sexta-feira, 20 de julho de 2012

A Unilateralidade do Amor


A unilateralidade do amor



            Qual o segredo do amor? De onde vem? Para onde caminha? Tema difícil para se fazer uma redação. Por que será que meu professor escolheu para tema de nossa redação algo tão difícil de se explicar? O que sabemos nós, jovens em sua maioria de quatorze anos, sobre algo tão abstrato que nunca ninguém conseguiu, de maneira satisfatória, definir o que é?
            De modo que agora me encontro: eu, Patrícia Ferreira da Silva, solteira, quatorze anos, estudante da oitava série do Ensino Fundamental, com o caderno de redação na mão para escrever sobre algo que muitos filósofos não ousaram tentar explicar. O amor. O amor? O que é o amor? Será que o amor é o que eu senti pelo Renatinho no ano passado? Ou será o que eu senti pelo Marcelo no mês retrasado? Sem contar no William, no Thiago, no Rodrigo. Ah! Mas tudo isso é passado. Penso que amor é aquilo que sentirei por alguém que encontrarei mais tarde. Não tão tarde, eu espero. E que me fará andar sobre as nuvens. Que me dará um nó no estômago e fará com que minha cabeça dê muitas voltas.
            Será isso mesmo o amor ou estou falando de uma doença? Que coisa esquisita, como falarei sobre o amor? O tempo já está esgotando. Queria tanto terminar essa redação agora, para não ter que pensar nela durante o bimestre  inteiro. Mas o que escreverei.? Não posso escrever qualquer coisa. E se o professor me mandar ler a redação diante da turma inteira? Não vou querer pagar mico, senão, todo mundo vai me zoar.
            Essa redação é muito importante. É o trabalho final do bimestre e vale metade da nota. Por que o professor não deu um refresco? Por que não deu um tema mais fácil? Se eu fizer esta redação logo, poderei ficar o bimestre inteiro descansada e não ficarei sofrendo por conta. Mas nada me ocorre. Não tenho nenhuma idéia. O que faço, agora?
Posso pedir para a tia Suely me falar algo sobre o amor. Ela é solteira, é claro, mas já tem trinta  e cinco anos, na certa terá algo a me dizer. Ainda mais porque vive lendo romances. Tia Suely deve saber muito sobre o amor.


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            _ Mãe, posso ir na casa da vovó?
            _ É claro, minha filha, sua avó anda reclamando que você anda sumida. Mas jante primeiro.
            _ Não precisa, aproveito e janto lá.
            _ O que quer com sua avó?
            _ Quero bater um papinho com a tia Suely. Quero que ela me ajude em uma lição de casa.
            _ Tá bem. Mas não volte muito tarde.
            _ Se ficar tarde eu durmo lá. Pode deixar que eu te ligo. Tchau, mãe.
            _ Vai com Deus, filha.


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            _ Tia Su!
_ Olá, meu biscoitinho de mel. Como vai?
            _ Vou bem. Tia, me diz uma coisa. O que você sabe sobre o amor?
            _ Sobre o amor? Ai! Está apaixonada? Me conte tudo! Qual é o nome dele?
            _  Não, tia. Não é nada disso. É apenas um dever da escola. Tenho que fazer uma redação sobre o que é o amor e não sei como começar. Já que você vive lendo estes livros de amor, pensei que pudesse me ajudar.
            _ Por que você não fala com a sua mãe? Ele pelo menos se casou.
            _ Ah! Tia, sai dessa. A mamãe vai falar do papai, isso nem tem graça. Quero um treco mais profundo. Algo que fale do amor de verdade. Desses que você lê nesses livros.
            _ A sua mãe tem um amor de verdade, eu só tenho amores de mentira.
            _ O amor da mamãe? Ela só vive reclamando do papai. Que graça tem escrever sobre isso? Vai, tia. Fala desses amores que você lê nos livros.
            _ Não vou falar dos amores que leio nos livros, vou falar da minha história de amor.
            _ Tia, que barato! Você tem uma história de amor? Me conta vai. Onde ele mora? Por que vocês não se casaram? Vai, tia, conta tudo.
            _ Está bem, mas então é melhor se sentar.
            _ Me sentar? Eu vou é deitar de uma vez. Aposto que é uma história bem comprida. Tia, não faz suspense. Eu quero saber tim tim por tim tim. Pode deixar que eu não vou contar pro vô. Vai, tia, fala logo.
            _ Está bem, eu vou começar.
_ Gostaria de te contar algo pomposo. Que tivesse acontecido em algum lugar exótico, ou até mesmo em algum lugar comum. No entanto, a minha história de amor é bem simples. Talvez até te deixe um pouco decepcionada, porque a mim também decepciona alguma vezes.
            _ Qual é o nome dele?
            _ Não sei.
            _ Como, tia? Por que você não perguntou?
            _ Porque nunca o conheci.
            _ Ah! Tia. Fala sério! Como é que você vai ser apaixonada por um cara que você nunca conheceu?
            _ Eu também me pergunto o mesmo, algumas vezes. Mas é mais forte do que eu. Não que eu nunca tenha me apaixonado por outra pessoa. Mas quando tudo acaba é nele que eu penso.
            _ Tia, eu não estou entendendo nada. Mas me fale sobre esta história. Como esse amor foi parar em seu coração?
            _ Eu não sei quando veio, só sei que aconteceu. Eu esperava e esperava. Eu ainda espero. Só sei que nenhum homem conseguiu se encaixar nos moldes desse homem que imaginei para mim. Algumas pessoas dizem que temos em algum lugar uma alma gêmea, uma cara metade, um espaço vazio que só pode ser preenchido por uma pessoa, outras dizem que só se ama uma vez. Mas eu não acredito nessas coisa, no entanto, ainda não conheci ninguém a quem amasse de verdade a ponto de dizer que eu o encontrei.
            _ Então você acredita nessas coisas.
            _ Não, eu não acredito em destinos. Não acredito que alguém só possa amar uma vez. No entanto, quando me interesso por alguém, penso que posso estar o traindo ou que ele possa aparecer e me encontrar com outro alguém e então partir sem me dizer nada, tirando-me a única oportunidade de ser feliz.
            _ Tia, você parece doida. E se le não aparecer? Como é que você vai ficar. Já tem trinta e cinco anos. Mamãe vive dizendo que você está no caritó.
            _ Não tem importância o que os outros digam ou pensem. É bem mais forte do que tudo isso. Quando ele aparecer, tudo vai ser maravilhoso. Não importa que as pessoas digam que eu tenho complexo de Cinderela. Que sonho com um príncipe encantado montado em um cavalo branco. Eu sei que ele é real. Não espero um príncipe, espero um homem, mais sei que ele é especial.
            _ Tia, fosse eu partia pra outra. E se esse cara não aparecer? Eu pegava qualquer um.
            _ E será que valeria a pena? É melhor viver na esperança de um grande amor do que Ter que se contentar com qualquer um na desesperança de nunca está ao lado de um verdadeiro amor.
            _ Eu não sei se vale a pena toda esta solidão. Eu preferia ficar com qualquer um.
            _ Esta é uma decisão que só você pode tomar. Para quando é esse trabalho?
            _ Pro final do bimestre.
            _ Então você tem tempo. Gostaria que conversasse com sua tia Rita. Peça a ela que te conte sobre a sua história de amor.
            _ Ah, Tia! Eu só vou poder falar com ela amanhã. Eu queria fazer este trabalho logo hoje.
            _ Converse com a sua tia Rita. Você vai entender  o por que.
            _ Tá bem. Amanhã eu vou na casa dela.




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            _ Tia Rita, me conta sobre você e o tio Marquinhos. Como é que foi? Onde vocês se conheceram? Como foi que vocês se apaixonaram?
            _ Que pergunta é essa, menina? De onde você tirou isso?
            _ É para uma redação da escola.
            _ O que exatamente você quer saber?
            _ Fala-me como foi no dia em que vocês se conheceram.
            _ Ah, sei lá. Acho que foi numa festa de aniversário de uma prima.
            _ E como foi? Você achou ele lindo?
            _ Lindo? O Marquinhos?
            _ Ah, tia. Conta como foi.
            _ Bem... eu estava na festa, então ele pediu pra minha prima me apresentar para ele. Então ela nos apresentou e...
            _ Vocês se apaixonaram?!
            _ Claro que não!
            _ Como foi então? Me diga como vocês começaram a namorar, como foi que vocês casaram.
            _ Sabe que eu nem sei como é que foi. O Marquinhos começou a insistir e eu acabei namorando com ele. Depois a gente acabou se casando e aqui estamos.
            _ Só isso?!
            _ Só.
            _ E não teve nada mais? E a paixão? Como foi que a paixão aconteceu?
            _ Que paixão, garota?
            _ Mas vocês não se casaram?
            _ E que uma coisa tem a ver com a outra?
            _ Tia, que coisa horrível? Então você não se apaixonou? Tia, você nunca amou ninguém?
            _ É claro que amo o seu tio. O amor vem com o tempo. Mas se quer uma história melosa, vai conversar com a minha empregada. A Sara tem uma história daquelas.
            Paty encontrou sara na cozinha.
            _ Oi, Sara.
            _ Oi, Paty. O que manda?
            _ Estou fazendo um trabalho de escola e quero saber quantas vezes você já amou. Quero uma história daquelas.
            _ Querida, é bom você saber de uma coisa: na vida, a gente só ama uma vez.
            _ Como só ama uma vez? Então você já amou alguém ou ele ainda não apareceu?
            _ Bem, vou te contar a minha história.
            _ Conte-me tudo, Sara.
            _ Como eu já te disse, na vida a gente só ama uma vez e eu tive o azar disso acontecer aos quinze anos. Teria sido bom se ele tivesse me correspondido, no entanto, ele nunca quis nada comigo. Deixou-me apenas uma sensação de desalento e a certeza de que nunca mais iria amar alguém do mesmo jeito um dia.
            _ Que horror, Sara. Como vocês se conheceram?
            _ Foi na escola. Eu já devia ter esbarrado por ele alguma vezes, durante o recreio, mas nunca tinha lhe dado nenhuma atenção. Um dia, uma menina entrou para minha classe. Tinha cara de metida, não me causou simpatia. Pouco tempo depois, minha amiga me mostrou o rapaz no recreio, ela parecia um tanto interessada. Foi como se eu o visse pela primeira vez. Na verdade era, porque nunca havia reparado nele. Mais tarde fui descobrir que ele estivera ali o tempo todo. Eu apenas nunca havia o reparado.
            _ Foi nesse dia que você se apaixonou?
            _ Naquela hora fiquei procurando nele algo que me agradasse, mas não agradou. Eu não me apaixonei por ele naquele instante, foi aos poucos, mas antes não tivesse sido. Costumo dividir minha vida em antes e depois dele. Antes nunca havia gostado de alguém como gostei dele. Depois, nunca mais gostei de alguém como gostei dele.
            _ Ninguém?!
            _ Já te disse que a gente só ama uma vez na vida. Alguns dias mais tarde a irmã dele se aproximou de mim. Ela me convidou para irmos juntas para casa. Encantei-me com a aproximação. Era prova de que ela não era aquilo que pensava que fosse. Quando estávamos indo, ela chamou o irmão para lhe dizer algo. Ele se aproximou com cara de quem é o maioral, julgando que ela ia me apresentá-lo, ou pelo menos era isso que eu julgava que ele pensava.
            _ E ela apresentou?
            _ Para meu alívio, não.
            _ E depois?
            _ Depois nos tornamos grandes amigas e a cada dia eu ia mais me interessando por ele. Um dia percebi que estava gostando dele.
            _ E como foi?
            _ Quando o conheci, gostava de um garoto. Nada comparado a quanto gostei dele, mas eu gostava do menino. Eles eram da mesma classe. Um dia estavam em locais diferentes e eu preferi ficar no local em que estava o irmão da minha amiga, então percebi que eu gostava dele e não do outro.
            _ Só isso?
            _ Na verdade não aconteceu muita coisa diferente disso. Ele nunca se apaixonou por mim. Mas gostar dele foi algo que revolucionou a minha vida. Eu vivia pensando nele. Quando via alguém na rua, pensava que era ele.
            _ Tipo aquelas coisas que acontecem só na televisão?
            _ Isso acontece na realidade, pode crer.
            _ E o que mais?
            _Mais nada. Foi só isso!
            _ Só isso?A tia me disse que era uma história daquelas.
            _ Ela só devia estar querendo se livrar de você.
            Essa minha tia. Acho que a sara tem razão. Vou acabar detestando este trabalho.


