vida: Nunca discordar publicamente de um professor e sempre que
precisar dele, me humilhar bastante. E nunca em público. Você nunca conseguirá
nada de um professor se lhe pedir um favor na frente dos outros. É claro que
ele vai dizer não! Mas se você pedir algo em particular, de preferência com
cara de cachorro que caiu da mudança. É claro que o professor vai quebrar o teu
galho. Professor é igual pai da gente, se a gente pedir direitinho, consegue
tudo o que quiser. Mas se for cartar marra, pode esquecer. A pior coisa que tem
é deixar professor irritado.
...............................................
A história
da Tânia é bem legal. Uma das melhores que ouvi. Pelo menos teve um final
feliz. Talvez por aí eu conseguisse
tirar uma idéia do que seja o amor. Não
sei como começar. Penso que deveria pesquisar mais. O que eu poderia escrever.
Qual é a medida certa do amor?
Todo mundo
já foi embora. Só o Teo está por perto. Acho que vou embora com ele. Quando a
turma está junta, o Teo rapa fora e vai embora com os meninos, mas quando só
está nós dois, ele fica morrinhando pra ir comigo. Sai na frente, como quem não
quer nada, até eu alcançar o passo e ir com ele. Aí, ao invés dele ir pra casa,
sempre arruma alguma coisa pra fazer pros lados da minha, só pra ir comigo.
Tenho que
admitir, acho que tenho uma quedinha pelo teo, desde os tempos do jardim de
infância. Mas o Teo é meio sem graça.
Mas gosto de ir pra casa quando estou só com ele. O Teo fica muito mais legal quando não está com os
meninos.
Não falei.
Já me viu e agora está indo devagarzinho pra casa.
_ Oi, Teo.
_ Oi, Paty.
_ Está indo
pra casa?
_ Estou.
Voltou a
falta de assunto. A gente sempre fica assim quando está junto, sem ninguém. Por
que se tem alguém, a gente invariavelmente briga.
Detesto quando o Teo não vem à
escola, eu sinto falta dele. A gente nunca namorou, nem acho que vá namorar.
Quando a gente estava na primeira série, ele beijou a Cris. Nunca vou perdoar o
Teo por isso. Eu perdoei a Cris, afinal de contas, ela não sabia que eu gostava
dele. Gostava, não gosto mais. O Teo é coisa do passado.
_ Por que você está tão calada?
_ Nada.
Ele não
podia ter feito isso comigo. Logo a Cris, minha amiga. E ela nem gostava tanto
assim dele. Faz tanto tempo.
_ Teo, por que você beijou a
Cris?
_ Eu beijei a Cris?
_ Beijou sim, na primeira série.
_ Tá viajando, eu nem lembrava mais
disso. E você que beijou o Fael?
_ Eu já estava na sétima série,
Teo.
_ E daí? Mas a mim você não quis
beijar.
_ Você não perdoa, não é, Teo?
_ Ainda está em tempo. Quer me
beijar agora?
_ Só morta, Teo.
Beijar o Teo. Nem de brincadeira.
Quem ele pensa que é?
_ Tchau, Paty.
_ Tchau, Teo.
Acho que ele ficou com raiva. Mas
o que eu posso fazer? O Teo sempre estraga tudo.
Como se beijo fosse tudo na
vida. Os beijos que dei não valeram a
pena. Beijar na boca de filme, novela e livro é lindo. Tem até musiquinha!
Beijar na vida real é legal. Não
vamos tirar todos os méritos do beijo. Mas o legal mesmo é andar de mãos dadas.
É extremamente romântico! Quando um cara pega na sua mão, dizendo que gosta de
você (com as mãos e não com a boca) é muito dez. Mas se você naõ gosta do cara.
Argh! Detesto quando um garoto que eu não gosto pega na minha mão. Dá vontade
de sair correndo.
Legal mesmo é a teoria do abraço.
É democrático, gostoso e não tem contra-indicações. È uma demonstração de
carinho, pode ser dado em crianças, homens, mulheres, sem distinção.
Adoro abraçar. Abraço toda gente.
Meus familiares, minhas amigas, amigos, conhecidos. Abraçar é muito bom!