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            Essas histórias estão me deixando louca. Cada um conta de um jeito. E se eu lesse algo? Talvez pudesse copiar alguma coisa de algum livro. Há tantas coisas que falam de amor. É isso aí. Vou para a biblioteca lá da escola. Talvez  dona Luzia me dê alguma idéia.
            _ Oi, Paty.
            _ Oi, Cris.
            _ Sabe quem eu vi hoje?
            _ Quem?
            _ O A-le-xan-dre.
            _ A bola da vez.
            _ Vê se me erra, Paty. Ele falou comigo.
            _ Falou? O que ele disse?
            _ Não disse nada, só me cumprimentou. Eu disse oi pra ele disse oi também.
            _ Então foi você quem falou com ele, não ele que falou com você.
            _ Que diferença faz, Paty?
            _ Muita. Quando ele fala com você, é você quem cumprimenta ou é ele que diz oi primeiro.
            _ Sou eu quem diz oi primeiro, mas que diferença faz? Ele fica olhando pra minha cara. Eu tenho que dizer alguma coisa.
            _ Como olha pra tua cara?
            _ Olhando, oras. Hoje, por exemplo, eu estava passando pela calçada e ele estava conversando com um garoto, aí ele olhou pra minha cara e eu disse oi. Porque as vezes eu falo com ele e outras vezes não. Ontem, por exemplo, eu passei por ele e ele ficou olhando pra minha cara e eu olhando pra dele, fica chato, se a gente não falar nada. Já que ele não toma a iniciativa, alguém tem que tomar.
            _ Cris, quem apresentou vocês?
            _ Ninguém.
            _ E você fica falando com ele? Te manca, Cris. Esse cara tá no segundo ano, nem olha pra tua cara direito. Deve te achar uma bobona.
            _ Você é que é uma bobona, Paty. Acho melhor você segurar o Teo. Ele é o único que te dá bola.
            _ Deixa de ser ridícula, garota. O Teo é meu amigo desde o jardim de infância, além do mais, está assim de carinha doido pra ficar comigo.
            _ Não viaja, Paty.
            _ Não viaja você. Acha que todo mundo está caído a seus pés.
            _ É duro ser gatinha.
            _ Você me cansa, Cris. Como pode saber que um garoto está interessado em você só de olhar?
_ Os olhos são espelhos da alma.
_ Onde leu isso?
_ Em algum lugar. Como sabia?
_ E precisa de lupa? Eu acho que você imagina coisas demais.
_ Não imagino não. Um homem e uma mulher sabem quando um interessa ao outro.
_ Homem e mulher?!
_ Tá bom, menino e menina, garoto e garota, tanto faz. Isso é um segredo só deles.
_ Você está cheia de coisinhas hoje. Que história é essa de segredo? Desde quando você guarda segredos?
Não consigo entender a Cris e detesto quando ela começa a bancar a adulta pra cima de mim. Dá uma raiva. Me lembra minha prima Renata. Éramos tão amigas, sempre que íamos na casa da vó Dirce aprontávamos todas. Eu, ela, a Laurinha, nossa outra prima. Papai tem tantos irmãos, a casa ficava cheia.
A Renata tinha um ano mais que eu, quando ficou mocinha, arranjou um namorado na escola e ficou se sentindo o ser mais maduro da terra. Então ela deixou eu e a Laurinha e passou a dar atenção pra Lúcia, uma de nossas primas mais velhas.
A Laurinha ficou tiririca. Também fiquei com muita raiva e disse pra Laurinha que não tinha problema que a gente estava muito bem sem ela. A Laurinha pareceu aceitar e nunca mais tocamos no assunto. Resolvemos dar um gelo na Renata e menos de um ano depois, começamos a crescer também, a gente não tinha idéia de como se cresce tão rápido. Mas nenhuma de nós duas voltou a ser tão amiga da Renata.
No último aniversário da vó Dirce, meu pai e os tios deram uma churrascada. Conversei com as duas, é claro que ainda sou mais ligada na Laurinha, mas também acho que nossos caminhos começaram a se afastarem. Não houve uma ruptura, apenas se desgastou.
Nesse dia, a Laurinha me fez uma confissão. Ela me disse que não falava nada porque sabia que eu ia brigar com ela, mas que ela tinha ficado muito triste porque a Renata tinha abandonado a gente.
“Enquanto você ficou jogando vídeo game com os garotos, lá na sala, eu fiquei na cozinha ajudando as tias e as primas com a comida.”   Disse ela. “ A Renata estava lá, e nós ficamos conversando. Eu fiz de tudo para impressioná-la e fingir que era muito adulta. Depois ela me disse que eu estava muito mudada e bastante madura. Fiquei um pouco feliz, mas no fundo sei que sou uma farsante. Não me sinto tão adulta assim, as vezes até brinco com as mais novas”. “Também brinco com elas, Laurinha.” Eu disse. “ Não é porque a gente cresceu que vai dar às costas pros menores. Você não precisa da aprovação da Renata pra nada” . “É estranho, Paty, mas acho que a gente não tem nada a ver, achei a Renata tão bobona, eu é que não quero mais papo com ela. Vamos jogar com os meninos?”
Passamos a tarde inteira misturadas com os moleques. Brinquei até de terra com os pequenos. Quem perdeu foi a Renata.
_ Terra chamando Patrícia. Ouviu o que eu falei?
_ Desculpa, Cris. Pode repetir?
_ Deixa pra lá, não vou perder a oportunidade de ver o Alê. Depois a gente se fala.   Fui.
            _ Ei, onde você está indo? Vou na biblioteca. Vou ver se a Luzia me arranja um livro sobre amor. Pode me ajudar na redação. Quer ir comigo?
            _ Sem essa, Vou é pra cantina. Quem sabe eu não esbarro com o Alexandre, ou o Felipe, ou ...
            _ Com a torcida do Flamengo.
            _ Perdeu uma bela oportunidade de ficar calada, Paty. Até mais.
            _ Beijos, Linda. 
           






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            _ Oi , Luzia.
            _ Pra você é dona.
            _ Ai, dona Luzia, só estava querendo agradar. Quando eu chamo os outros de senhor e dona na rua, faltam pouco me bater.         
            _ Eu também não gosto, que me chamem de dona na rua. Só tenho trinta e dois anos.
            _ Então?!
            _ Aqui é diferente. Impõe respeito.
            _ Tá legal! Não entendi nada, mas tá legal. A senhora pode me arranjar um livro que fale de amor?
            _ Tantos livros falam sobre amor. Que tipo você quer?
            _ Ah, sei lá. É para uma redação que o meu professor pediu. Já perguntei para algumas pessoas , mas não chego a nenhuma conclusão.
            _  Posso procurar em algum livro.
            _ E a senhora, não tem nenhuma história de amor para contar?
            _ Prefiro as dos livros.
            _ Não é casada? Nunca esteve apaixonada?
            _ Não. Eu não sou casada. E sim. Eu já estive apaixonada.
            _ Ah! Então me conte como foi. Aposto que é uma história daquelas!
            _ Garanto que não tem nada de interessante.
            _ Conta!
            _ Está bem. Mas depois não reclame. Eu já avisei que a história não foi interessante.
            _ Onde o conheceu?
            _ Foi na escola. Não me interessei muito por ele. Quer dizer, me interessei sim, mas não queria admitir. Achava que ele era meio feio.
            _ E?
            _ Minha melhor amiga disse que ele era perfeito para mim e eu fiquei irritada. Achava que merecia algo bem melhor. E cheguei até encontrar alguém mais bonito que ele. Um rapaz que conheci numa festa. Mas o namoro não durou nada.
            _ Então se apaixonou por ele.
            _ Não. Foi aos poucos. Percebi que ele era um cara legal e ele me fazia tantos elogios.
            _ Levou a senhora na conversa?
            _ Mas ou menos por aí. Ele me olhava muito. Dizia que eu era linda. Eu acreditava.
            _ Todas as mulheres acreditam, dona Luzia. E o que aconteceu? Vocês namoraram?
            _ Não. Um dia estávamos voltando juntos da escola. Nós estávamos meio sem jeito. Tínhamos nos desentendido no dia anterior, mas parecia que o desentendimento estava passando. De repente me pareceu que ele ia se declarar e ele me disse que estava namorando uma garota do tipo popular, de nossa escola. Levei um choque. O engraçado foi que eu pensei que nessa hora ele dizer que gostava de mim. 
            _ Que coisa horrível! Não acho nada disso engraçado. Decididamente sua história não vai servir. Pode me dar um romance, por favor?
            _ Eu disse que não ia gostar. Vou buscar seu livro.
            Grande história, essa da doma Luzia. Como vou escrever sobre uma coisa dessas? Que coisa horrível. Coitadinha. Vai ver é por isso que ela é tão mal humorada.
            _ Aqui está o livro. Espero que sirva.
            _ Obrigada, dona Luzia. Até mais.
            _ Não esqueça de assinar o empréstimo. E não vá perder o livro.
            _ Está bem, dona Luzia.
            Lá vem o mau humor de novo. Agora eu já sei a razão. Ninguém merece o que esse cara fez com ela.
            _ Tchau, dona Luzia.
            _ Tchau.
           
           






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            _ O que você está fazendo?
            _ Oi , Deyse. Está há muito tempo aí? A tia está lá na área de serviço.
            _ Eu sei. Ela está terminando de estender umas roupas. Disse que você estava aqui. Resolvi te dar um alô. Atrapalho?
            _ Não, Deyse. Que é isso! É uma redação muito encrencada. É para falar sobre o amor.
            _ Ah, o amor!
            _ O que você sabe sobre o amor, Deyse. Vai dizer que gosta de um homem que não conhece igual a tonta da minha tia?
            _ Não fala isso da minha amiga.
            _ Fala sério, Deyse. Você tá que nem ela.
            _ Não, mas eu a entendo. É por isso que somos amigas. A gente gosta das pessoas apesar de e não por causa de. Eu não concordo por ela pensar assim. Nunca concordei. Acho que ela jogou fora os melhores dias de sua vida e continua jogando. Mas se eu não posso mudar o seu jeito de pensar, então tenho que respeitar.
           
_ Acho que você tem um pouco de razão, mas estou preocupada com essa história da minha tia. Mas me conta o que você sabe sobre o amor. Espere aí que eu vou pegar uma caneta.
            _ Que caneta, garota? Tá com a doença da vaca louca? Eu não sei nada sobre o amor.
            _ Nada?! Como não sabe nada?
            _ Eu não sei nada porque do amor nada se sabe, apenas se sente.
            _ E o que você sente sobre o amor?
            _ Amor ... Como colocar em palavras? O amor é como tomar banho de piscina à noite. É como chupar gelo. Se pendurar numa árvore de cabeça para baixo. Andar de montanha russa. Pular ondas. Derreter um sorvete debaixo da língua.
            _ Isso não tem nada a ver com o amor.
            _ Como não?
            _ Isso são apenas coisas gostosas e divertidas de se fazer. Amor tem que ter homem e mulher, e muito sofrimento.
            _ Quem te falou isso? O amor não tem nada a ver com o sofrimento.
            _ Só se for para você. Tenho ouvido e lido algumas coisas muito tristes sobre o amor.
            _ Acho que você só tem ouvido as pessoas erradas. O amor é lindo e muito bom. Não pode estar ligado a dor.
            _ Então me conte algo agradável sobre o amor. Conte-me uma história feliz.
            _ Parece-me que você foi contaminada pelos poetas românticos. O que andou lendo? E o que andou escutando? Já amou alguém?
            _ Minha mãe diz que não.
            _ Como a sua mãe?
            _ Ela diz que quando a gente tem dúvida se já amou alguém é porque nunca amou de verdade.
            _ Talvez ela tenha razão ou não. Eu não tenho todos as respostas. Tudo o que eu sei é que amar é muito bom e em nada se assemelha com a dor.
            _ Você tem alguma história de amor? Já esteve apaixonada?
            _  Acho que sim. Ou será que não? Sei lá. A cada semana estou apaixonada, mas na outra percebo que não era nada.
            _ Você está pior do que eu.
            _ É. Talvez você tenha razão. Que coisa! Ser comparada com uma adolescente. Acho melhor ir conversar com sua tia. Acho que não consegui ajudar muito.
            _ Que nada, Dedé. Você tem uma teoria muito ligth sobre o amor. Me ajudou bastante.
            _ Estou feliz por ter ajudado. Beijinhos, Fofy.

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            _ Oi, Super Gatinha!
            Não credito que o Teo esta´ falando isto pra mim. Geralmente ele só gosta de me detonar. Mas é muito bom ouvir um elogio de  vez em quando.
_ Ai, Teo. Fala de novo.
            _ Linda!
            _ Obrigada.
            _ Todo animal precisa de carinho!
            _ Teo, você é no-jen-to.
            Estava demorando. Eu devia ter desconfiado. Quando a esmola é muita o santo desconfia.
            _ Vamos no cinema?
            _ Só morta!
            Sair com o Teo! Eu é que não vou pagar este mico. Se as meninas sabem, não vão me deixar em paz.
            _ Por quê?
            _ Teo, você é ridículo. Só isso. Além do mais, é horrível sair com amigo homem.
            _ Por quê? _ Ele perguntou indignado.
            _ Não lembra daquele dia que nós fomos ao shopping?
            _ Lembro. Foi legal.
            _ Só se foi pra você. Nenhum gatinho me paquerou porque devem ter pensado que eu era sua namorada.
            _ Arg!
            _ Como se você fosse alguma coisa.
            _ Eu não sou alguma coisa. Eu sou alguém.
            _ Engraçadinho. Pois, pra mim, você não é ninguém. Sem contar naquela blusa horrorosa que você disse que estava boa em mim. Gastei meu dinheiro atoa. Depois ainda teve a cara de pau de dizer, na frente das meninas, que na hora tinha achado que ela estava meio larga. Que raiva!
_ Você não sabe escolher suas roupas?
            _ Eu só pedi sua opinião. Se fosse uma menina teria dito que não estava legal.
            _ Que nada! Vocês meninas, são todas umas falsas.
            _ Teo, pela camada de ozônio que ainda resta sobre a Terra, vê se me erra!

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            _ Como foi que você conheceu o Alexandre, Cris?
            _ Foi aqui na escola.
            _ Eu sei, mas como vocês começaram a se falar.
            _ A gente ainda não se fala, é só oi.
            _ Mas como começou o oi?
            _ Sei lá. Acho que já tinha visto ele algumas vezes por aí, mas não tinha prestado atenção. Eu dia eu fui  ao shopping com a Tidinha para ela trocar uma calça, passei por ele e dei aquela sacada. Foi o dia que reparei nele pra valer. Ele é tudo.
            _ Nisso você está coberta de razão.
            _ A gente estava esperando o elevador e ele estava sentado numa sorveteria. Eu fiquei olhando pra cara dele e ele pra minha. Eu não podia acreditar que aquele gato estava me dando ponto. Aí, a Tidinha disse que ele estava me olhando. Confirmou, não é?
            _ É, confirmou. E aí?
            _ Aí a Tidinha disse que ele era daqui da escola, que era do Ensino Médio. Ela disse que o via sempre na cantina do Bloco A.
            _ E você?
            _ Nunca mais lanchei no Bloco B.
            _ Mas a cantina do Bloco A é nossa, você que nunca quis comer lá porque diz que no Bloco B a cantina é melhor.
            _ E é mesmo, tem muito mais gatinhos, no A só tem pirralhos.
            _ E o que o Felipe vai fazer lá, se é do Ensino Médio.
            _ A mãe dele é dona da cantina. Ele dá uma mão pra ela. As vezes ele me atende. É o máximo.
            _ Você não tem jeito, Cris. Acha que ele está a fim de você?
            _ As vezes acho que sim, outras que só está atendendo uma cliente com educação. Você acredita que ele me chama de fofinha?
            _ Não é legal?
            _ Acorda, Paty. É como ele e a mãe dele chamam todas as pirralhas da quinta série.
            _ Então está mal.
            _ Mas as vezes ele ri pra mim, ou fica me olhando quando estou na fila. Eu tento disfarçar. Tem dias que eu vou à cantina e nem olho pra ele, outros cumprimento, depende. Não dá pra saber ao certo. Sei lá. Por que está me perguntando essas coisas.
            _ Pensei que talvez fosse legal escrever a história de vocês.
            _ E que história nós temos, Paty?
            _ Nenhuma. È muito inconsistente para uma história de amor.
            _ Mas pode vir a se tornar uma. O que você acha? Que devo ficar na minha, fingindo que ele não é nada ou será melhor investir na amizade?
            _ Voto pela amizade. Se você não conseguir nada, pelo menos fica com um amigo.
            _ Acho que você tem razão. Mas não é bem amizade que eu quero dele.
            _ Eu sei, mas acho mais fácil começar pela amizade.
            _ Pra depois ficar que nem você e o Teo.
            _ Sem essa de Teo, Chis.
            _ Vamos lá pra casa, hoje? Quero te mostrar a roupa que irei ao  aniversário da Rayssa. Os pais do Felipe são amigos do meu tio, aposto que ele vai estar lá também. Com aquela lombriga da namorada dele, é claro.
            _ Ainda não esqueceu desse cara.
            _ Esqueci, mas de vez enquanto lembro. Vamos ver meu vestido?
            _  Não vai dar, mas aposto que é lindo.
            _ E é mesmo. Tem certeza de que não quer ir à festa?
            _ Não vou numa festa que não fui convidada.
            _ Eu estou te convidando.
            _ Você é prima da Rayssa, não a mãe dela. Se fosse pelo menos irmã. Mesmo assim, acho que não iria.
            _ Vou dar um soco na Rayssa, ela devia ter convidado a minha melhor amiga.
            _ Sem essa, Cris. A Rayssa mal me conhece.
            _ Você que sabe, então, tchau.
            _ Tchau. Divirta-se, ouviu?
            _ Farei isto por nós duas.





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            Na hora do recreio, como sempre, saí com a Cris. É certo que temos as nossas diferenças, mas somos inseparáveis.
            _ Vamos comer alguma coisa na cantina?_ Ela me perguntou.
            _ Estou tão nervosa, com essa redação, que não consigo nem comer.
            _ Deixa de ser boba. Ainda temos um bimestre interinho. Vai rolar muita coisa. Vê se desencana. Estou morta de fome. Vamos logo, que aquela fila vai ficar impraticável. Depois, nem vou conseguir ver o Alexandre direito. Te contei da festa de ontem?
            _ Da tua prima ?
            _ De quem mais podia ser? Você nem vai acreditar quem estava lá.
            _ Quem? O Alexandre?
            _ Não, o Felipe.
            _ Qual o espanto? Você não me disse que os pais dele eram amigos dos seus tios.
            _ É. Mas pensei que talvez ele não fosse. É tão cheio de coisinhas.
            _ Como, cheio de coisinhas?
            _ Sei, lá. Num dia tá legal, diz que você é linda. No outro nem vê que você existe. Aposto que o Felipe é um garoto do tipo carro velho.
            _ Como assim, carro velho?
            _ Do tipo que demora a ligar.
            _ Já te ligou alguma vez?
            _ Não tem o meu telefone.
            _ Por que não deu o número?
            _ Qual é, fofinha? Está me achando com cara de oferecida?
            _ Tô!
            _ Você me deprime, sabia? Não sei por que ainda sou sua amiga?
            _ Porque você me ama e sabe que não há melhor amiga do que eu.  Agora me fale sobre a festa. Ele falou com você?
            _ Não. Mas também não falei com ele.
            _ Tava bonito?
            _ Assim, assim. Nada de mais. Uma roupinha social básica.
            _ Estava feio?!
            _ Claro que não! Estava normal. Mas eu, minha filha, estava linda!
            _ Elogio em boca própria é defeito, Cris.
            _ Deixa de ser boba, Paty. A verdade é pra ser dita. Eu coloquei uma roupa tão linda! A minha mãe me levou no cabeleireiro. Ele fez um penteado super fashion. E a maquiagem, então? Eu fiquei demais!
            A Cris é assim mesmo. Não poupa elogios a si mesma. Pelo menos é sincera. Acho que ela sempre diz o que pensa. E sempre pensa que todos os garotos são apaixonados por ela.
            _ Cara! Quando ele me viu, ficou babando.
            _ Tava sozinho?
            _ Não. Estava com aquela chata, pendurada no braço dele.
            _ A chata que você quer dizer é a namorada dele?
            _ Vê se me erra, Paty. Você sabe que ele está namorando ela, porque ela deu em cima dele.
            _ Mas na verdade ele gosta mesmo é de você, não é Cris?
            _ Pode ser que agora não. Porque eles já estão juntos há um tempinho. Mas quando eles começaram foi porque ele ficou com raiva de mim.
            _ Igualzinho aconteceu com o Bidu, né Cris?
            _ Com o Bidu foi diferente. Eu fiquei com o Bidu e depois esnobei. Aí ele começou a namorar a Mayra. Mas ele fez isso só pra me provocar.
            _ Sei.
            _ Não amola, Paty. A Tidinha mesmo me disse que o Bidu namorava a Mayra, mas gostava de mim. Que ele olhava pra mim de um jeito diferente, de um jeito que ele não olhava pra Mayra. Foi a Tidinha mesmo que me perguntou se eu e o Felipe estávamos namorando. Porque ele, na hora do recreio não tirava os olhos de mim.
            _ A Tidinha é muito sua amiga.
            _ É mesmo.
            _ Tanto que tá namorando o Renato.
            _ A gente já tinha terminado há um tempão.
            _ Mas você ficou mordida de ciúmes.
            _ Só no começo, mas depois me acostumei. A Tidinha é super minha amiga.
            _ E que amiga!
            _ Chega desse assunto, Patrícia. O Renato já é passado. Nós estamos falando do Felipe.
            _ E da Carol.
            _ Deixa aquela sapa da namorada dele de fora. Eu não sei por que ele ainda esta com ela. Eu estava achando que ele estava na minha e ele veio com aquela notícia bomba de que estava namorando ela. Traidor!
            _ Esquece esse cara.
            _ Você não acha que eu sou mais bonita que ela?
            _ Sei lá, Cris.
            _ Você é minha amiga. Devia dizer que sim. Mas eu também, as vezes, tenho dúvidas quanto a isso. Eu acho que eu sou. Muita gente diz pra mim que eu sou bonita, mas eu não vejo ninguém dizendo isso pra ela.
            _ É porque você é mais exibida.
            _ É ... talvez. Mas mesmo assim, eu acho que sou mais bonita, mas sei que ela tem algumas coisas melhores do que eu. Talvez sejam essas partes que ele valorize mais em uma garota e é por isso que ele resolveu ficar com ela e não comigo.
           