Claro que abraçar um garoto lindo
é tudo de bom. E o legal é que você não se compromete. Tanto pode ser de amigo
ou outra coisa mais. Quem é que vai saber? Acho que nem o próprio garoto. E
viva o abraço!
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_ Não vai
resolver a equação?_ Me perguntou o professor de Matemática.
_ O quê?
_ Isso
mesmo que eu falei, menina. Olhe a equação no quadro.
_ Ai,
professor Heredias, eu não consigo pensar em mais nada. Preciso resolver este
papo da redação.
_ Sobre a
história de amor?
_ Como o
senhor sabe?
_ Não se
fala de outra coisa nesta escola.
_ Então,
professor, não tem uma linda história de amor pra me contar?
_ Uma dúzia
delas.
_ Me conte
uma, por favor!
_ A
equação.
_ Quebra
essa.
_ Não tem
negociação.
_ E se eu
fizer a equação?
_ Não faz
mais que a sua obrigação.
_ Que tal
na hora do recreio?
_ Posso até
pensar no seu caso, mas agora, a equação.
Não teve outro jeito. Tive que
resolver a equação. E era uma daquelas bem cabeludas, mas na hora do recreio,
não deixei o professor Heredias escapar.
_ Conte-me tudo, professor. Pelo
menos uma de suas histórias.
_ Tenho tantas.
_ Ótimo! As outras o senhor pode
compartilhar com meus colegas. Quanto a mim, quero a melhor delas.
_ Você já é a terceira.
_ Me passaram a perna! Tá bom,
manda ela.
_ Tem a de uma jovem que conheci
no metrô. Também da que conheci numa viagem ao Nordeste.
_ Escolha logo uma.
_ Posso contar a história de uma
moça que conheci quando morei em uma cidadezinha do interior. Foi muito rápido.
Eu era muito jovem e mamãe não agüentou o lugar. Ficamos lá apenas cinco meses,
foi uma mudança relâmpago.
_ Como foi?
_ Era o meu segundo mês morando
naquela cidade. Resolvi sair com um amigo. Fomos para a praça. Era a única
coisa pra se fazer naquele lugar.
_ Que tédio.
_ Chegando lá, encontrei uma conhecida
que me apresentou a pequena. Seu nome era Fernanda e era uma jovem bonita. Ela
reparou em minha gravata e disse que era muito bonita.
_ O senhor foi paquerar de
gravata?
_ Vai ficar me interrompendo a
todo instante?
_ Desculpe-me, pode continuar.
_ Foi assim. Ela continuou
conversando com um grupo de amigos e não me deu confiança. Eu também não fiquei
muito empolgado. Havia outras moças interessantes. É certo que a observei
várias vezes, aquela noite, mas não foi nada que me tirasse o fôlego. Alem do
que, estava achando aquela pracinha a maior maçada. Duas semanas se passaram,
até que a vi novamente. Desta vez nossa amiguinha pareceu reparar mais em mim.
Mas fiquei na dúvida, pois estava cercado de amigos, podia ser qualquer um de
nós.
_ E aí, o senhor falou com ela?
_ Não.
_ Moscou.
_ Tem razão. Eu já estava na
segunda semana do terceiro mês quando a vi novamente. Estava passando pela rua,
quando a vi em frente a uma pequena loja. Ela pareceu me reconhecer, mas lá
estavam os jovens amigos. Eu nem falei com ela. Depois achei que estava sendo
indelicado de minha parte não falar com
uma pessoa a quem já havia sido apresentado e uns dias depois, quando cruzei
com ela na rua, falei bom dia.
_ E ela?
_ Retribuiu.
_ Isso é tudo?
_ Vocês de hoje em dia é que são
muito apressados. Uma semana depois, quando passeava com meu cachorro. Ela
veio, sorridente conversar comigo. “Ele é seu?” Ela me perguntou. E o afagou.
Pensei que naquela hora iríamos finalmente iniciar uma conversa, mas um amigo
chamou-me para jogar bola. Eu disse que não queria, mas ele insistiu, como se
estivesse me fazendo um grande favor. E lá fui eu arrastado por ele. Sabia
naquela hora que uma grande chance estava sendo desperdiçada.