É por isso que eu gosto da Cris. Ela é totalmente sincera. Sempre diz o que pensa. Mesmo que aos olhos dos outros se pareça pedante ou coitadinha. Agora me parece coitadinha.
           
_ Por que é um bobo. Devia dar valor as suas partes melhores. Ia se dar muito melhor.
            _ Você acha mesmo, amiga?! Você nunca me elogia, Paty.
            _ Quase nunca elogio. Também, você faz isso o tempo todo por mim.  Olha lá quem está saindo da cantina, com o Marco!
            _ O Felipe! Acho que vou morrer.

            Quando chegamos perto, o Felipe riu pra ela e me ignorou. As vezes chego a pensar que a Cris faz mesmo sucesso com os meninos. Eles vivem a rodeando. Ou será ela quem os rodeia? O fato é que eles vivem a elogiando, mas sempre escolhem outras garotas para namorar.

            _ Oi, Cris.
           
Gente! Ele parece vidrado nela. Como a Cris consegue esta façanha com os garotos?
           
_ Oi, Felipe.
            _ Eu não tive oportunidade de te falar ontem. Você estava arrebentando. Não tava, Marco?
            _ Tava mesmo. _ Disse o Marco com os olhos grudados na Cris.
            _ Que nada. São os olhos de vocês.
            _ Nossos olhos nada. Você estava demais. Não é, Marco?
            _ Maior gata.
            _ Que nada. Tchau, meninos. Eu e a Paty vamos comprar um lanchinho. Até logo.
           
A rainha da sinceridade fazendo fita com os meninos. Parece que os homens têm o poder de despertar o que há de pior nas mulheres. Talvez a Cris tenha razão. Os meninos sempre a elogiam. Vai ver é por isso que ela é tão convencida. Talvez o Felipe goste mesmo dela. Ou talvez  seja apenas coisa de menino que quer se dar bem com todas. O certo é que eu realmente não consigo entender essa gente.
           


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            Nada do que eu ouvi me agradou. É tudo tão complicado. Precisava de alguém.... É claro! Por que não pendei nisso antes? Tenho que falar com um homem. Isso mesmo! Com o papai? Ou seria melhor o vovô. Não! Chega de parentes. Já sei! Vou falar com o seu Josias, o vigia da escola. Ele já passou dos quarenta e deve estar cheio de coisas para contar, ao mesmo tempo, não está tão caidinho quanto o vovô.
            Isso mesmo! Seu Josias deve ter uma história daquelas.

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             _Seu Josias, me conte sobre sua história de amor.
            _ Minha história de amor? E isso é lá assunto para uma menina?
            _ Também acho, né, seu Josias? Mas vai falar isso pro professor Afrânio, foi ele quem nos passou esta redação ridícula.
            _ Sobre a minha história de amor?!
            _ Não, seu Josias. Relaxa! É sobre qualquer história de amor. É uma redação pura e simplesmente sobre o amor.
            _ Como se o amor fosse simples.
            _ Na verdade me está parecendo um tanto complicado.
            _ E é.
            _ Pensei que fosse um pouco mais simples.
            _ Eu também pensava até conhecê-la.
            _ Quem? Eu?!
            _ Claro que não, pirralha. Cresça e apareça.
            _ Ih! Seu Josias, não precisa humilhar e além do mais, quem gosta de antigüidade é museu.
            _ Agora quem está humilhando é você.
            _ Tá, seu Josias. Cada macaco no seu galho. Agora me fala da poderosa.
            _ Que poderosa?
            _ A mulher que pisou no seu coração e fez dele picadinho.
            _ Fez mesmo, a ingrata.
            _ O que aconteceu?
            _ Eu a conhecia há alguns anos. No início não gostava muito dela. Ela tinha o nariz muito empinado. Depois fui acostumando com ela. Passei a gostar dela um pouquinho. U dia a gente estava no forró...
            _ Vocês foram juntos para um forró?!
            _ Não exatamente. Foi a turma toda. Na época eu tinha levado um chute de uma namorada e estava na pior. Ela tinha namorado e estava sentada perto de mim. Como ele não chegava ela segurou na minha mão sorriu e me disse que eu estava muito bonito naquela noite e se o namorado não chegasse, ela ia ficar perto de mim.
            _ Que mulher, seu Josias. Não viu logo que ela não prestava?
            _ É, devia ter visto.
            _ E vocês ficaram juntos aquele dia?
            _ Não, o namorado chegou.
            _ Coisa mais sem graça, seu Josias. E o senhor ficou de bode até hoje por causa disso?
            _ Claro que não! Eu nem dei idéia, mas acho que passei a ficar interessado nela, depois disso, mas não tanto assim, na verdade era apenas uma ligeira impressão.
            _ Ligeira impressão de quê?
            _ Mas você é ruim de entender mesmo, hein, menina? Um ligeiro estar interessado em alguém, nada que tire o sono nem faça disparar o coração. Entendeu?
            _ É, agora deu pra sacar. E o resto?
            _ Aí, depois de algum tempo os nossos caminhos acabaram se descruzando e eu fiquei sem vê-la por bastante tempo. Quando voltei a vê-la, ela estava um pouco mais acabadinha, mas parecia bem mais interessada em mim do que antes.
            _ Então vocês finalmente ficaram juntos?!
            _ Não. Aí eu é quem não quis dar mole. Eu é quem estava por cima. Nem, dava idéia pra ela.
            _ Apoiado, seu Josias. Ela ficou correndo atrás do senhor?
            _ Jogava apenas umas indiretas. Um dia fomos para uma festa de um amigo e ela pediu pra que eu lhe levasse em casa.
            _ O senhor levou?
            _ Não, estava sem carro. Também não estava muito a fim. Ela acabou indo com outra pessoa.
            _ Com outro cara?
            _ Não. Uma amiga. Depois disso ficou de ovo virado pro meu lado. Só depois de um certo tempo é que voltou a falar comigo. Ela sempre fazia isso.
            _ Quer dizer que vocês nunca ficaram juntos?
            _ Eu a beijei uma vez.
            _ Que máximo! E como foi?
            _ Não te interessa minha vida pessoal.
            _ Tenha dó, seu Josias. Agora vai ter que contar. Eu estou morta de curiosidade.
            _ Foi num dia que eu não tinha nada pra fazer e nem ela. Estávamos numa festa e ela veio e me beijou.
            _ Atiradinha a moça, hein? E aí?
            _ Aí foi que eu gostei.
            _ E o que mais?
            _ Ela olhou bem dentro dos meus olhos e disse: “Josias, eu te vou conquistar!”
            _ E o senhor, o que fez?
            _ Ri na cara dela.
            _ Isso mesmo, que ousada. E então?
            _  Uma semana depois, estava apaixonado por ela.
            _   Então por que não estão juntos?
            _ Agora ela está dando uma difícil pro meu lado.
            _ E por quê o senhor não fica com ela?
            _ Não quero. Não vou correr atrás dela.
            _ Ah! Seu Josias, o senhor é muito esquisito, viu? Devia era procurar essa talzinha e se acertar com ela de vez. Ela ainda te dá bola?
            _ Fica num chove não molha. Não quero saber dessa talzinha.
            _ Fala sério, seu Josias, a sua história não tá com nada. Fui. Não entendo esse povo, viu? Gosta da mulher e não quer ficar com ela. Tô fora!

            Por nenhuma destas histórias parece ser a ideal? É cada uma mais estranha que a outra.
            Lá vem a Cris. Pelo sorriso de tocar as orelhas, deve ter acontecido algo de muito bom. Também, sempre acontece algo de bom na vida da Cris. Por incrível que pareça, ela sempre tem uma novidade para contar, e em noventa por cento delas, tem algum garoto envolvido.
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_ Adivinha, Paty.
            _ Tem garoto?
           
Todas as histórias da Cris, ou pelo menos as que ela acha mais interessante tem garotos no começo, no meio e no fim.

_ Tá quente.
            _ Não posso acreditar. _ Disse ironicamente.
            _ Se ficar de bobeira, não conto. _ Falou em tom aborrecido.
            _ Conta, vai?
            _ Está bem. Acho que estamos ficando amiguinhos.
            _ Você e quem?
            _ O Alê, é claro.
            _ Sobre o que conversaram?
            _ Sobre nada. Ainda estou rondando. Mas quando ele me viu, veio correndo pra me atender.
            _ Jura, Cris?
            _ Deixa de ser invejosa. Quando ele me deu a coxinha, perguntou se estava tudo bem. Não é um grande progresso? Agora, quando passo por ele, eu digo oi.
            _ Isso é tudo?
            _ Melhor que nada.
            _ Acha que esse já está caído por você?
            _ É cedo para dizer, mas acho que está interessado.
            _ Quem não está interessado em você, Cris?
            _ Falando em interessado, sabe quem me chamou pra ir ao cinema?
            _ Quem?
            _ O Pudim. Fiquei de dar a resposta amanhã.
            _ Você vai sair com aquele cara?
            _ Claro que não.  Mas é falta de educação dispensar alguém de cara.
            _ E é sempre bom ter alguém na reserva, não é mesmo?
            _ Falou e disse, Amiguinha.


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            _ Eu acho que o Teo gosta de você. _ Disse a Cris de repente.
            _ Corta essa, Cris. Não acha que ele gosta de você, não?
            _ Não sei por que você esta falando isso.
            _ Sei lá. Você diz que todo mundo paquera você.
            _ Você está ficando amarga, sabia? Deixa pra lá. Você não merece o Teo.
            _ Não sei por que.
            _ Porque ele é legal e além do mais, é um gatinho.
            _ O Teo, um gatinho. Que horror! Parece mais o mosquito da dengue.
            _ Tem horas que não dá pra conversar com você, Patrícia. Além do mais, eu acho que você faz um par perfeito com ele.
            _ Com o Teo?
            _ Não. Com o mosquito da dengue.
            _ Você me cansa. Sabia? Tem horas que você consegue ser pior do que o Teo.
            _ Ih, garota, vê se me erra.
            _ Vê se me erra você.
            _ Vou dar uma voltinha. So-zi-nha.
            _ Vai mesmo. Quem sabe você não cruza com um gatinho. Aposto que ele vai ficar com os quatro pneus arriados por você.
            _ Já cruzei com um gatinho, agora mesmo.
            _ É? Foi com o Felipe?
            _ Não. Foi com o Léo. Ele falou comigo, sabia? Ele sempre fala comigo.
            _ Aposto que está apaixonado por você.
            _ Acho que não. Mas se fizesse uma forcinha, era bem capaz dele ficar na minha.
            _ Cris, tem horas que acho que você não existe. Tem razão. Se você fizer uma força, é bem capaz do Léo ficar na tua. Ele também fala comigo, sabia?
           