_ Por que o senhor não socou o
seu amigo?
_ Era o que eu devia ter feito.
_ Poucos dias depois, a encontrei
de novo, mas não notei em seus olhos nada que denotasse interesse. E mais uma
vez tive vontades de socar meu amigo.
_ Era o que eu teria feito.
_ E no outro dia a mesma coisa.
Bem, estava tudo perdido. No quarto mês, na primeira ou segunda semana, nossa
família foi convidada para ir a uma festa . Fui muito animado. Certamente
encontraria nossa encantadora amiga. Ou talvez outras das belas jovens. Mas já
nessa hora, ela era quem mais me despertava o interesse. Quando cheguei na
festa, foi a maior decepção. Estava fazia, sem graça. Nem ela nem ningúem.
Quando resolveram ir embora, não fiz a menor objeção. Quando nos retirávamos,
até que chegou uma jovem um pouco interessante, mas não era tanto assim.
Sentamos um pouco na praça, para não desperdiçar a bela noite. E qual não foi
minha surpresa quando a vi passar com uma grupo de jovens que iam para mesma
festa que eu havia desprezado. Notei em seus olhos que ela havia me notado. Nem
tudo estava perdido. Uma das jovens do grupo gracejou comigo e ela ficou parada
olhando pra nós. Mamãe lhes ofereceu umas balas e ela veio buscar. Sabia que
era pretexto. Minhas irmãs se riram e falaram para mamãe que era para eu
entregar. Peguei as balas das mãos de mamãe e as entreguei a ela. Nossas mãos
se roçaram levemente. Fiquei emocionado.
_ Só com isso! Tenha dó,
professor.
_ Os tempos eram outros. Fiquei
torcendo para que eles não gostassem da festa, como nós e voltassem. Mas mamãe
resolveu ir embora e não tive coragem de me opor. Minhas irmãs perceberam que
havia um interesse entre nós. Meu segredo havia sido descoberto, mas estava
feliz. Era um misto de vergonha e orgulho.
_ Uns dias depois a vi só de
relance. Acho que ela não me viu. Mas no outro, nos encontramos e a cumprimentei.
Dessa vez, ela me cumprimentou docemente e eu fiquei muito feliz. E nos dias
dessa semana, nos vimos várias vezes. Nós não conversávamos um com o outro, mas
nos olhávamos muito. Todos os meus amigos já sabiam e caiam na minha pele. Eu
estava feliz. Ela estava interessada em mim. Não havia mais dúvidas. Mas na
outra semana ela me cumprimentou
friamente novamente.
_ Que garota estranha!
_ Realmente! Fiquei um pouco
decepcionado. Mamãe não estava contente com a cidade. Eu também já não estava.
Papai estava vendo outra casa, em outra cidade. Já não me importava de ir
embora. No último mês que estive naquela cidade, a vi de relance. Ela não me
viu. Algumas horas mais tarde ela me viu e caminhou para mais perto. Desviei o
olhar, por pura timidez de jovem rapaz e quando olhei novamente, vi que ela
tinha partido. Esperei por ela, em vão. Desisti. Quis partir. A mudança veio
mais rápido do que esperava. Fiquei contente por isso. Sabia que não restava
nada pra nós dois.
No dia da mudança ela passou pela
minha rua. Nos cumprimentamos e ela olhou para nossa mudança. Então me disse:
“Você vai embora?”. Assenti com a cabeça. Então ela se aproximou, segurou em
minhas mãos e me beijou nas faces, dizendo algo que não me lembro, mas que era
uma despedida. Eu ainda olhei para praça, onde ela estava, mas ela não fixou
mais olhos em mim. Eu parti em rumo de uma nova vida e nunca mais a vi.
_ Nunca mais?!
_ Nunca.
_ Que história mais “deprê”,
professor Heredias. Não posso escrever sobre isso!
_ A vida não é um conto de fadas.
O sinal bateu.
_ E eu nem comprei um lanche na
cantina.
_ E eu nem pude tomar um café na
sala dos professores.
_ Foi mal, “fessô”. Quer que eu
leve um cafezinho pro senhor, na sua sala? Que turma o senhor vai pegar?