            Não vou ficar por baixo. A Cris pensa que todos os garotos do mundo só têm olhos pra ela. O Léo também fala comigo. Tá certo que só é de cortesia, mas a Cris não precisa saber disto.

_ Sei. Ele fala com todo mundo. _ Disse com desdém.

Tem horas que tenho vontade de bater na Cris. Não sei porque somos amigas. Mas sinto tanto a sua falta quando não estamos juntas.

            _ Acha mesmo que ele pode ficar na tua?_ Perguntei só pra ver qual era a dela.

            _ Com certeza! Quer dizer, as vezes acho que ele é muita farinha pro meu pirão.
            _ Também acho.
            _ Obrigada por me chamar de feia.
            _ Que nada. Até que você é bonitinha.
            _ Bonitinha é uma feia arrumadinha.
            _ É. Você anda bem arrumadinha.
            _ Você também, queridinha.
            _ Está me chamando de feia?
            _ Não. Só de bonitinha.
            _ Vamos dar uma volta, Cris. Jun-tas! Quem sabe o Léo não fala com a gente.
            _ É uma chance.
             








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            _ Oi, meninas!
            _ Oi, Paulinha! O que manda?_ Respondeu a Cris. A Paulinha é nossa colega de classe. Uma das poucas que a gente suporta. Tem horas em que os meninos sabem ser mais amigos do que as meninas. Talvez porque não estejam a fim de concorrência. Ou por que têm uma leve esperança de ficarem com a gente. No fundo, no fundo, também não dá pra confiar nos meninos.
            _ O de sempre. Cris, você que é fera no assunto. Acha que o Fábio está na minha?
            _ Sei lá, Paulinha. Ainda não desencanou desse cara?
            _ Eu gosto dele de verdade.
            _ E eu falei que é de mentira?
            _ Cris, algumas meninas costumam gostar de um menino por um período maior do que uma semana._ Me meti na conversa.
            _ Paty, se você não percebeu, o papo está reto.
            _ Me desculpe pela vergonha que passei. Não está mais aqui quem falou.
           
A Cris é sempre assim. Tem a sutileza de um elefante. Quando quer dar um fora, não poupa ninguém. Mesmo eu que sou sua melhor amiga.

            _ Deixa prá lá. Agora que já se meteu, continua.
            _ Agora também não quero.
            _ Ai, gente! Deixem de besteiras. Eu aqui com um problemão e vocês com essa briguinha de jardim de infância.
            _ Não precisa humilhar. Né , Paulinha?_ A Cris falou.
            _ E aí, o que vocês acham? O Fábio está ou não na minha?
            _ Pelo tempo já deu pra sacar. Não é Paulinha?_
            _ Ai, Cris. Deixa de ser uruca.
            _ Tudo bem, gente. Mas a Paula tá moscando. Devia ser mais agressiva.
            _ Vocês acham?! Acho que não ia ter coragem.
            _ Acho que você deveria fazer alguma coisa pra pegar esse gato.
            _ É, Paulinha. Dessa vez tenho que concordar com a Cris.
            _ Se bem que ...
            _ O que, Cris? _ A Paulinha perguntou arregalando os olhos.
            _ Sei lá. Acho o Fábio meio baixinho. Podia trabalhar como salva vida de aquário.  Na verdade, se homem alto fosse dinheiro, o Fábio seria troco.
            _ Qual é, Cris? _ Explodiu a Paulinha _ Até parece que você é muito alta.
            _ Eu tenho um metro e cinqüenta e seis, minha filha.
            _ Melhor arredondar para um metro e meio. Isso é tamanho de gente? Parece até metragem de pano.
            _ É, um metro e meio é o suficiente pra fazer uma blusinha GG, pra você?
            _ Que GG, Cris? O meu tamanho é M.
            _ M?! Só se for M de maior.
            _ Minha casa tá em obra. Quer pintar o rodapé?
_ Vai querer humilhar, é, Paulinha? Não te ajudo mais.
            _ E quem disse que você está me ajudando? Só fica puxando pra baixo. Até parece que tá na dele?
            _ Eu, gostando do Fábio? Te orienta, Paulinha. Ele é que é doido por mim.
            _ Vai começar, Cris? _ Eu perguntei.
            _ Pra me defender você não se mete, não é, Paty? Mas se é pra ficar contra mim, logo mete o bedelho.
            _ É que ninguém merece tanta presunção. Todo mundo é caído por você.
            _ Quem não tem competência não se estabelece, queridinha.
            _ Gente, vamos parar com esse papo, porque já encheu. _ Disse a Paulinha, pondo um fim na discussão. _ Além do mais, eu me garanto. O que vocês acham que eu deveria fazer?
            _ Sei lá. Descolar umas roupas transadas? _ Disse a Cris.
            _ Por que você não solta o cabelo? Ia ficar legal, Não é, Cris? _ Dei também um palpite.
            _ Isso mesmo, Paulinha. Vive só com esse cabelo preso. – Concordou a Cris.
            _ Vocês estão loucas?! Nem morta! Meu cabelo é igual bandido: quando não tá preso, tá armado. Aí que ia espantar o Fábio de vez.
            Nisto o sinal tocou. Nos despedimos. Acho que a Paulinha não tem jeito. Encanada naquele cara tanto tempo. Eu  e a Cris fomos pra cantina. A Paulinha preferiu ver os meninos jogarem bola. Quando o Fábio está no jogo, pelo menos uma torcida é certa.



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            E se eu pegasse um desses livros que falam sobre amor? Um desses com uma história bem bacana. Já sei! Romeu e Julieta! Isso mesmo! Vai dar o que falar. Vou procurá-lo na biblioteca.
            _ Onde está? Deixe-me ver ... Aqui! Encontrei!
            Acho que não vou conseguir ler este livro todo até o dia de entregar a redação. Mas eu já sei da história. Fizemos uma peça na escola. Eu não gostei deles terem morrido. É muito estranho. Quando as pessoas se gostam devem ficar juntas.
Não queria que eles tivessem morrido. Acho que ninguém queria. Por que então essa história faz tanto sucesso? Por que as pessoas gostam de tragédias? O que há de bonito no sofrimento alheio?
Gostaria de escrever um novo final para Romeu e Julieta. Um final em que os dois vivessem felizes para sempre. Mas então a minha história já não seria Romeu e Julieta e sim uma outra coisa qualquer que ficariam pegando poeira em uma biblioteca. Aqueles livros que as pessoas compram , mesmo sabendo que não vão ler, só para terem uma biblioteca bem cheia. Arg! Que complicação. Como eu gostaria de acordar e ter essa redação pronta. Isso já está me deixando de cabelo em pé.  Eu não sei nada sobre o amor. O que poderia escrever. Não me aparece nenhuma idéia brilhante.
Acho melhor ir dormir. Quem sabe amanhã não acordo com uma brilhante idéia?

                                                 ...............................................

_ Fez o exercício da professora Tânia?
_ Oi, Lana. Não! Acabei esquecendo. Não consigo pensar em mais nada a não ser na redação desse  professor  malvado. Já fez a sua?
_ Que nada! Ainda tem muito tempo.
_ Não sei como você pode deixar tudo pra cima da hora.
_ Lembre-se do meu lema, querida amiga: Não faça hoje o que você pode deixar para manhã.
_ Um dia você acaba se dando mal.
_ E você, Teo? Já fez?
_ Também não. Mas essa é barbada. Já sei até de cabeça.
_ Então me diz.
_ Simples. Amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas.
_ Ai, Teo. Você é ridículo. Ninguém merece! _ Respondi.
_ Do que vocês estão falando, gente?_ Perguntou o Jean.
_ Da redação sobre o amor, Jean. Já fez?
_ Já. O ano passado. O professor passa esse trabalho todos os anos. Vou copiar a mesma.
O Jean foi reprovado o ano passado. Tem todos os trabalhos. Não parece ser burro.
_ Jean.
_ Fala, Paty.
_ Qual é a sensação de ser reprovado?
_ É horrível, Paty. Eu não esperava por isso. Eu estava lá, com todo mundo. Só esperando pra pegar o boletim. E de repente, veio aquela bomba na minha cabeça. Me deu vergonha, vontade de chorar. Mas eu não podia pagar aquele mico.
Eu não tinha coragem de falar nada. Sabia que se falasse, não ia conseguir segurar a barrar. Ia chorar ali mesmo.
Um ano ralando, achando que estava tudo bem. E na última, hora, bem na última hora. A casa caiu em cima da minha cabeça.
_ Que coisa!
_ Todo mundo pegando o boletim, sorrindo satisfeito e eu ali, com cara de pamonha. O Rubico, que era meu chapa, ficou me mostrando as suas notas, fazendo comentários. Eu fiquei com vontade de falar pra ele que não estava com vontade de ver as notas de ninguém. Mas eu não tive coragem de roubar a alegria do meu melhor amigo. Ele não tinha culpa de nada.
_ Mas ele podia te entender. Será que ele não viu que você estava mal?
_ Eu também pensei isto na hora. Mas o Rubico me ajudou a segurar a barra. Eu sabia que ia chorar. Eu estava doido pra correr pra casa. Já tinha visto tanta gente passar por aquela situação, mas nunca tinha acontecido comigo. Isto é coisa que acontece com os outros, não com a gente. Quando a gente pegou as bicicletas e começou a pedalar, eu comecei a chorar. O Rubico  falou que era pra eu chorar mesmo.
_ Ele tinha era que te dar força, não mandar você chorar.
_ Acho que ele quis dizer com isso que entendia a minha dor, que se estivesse no meu lugar, também ia chorar do mesmo jeito.
_ Acho que você tem razão.
_ Quando cheguei em casa, fui direto pro banheiro. Eu não conseguia e nem queria parar de chorar. Foi o Rubico quem contou pra minha mãe que eu tinha sido reprovado. Eu não tinha coragem de fazer isso. Eu sabia que podia contar com ele pra fazer isso por mim.
_ Ele é teu chapa mesmo.
_ Agora já é bola pra frente, não dói mais como doeu na hora, mas ainda á barra. Tem horas que eu não acredito que isto aconteceu comigo.
_ Eu não sabia que era tão barra assim.
_ Mas é. Vou voltar pro meu canto. Se precisar de alguma ajuda, conte comigo, afinal, deve-se dar ouvidos à voz da experiência.

Por fora eu ri com a piadinha do Jean, mas por dentro eu queria chorar. Deve ser horrível passar por uma situação daquelas. Mas, ainda bem que ele teve o Rubico pra ajudar a segurar o tranco. Eu nunca tinha visto um menino dizer que tinha chorado. Nem outro mandar o colega chorar mesmo, porque entendia. Os meninos parecem tão insensíveis. Pensei que chorar fosse coisa só de meninas e que os meninos não entendessem isso. Mas o Jean e o Rubico entendiam. Talvez porque chorar e entender que chorem não seja coisa realmente de meninos e sim de homens. Acho que o Jean e o Rubico já não são mais meninos.
  