_ Deixa pra lá. Foi pena que
minha história não tenha ajudado.
_ Não tem problema, professor.
Sua história é bonita. Só faltou um final feliz e um pouco mais de ação.
_ Vocês jovens! Tenho que ir pra
minha aula. Até a próxima e não se esqueça de fazer os exercícios. _ Pode
deixar, professor.
Interessante, conversar com o
professor Heredias. Ele é um ser humano e não uma máquina de fazer cálculos.
Ainda que seja bastante estranho esse negócio dele lembrar matematicamente de
todos os meses e semanas que passou naquele lugar. Será que ele lembra de tudo?
Que cabeça! Mas sua história não me serve. Quero algo com mais impacto.
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_Tenho um negócio pra te mostrar!
_ Disse-me o Theo, logo que cheguei na sala._É uma música. Quer ouvir?
_ Que música? _ Eu perguntei.
_ Ouve. Tem duas versões.
_ Mas tem que ser rápido. Tenho
que terminar o exercício de Inglês.
_ Espera! Coloca o fone.Ta
ouvindo?
_ Não estou ouvindo nada, Theo.
Ele mexeu umas paradinhas no MP3
dele e me devolveu o fone.
Logo agora que eu estou tão
ocupada. Cara! Que música é essa? Amizade que se transformou em amor. Qual é a
do Theo, hein? E aqui na sala, bem na frente de todo mundo. O Theo está mesmo
querendo acabar com a minha reputação.
_ Isso que a música está falando não é pra mim ,não!
Não é Theo?
_ Entenda como quiser!
_ Fala sério, Theo! Isso é pra
mim?
_ Entenda como quiser!
Será que é verade? É claro que eu
sei que ele tem uma quedinha por mim. Mas declaração?! Isto está ficando meio
sério.
_ Vaza, Theo! Toma o teu MP3. Eu
estou ocupada. Tem que fazer o meu exercício.
Ele riu e foi pro lugar dele! Bem
em cima do muro, este tal de Theo. Não fala nada, mas a música diz tudo.
“Entenda como quiser”. Isto é bem coisa do Theo. Será que ele está mesmo
apaixonado por mim? Apaixonado de verdade ou é apenas uma brincadeira? O Theo
brinca tanto. Será que ele está falando sério? Não vou negar que isto infla o
ego. Mas como vou administrar isto? Era só o que me faltava.
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Não consigo pensar em nada de
interessante, já passa das dez horas e tenho que apresentar essa redação no
primeiro tempo, amanhã. Conversei com tanta gente o bimestre inteiro. Procurei
em tantos livros e não achei nada. Eu quero dormir e acordar só na semana que
vem. Vou chegar amanhã sem nada. Vou levar um baita de um zerão e de quebra,
ainda vou levar uma bronca da professor. Ai, que sofrimento! Eu não mereço
isso. Que raiva do professor Reginaldo! Que vontade de chorar. Acho que vou
chorar.
_ Patrícia, vamos dormir. Você
sabe que tem que acordar cedo amanhã. Você tá chorando, filha? O que foi? Você
está passando mal? Tá sentindo alguma coisa? Conta pra mamãe.
_ Não, mãe. É a redação de
amanhã. Eu não consegui fazer.
_ Mania que você tem de deixar
tudo pra cima da hora.
_ Eu não deixei pra cima da hora,
mãe. Eu tentei fazer essa redação o bimestre inteiro.
_ Acredito.
_ Verdade, mãe. Perguntei pra
tanta gente, mas não consegui achar nada interessante. Ninguém sabe dizer
direito o que é o amor? Mãe, você sabe o que é o amor?
_ É o que eu sinto por você.
_ Esse tipo de amor não vale.
_ O seu professor disse isso?
_ Não, mas eu acho que não vale.
_ E você, sabe o que é o amor?
_ Já disse que não sei, mãe. Se
eu soubesse o que era, já tinha feito a redação.
_ Não vai recomeçar a chorar
agora. Tadinha da minha filha, tão novinha e já chorando por causa do amor.
_ Como é que você pode brincar
numa hora dessas, mãe? Não tá vendo que eu tô sofrendo?
_ Estou sim. E por causa de nada.
Talvez você esteja um pouco equivocada sobre o que é o amor. Amor não é só
beijo na boca. Amor é sentimento. Um sentimento só, que pode ser aparecer de
várias maneiras. Amor é o que eu sinto que eu sinto pelo seu pai e ele por mim.
É o que nós dois sentimos por você. É o que Deus sente por nós e que nós
sentimos por Ele. E foi Deus quem nos ensinou amar de várias maneiras.
O amor é um sentimento muito
amplo para ser colocado em palavras. É por isso que ninguém consegue explicar
direito este sentimento.
_ Como assim, Mãe?
_ O amor é uma coisa muito forte,
Paty. Uma coisa muito bonita. As pessoas é que vivem confundindo tudo. Fazem um
cavalo de batalha uma coisa que é tão simples.
_ Simples como mãe? Eu perguntei
sobre o amor para um montão de gente e cada um me disse uma coisa. E cada um
tinha uma história diferente.
_ Você já reparou nas árvores?
_ O que árvores tem ...
_ Você já reparou nas árvores?
_ Quem nunca reparou, mãe? E daí?
_ Elas são todas iguais?
_ Claro que não.
_ E as nuvens?
_ Também não.
_ E os animais? As flores? Os
lugares e as pessoas? Quantas pessoas você conhece iguais a você?
_ Você vive dizendo que eu pareço
muito com a tia Su.
_ Mas é igualzinha a ela? As duas
não têm nenhuma diferença?
_ Claro que temos. Ninguém é
exatamente igual a ninguém.
_ E como que você quer que o amor
seja igual pra todo mundo? Seria no mínimo incoerente. As pessoas não são
iguais, por isso também não amam igual. Alguns amam mais intensamente, outros
menos, mas todos, de alguma forma, amam.
Aposto que ninguém te deu uma
resposta exata sobre o amor, por que ninguém a tem. Mas todo mundo tinha uma
história pra contar.
_ E como tinham! Nunca ouvi
tantas histórias sobre um mesmo tema. Mas eram tão diferentes.
_ Isso porque o amor é algo muito
subjetivo.
_ Subjetivo?!
_ O contrário de objetivo. Não
tem as provas de múltipla escolha?
_ As que eu adoro!
_ Todo mundo gosta! Um professor
amigo meu disse que a educação começou a piorar depois que inventaram esta tal
de prova de múltipla escolha.
_ Ele não sabe o que é bom!
_ Ou talvez saiba. Sei, lá. Eu
não sou professora, não posso opinar com garantia sobre o assunto. Mas vamos ao
que interessa. As provas de múltipla escolha pedem para que os alunos assinalem
uma resposta apenas. Aquela é a certa, não tem para onde fugir. Isto é
objetivo. Agora, se o professor põe na prova questões que pode gerar várias
respostas diferentes, pois cada um tem o seu modo de expressar e o seu ponto de
vista, terá respostas subjetivas. Porque depende de cada um.
_ Saquei.
_ É por isso que você ouviu
várias histórias diferentes, porque cada um tem um modo de sentir e entender o
amor. Se você parar para pensar. Verá que tem muitos amigos que gostam de estar
perto de você assim como você gosta de estar perto deles. Vocês são pessoas que
se amam.
_ Que amor, mãe? Eu não amo os
meus amigos, eu apenas gosto deles.
_ A gente gosta de coisas, as
pessoas nós amamos. Mas isto também é subjetivo. Uma opinião minha. Algumas
pessoas, e grande parte delas, costumam dividir isto direitinho. Este é meu
amigo, este é apenas um colega, deste eu apenas gosto e este eu amo. Como se
amar fosse uma equação matemática.
_ Teve um dia que eu estava num
ponto de ônibus e uma menina disse pra outra que elas eram amigas. A outra
menina disse que elas não eram amigas, apenas colegas. A outra ficou tristinha
e disse: “Se você se sente assim!”. Achei a outra uma nojenta. Eu que não ia
mas querer ser colega dela.
_ Está vendo? Amiga, colega, são
apenas nomenclaturas. O amor é que está por trás de tudo. Apenas com maior ou
menor intensidade.