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_ Bom dia, pessoal.
_ Bom dia, professora Tânia. _ Respondeu a turma em coro.
_ Fizeram o exercício?   
_ Fizemos. _ Soou novamente o coro
_ Tânia, desculpa. Eu esqueci.
_ Patrícia, não é assim  que a banda toca. Se eu pedi para fazerem os exercícios era...
_ Por favor, Tânia. No final da aula eu te explico.
No final da aula acabei explicando pra ela. Pensei que ela ia me dar uma canja, mas não foi bem assim.
_ O amor não existe, querida! É tudo química. Serve para a preservação da espécie.
_ Não acha que está levando o seu trabalho a sério demais?
_ Não, só estou explicando o que você já devia saber.
_ Teve alguma decepção amorosa?
_ Não.
_ Nunca amou?
_ Não.
_ Nunca se interessou por alguém. É indiferente ao sexo oposto?
_ Claro que não! Sou completamente a favor da preservação da espécie.
_ Não estou entendendo nada.
_ Como eu já disse, é pura química. Você está numa calçada, um homem passa, você olha pra ele e ele olha pra você. È como um ímã, ninguém consegue explicar. Nunca aconteceu com você?
_ Já.
_ Então. Não tem outra explicação. O resto é apenas conversa fiada.
_ Como assim?
_ O amor não existe. È tudo um conto de fadas. Você olha pra alguém e bum, fica muito ou pouco interessada. Você quer ficar perto dela, quer que essa pessoa fique interessada em você. Tudo isso quer dizer que você quer acasalar com essa pessoa e mais nada, o resto é tudo balela.
_ Que horror, professora. Não é bem assim. Eu não quero acasalar com ninguém. Se minha mãe ouve isso.
_ Acho que você não me entendeu bem. Eu não quero dizer que você queira fazer sexo agora, mas sim algum dia. Você não pretende se casar um dia?
_ É claro!
_ Então! Você quer se casar porque precisa fazer sexo, para preservar a sua espécie. É uma coisa inerente a todo ser humano. Faz parte do subconsciente coletivo.
_ Não consegui entender muito bem. Achei tudo muito nu e cru. A senhora está querendo descrever o amor de uma maneira muito científica. Isso não dá ibope, minha redação não vai dar nem pra saída.
_ Procure um professor de literatura, de arte, sei lá. Eu só disse o que eu penso. Você não acha que tenho razão?
_ Claro que sim, professora, só não sei se meu professor vai gostar. Ele pediu uma redação sobre o amor e eu vou dizer que o amor não existe. Acho que não vai dar certo. Em todo caso, muito obrigada pela ajuda. Até mais, professora.

            Imagine se eu vou dizer que ela não tem razão. Todo professor acha que está sempre com a razão. e ai de nós se discordarmos disso.
            Tenho um lema na vida: Nunca discordar publicamente de um professor e sempre que precisar dele, me humilhar bastante. E nunca em público. Você nunca conseguirá nada de um professor se lhe pedir um favor na frente dos outros. É claro que ele vai dizer não! Mas se você pedir algo em particular, de preferência com cara de cachorro que caiu da mudança. É claro que o professor vai quebrar o teu galho. Professor é igual pai da gente, se a gente pedir direitinho, consegue tudo o que quiser. Mas se for cartar marra, pode esquecer. A pior coisa que tem é deixar professor irritado.   





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            A história da Tânia é bem legal. Uma das melhores que ouvi. Pelo menos teve um final feliz. Talvez  por aí eu conseguisse tirar uma  idéia do que seja o amor. Não sei como começar. Penso que deveria pesquisar mais. O que eu poderia escrever. Qual é a medida certa do amor?
            Todo mundo já foi embora. Só o Teo está por perto. Acho que vou embora com ele. Quando a turma está junta, o Teo rapa fora e vai embora com os meninos, mas quando só está nós dois, ele fica morrinhando pra ir comigo. Sai na frente, como quem não quer nada, até eu alcançar o passo e ir com ele. Aí, ao invés dele ir pra casa, sempre arruma alguma coisa pra fazer pros lados da minha, só pra ir comigo.
            Tenho que admitir, acho que tenho uma quedinha pelo teo, desde os tempos do jardim de infância. Mas o  Teo é meio sem graça. Mas gosto de ir pra casa quando estou só com ele. O Teo fica  muito mais legal quando não está com os meninos.
            Não falei. Já me viu e agora está indo devagarzinho pra casa.
            _  Oi, Teo.
            _ Oi, Paty.
            _ Está indo pra casa?
            _ Estou.

            Voltou a falta de assunto. A gente sempre fica assim quando está junto, sem ninguém. Por que se tem alguém, a gente invariavelmente briga.
            Detesto quando o Teo não vem à escola, eu sinto falta dele. A gente nunca namorou, nem acho que vá namorar. Quando a gente estava na primeira série, ele beijou a Cris. Nunca vou perdoar o Teo por isso. Eu perdoei a Cris, afinal de contas, ela não sabia que eu gostava dele. Gostava, não gosto mais. O Teo é coisa do passado.
           
_ Por que você está tão calada?
            _ Nada.

            Ele não podia ter feito isso comigo. Logo a Cris, minha amiga. E ela nem gostava tanto assim dele. Faz tanto tempo.

_ Teo, por que você beijou a Cris?   
_ Eu beijei a Cris?
_ Beijou sim, na primeira série.
_ Tá viajando, eu nem lembrava mais disso. E você que beijou o Fael?
_ Eu já estava na sétima série, Teo.
_ E daí? Mas a mim você não quis beijar.
_ Você não perdoa, não é, Teo?
_ Ainda está em tempo. Quer me beijar agora?
_ Só morta, Teo.

Beijar o Teo. Nem de brincadeira. Quem ele pensa que é?

_ Tchau, Paty.
_ Tchau, Teo.

Acho que ele ficou com raiva. Mas o que eu posso fazer? O Teo sempre estraga tudo.
Como se beijo fosse tudo na vida.  Os beijos que dei não valeram a pena. Beijar na boca de filme, novela e livro é lindo. Tem até musiquinha!
Beijar na vida real é legal. Não vamos tirar todos os méritos do beijo. Mas o legal mesmo é andar de mãos dadas. É extremamente romântico! Quando um cara pega na sua mão, dizendo que gosta de você (com as mãos e não com a boca) é muito dez. Mas se você naõ gosta do cara. Argh! Detesto quando um garoto que eu não gosto pega na minha mão. Dá vontade de sair correndo.
Legal mesmo é a teoria do abraço. É democrático, gostoso e não tem contra-indicações. È uma demonstração de carinho, pode ser dado em crianças, homens, mulheres, sem distinção.
Adoro abraçar. Abraço toda gente. Meus familiares, minhas amigas, amigos, conhecidos. Abraçar é muito bom!
Claro que abraçar um garoto lindo é tudo de bom. E o legal é que você não se compromete. Tanto pode ser de amigo ou outra coisa mais. Quem é que vai saber? Acho que nem o próprio garoto. E viva o abraço!


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            _ Não vai resolver a equação?_ Me perguntou o professor de Matemática.
            _ O quê?
            _ Isso mesmo que eu falei, menina. Olhe a equação no quadro.
            _ Ai, professor Heredias, eu não consigo pensar em mais nada. Preciso resolver este papo da redação.
            _ Sobre a história de amor?
            _ Como o senhor sabe?
            _ Não se fala de outra coisa nesta escola.
            _ Então, professor, não tem uma linda história de amor pra me contar?
            _ Uma dúzia delas.
            _ Me conte uma, por favor!
            _ A equação.
            _ Quebra essa.
            _ Não tem negociação.
            _ E se eu fizer a equação?
            _ Não faz mais que a sua obrigação.
            _ Que tal na hora do recreio?
            _ Posso até pensar no seu caso, mas agora, a equação.
Não teve outro jeito. Tive que resolver a equação. E era uma daquelas bem cabeludas, mas na hora do recreio, não deixei o professor Heredias escapar.
_ Conte-me tudo, professor. Pelo menos uma de suas histórias.
_ Tenho tantas.
_ Ótimo! As outras o senhor pode compartilhar com meus colegas. Quanto a mim, quero a melhor delas.
_ Você já é a terceira.
_ Me passaram a perna! Tá bom, manda ela.
_ Tem a de uma jovem que conheci no metrô. Também da que conheci numa viagem ao Nordeste.
_ Escolha logo uma.
_ Posso contar a história de uma moça que conheci quando morei em uma cidadezinha do interior. Foi muito rápido. Eu era muito jovem e mamãe não agüentou o lugar. Ficamos lá apenas cinco meses, foi uma mudança relâmpago.
_ Como foi?
_ Era o meu segundo mês morando naquela cidade. Resolvi sair com um amigo. Fomos para a praça. Era a única coisa pra se fazer naquele lugar.
_ Que tédio.
_ Chegando lá, encontrei uma conhecida que me apresentou a pequena. Seu nome era Fernanda e era uma jovem bonita. Ela reparou em minha gravata e disse que era muito bonita.
_ O senhor foi paquerar de gravata?
_ Vai ficar me interrompendo a todo instante?
_ Desculpe-me, pode continuar.
_ Foi assim. Ela continuou conversando com um grupo de amigos e não me deu confiança. Eu também não fiquei muito empolgado. Havia outras moças interessantes. É certo que a observei várias vezes, aquela noite, mas não foi nada que me tirasse o fôlego. Alem do que, estava achando aquela pracinha a maior maçada. Duas semanas se passaram, até que a vi novamente. Desta vez nossa amiguinha pareceu reparar mais em mim. Mas fiquei na dúvida, pois estava cercado de amigos, podia ser qualquer um de nós.
_ E aí, o senhor falou com ela?
_ Não.
_ Moscou.
_ Tem razão. Eu já estava na segunda semana do terceiro mês quando a vi novamente. Estava passando pela rua, quando a vi em frente a uma pequena loja. Ela pareceu me reconhecer, mas lá estavam os jovens amigos. Eu nem falei com ela. Depois achei que estava sendo indelicado de minha parte não falar  com uma pessoa a quem já havia sido apresentado e uns dias depois, quando cruzei com ela na rua, falei bom dia.
_ E ela?
_ Retribuiu.
_ Isso é tudo?
_ Vocês de hoje em dia é que são muito apressados. Uma semana depois, quando passeava com meu cachorro. Ela veio, sorridente conversar comigo. “Ele é seu?” Ela me perguntou. E o afagou. Pensei que naquela hora iríamos finalmente iniciar uma conversa, mas um amigo chamou-me para jogar bola. Eu disse que não queria, mas ele insistiu, como se estivesse me fazendo um grande favor. E lá fui eu arrastado por ele. Sabia naquela hora que uma grande chance estava sendo desperdiçada.
_ Por que o senhor não socou o seu amigo?
_ Era o que eu devia ter feito.
_ Poucos dias depois, a encontrei de novo, mas não notei em seus olhos nada que denotasse interesse. E mais uma vez tive vontades de socar meu amigo.
_ Era o que eu teria feito.
_ E no outro dia a mesma coisa. Bem, estava tudo perdido. No quarto mês, na primeira ou segunda semana, nossa família foi convidada para ir a uma festa . Fui muito animado. Certamente encontraria nossa encantadora amiga. Ou talvez outras das belas jovens. Mas já nessa hora, ela era quem mais me despertava o interesse. Quando cheguei na festa, foi a maior decepção. Estava fazia, sem graça. Nem ela nem ningúem. Quando resolveram ir embora, não fiz a menor objeção. Quando nos retirávamos, até que chegou uma jovem um pouco interessante, mas não era tanto assim. Sentamos um pouco na praça, para não desperdiçar a bela noite. E qual não foi minha surpresa quando a vi passar com uma grupo de jovens que iam para mesma festa que eu havia desprezado. Notei em seus olhos que ela havia me notado. Nem tudo estava perdido. Uma das jovens do grupo gracejou comigo e ela ficou parada olhando pra nós. Mamãe lhes ofereceu umas balas e ela veio buscar. Sabia que era pretexto. Minhas irmãs se riram e falaram para mamãe que era para eu entregar. Peguei as balas das mãos de mamãe e as entreguei a ela. Nossas mãos se roçaram levemente. Fiquei emocionado.
_ Só com isso! Tenha dó, professor.
_ Os tempos eram outros. Fiquei torcendo para que eles não gostassem da festa, como nós e voltassem. Mas mamãe resolveu ir embora e não tive coragem de me opor. Minhas irmãs perceberam que havia um interesse entre nós. Meu segredo havia sido descoberto, mas estava feliz. Era um misto de vergonha e orgulho.
_ Uns dias depois a vi só de relance. Acho que ela não me viu. Mas no outro, nos encontramos e a cumprimentei. Dessa vez, ela me cumprimentou docemente e eu fiquei muito feliz. E nos dias dessa semana, nos vimos várias vezes. Nós não conversávamos um com o outro, mas nos olhávamos muito. Todos os meus amigos já sabiam e caiam na minha pele. Eu estava feliz. Ela estava interessada em mim. Não havia mais dúvidas. Mas na outra semana ela me cumprimentou  friamente novamente.
_ Que garota estranha!
_ Realmente! Fiquei um pouco decepcionado. Mamãe não estava contente com a cidade. Eu também já não estava. Papai estava vendo outra casa, em outra cidade. Já não me importava de ir embora. No último mês que estive naquela cidade, a vi de relance. Ela não me viu. Algumas horas mais tarde ela me viu e caminhou para mais perto. Desviei o olhar, por pura timidez de jovem rapaz e quando olhei novamente, vi que ela tinha partido. Esperei por ela, em vão. Desisti. Quis partir. A mudança veio mais rápido do que esperava. Fiquei contente por isso. Sabia que não restava nada pra nós dois.
No dia da mudança ela passou pela minha rua. Nos cumprimentamos e ela olhou para nossa mudança. Então me disse: “Você vai embora?”. Assenti com a cabeça. Então ela se aproximou, segurou em minhas mãos e me beijou nas faces, dizendo algo que não me lembro, mas que era uma despedida. Eu ainda olhei para praça, onde ela estava, mas ela não fixou mais olhos em mim. Eu parti em rumo de uma nova vida e nunca mais a vi.
_ Nunca mais?!
_ Nunca.
_ Que história mais “deprê”, professor Heredias. Não posso escrever sobre isso!
_ A vida não é um conto de fadas. O sinal bateu.
_ E eu nem comprei um lanche na cantina.
_ E eu nem pude tomar um café na sala dos professores.
_ Foi mal, “fessô”. Quer que eu leve um cafezinho pro senhor, na sua sala? Que turma o senhor vai pegar?
_ Deixa pra lá. Foi pena que minha história não tenha ajudado.
_ Não tem problema, professor. Sua história é bonita. Só faltou um final feliz e um pouco mais de ação.
_ Vocês jovens! Tenho que ir pra minha aula. Até a próxima e não se esqueça de fazer os exercícios. _ Pode deixar, professor.