_ Ah, Mãe! Por que eu não
conversei com você antes? Eu não ia levar um zerão.
_
Mas por que você vai levar um zerão?
_ Eu não fiz a redação.
_ Mas já chegou amanhã?
_ Mas você disse que eu tinha que
dormir.
_ Digamos que isto seja uma
emergência. Está com muito sono?
_ Você acha que eu vou dormir com
um problemão destes?
_ Então, o que está esperando
para começar?
_ Você me ajuda?
_ Claro! Vou pegar o lápis, o
papel e a caneta pra você. O resto é contigo. Agora vou dormir, e não esqueça o
dicionário.
_ Ok, mãe. Você já ajudou
bastante.
_ Amanhã, me mostre, antes de
sair. Aposto que vai ser uma linda redação.
_ Vira esta boca pro céu, mãe!
Deus te ouça.
_ Boa-noite, meu amor. Eu te amo!
_ Também te amo, mãe!
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Meu professor leu a minha redação
na frente de todo mundo. Fiquei feliz por ele ter gostado, mas do que o dez que
eu tirei, fiquei feliz por ele ter lido apenas a minha redação. Eu sei que isso
é egoísmo, mas eu fiquei feliz mesmo. Acho que estou aprendendo a ser sincera
como a Cris. Ela ficou com muita raiva de mim. Acho que não gostou do que
escrevi sobre ela na redação. Dá próxima vez, vou ter o cuidado de não citar
nomes.
Também senti um pouco de vergonha
dos meus colegas. Acho que quando a gente escreve algo de nós mesmos, acaba
colocando muito de si no papel. Acho que as pessoas acabam descobrindo quem
realmente nós somos.
Quando chegar em casa, vou
mostrar a minha redação para a mamãe ler. Eu não tive coragem de mostrar pra
ela, eu disse que estava atrasada (e estava mesmo, dormi muito pouco naquela
noite), mas estava mesmo era com vergonha de que ela lesse o que eu escrevi.
Acho que a mamãe desconfiou, mas não falou nada. Acho que ela entendeu. A mamãe
sempre me entende. Ela é muito legal, se não fosse ela, eu não teria
escrito a minha redação.
Acho que depois desse sufoco todo, que vocês
passaram comigo, também merecem ler minha redação. Meu professor pareceu gostar
muito. Espero que vocês também gostem:
Devo admitir
que não foi fácil começar esta redação. Eu queria tanto achar uma coisa
diferente para explicar de modo objetivo uma coisa que não dá pra ser
explicada, apenas sentida.
Eu pensava que
o amor era algo que acontece apenas entre um homem e uma mulher, quando muito
um garoto e uma garota. E que quando isto acontecia, era lindo e maravilhoso,
os dois se beijavam na boca e eram felizes para sempre. Então eu comecei a
perguntar para um monte de gente sobre o amor e eu ouvi cada história.
Algumas eram
legais, outras tristes, até mesmo sem pé e sem cabeça. Cada um pensava de um
jeito. Eu fui ouvindo histórias daqui, fui vendo acontecer outras histórias
dali. E de repente, tinha na mão uma colcha de retalhos despencada, e não
possuía uma linha para costurá-la.
Foram tantos os conceitos sobre o amor, que eu
não consegui formar resposta alguma.
O amor para
alguém, pode ser um sentimento tão precioso, que não vale ser desperdiçado com
um simples mortal. Talvez seja por isso que a minha tia ame alguém que ela nem
conhece, alguém tão perfeito que não existe e está só esperando para ser
inventado. Vai que um belo dia um cara legal apareça e a minha tia decida que
este homem especial seja ele?
Tem gente que
já amou uma vez e este amor foi tão especial, que esta pessoa decidiu que deve
guardá-lo para sempre na redoma de vidro de sua memória, e não dá chance para
que outra pessoa ocupe o lugar deste amor perdido. Esta pessoa pode até viver
com outro alguém, mas não permite que este alguém ocupe o seu coração. Acho que
esta pessoa deveria dar uma nova chance para o amor. Quem sabe assim não
poderia ser feliz por inteiro?
A amiga da minha tia acha que amar é fácil, que basta sentir, relaxar e
ser feliz. Ela me disse que se apaixona
a cada semana. Acho que ela se parece um pouco com a Cris, a minha amiga. Que
vive gostando de um monte de garotos. E quando ela gosta, é realmente sincera.
Mas sempre que está falando em um, muda logo pra outro. Acha que todo mundo
gosta dela, mas também ela gosta de todo mundo. Ainda que eu tenha certeza de
que ela não faz isso por mal. Talvez os garotos gostem mesmo dela. Talvez eles
só retribuam os galanteios que ela não cansa de fazer a eles. As vezes chego a pensar que o verdadeiro amor
da Cris é ela mesma.
O professor Heredias enxerga o amor pelo ângulo da matemática. Ele
consegue lembrar exatamente dos meses e semanas que passou perto da pessoa
amada. Ele parece dar mais importância aos números do que a qualquer outra
coisa, mas só porque ele traduza o amor em números, não quer dizer que ele não
tenha realmente amado.
Já a professora Tânia, enxerga o amor pelo lado da biologia. Ela diz
que a amor não existe e que o resto é pura química, algo que faz um homem e uma
mulher se aproximarem só por um extinto de sobrevivência da espécie. Talvez ela
tenha um pouco de razão. O que seria de nós humanos, se não fosse a química,
citada por ela?
As vezes, o amor está tão perto de nós, que não
conseguimos enxergar. Tudo que a gente quer é que o cara mais bonito e popular
da escola olhe pra gente e isso nunca, ou pelo menos quase nunca acontece, no
entanto, às vezes o amor está ali bem pertinho, desde o jardim da infância, a
gente até desconfia, mas se recusa a aceitar.
O melhor é cuidar desse amor. Todo amor é uma planta, precisa ser
regado, mesmo aqueles carvalhos bem antigos. Eles podem apanhar muito, não
receber nem um bocadinho de água (ou talvez só um pouquinho) de nós. E mesmo
assim estão firmes lá. Mas vai que um dia este amor acaba? E se outro entrar na
nossa frente. Depois não vá querer chorar pelo leite derramado.
Mas qual
desses seria o verdadeiro amor?
O tempo foi se
esgotando e a minha colcha continuava despencada. Eu tinha visto o amor sob
várias formas, mas não conseguia enxergá-lo. Quando eu achava que já estava no
fundo do poço, e que tinha findado a minha procura, sem sucesso, alguém me fez
ver que as respostas estiveram o tempo
todo ao meu alcance, eu que não conseguia enxergar.
Então eu consegui ver a luz no fim
do túnel. O amor estava lá, sentido de várias formas, expressado de várias
maneiras. Ele esteve o tempo todo ali. Nas histórias que todas aquelas pessoas
me contaram. Nas histórias que vi por todo lugar. Consegui enxergar o amor que
sentia por meus pais, minha família, meus amigos, e por um monte de gente que
me cercava.
Eu descobri que cada um tinha uma
história para contar porque cada um sentia o amor de uma maneira. E que mesmo
quando duas pessoas se amam juntas ( porque as vezes uma pessoa ama e a outra
não), cada uma vai sentir de uma maneira diferente. Duas pessoas podem viver um
amor, de qualquer categoria que se pense: pais, filhos, amigos, namorados, não
importa. Este amor vai sempre ser sentido de cada lado, e cada um vai sentir e expressar de sua maneira. Mesmo
que este amor tenha apenas um lado, pois muita gente ama sem ser amado. Mas
isso também não importa, porque já que o amor é um de cada lado, o importante é
amar e ter a alegria de eleger um ser amado. Foi aí que eu descobri a
unilateralidade do amor.
Patrícia
Ferreira da Silva.
Fiquei com um pouco de vergonha do Téo, eu não citei
o nome dele, mas acho que ele percebeu que o carvalho de quem eu estava falando
era ele. É difícil pra gente ter de admitir que gostamos de um garoto sem
graça, que ninguém dá bola e que a gente conhece desde o jardim de infância.
Mas é verdade que eu gosto dele e sei que ele também gosta de mim. O difícil é
admitirmos isto. Mas dá próxima vez que tiver uma chance com o Téo, não vou
desperdiçar.