Interessante, conversar com o professor Heredias. Ele é um ser humano e não uma máquina de fazer cálculos. Ainda que seja bastante estranho esse negócio dele lembrar matematicamente de todos os meses e semanas que passou naquele lugar. Será que ele lembra de tudo? Que cabeça! Mas sua história não me serve. Quero algo com mais impacto.   











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_Tenho um negócio pra te mostrar! _ Disse-me o Theo, logo que cheguei na sala._É uma música. Quer ouvir?
_ Que música? _ Eu perguntei.
_ Ouve. Tem duas versões.
_ Mas tem que ser rápido. Tenho que terminar o exercício de Inglês.
_ Espera! Coloca o fone.Ta ouvindo?
_ Não estou ouvindo nada, Theo.
Ele mexeu umas paradinhas no MP3 dele e me devolveu o fone.
Logo agora que eu estou tão ocupada. Cara! Que música é essa? Amizade que se transformou em amor. Qual é a do Theo, hein? E aqui na sala, bem na frente de todo mundo. O Theo está mesmo querendo acabar com a minha reputação.
_ Isso  que a música está falando não é pra mim ,não! Não é Theo?
_ Entenda como quiser!
_ Fala sério, Theo! Isso é pra mim?
_ Entenda como quiser!
Será que é verade? É claro que eu sei que ele tem uma quedinha por mim. Mas declaração?! Isto está ficando meio sério.
_ Vaza, Theo! Toma o teu MP3. Eu estou ocupada. Tem que fazer o meu exercício.
Ele riu e foi pro lugar dele! Bem em cima do muro, este tal de Theo. Não fala nada, mas a música diz tudo. “Entenda como quiser”. Isto é bem coisa do Theo. Será que ele está mesmo apaixonado por mim? Apaixonado de verdade ou é apenas uma brincadeira? O Theo brinca tanto. Será que ele está falando sério? Não vou negar que isto infla o ego. Mas como vou administrar isto? Era só o que me faltava.

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Não consigo pensar em nada de interessante, já passa das dez horas e tenho que apresentar essa redação no primeiro tempo, amanhã. Conversei com tanta gente o bimestre inteiro. Procurei em tantos livros e não achei nada. Eu quero dormir e acordar só na semana que vem. Vou chegar amanhã sem nada. Vou levar um baita de um zerão e de quebra, ainda vou levar uma bronca da professor. Ai, que sofrimento! Eu não mereço isso. Que raiva do professor Reginaldo! Que vontade de chorar. Acho que vou chorar.
_ Patrícia, vamos dormir. Você sabe que tem que acordar cedo amanhã. Você tá chorando, filha? O que foi? Você está passando mal? Tá sentindo alguma coisa? Conta pra mamãe.
_ Não, mãe. É a redação de amanhã. Eu não consegui fazer.
_ Mania que você tem de deixar tudo pra cima da hora.
_ Eu não deixei pra cima da hora, mãe. Eu tentei fazer essa redação o bimestre inteiro.
_ Acredito.
_ Verdade, mãe. Perguntei pra tanta gente, mas não consegui achar nada interessante. Ninguém sabe dizer direito o que é o amor? Mãe, você sabe o que é o amor?
_ É o que eu sinto por você.
_ Esse tipo de amor não vale.
_ O seu professor disse isso?
_ Não, mas eu acho que não vale.
_ E você, sabe o que é o amor?
_ Já disse que não sei, mãe. Se eu soubesse o que era, já tinha feito a redação.
_ Não vai recomeçar a chorar agora. Tadinha da minha filha, tão novinha e já chorando por causa do amor.
_ Como é que você pode brincar numa hora dessas, mãe? Não tá vendo que eu tô sofrendo? 
_ Estou sim. E por causa de nada. Talvez você esteja um pouco equivocada sobre o que é o amor. Amor não é só beijo na boca. Amor é sentimento. Um sentimento só, que pode ser aparecer de várias maneiras. Amor é o que eu sinto que eu sinto pelo seu pai e ele por mim. É o que nós dois sentimos por você. É o que Deus sente por nós e que nós sentimos por Ele. E foi Deus quem nos ensinou amar de várias maneiras.
O amor é um sentimento muito amplo para ser colocado em palavras. É por isso que ninguém consegue explicar direito este sentimento.
_ Como assim, Mãe?
_ O amor é uma coisa muito forte, Paty. Uma coisa muito bonita. As pessoas é que vivem confundindo tudo. Fazem um cavalo de batalha uma coisa que é tão simples.
_ Simples como mãe? Eu perguntei sobre o amor para um montão de gente e cada um me disse uma coisa. E cada um tinha uma história diferente.
_ Você já reparou nas árvores?
_ O que árvores tem ...
_ Você já reparou nas árvores?
_ Quem nunca reparou, mãe? E daí?
_ Elas são todas iguais?
_ Claro que não.
_ E as nuvens?
_ Também não.
_ E os animais? As flores? Os lugares e as pessoas? Quantas pessoas você conhece iguais a você?
_ Você vive dizendo que eu pareço muito com a tia Su.
_ Mas é igualzinha a ela? As duas não têm nenhuma diferença?
_ Claro que temos. Ninguém é exatamente igual a ninguém.
_ E como que você quer que o amor seja igual pra todo mundo? Seria no mínimo incoerente. As pessoas não são iguais, por isso também não amam igual. Alguns amam mais intensamente, outros menos, mas todos, de alguma forma, amam.
Aposto que ninguém te deu uma resposta exata sobre o amor, por que ninguém a tem. Mas todo mundo tinha uma história pra contar.
_ E como tinham! Nunca ouvi tantas histórias sobre um mesmo tema. Mas eram tão diferentes.
_ Isso porque o amor é algo muito subjetivo.
_ Subjetivo?!
_ O contrário de objetivo. Não tem as provas de múltipla escolha?
_ As que eu adoro!
_ Todo mundo gosta! Um professor amigo meu disse que a educação começou a piorar depois que inventaram esta tal de prova de múltipla escolha.
_ Ele não sabe o que é bom!
_ Ou talvez saiba. Sei, lá. Eu não sou professora, não posso opinar com garantia sobre o assunto. Mas vamos ao que interessa. As provas de múltipla escolha pedem para que os alunos assinalem uma resposta apenas. Aquela é a certa, não tem para onde fugir. Isto é objetivo. Agora, se o professor põe na prova questões que pode gerar várias respostas diferentes, pois cada um tem o seu modo de expressar e o seu ponto de vista, terá respostas subjetivas. Porque depende de cada um.
_ Saquei.
_ É por isso que você ouviu várias histórias diferentes, porque cada um tem um modo de sentir e entender o amor. Se você parar para pensar. Verá que tem muitos amigos que gostam de estar perto de você assim como você gosta de estar perto deles. Vocês são pessoas que se amam.
_ Que amor, mãe? Eu não amo os meus amigos, eu apenas gosto deles.
_ A gente gosta de coisas, as pessoas nós amamos. Mas isto também é subjetivo. Uma opinião minha. Algumas pessoas, e grande parte delas, costumam dividir isto direitinho. Este é meu amigo, este é apenas um colega, deste eu apenas gosto e este eu amo. Como se amar fosse uma equação matemática.
_ Teve um dia que eu estava num ponto de ônibus e uma menina disse pra outra que elas eram amigas. A outra menina disse que elas não eram amigas, apenas colegas. A outra ficou tristinha e disse: “Se você se sente assim!”. Achei a outra uma nojenta. Eu que não ia mas querer ser colega dela.
_ Está vendo? Amiga, colega, são apenas nomenclaturas. O amor é que está por trás de tudo. Apenas com maior ou menor intensidade.
_ Ah, Mãe! Por que eu não conversei com você antes? Eu não ia levar um zerão.
_  Mas por que você vai levar um zerão?
_ Eu não fiz a redação.
_ Mas já chegou amanhã?
_ Mas você disse que eu tinha que dormir.
_ Digamos que isto seja uma emergência. Está com muito sono?
_ Você acha que eu vou dormir com um problemão destes?
_ Então, o que está esperando para começar?
_ Você me ajuda?
_ Claro! Vou pegar o lápis, o papel e a caneta pra você. O resto é contigo. Agora vou dormir, e não esqueça o dicionário.
_ Ok, mãe. Você já ajudou bastante.
_ Amanhã, me mostre, antes de sair. Aposto que vai ser uma linda redação.
_ Vira esta boca pro céu, mãe! Deus te ouça.
_ Boa-noite, meu amor. Eu te amo!
_ Também te amo, mãe!

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Meu professor leu a minha redação na frente de todo mundo. Fiquei feliz por ele ter gostado, mas do que o dez que eu tirei, fiquei feliz por ele ter lido apenas a minha redação. Eu sei que isso é egoísmo, mas eu fiquei feliz mesmo. Acho que estou aprendendo a ser sincera como a Cris. Ela ficou com muita raiva de mim. Acho que não gostou do que escrevi sobre ela na redação. Dá próxima vez, vou ter o cuidado de não citar nomes.
Também senti um pouco de vergonha dos meus colegas. Acho que quando a gente escreve algo de nós mesmos, acaba colocando muito de si no papel. Acho que as pessoas acabam descobrindo quem realmente nós somos.
Quando chegar em casa, vou mostrar a minha redação para a mamãe ler. Eu não tive coragem de mostrar pra ela, eu disse que estava atrasada (e estava mesmo, dormi muito pouco naquela noite), mas estava mesmo era com vergonha de que ela lesse o que eu escrevi. Acho que a mamãe desconfiou, mas não falou nada. Acho que ela entendeu. A mamãe sempre me entende. Ela  é  muito legal, se não fosse ela, eu não teria escrito a minha redação.
Acho que depois desse sufoco todo, que vocês passaram comigo, também merecem ler minha redação. Meu professor pareceu gostar muito. Espero que vocês também gostem:

Devo admitir que não foi fácil começar esta redação. Eu queria tanto achar uma coisa diferente para explicar de modo objetivo uma coisa que não dá pra ser explicada, apenas sentida.
Eu pensava que o amor era algo que acontece apenas entre um homem e uma mulher, quando muito um garoto e uma garota. E que quando isto acontecia, era lindo e maravilhoso, os dois se beijavam na boca e eram felizes para sempre. Então eu comecei a perguntar para um monte de gente sobre o amor e eu ouvi cada história.
Algumas eram legais, outras tristes, até mesmo sem pé e sem cabeça. Cada um pensava de um jeito. Eu fui ouvindo histórias daqui, fui vendo acontecer outras histórias dali. E de repente, tinha na mão uma colcha de retalhos despencada, e não possuía uma linha para costurá-la.
 Foram tantos os conceitos sobre o amor, que eu não consegui formar resposta alguma.
O amor para alguém, pode ser um sentimento tão precioso, que não vale ser desperdiçado com um simples mortal. Talvez seja por isso que a minha tia ame alguém que ela nem conhece, alguém tão perfeito que não existe e está só esperando para ser inventado. Vai que um belo dia um cara legal apareça e a minha tia decida que este homem especial seja ele?
Tem gente que já amou uma vez e este amor foi tão especial, que esta pessoa decidiu que deve guardá-lo para sempre na redoma de vidro de sua memória, e não dá chance para que outra pessoa ocupe o lugar deste amor perdido. Esta pessoa pode até viver com outro alguém, mas não permite que este alguém ocupe o seu coração. Acho que esta pessoa deveria dar uma nova chance para o amor. Quem sabe assim não poderia ser feliz por inteiro?
A amiga da minha tia acha que amar é fácil, que basta sentir, relaxar e ser feliz. Ela me disse  que se apaixona a cada semana. Acho que ela se parece um pouco com a Cris, a minha amiga. Que vive gostando de um monte de garotos. E quando ela gosta, é realmente sincera. Mas sempre que está falando em um, muda logo pra outro. Acha que todo mundo gosta dela, mas também ela gosta de todo mundo. Ainda que eu tenha certeza de que ela não faz isso por mal. Talvez os garotos gostem mesmo dela. Talvez eles só retribuam os galanteios que ela não cansa de fazer a eles.  As vezes chego a pensar que o verdadeiro amor da Cris é ela mesma.
O professor Heredias enxerga o amor pelo ângulo da matemática. Ele consegue lembrar exatamente dos meses e semanas que passou perto da pessoa amada. Ele parece dar mais importância aos números do que a qualquer outra coisa, mas só porque ele traduza o amor em números, não quer dizer que ele não tenha realmente amado.           
Já a professora Tânia, enxerga o amor pelo lado da biologia. Ela diz que a amor não existe e que o resto é pura química, algo que faz um homem e uma mulher se aproximarem só por um extinto de sobrevivência da espécie. Talvez ela tenha um pouco de razão. O que seria de nós humanos, se não fosse a química, citada por ela?
As vezes, o amor está tão perto de nós, que não conseguimos enxergar. Tudo que a gente quer é que o cara mais bonito e popular da escola olhe pra gente e isso nunca, ou pelo menos quase nunca acontece, no entanto, às vezes o amor está ali bem pertinho, desde o jardim da infância, a gente até desconfia, mas se recusa a aceitar.
O melhor é cuidar desse amor. Todo amor é uma planta, precisa ser regado, mesmo aqueles carvalhos bem antigos. Eles podem apanhar muito, não receber nem um bocadinho de água (ou talvez só um pouquinho) de nós. E mesmo assim estão firmes lá. Mas vai que um dia este amor acaba? E se outro entrar na nossa frente. Depois não vá querer chorar pelo leite derramado.
Mas qual desses seria o verdadeiro amor?
O tempo foi se esgotando e a minha colcha continuava despencada. Eu tinha visto o amor sob várias formas, mas não conseguia enxergá-lo. Quando eu achava que já estava no fundo do poço, e que tinha findado a minha procura, sem sucesso, alguém me fez ver  que as respostas estiveram o tempo todo ao meu alcance, eu que não conseguia enxergar.
            Então eu consegui ver a luz no fim do túnel. O amor estava lá, sentido de várias formas, expressado de várias maneiras. Ele esteve o tempo todo ali. Nas histórias que todas aquelas pessoas me contaram. Nas histórias que vi por todo lugar. Consegui enxergar o amor que sentia por meus pais, minha família, meus amigos, e por um monte de gente que me cercava.
            Eu descobri que cada um tinha uma história para contar porque cada um sentia o amor de uma maneira. E que mesmo quando duas pessoas se amam juntas ( porque as vezes uma pessoa ama e a outra não), cada uma vai sentir de uma maneira diferente. Duas pessoas podem viver um amor, de qualquer categoria que se pense: pais, filhos, amigos, namorados, não importa. Este amor vai sempre ser sentido de cada lado, e cada um  vai sentir e expressar de sua maneira. Mesmo que este amor tenha apenas um lado, pois muita gente ama sem ser amado. Mas isso também não importa, porque já que o amor é um de cada lado, o importante é amar e ter a alegria de eleger um ser amado. Foi aí que eu descobri a unilateralidade do amor.

                                                                                                                        Patrícia Ferreira  da Silva.   


Fiquei com um pouco de vergonha do Téo, eu não citei o nome dele, mas acho que ele percebeu que o carvalho de quem eu estava falando era ele. É difícil pra gente ter de admitir que gostamos de um garoto sem graça, que ninguém dá bola e que a gente conhece desde o jardim de infância. Mas é verdade que eu gosto dele e sei que ele também gosta de mim. O difícil é admitirmos isto. Mas dá próxima vez que tiver uma chance com o Téo, não vou desperdiçar.





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Epílogo


            Se vocês pensaram que acabou, estavam muito enganados. Nenhuma boa história, termina sem um bom epílogo. Todo ano se passou e foi uma maravilha. Eu nunca mais tirei um dez em redação, mas também nunca mais tirei menos de oito e meio. O professor disse que eu escrevo com o coração, só preciso rever minha ortografia. Bem que a mamãe sempre diz que eu não posso esquecer o dicionário.
            Hoje é um dia muito feliz.  È o dia da minha formatura. A Paulinha não quis fazer, disse que não vai fazer fita pra pegar diploma de gari, e quem se forma no Ensino Fundamental, não está se formando em nada.
            A Cris disse pra ela que nós sabemos disso, mas que esta é uma tradição do nosso colégio, desde os tempos que a escola só tinha o Ensino Fundamental. E muitos de nossos amigos, que a gente passou por anos, vendo todos os dias, não vamos ver nunca mais. Porque cada um vai seguir o seu caminho. Eu não acreditei na Cris, quando ela disse isto pra Paulinha. Mas a mamãe disse que é a pura verdade. Ela tinha amigos que nunca mais viu. Além do que, a Cris disse pra Paulinha que não ia perder a oportunidade de arrasar na formatura, pois ela fica o máximo quando veste branco. A Cris  não muda mesmo. Ficou de mal comigo uma semana, depois que o professor leu a minha redação para turma. Senti muita falta, eu não queria que ela ficasse magoada comigo.
            Mas depois ela foi se chegando e quando nos demos por conta, estávamos como unha e carne novamente. È como uma frase que li num antigo cartãozinho que a tia Su ganhou de uma amiga da escola: “A amizade é como o sol, que se esconde, mas nunca desaparece.”
            Eu e o Teo vamos fazer seis meses de namoro, semana que vem. Nós começamos a namorar um mês depois que o professor leu a minha redação. A Cris disse que o Teo é meio lerdinho, mas é legal. Mas se os dois não davam o braço a torcer, era melhor alguém dar uma forcinha. Ela e a Paulinha marcaram um trabalho com a gente, e nos algemaram com a algema de brinquedo do irmão da Paulinha e disseram que não iam nos soltar enquanto não nos entendêssemos.
Acho que a tática delas deu certo. O pior é que elas perderam a chave e nós passamos a maior vergonha. Foi o pai da Paulinha que teve que serrar a algema. Ainda bem que a algema era de plástico. E o molequinho que não parava de chorar. A gente teve que comprar outra para ele.
  Estou muito feliz com o Téo. Ele não é nenhum daqueles caras populares por quem a Cris se interessa, mas é um cara muito legal. Agora que a gente namora, não fica mais me irritando. Pelo contrário, me busca pra escola, me leva pra casa. A Cris disse que a gente ficou um grude só. Acho que ela está com ciúmes.
Minha relação com a Cris também mudou. Percebi que o que a Cris tem não é defeito. É excesso de confiança, a Cris se ama demais! Parece que eu estou zoando, mas não é não. Ela se ama e é feliz, confia no potencial dela e isto lhe faz muito bem. Sou muito mais tolerante com ela e nossa amizade se fortaleceu.
Aprendi a dar mais valor aos meus amigos. Aprendi a dar valor aos meus parentes. A propósito. Minha tia Su está namorando e está com cara que vai se casar. Ela encontrou um cara que ela jura que é o homem por quem ela esperou a vida inteira e parece que agora vai dar certo.
Eu perguntei como ela sabia e ela me disse algo parecido que quando um homem e uma mulher se entendem de verdade, não precisa ninguém dizer nada, está escrito nos olhos deles. Eles se gostam e ponto, não é preciso dizer
Também aprendi a dar valor pra mim mesma. Resolvi ser um pouco como a Cris. Chega de ficar me fazendo de coitadinha. Eu me sinto muito melhor agora.
Amar é bom! Seja de que tipo for. O amor é lindo, de todos os lados. E o melhor lado do amor é sempre aquele em que você está.





FIM


                                                                      

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