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Epílogo
Se vocês
pensaram que acabou, estavam muito enganados. Nenhuma boa história, termina sem
um bom epílogo. Todo ano se passou e foi uma maravilha. Eu nunca mais tirei um
dez em redação, mas também nunca mais tirei menos de oito e meio. O professor
disse que eu escrevo com o coração, só preciso rever minha ortografia. Bem que
a mamãe sempre diz que eu não posso esquecer o dicionário.
Hoje é um
dia muito feliz. È o dia da minha
formatura. A Paulinha não quis fazer, disse que não vai fazer fita pra pegar
diploma de gari, e quem se forma no Ensino Fundamental, não está se formando em
nada.
A Cris
disse pra ela que nós sabemos disso, mas que esta é uma tradição do nosso
colégio, desde os tempos que a escola só tinha o Ensino Fundamental. E muitos
de nossos amigos, que a gente passou por anos, vendo todos os dias, não vamos
ver nunca mais. Porque cada um vai seguir o seu caminho. Eu não acreditei na
Cris, quando ela disse isto pra Paulinha. Mas a mamãe disse que é a pura verdade.
Ela tinha amigos que nunca mais viu. Além do que, a Cris disse pra Paulinha que
não ia perder a oportunidade de arrasar na formatura, pois ela fica o máximo
quando veste branco. A Cris não muda
mesmo. Ficou de mal comigo uma semana, depois que o professor leu a minha
redação para turma. Senti muita falta, eu não queria que ela ficasse magoada
comigo.
Mas depois
ela foi se chegando e quando nos demos por conta, estávamos como unha e carne
novamente. È como uma frase que li num antigo cartãozinho que a tia Su ganhou
de uma amiga da escola: “A amizade é como
o sol, que se esconde, mas nunca desaparece.”
Eu e o Teo
vamos fazer seis meses de namoro, semana que vem. Nós começamos a namorar um
mês depois que o professor leu a minha redação. A Cris disse que o Teo é meio
lerdinho, mas é legal. Mas se os dois não davam o braço a torcer, era melhor
alguém dar uma forcinha. Ela e a Paulinha marcaram um trabalho com a gente, e
nos algemaram com a algema de brinquedo do irmão da Paulinha e disseram que não
iam nos soltar enquanto não nos entendêssemos.
Acho que a tática delas deu
certo. O pior é que elas perderam a chave e nós passamos a maior vergonha. Foi
o pai da Paulinha que teve que serrar a algema. Ainda bem que a algema era de
plástico. E o molequinho que não parava de chorar. A gente teve que comprar
outra para ele.
Estou muito feliz com o Téo. Ele não é nenhum daqueles caras populares
por quem a Cris se interessa, mas é um cara muito legal. Agora que a gente
namora, não fica mais me irritando. Pelo contrário, me busca pra escola, me
leva pra casa. A Cris disse que a gente ficou um grude só. Acho que ela está
com ciúmes.
Minha relação com a Cris também
mudou. Percebi que o que a Cris tem não é defeito. É excesso de confiança, a
Cris se ama demais! Parece que eu estou zoando, mas não é não. Ela se ama e é
feliz, confia no potencial dela e isto lhe faz muito bem. Sou muito mais
tolerante com ela e nossa amizade se fortaleceu.
Aprendi a dar mais valor aos meus
amigos. Aprendi a dar valor aos meus parentes. A propósito. Minha tia Su está
namorando e está com cara que vai se casar. Ela encontrou um cara que ela jura
que é o homem por quem ela esperou a vida inteira e parece que agora vai dar
certo.
Eu perguntei como ela sabia e ela
me disse algo parecido que quando um homem e uma mulher se entendem de verdade,
não precisa ninguém dizer nada, está escrito nos olhos deles. Eles se gostam e
ponto, não é preciso dizer
Também aprendi a dar valor pra
mim mesma. Resolvi ser um pouco como a Cris. Chega de ficar me fazendo de
coitadinha. Eu me sinto muito melhor agora.
Amar é bom! Seja de que tipo for.
O amor é lindo, de todos os lados. E o melhor lado do amor é sempre aquele em
que você está.
FIM
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